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A tua vida é a minha vida: “vita tua, vita mea”, é mais verdadeiro que nunca em relação à importância do acesso universal às vacinas. Isso é reafirmado por uma nota conjunta do Dicastério do Vaticano para o Serviço de Desenvolvimento Humano Integral e da Pontifícia Academia da Vida, divulgada em vista do G20 no outono do hemisfério norte e ligada à recém-realizada Cúpula Global da Saúde em Roma.
A reportagem é de Fabrizio Mastrofini, publicada por Avvenire, 26-05-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
A nota oficial – “Vacina para todos: ainda há muito a fazer” – enfatiza a necessidade de garantir o acesso universal aos medicamentos imunizantes, observando como “em alguns países de alta renda está se acumulando um número de doses até cinco vezes superior ao número de habitantes (e a administração foi até trinta vezes maior do que nos países de renda mais baixa). Não basta – acrescentam os dois órgãos da Santa Sé – afirmar em palavras o princípio da acessibilidade universal de um recurso que pode evitar (em pouco tempo) milhões de mortes. Mas também é nossa responsabilidade moral e política nos mobilizar: todos devem fazer sua parte para tornar a vacina verdadeiramente disponível para todos e em todo o mundo.
“Há duas razões para um compromisso real e efetivo com as vacinas para toda a humanidade: “A primeira é uma simples constatação: ao proteger os outros, também protejo a mim mesmo. Vejamos como é enganoso o adágio latino “mors tua vita mea” (a tua morte, a minha vida), que indica o fracasso de alguém como pré-requisito fundamental para o sucesso de outrem. Antes, deveria ser reformulado assim: “Vita tua, vita mea“. Não é possível vencer o vírus focando apenas em intervenções parciais: para erradicar sua circulação, ninguém pode pensar em agir sozinho, muito menos às custas de outros”. A lógica da reciprocidade se impõe diante dos exemplos de colapso dos sistemas de saúde e do contínuo surgimento de novas variantes do vírus. Mas a perspectiva de vacinas para todos precisa de uma cooperação real que derrote a tendência para o “nacionalismo vacinal” e a corrida a lucros desproporcionais das empresas farmacêuticas.
A nota acrescenta um segundo motivo de empenho, apelando à consciência de todos e ao valor da vida humana: “A convivência só é possível empenhando-se numa atitude de cuidado mútuo, como nos mostram claramente os momentos de maior fragilidade da existência: da infância à doença, da deficiência à velhice. Façam aos outros o que vocês querem que eles façam a vocês (cf. Mt 7,12): a solidariedade e a justiça têm raízes aqui. O valor intrínseco do cuidado mútuo está na base do amplo apreço angariado por médicos e enfermeiros que colocaram em risco a própria vida para cuidar dos doentes”.
As soluções existem, é necessário aplicá-las com “criatividade”: “Gestão das licenças e patentes das vacinas que prevê pelo menos suspensões temporárias para permitir a sua produção onde houver capacidade; formas de parceria entre estados e empresas farmacêuticas e apoio mútuo para distribuição (inclusive por meio do apoio ao programa Covax); apoio à pesquisa de novas tecnologias para vacinas que sejam mais estáveis e, portanto, mais fáceis de transportar e aplicar; utilização da alavancagem fiscal para reduzir o acúmulo de recursos nas mãos de poucos e favorecer sua redistribuição para todos; redirecionar investimentos das armas para a saúde”.
A prioridade das empresas, prossegue o documento, “não pode ser apenas aquela de responder aos interesses dos acionistas, mas deveria incluir todos os sujeitos e comunidades envolvidos. A criatividade humana deveria se empenhar mais para conceber novas soluções, solicitando a generosidade e a colaboração de todos”. Finalmente, uma “ênfase específica” vai para o empenho que as religiões podem colocar em prática. “A sinergia inter-religiosa pode fornecer uma robusta contribuição para informações corretas, que evitem notícias imprecisas ou enganosas, para ações educativas que ajudem a reduzir preconceitos e melhor compreender ideias complexas, como a correlação entre saúde pessoal e saúde pública, mas também entre desequilíbrios ambientais, modelos de desenvolvimento e estilos de vida. O objetivo a ser alcançado é superar uma suicida hesitação vacinal” e alimentar “aquelas atitudes de confiança e ajuda mútua sobre as quais se baseia qualquer construtiva convivência humana, uma efetiva fraternidade universal“.
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