“Vamos matar os Yanomami”. Em depoimentos à Hutukara Associação Yanomami durante visita a Boa Vista, Roraima, lideranças do Palimiú contaram em detalhes como vem sendo a rotina de terror na região, assolada por ataques desde maio. As agressões, segundo o documento elaborado pela organização, demonstram o agravamento das tensões na terra indígena. As lideranças buscam apoio para que seja feita a total retirada dos invasores.
A reportagem é de Evilene Paixão, publicada por Instituto Socioambiental – ISA, 23-07-2021.
Segundo os relatos, houve uma forte mudança na dinâmica do garimpo no Rio Uraricoera nos últimos anos. Se antes a pressão dos garimpeiros era menor, hoje “percebem que a presença dos invasores saiu do controle”. Ainda de acordo com os indígenas, “agora todos eles [garimpeiros] circulam fortemente armados pelo rio [Uraricoera]”.
Nas declarações feitas à Hutukara, as lideranças sublinharam um grande aumento no trânsito de embarcações no Rio Uraricoera, com a presença de forte maquinário e o uso de aeronaves, carotes e quadriciclos. O fato de que as balsas hoje são de ferro, não mais de madeira, e que existem grandes dragas são, para eles, indicadores de mudança na escala da atividade garimpeira. Além disso, nos últimos meses passaram a ver helicópteros carregando grandes mangueiras penduradas.
“Há também um aumento de currutelas, acampamentos e pontos de abastecimento dos garimpeiros ao longo do rio, com maior número de pessoas em circulação. Nestes lugares, a presença dos não indígenas ali é tão intensa que os Yanomami sentem que perderam o controle sobre a sua própria terra”.
Outro indicador da expansão da atividade garimpeira relatado pelas lideranças é a abertura de estradas ao longo do garimpo Tatuzão e na região do Rio Aracaçá, com aumento do uso de quadriciclos, que são transportados até essas áreas por via fluvial. O serviço de um piloto de quadriciclo rende cinco gramas de ouro por dia e é organizado em dois turnos, de dia e noite. A abertura dessas estradas para quadriciclos na região do Tatuzão, no interior da Terra Indígena, já havia sido denunciada em 2020 por lideranças Ye’kwana.
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Garimpo é visto na região do Homoxi na Terra Indigena Yanomami (RR) | Foto: Amazônia Real/Bruno Kelly
“É indicativo da expansão do garimpo também a aproximação dos invasores das comunidades, com o intuito de encontrar outros sítios para exploração. Os garimpeiros alegam que o ouro está acabando nos canteiros rio acima, e afirmam já terem mapeado a presença minerária próxima às aldeias”, diz o documento.
O Palimiú está sob ataques de garimpeiros há mais de três meses. O cenário crítico na região revelou uma nova estrutura criminosa dentro dos garimpos, equipada com fuzis, metralhadoras e bombas. Trouxe à tona também os operadores por trás do lucrativo negócio do garimpo ilegal.
“Ao sofrerem os ataques, souberam que os homens encapuzados eram guardas contratados para fazer a proteção de uma área de garimpo e que se trata de um grupo particularmente perigoso, que é inclusive temido por outros garimpeiros, ao qual começaram se referir como ‘oka pë’ – ‘inimigos/agressores’”.
“Pescaria era boa, e a caçaria também”
Segundo o relatório, a presença do garimpo fez a caça emagrecer, uma consequência da diminuição da área de floresta e também do aumento de lixo plástico que os animais estão comendo. “A contaminação dos rios é entendida tanto pelo aspecto barrento da água quanto pelo conhecimento que possuem a respeito da contaminação por mercúrio. Entendem que a ‘sujeira’ (xami) do garimpo tem produzido danos à saúde das pessoas” e pontuam que, antes do garimpo, a “pescaria era boa, e a caçaria também”.
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Vista aérea da comunidade Putu, região do Palimiú, Terra Yanomami | Foto: Greenpeace/Chico Batata
Os impactos na economia comunitária são descritos em uma das suas principais atividades: a pesca. As lideranças relataram que hoje não pescam mais no Rio Uraricoera, não apenas por reconhecerem a sujeira dos rios, mas também por sentirem medo da presença dos garimpeiros.
“Tanto a mobilidade dos grupos do Palimiú quanto a capacidade de se dedicarem ao cuidado com as roças tem sido reduzida, seja pelas estratégias de autoproteção, seja pelo aumento do número de doentes. Esses fatos demonstram que a sustentabilidade econômica das comunidades de Palimiú está comprometida, e sua capacidade de obter alimentos poderá se esgotar no médio prazo.”
Os impactos na saúde foram sentidos imediatamente com os ataques recentes dos garimpeiros ilegais à região de Palimiú. Conforme o documento, após o primeiro tiroteio, dia 10 de maio, a equipe multidisciplinar de saúde do DSEIY foi retirada do pólo base, deixando a comunidade desassistida. Em uma visita para atendimento de saúde realizada no dia 26 de maio, foi feita a busca ativa de malária, mas a equipe de saúde voltou para Boa Vista antes mesmo que se soubesse o diagnóstico. As lideranças falam, principalmente, de um número muito alto de malária e muitas crianças com diarreia, em toda a região.
