Nota dos Secretários Nacionais de Juventude e Presidentes do CONJUVE contra a redução da maioridade penal

 

 

A Ação Educativa endossa o posicionamento conjunto de Secretários Nacionais de Juventude e Presidentes do Conselho Nacional de Juventude (Conjuve), contrário à nota técnica (132/2020) produzida pela atual Secretaria Nacional de Juventude, favorável à Proposta de Emenda à Constituição em favor da redução da maioridade penal.

A nota entra em conflito com a Constituição, com o Estatuto da Criança e do Adolescente e com a principal proposição extraída da 3ª Conferência Nacional da Juventude, em oposição à redução. E contradiz ainda o histórico de atuação da Secretaria e do Conjuve, que de 2005 a 2009 teve como sua vice-presidenta a atual coordenadora geral da Ação Educativa, Maria Virgínia Freitas.

A Ação Educativa compartilha do diagnóstico de que a redução da maioridade penal agravará a seletividade racial do sistema penal e aprofundará o genocídio de crianças, adolescentes e jovens negros. E , com os autores e autoras, acredita que, se a intenção é reduzir a criminalidade, a experiência internacional tem documentado que as medidas socioeducativas tem sido mais eficientes.

Confira a íntegra do posicionamento:

Nota de Secretários Nacionais de Juventude e Presidentes do CONJUVE em relação à posição da atual SNJ, que defendeu a redução da maioridade penal

A Secretaria Nacional de Juventude (SNJ) foi criada no ano de 2005, resultado das lutas coletivas e sociais da juventude brasileira, e desenvolvida com a afirmação e ampliação dos direitos dessas juventudes. Nos seus 15 anos de atuação, dialogou com organismos internacionais, espaços governamentais e com o parlamento; e formulou e fundamentou suas diretrizes em potentes espaços de diálogo e escuta, como o Conselho Nacional da Juventude e as Conferências Nacionais. 

Neste ano, porém, a SNJ, diante da Proposta de Emenda à Constituição nº 32/2019, de autoria do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), elaborou uma nota técnica (nº 132/2020) favorável à proposta de redução da idade penal. Com esta posição, a Secretaria rompe com sua tradição histórica e democrática e com a perspectiva de direitos conquistada desde a sua criação e, inclusive, antes mesmo dela, com o pacto social construído na CF de 1988. 

As conquistas no campo das políticas de juventude passam pela aprovação de uma PEC incluindo os jovens no artigo 227 da Constituição e a sanção, em 2013, do Estatuto Nacional da Juventude pela Presidência da República, que, entre seus preceitos, assume a complementariedade ao ECA e defende de forma intransigente a doutrina de proteção integral às crianças e adolescentes. Com esse parecer, a atual titular da pasta trai um legado construído por milhares de jovens do país.

A pauta da redução da maioridade penal não é novidade no Brasil. Desde 1993, parlamentares tentam, sem sucesso, incluir uma emenda à Constituição que busca ampliar os mecanismos punitivos e o endurecimento penal para adolescentes. Uma argumentação que não se sustenta em pesquisas e estudos qualificados, mas em matérias da grande imprensa que trazem um tom alarmista e provocam medo e sensação de insegurança na população. Essa política, agravada com a eleição de Jair Bolsonaro, se sustenta em uma agenda de ódio, de fragilização de direitos e de desmonte de políticas públicas por meio de estratégias racistas e patriarcais e da promoção do caos como tática de permanência no poder.

Trata-se assim de uma proposta inconstitucional que fere direitos fundamentais, que viola cláusula pétrea da constituição (art. 60, § 4º CF) e que atinge pontos basilares da Convenção sobre os Direitos da Criança (1989), ratificada pelo Governo Brasileiro em 1990, e outros Tratados Internacionais de Direitos Humanos dos quais o Brasil é signatário, como o Pacto de San José da Costa Rica (1969) e a Declaração da III Conferência Mundial contra o Racismo, a Discriminação, a Xenofobia e a Intolerância (2003). A proposta de reduzir a idade penal no Brasil já foi reconhecida como inconstitucional pela própria Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal, que, em fevereiro de 2014, rejeitou matéria que visava reduzir a imputabilidade para 16 anos.

