O Conselho Nacional de Secretarias de Saúde (Conass) divulgou nesta segunda-feira (1º) uma nota (leia a íntegra) defendendo a adoção de um toque de recolher nacional. Pela sugestão dos secretários a medida de restrição seria adotada todos os dias de 20h às 6h, inclusive nos fins de semana.
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Parte do comércio funciona durante o período de isolamento social, no Rio de Janeiro. (Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil)
A reportagem é de Lauriberto Pompeu, publicado por Congresso em Foco, 01-03-2021.
O texto traz críticas ao governo de Jair Bolsonaro e pede uma gestão federal que fixe padrões para os estados e cidades seguirem.
“A ausência de uma condução nacional unificada e coerente dificultou a adoção e implementação de medidas qualificadas para reduzir as interações sociais que se intensificaram no período eleitoral, nos encontros e festividades de final de ano, do veraneio e do carnaval. O relaxamento das medidas de proteção e a circulação de novas cepas do vírus propiciaram o agravamento da crise sanitária e social, esta última intensificada pela suspensão do auxílio emergencial“.
Veja outras medidas pedidas pelo secretários:
– A proibição de eventos presenciais como shows, congressos, atividades religiosas, esportivas e correlatas em todo território nacional;
– A suspensão das atividades presenciais de todos os níveis da educação do país;
– O toque de recolher nacional a partir das 20h até as 6h da manhã e durante os finais de semana;
– O fechamento das praias e bares;
– A adoção de trabalho remoto sempre que possível, tanto no setor público quanto no privado;
– A instituição de barreiras sanitárias nacionais e internacionais, considerados o fechamento dos aeroportos e do transporte interestadual.
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fonte: http://www.ihu.unisinos.br/607152-secretarios-de-saude-querem-toque-de-recolher-nacional
Impulsemos um Plano de Vida para frear a escalada de pandemias, que empurram a Amazônia e o mundo ao colapso
“Amazonizemonos! Sejamos Amazônia, recuperemos nossas raízes com nossa Mãe terra e escutemos o chamado da selva”, escreve Pe. Dário Bossi, Provincial dos Missionários Combonianos no Brasil, membro da Rede de Igrejas e Mineração e Assessor da REPAM-Brasil.
Eis o artigo.
A Amazônia que é fonte de vida, hoje está ameaçada de morte. A Amazônia com seus 8 milhões de km2 é o coração do planeta, ali vivemos mais de 400 povos indígenas e 3 milhões de amazônicos, em meio da selva e a maior diversidade biológica da Terra, rodeada de impressionantes reservatórios de agua doce que produzem “rios voadores” que trazem a chuva a diferentes confins do globo. Está a Amazônia, vital para estabilizar o clima do planeta e para o futuro da humanidade, hoje vivem uma escalada de pandemias:
- A sanitária que se reforça com a segunda onda do COVID-19, que deu origem a outra variante na cidade de Manaus, Brasil, e já provocou mais de 50.000 mortes em toda a Pan-Amazônia.
- A do extrativismo dos setores mineiros, agro empresariais, energéticos e de maga infraestruturas.
- A das crises climáticas que agrava as inundações, sequias, incêndios e doenças em nossos territórios.
- A dos racismos, a discriminação e a colonial modernidade contra os povos indígenas, os afrodescendentes, as populações humildes e a própria natureza.
- A do autoritarismo, que aprofunda a criminalização e assassinato dos líderes que defendem seus territórios
- A do patriarcado que, junto ao capitalismo, e racismo e a lesbofobia, estruturam as desigualdades em nossa sociedade que se agravam durante a pandemia, evidenciando um número maior de mulheres desaparecidas e altos índices de feminicídios, desatenção aos serviços de saúde que permanecem impunes frente a intolerância e indolência de órgãos estatais.
- A das crises dos sistemas políticos que contribuem a proliferação de governos corruptos, aferrados ao poder, que socavam a democracia e são incompetentes para dar resposta às múltiplas crises.
