Sem política, não há Conferência

Por Nuno Coelho*


A realidade brasileira, nos impõe algumas reflexões acerca da convocação da V CONAPIR (Conferência Nacional de Promoção da Igualdade Racial), assinada pelo atual presidente da República e publicada no Diário Oficial em 24/08/2021, para acontecer no período de 2 a 6 de maio de 2022, com o tema “Enfrentamento ao racismo e às outras formas correlatas de discriminação étnico-raciais e de intolerância religiosa: política de Estado e responsabilidade de todos nós”. 

A convocação causa surpresa. Afinal, um governo que nas primeiras horas da gestão desmonta as  política de Estado que justamente tem a tarefa de enfrentar o racismo e a discriminação, como o rebaixamento estrutural e orçamentário da Secretaria Nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SNPIR); promove o esvaziamento das representações da sociedade civil em seu Conselho Nacional pela Portaria do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos em 13 de maio de 2020, após lideranças do movimento negro terem protocolado um pedido de impeachment contra Jair Bolsonaro é algo, no mínimo, sui generis

O governo que deveria fortalecer as políticas para os povos e comunidades tradicionais decretou o esvaziamento das funções da Fundação Nacional do Índio (Funai), e colocou na berlinda a demarcação de novas terras indígenas; pela Portaria nº 1.223 transfere da Fundação Cultural Palmares para a Diretoria de Governança Fundiária do Incra a coordenação do licenciamento ambiental em terras ocupadas por remanescentes de quilombos, criando um núcleo específico de licenciamento na Coordenação-Geral de Regularização de Territórios Quilombolas (DFQ). E não satisfeito, nomeia para comandar a Fundação Cultural Palmares um presidente que responde por denúncias de assédio moral, perseguição ideológica e discriminação contra funcionários da instituição.

Com apoio de Bolsonaro, Sergio Camargo, um “negro de direita antivitimista e inimigo do politicamente correto” considera que os ativistas antirracistas são esquerdistas mimizentos, como se não fosse a Fundação Cultural Palmares, cuja missão é justamente promover e preservar a contribuição cultural, histórica, social e econômica dos cidadãos negros para a sociedade brasileira. Esse mesmo governo faz ataques às comunidades tradicionais e povos étnicos, além de expressar seu racismo religioso, como a retirada da obra ‘Orixás’, da artista plástica Djanira, do Palácio do Planalto.

As perguntas que ficam para nossa reflexão são: como que diante de tantas contradições, um governo nos chama para dialogar sobre o enfrentamento ao racismo o qual ele próprio incentiva? Debater sobre as outras formas de discriminação étnico-raciais e de intolerância religiosa que ele próprio promove por meio das estruturas de poder? Qual o compromisso deste governo com “a política de Estado e responsabilidade de todos nós”, se ele próprio desestrutura essa política e afasta da mesa de diálogo a sociedade civil e os movimentos sociais? 

O fortalecimento das relações Estado e sociedade por meio das representações do movimento negro duramente conquistado foi por água abaixo no atual governo. A quem o governo pensa que engana? Com a palavra os que irão à V CONAPIR!


*Nuno Coelho – Conselheiro de Promoção da Igualdade Racial (2014-2018); Membro dos Agentes de Pastoral Negros do Brasil-APNs; Secretário Executivo Adjunto da Comissão Brasileira Justiça e Paz da CNBB

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