Moraes pede vista e STF suspende julgamento do marco temporal

Análise de tese com grande repercussão para os povos indígenas está empatada em um voto contra e um a favor. Não há prazo para o tema voltar à pauta da Corte.

    

Deutsche Welle (DW) | Internacional

Alexandre de Moraes

Moraes disse que precisava de mais tempo para analisar argumentos apresentados por Nunes Marques

O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), pediu nesta quarta-feira (15/09) vista do processo sobre o marco temporal para demarcações de terras indígenas.

O marco, defendido por ruralistas e pelo governo federal, estabelece que os povos indígenas só teriam direito a reivindicar as terras já ocupadas por eles em outubro de 1988, quando foi promulgada a Constituição. Se não estivessem na terra, precisariam estar em disputa judicial ou em conflito comprovado pela área naquela data.

O julgamento havia sido retomado nesta quarta e está empatado em um voto a favor e um contra o marco temporal. O primeiro ministro a votar, na quinta-feira passada, foi o relator do caso, Edson Fachin, que se declarou contra o dispositivo. Fachin afirmou que a Constituição garante aos indígenas o direito originário sobre as suas terras, e que o marco temporal poderia trazer ainda mais obstáculos para que esses povos preservassem sua cultura e modo de vida.

Nesta quarta, o ministro Nunes Marques votou a favor do marco. Ele argumentou que a posse de povos indígenas sobre terras deveria existir até 1988, pois a falta de um limite temporal levaria à “expansão ilimitada” para áreas “já incorporadas ao mercado imobiliário”.

Moraes seria o terceiro ministro a votar, mas pediu vista alegando que Nunes Marques havia apresentado novos temas que precisavam ser analisados por ele. O julgamento será retomado quando Moraes devolver o processo e o presidente do Supremo incluir o tema na pauta no plenário, e não há prazo para que isso ocorra.

Argumentos em disputa

O processo em julgamento envolve a posse da Terra Indígena Ibirama, em Santa Catarina, habitada pelos povos Xokleng, Kaingang e Guarani. Mas o caso tem repercussão geral, e a decisão servirá de parâmetro para a resolução de, pelo menos, 82 casos semelhantes, segundo o Supremo.

Na sessão em que foram ouvidos representantes das partes, Rafael Modesto dos Santos, advogado da comunidade Xokleng, disse que o marco não teria cabimento jurídico e ignora o passado de violência contra os povos indígenas, como casos de expulsões, mesmo após a titulação de terras tradicionais. “Não cabe nenhum marco temporal porque ele legalizaria todos ilícitos, de crimes ocorridos até 1988”, afirmou. 

Na avaliação de Paloma Gomes, representante do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), a defesa da tese do marco seria uma forma de tentar burlar a Constituição. “Os direitos indígenas continuam como cláusulas pétreas, sendo imprescritíveis, inalienáveis e imutáveis. Em 88, foi fixado como dever do Estado a demarcação e a proteção dos territórios indígenas, entretanto, o que vemos hoje é uma resistência na implementação desses direitos”, disse.

Já o advogado-geral da União, Bruno Bianco, defendeu a preservação da segurança jurídica nos processos demarcatórios e a manutenção de balizas que foram estabelecidas pela Corte no julgamento de demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em 2009. 

“No julgamento do caso Raposa Serra do Sol, este STF estabeleceu balizas e salvaguardas na promoção de todos os direitos indígenas, e, para garantir a regularidade da demarcação de suas terras, como regra geral, foram observados o marco temporal e o marco da tradicionalidade”, afirmou. 

Acampamento indígena

As sessões iniciais do julgamento do marco temporal foram acompanhadas por cerca de 6 mil indígenas de 170 povos, que acamparam em uma área da Esplanada dos Ministérios.

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) considera o julgamento do STF “o mais importante do século” para os povos indígenas e afirma que o acampamento, batizado de Luta pela Vida, foi a maior mobilização indígena desde a redemocratização.