Esta escalada de pandemia é sintoma de um planeta que necessita sanar, na qual é inadiável restabelecer a harmonia entre os seres humanos e a natureza, entre os indivíduos e suas famílias, entre a sociedade e o estado, entre as nações e o planeta.
Os povos amazônicos, organizações sociais, de mulheres, meio ambientais, culturais, religiosas e defensoras dos direitos humanos e dos direitos da natureza, autoconvocadas ao evento virtual: “O grito da selva / Vozes da Amazônia”, realizado em 26 e 27 de fevereiro de 2021, no marco da Assembleia Mundial pela Amazônia, os convidamos a compartilhas, somar-se e fortalecer o seguinte Plano de Vida para salvar a Amazônia.
1. Solidariedade e ação urgente para fazer frente à Emergência Sanitária na Amazônia.
a) Garantir o acesso universal às vacinas confiáveis para a população amazônica, e procede de acordo às decisões e consentimentos, manifestados em consulta prévia pelos povos indígenas. Promover informação transparente sobre as vacinas, freando as campanhas de medo sobre as vacinas, que com falsidade disseminam fanatismos políticos e religiosos. Impulsionar processos de vacinação sem discriminação nem corrupção e em condições ótimas em cadeia de frio e postos comunais equipados.
b) Liberalização da propriedade intelectual e estabelecer uma moratória na aplicação do Acordo de Propriedade Intelectual sobre o Comercio (TRIPS pela sua sigla em inglês) das Organizações Mundiais do Comercio para melhorar, massificar e baratear o acesso aos tratamentos, vacinas em base a genéricos e outras tecnologias eficazes para afrontar a crise sanitária mundial do COVID-19.
c) Demandar que a OMS e a OPS abram o acesso público aos avanços científicos sobre o Covid-19, estabeleçam que as vacinas são um bem público gratuito e de acesso através de COVAX e outros mecanismos.
d) Atenção médica imediata para os povos indígenas que foram relegados de atenção e acesso a medicinas. Fortalecer às sociedades do cuidado, e a saúde pública universal com sistemas comunitários, ações indígenas de vigilância, autocuidado sanitário e autogoverno coletivo. Atenção imediata em serviços de saúde sexual e atenção à violência de gênero para as mulheres indígenas.
e) Estabelecer um ingresso básico às famílias que sofrem de perdas famílias e/ou que estão contagiadas até que as vacinas sejam implementadas de maneira efetiva.
f) Corredores de vida garantidos e livres de atividade extrativistas próximo de 200 povos não contatados em toda a Bacia para evitar sua extinção por um potencial contagio.
g) Levar recursos que nutram o fundo de emergência sanitária da COICA para viabilizar mecanismos de resposta rápida às necessidades da população indígena de maneira imediata.
h) Condenar a dívida externa dos países amazônicos para evitar o colapso de suas economias em meio a pandemia.
2) Freemos o ponto de retorno da Amazônia
a) Defender e garantir os planos de vida e as culturas dos povos indígenas e outras populações que a habitam para salvar a Amazônia, a biodiversidade e evitar o colapso climático do planeta.
b) Favorecer as economias locais, de pequena escala e os ciclos de produção e comercio que respeitam nossos ritmos, conhecimentos tradicionais, relações e natureza.
c) Frear JÁ o desmatamento e a degradação da Amazônia que já soma 20% do bosque, mas extenso do mundo através de:
- Suspender e proibir as atividades, inversões e projetos extrativistas a nível mineiro, petroleiro, megahidrelétrico, agropecuário, florestal, de infraestrutura e outros na Amazônia
- Adotar sanções em seus países de origem e a nível internacional contra as empresas transnacionais que alimenta a destruição da Amazônia.
- Rastrear as cadeias de valores da carne, soja, mineração, o petróleo e outros produtos para impedir e sancionar a venda de produtos do extrativismo que destruí a Amazônia. É imperativo legislar o cumprimento dos direitos humanos e da natureza de cada cadeia de valor.
- Pressionar os governos e conscientizar os consumidores para que seu consumo não alimente mais processos de destruição.