A redução da maioridade penal não passa de uma medida de agravamento da seletividade racial do sistema penal e de aprofundamento do genocídio, que ao longo dos anos tem sido responsável pela morte de milhares de crianças, adolescentes e jovens negros no país. Vale lembrar que a tentativa de ampliar o controle sobre corpos negros de ainda menor idade é uma prática típica de grupos autoritários, preocupados em controlar e reprimir a presença da população negra no espaço público.

A Nota da SNJ desrespeita e ignora a proposta mais votada do espaço mais importante de participação social das juventudes, a 3ª Conferência Nacional (2015), que elegeu a proposta “Não à redução da maioridade penal, pelo cumprimento efetivo das medidas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente”, com 2.600 delegados em Brasília, em um processo que envolveu mais de 600 mil jovens no país.

É preciso reconhecer que os direitos previstos no ECA desde 1990 e, mais recentemente, os direitos do Estatuto da Juventude, estão longe de ser uma realidade para a maioria dos jovens brasileiros. Milhões de jovens de 15 a 17 anos estão fora da escola, estão desempregados e não contam com acesso ao lazer, à cultura e ao esporte. É uma geração marcada pelas desigualdades sociais, exposta à violência e assediada por mecanismos de acesso à renda marcados pela exploração e ilegalidade. Não é à toa que a grande maioria dos jovens que cometem atos infracionais, ou que morrem por homicídio, estava fora da escola e nem chegou a concluir o ensino fundamental.

Em que pese a tentativa dos setores conservadores de colocar os adolescentes e jovens como autores da violência, o que os dados nos mostram é que, na realidade, eles são vítimas e são os que mais morrem com a violência que assola o Brasil. Segundo o Atlas da Violência, em 2017, de 65.602 mortes por homicídios registrados no Brasil, 54,54% desse total eram jovens, que representam apenas 25% da população brasileira e, ainda, 75,5% das vítimas eram negras.

Outro equívoco nessa discussão é de que os atos cometidos pelos adolescentes são de extrema violência, o que não é possível ser comprovado. Segundo o Conselho Nacional de Justiça, em 2015, o Brasil tinha cerca de 22.640 adolescentes privados de liberdade, acusados de terem cometido algum ato infracional. Desse total de adolescentes que estão em unidade de internação, o que corresponde aos casos mais graves, 46% foram classificados como roubo, 24% tráfico de drogas e 10% homicídios. Se considerarmos a totalidade dos atos infracionais, os crimes hediondos representam apenas 2% desses atos. 

As teorias da educação moderna argumentam em favor da maior efetividade do princípio socioeducativo em relação às medidas punitivas para tal aprendizado. As experiências internacionais que têm diminuído a criminalidade se organizam a partir de políticas de desencarceramento, reinserção do autor na sociedade e em penas em meio aberto para casos de delitos pequenos e não graves. As condições precárias dos presídios brasileiros e o domínio do crime organizado são evidências que nos apontam a ineficiência dessa alternativa para adolescentes e jovens brasileiros.

Por fim, não custa afirmar que seguiremos defendendo a efetivação dos direitos de crianças, adolescentes e jovens. A defesa que fazemos se sustenta em medidas socioeducativas em meio aberto, voltadas a criar mecanismos que visam reinserir os jovens na sociedade com oportunidades de trabalho e desenvolvimento. Apostamos no caráter pedagógico das políticas e na construção/reconstrução de projetos de vida que visam romper com a prática do ato infracional por parte de jovens e adolescentes.

