Mineração na Amazônia

Imagem: Leonid Danilov

 

Por JOSÉ RAIMUNDO TRINDADE*

Degradação social e ambiental

Nas últimas décadas a presença do grande capital mineral na Amazônia se tornou a tônica econômica da região, sendo estas empresas na sua maioria transnacionais que operam os fluxos internacionais de produção e transação das principais commodities minerais estratégicas.  A composição acionária dessas empresas é formada pelos três principais agentes econômicos da modernidade capitalista: Estado, capital financeiro e o capital industrial, nacional e internacional.

O setor mineral concentrado na Amazônia oriental brasileira (Pará e Amapá) tem grande importância para a dinâmica produtiva regional e nacional, dado, inclusive, o caráter estratégico para atual acumulação de capital brasileira que representam as reservas minerais ali encontradas, e pelos profundos impactos sociais e ambientais que a exploração mineral provoca na região. A exploração mineral corresponde a quase 75% da pauta de exportação do estado do Pará, o maior segmento econômico do PIB (Produto Interno Bruto) do estado e um dos mais significativos da região como um todo.

O estado do Pará em menos de três décadas, se tornou o segundo maior produtor mineral nacional, estando atrás somente de Minas Gerais que já desenvolve a mineração de grande escala a mais de um século. Aproximadamente 80% dos 20,6 bilhões de dólares oriundos das exportações totais do Pará em 2020 se devem à indústria extrativa mineral, o que torna o setor mineral o carro chefe das exportações paraenses, sendo que somente o ferro corresponde a 68% do total das exportações (Comexstat, 2021)[i].

O setor mineral constitui historicamente segmento fortemente monopolizado, especialmente nos segmentos de minério de ferro e alumínio (bauxita), isso parcialmente decorrente de três aspectos que possibilitaram forte concentração e centralização de capital: i) a capacidade monopolizável espacialmente limitada de apropriação do potencial mineral; ii) a capacidade tecnológica de atuação, sobretudo na indústria de transporte de longo curso e escala (logística de transporte ferroviário e navegação oceânica) e; iii) a intricada relação entre os capitais do setor e as instituições estatais que definem a completa ou parcial apropriação da renda mineral pelos capitais privados.

No caso do minério de ferro três grandes empresas controlam o mercado transoceânico: a Companhia Vale, a Companhia Rio Tinto e a BHP Billiton. O segmento do alumínio primário é controlado pelas chamadas “seis irmãs”, com algumas modificações estruturais ocorridas nas duas últimas décadas: Alcoa, Alcan, BHP Billiton, Norsk Hydro, Pechiney e Comalco, sendo que as duas primeiras são produtoras integradas da matéria-prima (bauxita) a bens finais. No caso da Amazônia os dois segmentos de exploração mineral principais, ferro e alumínio, são respectivamente controlados pelas transnacionais: Companhia Vale e Norsk Hidro, havendo ainda a presença da Alcan e da Alcoa.

Padrão de especialização primário-exportador

O sistema capitalista contemporâneo inclui diversos espaços territoriais de reprodução, perfazendo uma dinâmica reprodutiva mundializada. A Amazônia constitui um destes espaços locais de exploração capitalista, um território de expansão da acumulação que tem sofrido forte reconfiguração econômica ao longo dos diversos ciclos de desenvolvimento capitalista brasileiro durante o século XX até a configuração atual de uma reserva neoextrativista de recursos naturais com efeitos em sua ocupação, espaço, uso da terra, valor, relações de trabalho e desagregação ambiental, com enorme aprofundamento nestes últimos cinco anos.

Nas últimas décadas se estabeleceu de forma crescente em toda América Latina uma nova disposição relacional com o capital mundial. Este padrão de desenvolvimento capitalista, centrado em alguns eixos comuns, se generalizou em diversos países do continente, estabelecendo o “neoextrativismo” como centro de um “padrão exportador de especialização produtiva”[ii], como já observado por nós em outro texto aqui publicado, estaríamos em uma “quarta forma de dependência” (ver: https://aterraeredonda.com.br/a-quarta-onda-da-dependencia-brasileira/).

Os principais componentes comuns identificados em países como Brasil, Argentina, Colômbia, por exemplo, podem ser sistematizados em quatro elementos que em graus diferenciados aparecem em cada um destes países: i) esgotamento do crescimento econômico baseado na diversificação industrial ou crescente reprimarização da estrutura econômica destes países; ii) a base neoextrativista estabelecida, determina uma intensiva e crescente espoliação da natureza enquanto base desta nova dinâmica de expansão do capital; iii) a massa de valores de uso produzidos destinam-se ao mercado internacional, reestabelecendo um padrão de reprodução de especialização primário-exportador; iv) observa-se o chamado “efeito derrame”[iii] da produção mineral e agrária, efeito referente a mudanças nas normas e procedimentos ambientais, com crescente degradação das populações locais, destruição ambiental e desmonte de instituições de regulação, tudo que se vê muito objetivamente no atual período e na capacidade destrutiva do Ministro Salles.