- Proibir o uso e expansão de sementes transgênicas e agrotóxicos que alimentam a expansão da fronteira agrícola a costa da selva.
d) Rechaçar a ratificação e entrada em vigor do Tratado de Livre Comercio entre a União Europeia e o Mercosul por graves impactos sobre a Amazônia. Denunciar os Tratados de Livre Comercio que ameaçam nossas economias locais e alimentam circuitos de lucro do grande capital. Proibir e limitar nos acordos comerciais a exportação e importação de produtos que tem graves impactos no meio ambiente. Todos os tratados comerciais devem ser reformados para que contemplem estandartes e licenças sociais e ambientais em cada produto e/ou serviço.
e) Reconhecer e fortalecer o aporte das mulheres na defesa de suas identidades e culturas no marco da luta dos povos panamazônicos, garantindo a igualdade de gênero na participação política em todos os espaços de decisão.
f) Exigir que os bancos e fundos de inversão nos países desenvolvidos e emergentes suspendam o financiamento de atividades extrativistas, produtivistas e comerciais como a indústria de pecuária intensiva, as plantações de monocultivos e outros que se aproximem ao ponto de não retorno dos ecossistemas do planeta.
g) Demandar as criações do fundo para a restauração da Amazônia por parte dos países desenvolvidos e emergentes que seja gestionado de maneira transparente com a participação, protagonismo e propostas dos povos amazônicos para a definição de processos de proteção de seus territórios e o conjunto de biomas.
3. Hagamos Justicia climática y ambiental
a) Transformar as economias, as formas de produção, consumo e resíduos dos países desenvolvidos e as elites dos países em desenvolvimento para frear a destruição da Amazônia. As soluções para as mudanças climáticas devem ser integrais e não limitadas a substituição de combustíveis fosseis por energias alternativas sem levar em consideração a grande demanda de recursos naturais que requer passar por exemplo de mil
b) Mudar nossas relações com a natureza reconhecendo os direitos da natureza e estabelecendo em nossos países legislações e mecanismos para evitar que sejam produzidos novos ecocídios como o que acontece hoje em Amazônia.
c) Duplicar como mínimo na presente década as contribuições de redução de emissões de gases de efeito estufa dos países desenvolvidos e emergentes para que comecemos a nos acercar a uma trajetória que se aproxime ao objetivo de limitar o incremento da temperatura e preservar a vida como a conhecemos.
d) Construir capacidades nos povos indígenas e na sociedade civil para monitorar e auditar as contribuições de redução de emissões que se relacionam com a Amazônia.
e) Rechaçar falsas soluções de mecanismos de mercado de carbono e tecnologias de sequestro de carbono que somente aprofunda as causas de fundo que nos levarão a essa grave crise climática. Rechaçar as soluções de geoengenharia que estão promovendo de maneira ilegal e que podem causar danos irreversíveis ao planeta Terra.
f) Estabelecer impostos progressivos ao uso de combustíveis fósseis para desalentar sua utilização e substituição com energias alternativas.
g) Exigir o pagamento das dívidas climáticas dos países desenvolvidos e emergentes por ter causado mais de 90% das emissões históricas de gases de efeito estufa que provocam a crise climática. Para atender as urgências dos povos e países em desenvolvimento, exigimos um verdadeiro Fundo Verde com participação da sociedade civil, com um mínimo de quinhentos bilhões de dólares que representam menos de um terço dos gastos do orçamento de defesa das principais potencias do planeta.
h) Frear a criminalização e assassinato de líderes indígenas e defensores da natureza. Fortalecer os mecanismos culturais próprios dos povos para frear a violência sobre eles. Ação de urgência da instancia de direitos humanos da ONU para que os Estados sancionem a impunidade e freiem a criminalização. Impulsionar a implementação do acordo de Escazú que entrar em vigência em 22 de abril desse ano e sua ratificação por todos os países da região.
i) Promover soluções estruturais que de maneira integral levem a uma mudança de sistema para preservar o clima, superando o capitalismo, o extrativismo, o produtivismo, o patriarcado, o antropocentrismo, o racismo e o colonialismo.