Ângela Guimarães
presidenta do Conselho (2012 e 2014)

Beto Cury
secretário nacional (2005-2010)

Daniel Souza
presidente do Conselho (2015-2017)

Danilo Moreira
presidente do Conselho (2008 e 2010)

Davi Barros
presidente do Conselho (2009)

Ellen Linth
presidenta do Conselho (2007)

Gabriel Medina
presidente do Conselho (2011-2012)
secretário nacional (2015-2016)

Jefferson Lima
secretário nacional (2016)

Regina Novaes
presidenta do Conselho (2005-2006)

Severine Macedo
secretária nacional (2011-2014)

fonte: https://acaoeducativa.org.br/nota-dos-secretarios-nacionais-de-juventude-e-presidentes-do-conjuve-contra-a-reducao-da-maioridade-penal/


Nota Técnica do Conselho Nacional de Juventude sobre a maioridade penal

O Conselho Nacional de Juventude, órgão consultivo e autônomo da República Federativa do Brasil para a temática da juventude, de acordo com a Lei nº 11.129 de 2005 e o Decreto Federal nº 10.069 de 2019 composto por representantes do poder público, organizações da sociedade civil e pessoas de notório saber com reconhecimento de suas atuações com as juventudes brasileiras, vem por meio deste reiterar o seu posicionamento em defesa dos direitos das juventudes e contra a redução da maioridade penal.

Toda e qualquer matéria relacionada à temática das juventudes é de interesse do Conselho Nacional da Juventude e, portanto, seu objeto de trabalho. O tema em específico foi amplamente debatido e mais de uma vez em sua história o Conselho Nacional da Juventude emitiu notas técnicas direcionadas ao Poder Executivo e ao Poder Legislativo, sempre tratando a temática com a prioridade que lhe é devida por considerar que possui grande impacto na população jovem do Brasil.

As evidências disponíveis sobre a vulnerabilidade das juventudes no Brasil reforçam a necessidade de se garantir a proteção social de crianças, adolescentes e jovens, conforme previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente Lei n° 8.069e no Estatuto da Juventude Lei nº 12.852.

Também vale reforçar que o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo-SINASE Lei n° 12.594, já prevê ações que visam a reabilitação de jovens em conflito com a lei, alicerçadas em um processo educativo que garanta a orientação ao jovem.

Diante disso o Conselho Nacional da Juventude, mais uma vez manifesta sua posição sobre o tema, neste tempo, com destaque para a PEC 32/19 que trata da proposta de Redução da Maioridade Penal e levando em consideração a notícia sobre posicionamento da Secretaria Nacional de Juventude, favorável ao texto da PEC, por meio de nota técnica nº 132/2020.

Os aspectos de caráter repressivo presentes na lógica da redução da maioridade penal desconsideram a importância de políticas sociais de caráter preventivo. Entendemos que a prevenção é a melhor escolha. Precisamos focar como sociedade em acabar com as desigualdades estruturais, sociais e econômicas, dando oportunidades iguais para que jovens se desenvolvam como cidadãos e cidadãs plenas da nossa sociedade.

Políticas públicas mais eficientes (de educação, saúde, inclusão produtiva, jovem aprendizagem, cultura, etc.) são recursos muito mais potentes para resolver o problema da criminalidade entre as juventudes, do que optar pelo seu encarceramento, como cita o estudo: “Trajetórias Individuais, Criminalidade e o Papel da Educação”, desenvolvido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA 2016). Uma outra questão importante neste debate é a ineficácia do Sistema Prisional Brasileiro haja vista que conforme pesquisa publicada pelo Conselho Nacional de Justiça – CNJ, além da estrutura precária do sistema carcerário e a baixa capacidade de reinserção social, deve-se levar em consideração o índice de reincidência nas prisões brasileiras (de 42,5% no Sistema Carcerário, o que representa o dobro da taxa de reincidência quando comparado ao Sistema Socioeducativo, 23,9%, salientando ainda que esse percentual reduz para 13,9% quando considerado o trânsito em julgado).

Vale salientar, contrariando os argumentos favoráveis à redução da maioridade penal, que, segundo o Atlas da Violência, do total de jovens em conflito com a lei, apenas 0,9% dos casos foram de latrocínio e 0,6% foram de homicídios, revelando que a maioria dos crimes que levam adolescentes e jovens à internação não envolvem crimes contra a pessoa.