O tema também foi objeto de mobilização durante a Marcha Nacional das Mulheres Indígenas, realizada na semana passada em Brasília. 

bl (ots)

 

fonte: https://www.dw.com/pt-br/moraes-pede-vista-e-stf-suspende-julgamento-do-marco-temporal/a-59194922

 

Julgamento no STF suspenso: Nunes Marques vota por anistiar invasões de terras indígenas antes de 1988, Moraes pede vista

Indicado por Jair Bolsonaro, Nunes Marques abriu divergência com voto do relator, Edson Fachin, e defendeu aplicação do marco temporal para demarcação de terras indígenas

Cerca de 150 lideranças indígenas acompanharam o julgamento em frente ao STF nesta quarta (15). Foto: Matheus Alves

Cerca de 150 lideranças indígenas acompanharam o julgamento em frente ao STF nesta quarta (15). Foto: Matheus Alves

POR ASSESSSORIA DE COMUNICAÇÃO DA MNI

Repetindo argumentos dos setores mais retrógrados do agronegócio, nesta quarta-feira (15), o ministro Kássio Nunes Marques apresentou seu voto a favor da tese do marco temporal para as demarcações de terras indígenas. Logo após o voto de Nunes Marques, o ministro Alexandre de Moraes pediu vista e o julgamento foi suspenso, sem data prevista para retorno.

Com seu voto, o ministro Nunes Marques abriu uma divergência em relação ao voto do relator do processo, o ministro Edson Fachin, favorável aos direitos constitucionais indígenas e contrário à tese do marco temporal. A necessidade de analisar melhor as posições apresentadas foi a justificativa dada pelo ministro Alexandre de Moraes para pedir vista, interrompendo o julgamento empatado em um a um.

O voto de Nunes Marques foi apresentado na continuação do julgamento do Recurso Extraordinário 1.017.365, processo que envolve um pedido de reintegração de posse movido pelo Instituto do Meio Ambiente (IMA) de Santa Catarina, contra a comunidade Xokleng da Terra Indígena (TI) Ibirama-Lã Klãnõ, também habitada por comunidades Guarani e Kaingang. O caso ganhou status de repercussão geral no Supremo e terá efeitos para as demarcações de terras indígenas de todo o país.

No caso específico dos Xokleng, Nunes Marques votou pelo desprovimento do recurso, ou seja, votou pela anulação da demarcação da terra indígena e a favor da reintegração de posse movida pelo órgão ambiental do estado de Santa Catarina. O argumento de Marques é de que as comunidades não ocupavam as áreas reivindicadas em 1988. Embora anteriormente em seu voto tenha reconhecido que os Xokleng tiveram suas terras esbulhadas, demonstrando ser contraditório seu argumento.

Em seu voto, Nunes Marques defendeu a aplicação do marco temporal como forma de conciliar interesses. A tese, no entanto, é defendida pelos setores mais retrógrados do agronegócio e rechaçada por comunidades indígenas e suas organizações em todo o país.

Segundo a interpretação, os direitos territoriais dos povos indígenas estariam restritos àquelas áreas que estivessem em sua posse ou disputadas judicialmente até 5 de outubro de 1988, ignorando, e ao mesmo tempo legitimando, o histórico de expulsões e violências sofridas pelos povos indígenas antes da data.

Nunes Marques reconheceu que a tese significaria anistiar esbulhos ocorridos antes da data de promulgação da Constituição Federal.

“A teoria do fato indígena, que embasa o posicionamento do STF no caso já referido [caso da Terra Indígena Raposa Serra do Sol], é a que melhor concilia os interesses em jogo na questão indígena. Por um lado, admite-se que os índios remanescentes em 1988 e suas gerações posteriores têm direito à posse de suas terras tradicionais, para que possam desenvolver livremente seu modo de vida. Por outro, procura-se anistiar oficialmente esbulhos ancestrais, ocorridos em épocas distantes, e já acomodados pelo tempo e pela própria dinâmica histórica”, declarou.

Seguindo o mesmo roteiro de setores ruralistas e do agronegócio, o voto de Nunes Marques repetiu as condicionantes utilizadas na votação do caso da Terra Indígenas Raposa Serra do Sol. A decisão do STF de uma década atrás estabeleceu 19 condicionantes, mas sem efeitos para as demarcações de outras Terras Indígenas.

“Os argumentos do Nunes Marques não inovaram em nada, foi um voto que não nos surpreendeu. Ele trouxe basicamente os argumentos que os ruralistas defendem. Ele desconsidera o indigenato, traz o indigenato como um instituto defasado, que traz insegurança jurídica, e defende a tese do marco temporal”, avalia a advogada Samara Pataxó, da assessoria jurídica da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).

Além do marco temporal, Nunes Marques votou por vedar a ampliação de terras indígenas, o que restringe os direitos territoriais das comunidades que tiveram suas terras demarcadas fora dos parâmetros estabelecidos pela Constituição de 1988.

No sentido contrário do que apontam todos os estudos sobre a preservação das florestas nos territórios indígenas, o ministro considerou ainda a incompatibilidade das demarcações de terras sobrepostas com áreas de preservação, considerando que deve prevalecer a administração dos parques e unidades de conservação sobre as terras indígenas.