4. Impulsemos o autogoverno dos territórios e uma governança inclusiva
a) Fortalecer a autonomia e o autogoverno territorial dos povos indígenas e amazônicos em geral, como legítimas formas de autoridade pública social coletiva, assim como seu reconhecimento legal e apoio orçamentário por parte dos estados amazônicos
b) Aplicação de consulta para o consentimento prévio livre e informado dos povos indígenas em:
- Todos os planos sobre a Amazônia que se elaboram a nível nacional e internacional para evitar decisões unilaterais e equivocadas que se adotam em escritórios distantes da realidade e que reduzem a Amazônia a condição de sequestro de carbono.
- Todos os projetos, créditos e investimentos que afetam a Amazônia. Os povos amazônicos não somos nem receptores, nem implementadores, somos os que conservamos a Amazônia por séculos. Nossa voz e conhecimento deve guiar a política pública e a ciência em sua proteção, não o inverso.
c) Democratizar o acesso direto a fundos nacionais e internacionais por parte dos autogovernos dos territórios indígenas para o uso adequado, oportuno e efetivo em função de atender as diferentes pandemias que acometem a Amazônia.
d) Fortalecer as instancias jurisdicionais nacionais, regionais e locais para defender os direitos indígenas e de natureza para que exista uma justiça rápida e efetiva.
e) Promover a adoção de marcos regulatórios que permitam garantir a intangibilidade dos territórios de povos sem contato como corredores de vida nos países da bacia Amazônica.
f) Impulsar a sustentabilidade da vida como uma aposta política orientada a construção de um novo modelo justo e equitativo onde as pessoas e a natureza se encontrem no centro de sua prioridade em uma relação interdependente e equilibrada e as mulheres vivam livres de toda discriminação e violência.
g) Sancionar os governos que como Bolsonaro promovem abertamente a destruição da Amazônia. Exigir investigações por parte do sistema internacional para julgar aos culpados pelo genocídio dos povos amazônicos.
h) Estabelecer mecanismos intergovernamentais com participação decisória dos povos indígenas e locais que permitam dar soluções integrais a Amazônia que hoje se encontra fraturada pelas divisões políticas da fronteira.
5. Impulsionemos a mobilização do planeta para salvar a Amazônia
a) Construamos Assembleias em Defesa da Amazônia em todos os países, cidades, comunidades do planeta para informar sobre o que acontece na Amazônia, fazer propostas e definir as ações que podemos realizar em nossa localidade para frear a escalada de pandemias que açoitam o coração do planeta.
b) Realizemos demonstrações e outras manifestações criativas em nossas escolas, centros de trabalho e municípios para informar as demandas pensadas nesse Plano de Vida, e alcançar que o grito da Amazônia seja escutado por todas as pessoas, autoridades e tomadores de decisões em nossos países.
c) Organizemos círculos culturais para através da Educação Popular, a comunidade e os movimentos sociais fortalecer a mobilização em defesa da Amazônia.
d) Mobilizemos contra as queimadas em todos nossos países para evita que novamente esse ano a Amazônia sofra um novo incêndio pelo fogo descontrolado que provoca a pecuária e o agronegócio.
e) Façamos da defesa da Amazônia um dos principais eixos de luta contra a crise climática.
f) Discutamos a possibilidade de fazer um grande encontro semipresencial em defesa da Amazônia no caminho a COP 26 que acontecerá ao final do ano em Glasgow
g) Amazonizemonos! Sejamos Amazônia, recuperemos nossas raízes com nossa Mãe terra e escutemos o chamado da selva.
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“Tragédia entrará na conta dos negacionistas”, diz diretor do Butantan
Diretor do Instituto Butantan diz que, se não fosse governo, Brasil já teria vacina desde dezembro, e aponta obscurantismo científico das autoridades como responsável direto por nova onda explosiva de covid-19.
Fazia exatamente três anos que o médico hematologista Dimas Tadeu Covas estava à frente do Instituto Butantan quando a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou que o mundo vivia uma pandemia: a de covid-19.