Ataques
Desde 30 de abril, a Hutukara vem alertando o Estado brasileiro para a escalada da violência garimpeira na região de Palimiú. Já foram emitidos 13 documentos denunciado os ataques.
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Margarida Palimi Thëri fala à imprensa em maio sobre ataque na região do Palimiú | Foto: ISA/Valmik Mota
Os últimos ataques foram em julho. No dia 8, uma embarcação de garimpeiros disparou quatro tiros contra mulheres que procuravam um parente desaparecido no rio próximo à comunidade de Korekorema. No dia 13, de madrugada, a comunidade foi atacada por dois barcos de garimpeiros, que dispararam 10 tiros contra os indígenas. Após os ataques, os garimpeiros retornaram ao acampamento clandestino.
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fonte: http://www.ihu.unisinos.br/611464-vamos-matar-os-yanomami-relatos-de-um-povo-sob-ataque
Organização Yanomami desmente embaixada brasileira em carta a deputado que denunciou garimpo
Davi Kopenawa, presidente da Hutukara Associação Yanomami, rebateu declaração do embaixador Nestor Forster de que o Estado brasileiro estaria “protegendo” os indígenas.
A reportagem é publicada por Instituto Socioambiental – ISA, 23-07-2021.
O presidente da Hutukara Associação Yanomami, Davi Kopenawa, enviou uma carta ao deputado democrata Raúl Grijalva, presidente do Comitê de Recursos Naturais da Câmara de Representantes dos Estados Unidos, após a embaixada brasileira em Washington desmentir reportagem da BBC publicada pelo congressista em sua conta no Twitter.
A notícia denunciava o assédio do garimpo aos povos indígenas no Brasil e a inação do governo brasileiro. Também, destacava os ataques sofridos pelos indígenas Yanomami da região de Palimiú, que, desde o dia 10 de maio de 2021, têm sido vítimas de bombas e tiros disparados por garimpeiros ilegais.
“Sou solidário ao movimento indígena brasileiro, pois as máfias do ouro estão invadindo terras indígenas da Amazônia. Esses guardiões da floresta são a última linha de defesa da floresta amazônica #LevantePelaTerra e #MarcoTemporalNão”, tuitou Grijalva em 30 de junho.
Em resposta, a embaixada brasileira enviou um documento, assinado pelo embaixador Nestor Forster e publicado pela embaixada, onde afirma o compromisso do Brasil com a proteção dos povos indígenas, sugere que o governo brasileiro tem sido exemplar em coibir a atividade de extração de ouro ilegal e assegura a segurança dos povos indígenas nas Terras Indígenas do país, e na Terra Indígena Yanomami em particular.
Na carta enviada ao congressista, o presidente da Hutukara esclarece que “as afirmações ali descritas, no entanto, escondem a verdade dramática vivida pelos povos Yanomami e Ye’kwana”. A organização destaca que, “pelo menos desde 2018, é observado um aumento significativo da atividade garimpeira ilegal no interior da Terra Indígena Yanomami. O aumento coincide com o desmonte da capacidade de atuação dos órgãos de Estado responsáveis pela proteção aos direitos dos povos indígenas e ao meio ambiente – respectivamente, Fundação Nacional do Índio e Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis –, e com o abandono das estruturas de proteção territorial específicas na Terra Indígena Yanomami”.
Davi afirma também que as operações informadas pelo embaixador ao deputado Raúl Grijalva se resumem a incursões pontuais que até o momento não compreenderam todas as regiões e comunidades indígenas afetadas. “Uma vez encerradas [as operações], o garimpo volta a funcionar normalmente, de modo que a maioria dos núcleos garimpeiros ilegais no interior da Terra Indígena permanecem ativos. Os resultados divulgados até o momento, portanto, são pouco significativos diante da real proporção que a atividade garimpeira ilegal atingiu na Terra Indígena Yanomami”.
A maior terra indígena do Brasil, com mais de nove milhões de hectares e uma população de 27 mil habitantes, está invadida por aproximadamente 20 mil garimpeiros. Desde o dia 10 de maio, os conflitos se intensificaram na região do Palimiú, situada às margens do rio Uraricoera.
Em 2020, o garimpo ilegal avançou 30% na Terra Yanomami, segundo relatório da Hutukara. “Análises mais recentes indicam que em junho de 2021 a área impactada pelo garimpo na TIY atingiu o total de 2702 hectares, representando um aumento de 21% em relação a dezembro de 2020”, destaca o documento da associação indígena ao Comitê de Recursos Naturais dos Estados Unidos.
A carta reafirma que os povos Yanomami e Ye’kwana do Brasil, ao lado de demais etnias originárias no país “estão atualmente vivendo sob graves violações de direitos humanos, sem que o governo atue em conformidade com seus deveres constitucionais e compromissos assumidos internacionalmente para proteger, respeitar e realizá-los”.
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