Solidárias na vida cotidiana; radicais na luta contra o sistema, pela transformação do mundo!

Poesia coletiva elaborada pelo conjunto das trabalhadoras do Instituto Feminista SOS Corpo especialmente para o 8 de março de 2021

Solidárias na vida cotidiana; radicais na luta contra o sistema, pela transformação do mundo!

Feminismos são, no plural, vozes que não podem ser interrompidas, não mais. Mãos em riste. Punhos panteras cerrados. “Bicos na diagonal”. Tambores coloridos. Um cortejo inteiro de corpos mulheres, desses que passo a passo, desde muito longe, nos quatro cantos deste planeta Terra, rompem o véu ensurdecedor do si-lên-ci-o-so sistema-mundi, violador, invisibilizador, desumanizador de corpos mulheres meninas que habitam as águas, campos, florestas, cidades, periferias e que brotam, eles mesmos, negros, e de tão pobres, negros, indígenas, brancos, todos eles, ao seu modo, dissidentes por regra e desertores dos destinos. Como um plano de vida e uma ação juntas, os feminismos, do tipo direto – antirracista, antipatriarcal e anticapitalista, têm o sabor de uma tempestade de verão,  para muitas de nós, é a possibilidade, talvez a única neste hoje, de nos mantermos vivas… daquele modo contundentemente Vivas. E é por isso que ele(s) é pra todas as mulheres, pra todas as gentes até, porque se for fervido na temperatura certa e sorvido como quem brinca no quintal, seremos, todos-as tocados-as por sua ventania ciclônica que move e tira tudo e todos-as do lugar comum e nos (re)coloca num comum lugar.

a mudança é constante
e a Historia é cíclica.
a luta deste instante
é tbm de toda uma vida.
permanência:
é substantivo feminista

Olho pra vida como um retrovisor. E nela vejo, gritos de luta, resistências, insurgências. E que na linha do tempo muitas vezes não cabe. Nela estão escritas histórias que teimaram em invisibilizar. Mas, a vida dá voltas, é circular. E no tempo presente na minha voz ecoam as vozes das que me antecederam…

Somos mães, filhas, meninas, mulheres, vidas de lutas e enfrentamentos diários. Sangramos, muitas vezes, mas resistimos contra as diferenças e violências dessa sociedade machista e patriarcal.

Esperançar é um verbo que se conjuga no coletivo

Chega uma hora que pensamos que está tudo perdido! Não está! Por que nós feministas nos movemos olhando para o passado e acreditando no futuro. Se não alimentarmos a esperança no mais intimo do nosso ser e contagiarmos  as companheiras a nossa luta faz sentido. Lutamos por que temos a esperança no nosso caminhar.

A luta feminista antirracista é feita de coragem, rebeldia, solidariedade, alegria  e  sem sombra de dúvida de muita esperança!
“O que nos move é o desejo de transformar “

O tempo de esperançar é o tempo do desespero…quando a situação tá muito dificil, como agora, e estamos beirando o desespero, olhamos pro lado e encontramos o olhar de outras, de todes as outras, e mexendo muito forte o caldeirão das incertezas, conseguimos conjurar a esperança.

Mulherada de força e coragem, nos manteremos nas batalhas, mas também nas alegrias e diversidades que existem entre nós. Somos dona do nosso corpo, nosso pensamento; nossa vida, nossa liberdade!

Juntas, sempre é tempo de coragem.

O movimento feminista é travessia entre tempos; do sofrimento para o da revolta, da resistência e da luta para o da emancipação. É devir, fluxo de tempo contraditório.

Fortalecer o movimento feminista como sujeito político de transformação é lutar por uma prática radical e libertadora em defesa da vida.

️Viva, viva a resistência feminista
Eu não estou aqui pra brincar
Vir pra ressignificar
Pra lutar e resistir
Exigir vacina já
Bolsonaro derrubar
Nossos direitos reconquistar

️Viva, viva a resistência feminista!

 

fonte: https://soscorpo.org/?p=13675


“Sempre foi sobre nós”, a violência política de gênero

Entre as autoras estão Dilma Rousseff, Benedita da Silva, Manuela Dávila, Maria do Rosário e Sonia Guajajara
 
09/03/2021 09h00 – atualizado às 11h01
 

Correndo por fora da agenda comercial acostumada a capturar datas históricas de lutas emancipadoras, como as das mulheres, para lucrar ainda mais, este 8 de março é marcado também pelo lançamento do livro “Sempre Foi Sobre Nós”: Relatos da violência política de gênero no Brasil. Com selo do Instituto E Se Fosse Você?, o livro reúne 15 textos de mulheres sobre experiências violentas vividas no mundo da política.