Na corrida aberta em busca de uma vacina, ele apostou em um parceria internacional que, meses à frente, se revelou minimamente eficaz: em janeiro de 2021, a campanha de imunização brasileira começou justamente com produto desse acordo, no caso a vacina Coronavac, desenvolvida pela empresa chinesa Sinovac.
No momento em que o Brasil vive seu pior momento desde o início da pandemia, com mais de 250 mil mortos e hospitais operando no limite de suas capacidades, Covas diz que “a interferência política na saúde pública tem sido uma grande barreira para o combate adequado à epidemia e explica muito a posição do Brasil como vice-campeão mundial em mortes pelo covid-19“.
“A negação da gravidade da pandemia, a disseminação de tratamentos sem comprovação científica, o combate deliberado ao uso de máscaras e às medidas de restrição de circulação são os grandes responsáveis, neste momento, pela segunda onda explosiva que o país está sofrendo”, diz ele. “A história colocará essa tragédia na conta desses negacionistas“.
O Instituto Butantan é uma entidade pública ligada ao governo estadual paulista. Nos bastidores da crise com o governo federal estão os dividendos políticos de dois protagonistas do cenário político brasileiro: o governador de São Paulo, o tucano João Doria — que desde o princípio busca para si o capital político da vacina do Butantan — e o presidente da República Jair Bolsonaro — que em diversos episódios buscou difamar o imunizante.
O diretor do Butantan, contudo, frisa que à despeito dessa batalha, o instituto paulista “continuará como o principal fornecedor [de vacinas ao Ministério da Saúde] por muito tempo ainda”.
A entrevista é de Edison Veiga, publicada por Deutsche Welle, 01-03-2021.
Eis a entrevista.
Há um ano, o Brasil teve o primeiro caso oficialmente registrado de covid-19. Desde essa época, estava aberta uma corrida mundial pelo desenvolvimento de uma vacina contra o coronavírus. Quando o Butantan decidiu procurar um parceiro para a produção de vacinas?
O Instituto Butantan mantém-se alerta para o surgimento de epidemias, inclusive participa de organismos internacionais como o CEPI [Coalizão para Inovações em Preparação para Epidemias] cujo objetivo maior é a preparação para o enfrentamento de epidemias. Com o surgimento da epidemia de covid-19, imediatamente iniciamos o trabalho de prospecção de vacinas e de rotas tecnológicas para a sua produção. Neste caminho, já tínhamos conhecimento prévio da Sinovac, [empresa] que visitamos em 2019 e da qual também recebemos uma visita para discutirmos cooperação em vacinas. Já existindo esse aproximação e considerando que a Sinovac já tinha uma vacina em desenvolvimento em cuja tecnologia [de vírus inativado] temos experiência, nada mais apropriado. A parceria foi firmada preliminarmente em maio e assinada em junho do ano passado. O acordo, amplo, incluía o desenvolvimento de estudo clínico de fase 3 para a vacina no Brasil.
Na época em que foi firmada essa parceria, como o senhor avaliou os riscos — no sentido de a vacina não se demonstrar eficaz ou viável? Houve momentos em que conviveu com dúvidas se daria certo a parceria, se os resultados viriam?
A parceria foi firmada já com o conhecimento dos resultados preliminares das fases pré-clínica e clínica de fase 1 e 2. Os resultados promissores nos animaram para prosseguir para a fase 3, que seria importante para a vacina em termos mundiais. Obviamente, todo estudo científico pode não ter resultados de acordo com o desejado, mas sempre acreditamos e trabalhamos duramente para conseguir realizar o estudo no menor tempo possível e com o maior rigor necessário para demonstrar a utilidade da vacina no combate ao covid-19. Riscos são inerentes a todo processo inovador e o cientista e gestor responsável deve avaliar corretamente e assumir estes riscos, principalmente quando se trata da vida de milhões de pessoas. Assumimos o risco e felizmente hoje temos uma excelente vacina que é a base do programa nacional de imunização nesse momento.
Em que momento o senhor teve a certeza de que a vacina desenvolvida pela empresa Sinovac funcionaria?
No momento em que recebemos os resultados dos estudos pré-clínicos e clínicos de fase 1 e 2 que já demonstravam o grande potencial da vacina. Passou-me pela cabeça a grande oportunidade de contribuirmos de forma positiva para dotar o Brasil de uma alternativa viável e tornar-se autossuficiente nessa vacina no momento do maior desafio que o país enfrentava em termos de saúde pública.
Como o senhor avalia o movimento antivacina, que já era grande antes da pandemia e agora tem sido turbinado com teorias conspiratórias sobre as vacinas? Como conscientizar as pessoas da importância da vacinação?
O movimento antivacina no Brasil era incipiente até muito recentemente. A postura de autoridades federais negando a sua utilidade e, inclusive, usando de uma campanha subterrânea de fake news e mentiras a respeito da vacina e da própria pandemia vieram a alimentar esse movimento. Recentemente, no entanto, com o início da vacinação, esse movimento sofreu um grande revés e hoje a procura e o apoio à vacina é muito grande. Ao contrário do que alguns esperavam, a vacina se tornou assunto nacional com grande apoio popular que se traduziu inclusive em manifestações da cultura popular como o rap [funk Vacina Butantan, de Mc Fioti].
O senhor declarou à Folha de S. Paulo que nunca existiu interferência política tão grande na saúde pública quanto agora. Como lidar com essas pressões?
A interferência política na saúde pública tem sido uma grande barreira para o combate adequado à epidemia e explica muito a posição do Brasil como vice-campeão mundial em mortes pelo covid-19. A negação da gravidade da pandemia, a disseminação de tratamentos sem comprovação científica, o combate deliberado ao uso de máscaras e às medidas de restrição de circulação são os grandes responsáveis, neste momento, pela segunda onda explosiva que o país está sofrendo e que vai se agravar pela presença da chamada variante P1. Esse obscurantismo científico das mais altas autoridades do país causou um dano irreversível ao país, que ultrapassou as 250 mil mortes, uma catástrofe sem precedentes. A história colocará essa tragédia na conta desses negacionistas. Para o cientista preocupado e engajado como eu nessa luta resta, além de apontar esses absurdos, trabalhar em todas as frentes para minorar o sofrimento da população, inclusive na frente da comunicação e na batalha política da ciência.
A relação com o Ministério da Saúde deveria ser melhor? O que precisaria ser feito para aparar as arestas, principalmente considerando que vivemos uma pandemia?
O Instituto Butantan é o principal fornecedor de vacinas e soros para o Ministério da Saúde, e o nosso relacionamento sempre foi excelente. O ponto fora da curva aconteceu nesse governo que vem negando, por motivos políticos e obscurantistas, essa importância. A despeito dessas barreiras que ocorreram esse ano passado e nesse ano, o Instituto Butantan continua cumprindo o seu papel e é o responsável pelo fornecimento das vacinas para covid-19 que permitiram o inicio da vacinação no Brasil. Sem o Butantan o Brasil não teria vacinado mais de 7 milhões de pessoas. O Butantan entregou mais de 12 milhões de doses até esse momento ao Ministério e continuará como o principal fornecedor por muito tempo ainda.
Por que a aposta do Butantan foi no sentido de firmar uma parceria internacional em vez de desenvolver uma própria vacina?
O Butantan tem três vacinas [contra covid] em desenvolvimento, mas optou pela parceria inicial para ganhar tempo na incorporação da vacina e permitir o acesso do Brasil mais rapidamente. Não tivéssemos tido os problemas de relacionamento com o governo federal, teríamos vacinas disponíveis desde dezembro de 2020.
Essas vacinas em desenvolvimento não chegarão tarde demais?
As vacinas que o Butantan desenvolve terão seu papel nesta pandemia visto que se prevê que ela venha a se tornar endêmica e possivelmente sazonal como a influenza. Trabalhamos nessa perspectiva e, em 2022, teremos vacina totalmente feita aqui, adicionalmente à vacina feita em parceria com a Sinovac.
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