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A Comunidade de Santo Egídio, o Serviço Jesuíta para Refugiados e as Irmãs Missionárias de São Carlos Borromeo (Scalabrinianas) pedem acolhimento e integração “para salvar as pessoas mais vulneráveis, começando pelos doentes, mulheres e crianças” que se encontram em Lesbos.
Reiterando o que o Papa disse no Angelus deste domingo (13/09), convidando a acolher humanamente e com dignidade os requerentes de asilo, num comunicado as entidades lançam um apelo para que depois do incêndio, que destruiu o campo de refugiados de Moria e criou “enormes dificuldades para aqueles que viviam um inferno”, “nada seja como antes”.
“Que a União Europeia, em colaboração com o governo grego, intervenha imediatamente, acolhendo e integrando um número de pessoas que certamente está ao seu alcance”, lê-se no comunicado que convida, com extrema urgência nas próximas horas, a tomar decisões importantes. “Somente favorecendo o caminho do diálogo e das relações pacíficas, será possível chegar a uma solução no interesse de todos”, ressaltam a Comunidade de Santo Egídio, o Serviço Jesuíta para Refugiados e as irmãs Scalabrinianas. “Atrasar ou, pior, fazer de conta de nada, esperando que se crie uma nova precariedade permanente em detrimento das famílias que vivem na ilha há meses, algumas há anos, será gravemente culpa de um continente que é um símbolo de respeito dos direitos humanos, uma vergonha diante da história.”
As três realidades que promovem o apelo, há muito tempo próximas com várias iniciativas aos refugiados que vivem em Lesbos e em toda a Grécia, pedem para alojar, o mais rápido possível, os deslocados do incêndio de Moria em pequenas estruturas, dotadas de serviços, pedem o livre acesso às associações humanitárias para socorrer os migrantes em suas necessidades imediatas, em particular os doentes, mulheres, crianças, e idosos, para decidir no âmbito de União ou de países europeus individuais as naòàoes que se oferecem, pedem realocação necessária não só de menores não acompanhados, mas também de famílias e indivíduos vulneráveis na ilha, e para mudar o modelo de acolhimento na ilha de Lesbos para os recém-chegados da Turquia, proporcionando estruturas de acolhimento em base transitória, manejáveis e respeitosas da dignidade humana, salvaguardando o direito de todo refugiado, de qualquer origem, de pedir asilo.
A Comunidade de Santo Egídio, o Serviço Jesuíta para Refugiados e as Irmãs Scalabrinianas recordam a experiência dos corredores humanitários nascida em fevereiro de 2016, também iniciada em Lesbos pelo Papa Francisco quando, em 16 de abril daquele mesmo ano, trouxe consigo no avião três famílias num total 67 refugiados com a ajuda da Esmolaria Apostólica.
“Trata-se de um caminho que deve continuar sendo percorrido a fim de salvar outros refugiados através do trabalho em rede com muitas associações, paróquias, cidadãos comuns que se oferecem para acolhê-los com grande generosidade”, ressalta o comunicado, que também menciona as experiências já iniciadas em alguns países, lembradas pelos cardeais Krajewski, Hollerich e Czerny em sua carta aos episcopados europeus de 28 de janeiro passado. Soluções que demonstram que as possibilidades de bom acolhimento são maiores do que se espera.
Por fim, a Comunidade de Santo Egídio, o Serviço Jesuíta para Refugiados e as Irmãs Scalabrinianas esperam “que as Conferências Episcopais Europeias solicitem os seus respectivos governos a elaborar novos projetos de acolhimento e integração, duas práticas que fazem bem não só aos migrantes, mas muito, em termos de valores e de futuro, a todos os cidadãos europeus”.
Vatican News Service – TC/MJ
“O que dissemos até agora sobre os valores europeus foram apenas mentiras”. Entrevista com Cardeal Hollerich
A tragédia de Lesbos no centro do encontro que o Cardeal Jean-Claude Hollerich, presidente da Comissão dos Episcopados Católicos da Europa – Comece, teve com o Papa Francisco na semana passada. “Nos últimos anos – disse o arcebispo ao SIR – falamos belas palavras sobre os direitos humanos e os valores europeus. Há pessoas que acreditaram no que dizíamos. Mas quando chegaram ali, na fronteira com a Europa, perceberam que o que dissemos até agora foram apenas mentiras. Também precisamos prestar atenção quando falamos sobre identidade cristã da Europa porque não posso ir à igreja, orar a Deus e, sabendo que há pessoas que estão morrendo e sofrendo, não fazer nada. Não é possível”.
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Mapa do Mediterrâneo, em destaque: Grécia, Lesbos, Turquia e Síria. Fonte: Google Maps
“Falamos sobre os temas ordinários da Comece e, claro, o discurso se dirigiu imediatamente à situação de Lesbos. O Papa está muito preocupado com isso”. Antes de partir de Roma para Luxemburgo, o cardeal Jean-Claude Hollerich, presidente da Comissão dos Episcopados da União Europeia, concorda em falar com o SIR sobre o encontro que teve com o Papa Francisco na semana passada, nos dias em que de Lesbos chegavam as terríveis notícias do incêndio que irrompeu no campo de refugiados de Moria.
O cardeal Hollerich foi enviado a Lesbos no ano passado pelo Papa Francisco, juntamente com o cardeal Konrad Krajewski, para visitar os campos de refugiados de Moria e Kara Tepe. “Conversamos com as pessoas, entramos em suas tendas. O que mais me impressionou foi a absoluta falta de esperança das pessoas”, recorda o cardeal. “Nos últimos anos, falamos belas palavras sobre os direitos humanos e sobre os valores europeus. Há pessoas que acreditaram no que dizíamos. Mas quando eles chegaram ali, na fronteira com a Europa, perceberam que o que dissemos até agora foram apenas mentiras. Também precisamos prestar atenção quando falamos sobre identidade cristã da Europa porque não posso ir à igreja, orar a Deus e, sabendo que há pessoas que estão morrendo e sofrendo, não fazer nada. Não é possível”.
A entrevista é de M. Chiara Biagioni, publicada por AgenSIR, 14-09-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.
Eis a entrevista.
Lesbos é um exemplo claro que diz à Europa que a rota dos hotspot não é mais viável. Que solução vocês veem como bispos europeus?
Ficaria muito feliz se as Conferências Episcopais da Europa pudessem falar com seus governos e dizer aos líderes políticos que a Igreja espera um acolhimento. Após o gigantesco incêndio no campo de refugiados de Moria, França e Alemanha anunciaram sua disposição de receber a maioria dos 400 menores desacompanhados que a UE disse estar pronta para aceitar. Mas isso não basta. É um número quase irrisório. O problema é muito mais complexo e se não o resolvermos agora teremos tragédias ainda maiores.
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Mapa com os campos de refugiados destacados em vermelho (Mapa: Wikimedia Commons/Benutzer Marsupilami)
E então? Que apelo estão gritando para a Europa as pessoas presas em campos de refugiados da Líbia, em Lesbos e em Lampedusa?
Abram as portas. Se não abrimos as portas aos refugiados, também fechamos as portas a Cristo. Se quisermos abrir as portas para Cristo, devemos também abrir as portas para os refugiados. A Comunidade de Santo Egídio, com os corredores humanitários, nos mostrou como fazê-lo. A Itália também nos deu o exemplo de saber reagir de forma muito mais cristã do que outros países. Como é possível que os países ricos do Norte não façam nada ou quase nada? Falta uma referência ao cristianismo e ao humanismo na Europa.
O senhor disse antes que com o Papa Francisco conversaram sobre os temas que estão no centro dos interesses da Comece. Que ideia o Santo Padre tem da Europa?
Creio que para ele a Europa seja a última garantia de um multilateralismo que garante um pouco mais de paz e justiça. Com isso não estou dizendo que tudo o que a União faz é bom. O que estou dizendo é que sem a União Europeia seria pior, e não apenas para a Europa, mas para o resto do mundo. Imaginemos se não houvesse a União Europeia: não haveria equilíbrio entre as grandes superpotências, Rússia, China e Estados Unidos. O mundo precisa da União Europeia. Acho que o Papa vê isso. E ele está muito preocupado.
As negociações entre o governo britânico e a UE para acordos comerciais pós-Brexit continuam nas rodadas. Como bispos europeus, o que vocês pedem?
É muito importante que a fraternidade entre os cidadãos do Reino Unido e os cidadãos da União Europeia seja mais forte que tudo que nos possa separar de um ponto de vista político. Gostaria de fazer um apelo aos políticos para que ajam para que essa irmandade possa permanecer no futuro.
Eminência, segunda-feira, 14 de setembro, na Itália, as escolas recomeçam. Na Europa a sineta já toca há algum tempo. Será um começo difícil para todos devido ao medo da epidemia. O que gostaria de dizer aos garotos?
Meu desejo é que eles possam viver plenamente. A vida é sempre bela, mesmo quando é difícil. Estamos em um momento particular que exige sacrifícios. Teremos que usar as máscaras, haverá regras que devem ser respeitadas, não será possível se encontrar sempre e com todos os amigos juntos.
Mas a vida ainda é linda. E o futuro é deles. Eu gostaria de dizer que Deus os ama e esse amor de Deus, se descoberto, é o mais importante da vida, porque quando os pontos de referência não estão mais presentes, quando as alegrias e as satisfações falham, sempre existe o amor de Deus que nos acompanha.
A Itália foi abalada pela tragédia de um jovem agredido e espancado até a morte na periferia de Roma (1).
Eles odeiam porque pensam que para resistir é preciso odiar. É sua experiência de vida. Devemos mostrar que não é verdade. Que a criminalidade destrói seu próprio futuro. Devemos dizer: chega! Dizer isso com firmeza: não, não é esse o caminho.
É verdade que enfrentamos novas formas de barbárie. Por isso procurei falar sobre virtudes aos jovens da minha diocese. Pode parecer uma palavra de outra época, mas para ser feliz é preciso saber escolher o bem e fazê-lo com todo o coração. O ódio sempre leva à morte e não apenas à morte do outro, mas também à morte de si mesmos. Mas este é um discurso que envolve a todos. Entregamos aos nossos jovens um mundo onde a economia ocupou todo o espaço. Aqueles que permaneceram à margem do desenvolvimento econômico não veem mais sentido em sua vida e no que fazem. Por isso, é necessário dizer basta também àqueles que colocam no centro de seu pensamento e ação apenas o lucro econômico e não a pessoa humana.
Nota do Instituto Humanitas Unisinos – IHU:
1. A pergunta se refere ao jovem Willy, 21, cujos pais são migrantes de Cabo Verde, radicados na Itália. Ele foi barbaramente assassinado quando defendia seu amigo do ataque de dois irmãos gêmeos, praticantes de artes marciais. Sobre o tema leia mais:
- O massacre de Willy me causa horror, é a prova de que o fascismo ainda está entre nós. Entrevista com Liliana Segre
- Corpos como armas, assim se alimenta o mito fascista. Artigo de Massimo Recalcati
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