A reinserção do indivíduo na sociedade é benéfica, mas haverá sempre um questionamento sobre a real eficácia da aplicação das medidas socioeducativas. Valendo ressaltar sobre a imensa diferença entre o tratamento dado ao adulto que pratique ato ilícito penal e ao adolescente e jovem que cometa o mesmo ato análogo denominado ato infracional ilícito. Segundo Veronse:

“A doutrina da proteção integral eleva crianças e adolescentes à condição de sujeitos de direitos e as reconhece como pessoas em estado peculiar de desenvolvimento, além de conferir à família, ao Estado e à sociedade o dever de assegurar seus direitos fundamentais e de proteção com prioridade absoluta Art. 227, CF/88” (VERONSE, Josiane, 2009. p.32)..”

As medidas socioeducativas como um todo, visa à inserção do adolescente na família e na sociedade, além da prevenção a prática do ato infracional, onde, dentro das unidades de internação, há toda a observância da socioeducação do indivíduo, que desde o primeiro dia de cumprimento da medida socioeducativa até o último dia, ele é inserido em diversas realidades de transformação de vida, para não ser reincidente no sistema.

Por isso, diante de ampla manifestação de diferentes atores da sociedade civil organizada, de juventudes partidárias, gestores de políticas públicas de juventudes, bem como do posicionamento aprovado em plenário durante Reunião Ordinária, o Conselho Nacional da Juventude repudia a proposta de redução da maioridade penal, por não considerar que a proposta gere benefícios reais à sociedade e por representar uma ruptura ao ordenamento jurídico brasileiro. 

Sob o prisma Constitucional da paridade absoluta dos artigos 227 e 228 da Carta Magna:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Art. 228. São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial.

E em obediência responsável aos ditames da Lei nº 12.852 em seus artigos 37 e 38, in verbis :

Art. 37. Todos os jovens têm direito de viver em um ambiente seguro, sem violência, com garantia da sua incolumidade física e mental, sendo-lhes asseguradas a igualdade de oportunidades e facilidades para seu aperfeiçoamento intelectual, cultural e social.

Art. 38. As políticas de segurança pública voltadas para os jovens deverão articular ações da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e ações não governamentais, tendo por diretrizes:

I – a integração com as demais políticas voltadas à juventude;

II – a prevenção e enfrentamento da violência;

III – a promoção de estudos e pesquisas e a obtenção de estatísticas e informações relevantes para subsidiar as ações de segurança pública e permitir a avaliação periódica dos impactos das políticas públicas quanto às causas, às consequências e à frequência da violência contra os jovens; IV – a priorização de ações voltadas para os jovens em situação de risco, vulnerabilidade social e egressos do sistema penitenciário nacional; V – a promoção do acesso efetivo dos jovens à Defensoria Pública, considerando as especificidades da condição juvenil; e

VI – a promoção do efetivo acesso dos jovens com deficiência à justiça em igualdade de condições com as demais pessoas, inclusive mediante a provisão de adaptações processuais adequadas a sua idade.

E aos ditames do art. 4º da Lei 8.069 Estatuto da Criança e Adolescente:

Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende:

a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias;

b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública;

c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas; 

d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude.

Baseando-se nesse conjunto de evidências, em respeito ao ordenamento jurídico brasileiro e compreendendo a realidade das juventudes brasileiras é imprescindível lutar por melhores políticas públicas, protegendo os direitos das crianças, adolescentes e jovens.

O Conselho Nacional da Juventude acredita na importância da ampliação de projetos de reinserção social dos jovens por meio do sistema socioeducativo, que já tem se provado mais efetivo do que o sistema prisional.

Portanto, o Conselho Nacional da Juventude posiciona-se CONTRÁRIO à redução da maioridade penal, que representaria um grande retrocesso para as juventudes brasileiras, em defesa das classes jovens, repudia qualquer tentativa de criminalização que retira a inviolável dignidade da pessoa humana.

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *