Rodrigo Pacheco tem mais poder sobre as florestas brasileiras do que você pode imaginar

Luiza Lima e Thaís Bannwart – 21 Fev 2022

A regularização fundiária deve estar estreitamente relacionada com a regularização ambiental, sendo necessário que o legislativo dialogue com a população, respeitando a democracia.

Está nas mãos de Rodrigo Pacheco o futuro das nossas florestas. Sim, é o presidente do Senado quem tem o poder de definir quais temas serão debatidos e aprovados pela Casa, mediando os interesses coletivos com a premissa central de garantir que o bem-estar da sociedade brasileira seja o fio condutor de suas decisões. Agora, ele precisa decidir se está do lado das florestas e da vida, ou do interesse de grileiros e desmatadores ilegais.

Após aprovação na Câmara dos Deputados, tramitam no Senado uma série de projetos de lei que representam ainda mais retrocessos do que o governo Bolsonaro conseguiu causar em três anos. É o caso dos chamados “PLs da Grilagem” (PL 2633/2020 e PL 510/2021), que são o que há de mais atrasado no agronegócio e vão na contramão do que precisamos para reverter ou, ao menos, minimizar os impactos da crise ambiental, econômica, de saúde pública e social que vivemos.

A grilagem 1 de terras públicas no Brasil é uma atividade historicamente lucrativa e que envolve muitos elos de uma cadeia, passando por capangas e pistoleiros, cartórios, governos locais e até a Presidência da República. Ou seja, para que tenha sucesso, a atividade exige investimento financeiro, poder e influência. O lucro de um grileiro pode se dar por meio de quatro formas: ocupações de terras sem ou com baixo ônus; venda ilegal de madeira; produção agropecuária de fachada; e venda de terras para terceiros. Neste último caso, mais lucrativa será a venda da terra se ela tiver um título de propriedade, então é isso que o grileiro vai buscar em cartórios locais: um documento de posse daquela terra – que pode inclusive ser ilegal já que essas áreas estão sobrepostas a áreas públicas, como Unidades de Conservação ou terras públicas não-destinadas.

Com o documento em mãos e com o registro no CAR 2, fica mais fácil solicitar ao poder público o título de propriedade. Entretanto, a legislação atual pode ainda não reconhecer a ocupação como legítima, seja pelo tamanho da área, data de ocupação, ou por outras razões. O que fazer, então? Ora, mudar a lei.

O que está em jogo

Ao longo de toda a história de ocupação do território brasileiro, não foram poucas as vezes em que a legislação de terras foi modificada para legalizar as ocupações de terras públicas. Por vezes, esta decisão foi tomada corretamente, haja vista a enorme injustiça social existente no campo, onde milhares de agricultores familiares vivem à espera do reconhecimento, por parte do poder público, da idoneidade de sua ocupação. Entretanto, de Dom Pedro II a Getúlio Vargas, e chegando na história mais recente com Lula e Temer, todas as modificações na lei de terras também beneficiaram grileiros.

Se antes os grileiros eram “também” beneficiados, hoje as alterações defendidas pelo governo Bolsonaro e pelos ruralistas faz com que os grileiros sejam os maiores beneficiados, e é isso que está em jogo com os PLs da Grilagem. Pela legislação em vigor, ocupantes de áreas de até quatro módulos fiscais 3 têm facilidades na obtenção do título de terra, tais como dispensa de vistoria in loco, isenção de taxas de cartórios, entre outros. Bastaria, portanto, a implementação correta e efetiva da legislação, que depende exclusivamente da vontade política em vencer a burocracia para ocorrer.

Se aprovados, os projetos expandirão os benefícios concedidos atualmente a pequenos agricultores para médios e grandes invasores. Os textos possuem uma série de brechas 4 para garantir que invasores recentes ou novos possam obter o título da terra mediante pagamentos muito abaixo do preço de mercado. Assim, além de beneficiar aqueles que já invadiram (até mesmo de forma violenta) e desmataram, as mudanças sucessivas na legislação dão uma sinalização muito clara de que a prática da grilagem de terras é vantajosa. Afinal, se a legislação hoje não atende aos grileiros, no futuro poderá ser modificada de modo a atendê-los, alimentando o ciclo de invasão-desmatamento que se sucede há séculos.

Os defensores da medida, por sua vez, argumentam que a ilegalidade só poderá ser combatida se forem concedidos títulos de terras. Este argumento é, no mínimo, imoral. Dados apontam que 99% do desmatamento da Amazônia são ilegais e que, em pelo menos dois terços dos alertas, é possível identificar os responsáveis pelo desmatamento. Outro estudo recente mostra que 45% das propriedades rurais da Amazônia não cumprem os limites do desmatamento estabelecidos no Código Florestal. Se quisesse, o governo acabaria com o desmatamento ilegal, pois há dados e inteligência disponíveis, mas não quer.

O que precisa ser feito

Para acabar com o desmatamento ilegal, é necessário reconhecer os direitos territoriais de populações indígenas e comunidades tradicionais; destinar terras públicas para o manejo florestal sustentável; e criar unidades de conservação. Hoje, existem mais de 50 milhões de hectares de florestas públicas ainda não destinadas 5 e permitir que esse patrimônio seja objeto de ocupação irregular e desmatamento seria um crime contra o futuro do país, com graves consequências climáticas. E é exatamente isso que acontecerá se os projetos forem aprovados.

A aprovação dos PLs da Grilagem deve ser barrada de uma vez por todas. A regularização fundiária deve estar estreitamente relacionada com a regularização ambiental, sendo necessário que o legislativo dialogue com a população, respeitando a democracia. Com as portas fechadas para a sociedade, mas com livre circulação de lobistas, não há correlação de forças capaz de impedir retrocessos no Congresso Nacional. Nesta grave crise que vivemos, não faltam prioridades para Rodrigo Pacheco no Senado Federal: conter a pandemia, garantir emprego e auxílio para a população e combater o desmatamento da Amazônia. Leis que premiam quem comete crimes contra o nosso patrimônio e promove a violência contra a população do campo e da floresta definitivamente não estão entre elas.

Luiza Lima é assessora de políticas públicas do Greenpeace Brasil. Formada em engenharia florestal pela ESALQ/USP, atua há mais de dez anos, em diferentes organizações da sociedade civil, com políticas e programas de combate ao desmatamento na Amazônia.

Thaís Bannwart é analista de políticas públicas do Greenpeace Brasil. É gestora ambiental formada pela ESALQ/USP e mestra em desenvolvimento econômico e meio ambiente pelo Instituto de Economia/Unicamp.

fonte: https://pp.nexojornal.com.br/ponto-de-vista/2022/Rodrigo-Pacheco-tem-mais-poder-sobre-as-florestas-brasileiras-do-que-voc%C3%AA-pode-imaginar

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