“Ouvindo o voto do ministro Nunes Marques, não vi nada de novo. Vi apenas um ministro repetindo os velhos argumentos dos ruralistas. Pareceu-me um copia e cola, das petições dos fazendeiros. Nunes Marques conhece que o direito indígena é imprescritível, mas aplica o marco temporal, anistiando os crimes perpetrados contra os povos indígenas. Voto Teratológico!”, comenta o coordenador jurídico da Apib, Eloy Terena.

“Foi um voto completamente equivocado, que não se baseia na vontade do constituinte de 1988”

Cerca de 150 lideranças indígenas acompanharam o julgamento em frente ao STF nesta quarta (15). Foto: Hellen Loures/Cimi

Cerca de 150 lideranças indígenas acompanharam o julgamento em frente ao STF nesta quarta (15). Foto: Hellen Loures/Cimi

Povo Xokleng

No mérito, o processo trata de um recurso extraordinário, originalmente impetrado pela Funai, contra a ação de reintegração de posse que o IMA moveu contra o povo Xokleng. A disputa envolve a reserva ambiental do Sassafrás, criada pelo estado de Santa Catarina sobre uma parte da TI Ibirama-La Klãnõ, já reconhecida e declarada como terra tradicionalmente ocupada pelo povo Xokleng.

O voto de Fachin, além de afastar a tese do marco temporal, dá provimento ao recurso em favor do povo Xokleng – ou seja, reconhece o seu direito à posse e à demarcação da sua terra de ocupação tradicional, invadida e reduzida pelo estado ao longo do século XX.

Apesar de iniciar seu voto com um longo histórico que recupera a cronologia do esbulho e da brutal violência praticada contra os Xokleng, Nunes Marques votou pela anulação da demarcação da terra indígena.

“O ministro Nunes Marques votou por anular a demarcação com base no argumento de que os Xokleng não ocupavam a área em 5 de outubro de 1988, defendendo que os indígenas devem ser retirados da área. Foi um voto completamente equivocado, que não se baseia na vontade do constituinte de 1988”, avalia Rafael Modesto dos Santos, assessor jurídico do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e advogado do povo Xokleng no processo.

“Estamos há 500 anos lutando e vamos seguir lutando. Nossa luta não é só para o povo Xokleng, é para todos os povos indígenas, para a sociedade brasileira e para o mundo”

Cerca de 150 lideranças indígenas acompanharam o julgamento em frente ao STF nesta quarta (15). Foto: Hellen Loures/Cimi

Cerca de 150 lideranças indígenas acompanharam o julgamento em frente ao STF nesta quarta (15). Foto: Hellen Loures/Cimi

Próximos passos

A data de retorno do julgamento é incerta. Depois de devolvido por Alexandre de Moraes, o processo precisa ser recolocado na pauta pelo presidente da Corte, Luiz Fux. O regimento interno do STF estabelece um prazo de 30 dias para a devolução do processo sob vista, prorrogável por mais 30. A Corte, contudo, não prevê sanções em caso de descumprimento do prazo, e é comum que ele seja estendido para além desse período.

Quando for reiniciado, o julgamento deve retornar com o voto de Moraes, que será seguido pelos outros oito ministros e ministras, do mais novo na Corte ao decano, Gilmar Mendes. O último a votar é o presidente do STF, Luiz Fux.

“Quem deu a terra para nós foi deus, não o homem. Estamos há 500 anos lutando e vamos seguir lutando. Nossa luta não é só para o povo Xokleng, é para todos os povos indígenas, para a sociedade brasileira e para o mundo”, afirma Brasílio Priprá, liderança do povo Xokleng.

Na tarde desta quarta-feira (15), cerca de 150 lideranças indígenas acompanharam a sessão em frente ao STF, na Praça dos Três Poderes, em Brasília. Após a interrupção do julgamento, prometeram dar continuidade à mobilização, que já dura quatro semanas e reuniu mais de 6 mil indígenas na capital federal, além das diversas manifestações realizadas nos territórios e em todas as regiões do país.

“É um processo doloroso, cansativo, mas assim como a gente acredita em Topé, Nhanderu, temos que continuar acreditando que dali do Supremo saiam os votos necessários para garantir nossos direitos”, afirma Kretã Kaingang, que integra a coordenação da Apib.

fonte: https://cimi.org.br/2021/09/julgamento-stf-suspenso-nunes-marques-anistia-invasoes-terras-indigenas-moraes-vista/

 

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