A coletânea é organizada por Manuela d’Ávila e traz artigos assinados pelas seguintes lideranças políticas do Brasil: Dilma Rousseff, Maria do RosárioBenedita da Silva, Anielle Franco, Áurea Carolina, Duda Salabert, Jandira Feghali, Jô Moraes, Isa Penna, Marina Silva, Marlise Matos, Sonia Guajajara, Tabata Amaral, Talíria Petrone.

A centralidade do debate sobre violência política de gênero nunca esteve tão em evidência, e de forma tão escancarada como nas últimas eleições. Trajetórias sociais de lideranças femininas como as das vereadoras petista Ana Lúcia Martins, primeira vereadora negra eleita na história de Joinville (SC), e Carol Dartora, ameaçada de morte logo após a confirmação da vitória, estão permanentemente em risco.

No livro, a veemência dos relatos sobre essa violência política ganha mais força, quando situado no contexto de fragilidade da democracia brasileira, com reivindicações por avanços e retomadas, frente ao desânimo por tantos retrocessos. Para elas, esse cenário também alimenta a luta.

Marielle, símbolo da luta

O prefácio da obra é escrito por Anielle Franco, irmã de Marielle Franco, mulher preta vítima de projeto machista de poder e interrupção política de mulheres no país.

Responsável pelo projeto, Manuela d´Avila relata em seu texto a experiência de violência política nas eleições para a Prefeitura de Porto Alegre em 2020. Ela comenta que quando a eleição acabou, pensou que levaria muito tempo para uma mulher pública viver situações de violência como as que ela viveu no último pleito.

Todas as autoras que assinam a obra doaram os direitos autorais. Manuela d´Avila destaca que a publicação não tem fins lucrativos e que recurso arrecadado com a venda será destinado para duas ações: a compra de absorventes para garantir dignidade menstrual de meninas e mulheres e de cestas básicas.

Sinopse

“Eu sempre soube que era difícil, mas não precisava ser tão difícil assim”, conta Manuela d’Avila no artigo que abre esse conjunto de escritos, referindo-se a experiências de violência política de gênero vivenciadas durante a campanha eleitoral para a prefeitura da capital do Rio Grande do Sul, em pleno 2020. Assim como os relatos de Manuela, que organizou essa seleção, esta obra traz experiências vividas neste sentido por outras 14 mulheres, entre elas, Marina Silva, Dilma Rousseff e Sônia Guajajara.

Esse conjunto de relatos escancara a correlação dos efeitos da violência política de gênero com a fragilidade da democracia brasileira, uma vez que o processo a qual essas mulheres foram e são submetidas em seu fazer político é o responsável por desanimar e desestimular tantas outras.

A política só será representativa quando houver a garantia das mulheres ocuparem espaços de poder sem medo. Por isso, a gravidade dos relatos aqui contidos, que tatuam a retina da memória não só de quem os viveu, mas de uma parcela de mulheres que poderia pensar em exercer livre sua vontade de contribuir com a mudança de rumos em nosso país.

fonte: https://pt.org.br/violencia-politica-de-genero-em-relatos-no-livro-sempre-foi-sobre-nos/

 


A consciência feminista

Foto de Christiana Carvalho
 

Por LILA MARÍA FELDMAN*

Não nos move o desejo. Nos move a consciência feminista

Uma jovem pede ajuda diante do olhar lento e cansado das pessoas na rua. Foge de seu assassino e perseguidor. É o fim de uma sequência de torturas. Ele a apunhala no peito na frente de todos. O que tem de acontecer, o que mais é necessário, para que estas cenas insuportáveis não sejam a vida real cotidiana frente à tolerância anestesiada que se lamenta, ou nem isso sequer, e fica esperando a próxima?

Quais seriam os números se contássemos cada uma de nós, quantas seríamos?

Ser mulher: chegar a sê-lo, escreveu Simone.

Não deixar de sê-lo, também. Não mais ser corpo destinado a mutilações, vendas, trocas, invisibilidades. Não mais as assassinadas da História. Nós o seremos quando acabar esta brutalidade a céu aberto, que parece ser tão facilmente tolerada. Lutamos para ser repatriadas à categoria de cidadãs com igualdade de direitos. Ainda não somos.

A que se entrega. A que resiste. A que foge. A que pede ajuda. A que não. A que luta, a que se cansa de fazê-lo, a que se culpa por fazê-lo, a que tolera o castigo. Queremos o nome próprio para a vida própria. Não para a lista interminável de assassinadas. Há muito tempo nos livramos da categoria de “crime passional”, no entanto, a Justiça continua funcionando como se subsistisse. Feminicídio é o nome.

Falamos de feminicídio para especificar no mesmo termo as lógicas de opressão e de distribuição do poder. Feminicídio, quase equiparado a homicídio, não tem essa especificidade. Dizer feminicídio implica situar esses crimes como crimes contra a humanidade e visibilizar a responsabilidade do Estado como facilitador ou propiciador da impunidade. Marcela Lagarde explica que o feminicídio se refere a crimes, desaparecimentos, violências contra as mulheres, que o Estado permite, por ação ou omissão. São crimes motivados por ódio e desprezo pelas mulheres pelo fato de serem mulheres.

slogan “Parem de nos matar” é parte do problema.

Parem de permiti-lo em qualquer caso, de encorajá-lo, tolerá-lo, endossá-lo. Parem aqueles que têm alguma, um pouco ou muita responsabilidade.

O poder é cúmplice e parte.

Consciência feminista. Consciência de uma certa forma de administrar o poder, de maneiras visíveis e invisíveis, consciência do sistema de opressão que opera sobre nós de fora e de dentro (isso é o patriarcado).

Transformação revolucionária da cultura, das teorias e das práticas. Dos vínculos, do amor, da sexualidade e do cuidado. Mas falta tanta coisa. Falta deixar de ser as assassinadas. Não são as mortas. São as assassinadas que em cada um de seus nomes próprios encarnam o fato de que ser mulher é uma busca e conquista interminável do próprio, sempre sob ameaça. Falta deixar de viver sob um velório permanente, como diz Marianella Manconi.

As mulheres nunca pudemos fazer, desejar ou pensar nada. Nossa potência foi e continua sendo luta e conquista. E estamos revendo tudo: o conto de fadas do príncipe encantado e o mito do amor romântico, a mãe perfeita e abnegada, a ideia da natureza feminina, a representação que fixa o feminino em ser mãe, e em estabelecer-se na renúncia à própria vida, todas as versões que fazem do corpo das mulheres espaço capturado de trabalho para a felicidade dos outros. Corpo condenado a ser objeto de posse exclusivo para o desejo do homem, muitas vezes para um desejo de morte.

O feminismo é uma teoria política e uma lógica de ativação. Os feminismos desarticulam as lógicas de submissão, desmantelam-nas, lutam contra elas.

Matam-nos como peças descartadas, e matar-nos é também uma forma de disciplinar-nos com culpa e violência. Verificamos uma e outra vez a ameaça, o perigo. A susceptibilidade e a submissão também são construídas e aprendidas.

A consciência feminista não é perspectiva de gênero. Não é “uma” perspectiva. É chamar a atenção para as filigranas de desigualdades das quais o mundo é feito. Em todos os planos que atuam sobre nós, que nos moldam. É perceber que o patriarcado é uma forma de subjetivar mulheres e dissidências numa lógica de opressão. Desarmá-lo implica um trabalho singular e coletivo de revisão e transformação dessas lógicas machistas incrustadas na nossa subjetividade.

Confrontamo-nos outra vez com uma versão do Negacionismo. Refiro-me à dúvida de nossas percepções e à conformidade com o desmentido. Justificar e sustentar o opressor. Transformar as vítimas em sujeitos exagerados, diminuir ou alterar a verdade do que aconteceu e do que está acontecendo, faríamos isso com as vítimas do Holocausto? Ou do terrorismo de Estado?  Será que nos atreveríamos a atribuir-lhes a culpa pelo que sofreram? Temos que provar sua inocência? Ser mulher é viver do início ao fim num campo de testes.

Temos que estar muito atentos a essa tendência nada nova mas muito atual de psicopatologizar ou convocar para “conter” os feminicidas, que é também uma forma de re-violentar. A violência contra as mulheres não é uma doença, não é uma “pandemia”. É um genocídio ao longo da História, um genocídio invisibilizado como tal.

É necessário reformular não apenas o sistema judicial. Todos aqueles sistemas em que ser mulher é ter como agenda esse estado básico de alerta que incorporamos desde pequenas sob a forma de representações de crime e de castigo (“merecido”). Nós estamos sempre sendo questionadas, e muitas vezes sentenciadas.

Temos novos nomes e palavras que visibilizam dispositivos inconscientes ou naturalizados de repartição e distribuição do poder. A luta pela legalização do aborto foi também a disputa pelas palavras: a palavra vida, por exemplo. O feminismo é o trabalho de construção de um novo sujeito político, e produz revoluções da linguagem, às vezes com risco de cair em banalizações ou slogans vazios de conteúdo, ou que distraem.

Não nos move o desejo (em todo caso, isso nos move a todos, mesmo os assassinos, diz Cristina Lobaiza). Nos move a consciência feminista.

(Agradecimentos a Cristina Lobaiza e Marianella Manconi. De Cristina Lobaiza tomei o termo “assassinadas” [“matadas”] e tantas outras coisas, que alimentaram e construíram minha própria consciência feminista).

*Lila María Feldman é psicanalista e escritora.

Tradução: Fernando Lima das Neves

Publicado originalmente em Página12

fonte: https://aterraeredonda.com.br/a-consciencia-feminista/

 

 

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