Por padrão de reprodução de capital entendemos as formações sociais e econômicas capitalistas que se estabelecem nacionalmente, compreendendo, de um lado graus variados de dependência ao circuito da economia mundo capitalista, por outro, maior ou menor desenvolvimento e expansão autônoma tecnológica, creditícia e poder soberano do seu Estado nacional. Este conjunto de variabilidades estabelece sociedades capitalistas bastante diversas, o que condiciona as relações econômicas internacionais e ao mesmo tempo define o papel destas sociedades na divisão internacional do trabalho, bem como o grau de integração dos diversos circuitos econômicos presentes na sua dinâmica interna.

O padrão de reprodução do capital integra o conjunto dos circuitos reprodutivos[iv], sendo que um determinado padrão de reprodução se estabelece enquanto forma estrutural que integra circuitos produtivos, creditícios e mercantis no interior de um território ou base de desenvolvimento nacional. A interação entre este padrão de reprodução nacional e a economia mundo capitalista constitui um dos aspectos centrais para entendermos as relações produtivas entre os capitais transnacionais e suas intervenções em localidades específicas como a Amazônia brasileira.

Neste contexto dois aspectos são importantes: i) o papel da produção mineral amazônica na atual lógica de desenvolvimento brasileiro, centrada em crescente reprimazação econômica e; ii) a elevada degradação ambiental produzida pelas formas de exploração neoextrativista mineral estabelecida, formas de acumulação por espoliação.

A reprimarização econômica constitui ponto mais evidente em economias que alcançaram um grau de complexidade industrial maior, como o caso do Brasil. Especificamente as condições de evolução da pauta exportadora brasileira nos últimos anos recolocou a questão da problemática do desenvolvimento de um “padrão exportador de especialização produtiva”, seja pela base exportadora de baixa intensidade tecnológica, seja pela forte dependência do ciclo de valorização da demanda internacional por bens básicos ou primários[v].

Essas formas de acumulação espoliativa[vi] são muito diversificadas, mas têm como ponto comum serem mecanismos de elevado grau de degradação social e ambiental. Desta forma a exploração dos recursos naturais e o neoextrativismo mineral são bastante característicos de um processo de exploração em elevada escala que se utiliza das jazidas minerais de elevado teor e de fácil prospecção próprias das grandes jazidas amazônicas, tanto ferríferas, quanto de bauxita, os dois principais minérios explorados na região.

As condições especificas de expansão da indústria mineral amazônica realiza-se com a expulsão de diversas populações dos seus territórios originais, assim como com elevado custo ambiental na região. Por outro, a privatização de empresas estatais como a Companhia Vale na década de 1990, ao lado de gigantescas áreas florestais devastadas para garantir a exploração mineral são elementos que colaboram na identificação do atual ciclo neoextratiista como um processo propriamente de acumulação por espoliação.

O capital transnacional mineral na Amazônia

O fato de a Amazônia cumprir o papel de repositório de valores de uso primários ao grande capital configura uma situação em que este vasto território possibilita um duplo papel, de um lado, garante uma gigantesca massa de valores exportáveis e que favorece o balanço de pagamento, via exportações à economia nacional, por outro, os baixos custos de produção minerária possibilitam ganhos as transnacionais do setor que atuam na região, seja pela qualidade do minério, seja pela enorme transferência de rendas extraordinárias advindas das minas  e da logística quase toda ela provida pelo Estado brasileiro e agora assumida pelas empresas transnacionais.

O setor mineral constitui historicamente segmento fortemente transnacionalizado, especialmente nos segmentos de minério de ferro e alumínio (bauxita), isso parcialmente decorrente de três aspectos que possibilitaram forte concentração e centralização de capital, dois deles já elencados anteriormente: i) a capacidade monopolizável espacialmente limitada de apropriação do potencial mineral; ii) a capacidade tecnológica de atuação, sobretudo na indústria de transporte de longo curso e escala (logística de transporte ferroviário e navegação oceânica) e; iii) a intricada relação entre os capitais do setor e as instituições estatais que definem a completa ou parcial apropriação da renda mineral pelos capitais privados. No caso do minério de ferro três grandes empresas controlam o mercado transoceânico: a Companhia Vale, a Companhia Rio Tinto e a BHP Billiton. O segmento do alumínio primário é controlado pelas chamadas “seis irmãs”, com algumas modificações estruturais ocorridas nas duas últimas décadas: Alcoa, Alcan, BHP Billiton, Norsk Hydro, Pechiney e Comalco, sendo que as duas primeiras são produtoras integradas da matéria-prima (bauxita) a bens finais.

O processo de ocupação da Amazônia pelo grande capital transnacional não se daria de forma tão exitosa se o Estado brasileiro não atuasse como mediador da internacionalização das empresas multinacionais, de sorte que o Estado brasileiro preparou o ambiente propicio para instalação do grande capital monopolista, nesse sentido, destaca-se que a atuação falaciosa do estado brasileiro, através, da doutrina da segurança nacional, buscou ocupar a Amazônia, disseminando a ideologia de que estavam ocupando um “espaço vazio”. Portanto, em muitos sentidos o governo brasileiro agiu em favor do interesse do capital monopolista, em detrimento dos benefícios nacionais e sociais.

Por tudo isso, depreende-se que os investimentos nacionais e, principalmente, os investimentos estrangeiros, orientados pelo Estado brasileiro ao longo das últimas seis décadas, assegurou a inserção do capital monopolista na região, e muito mais que isso, garantiu ao capital uma acumulação em escala ampliada. Mas recentemente, pode-se destacar que, o papel do setor da mineração na Amazônia, ascende a uma atuação de protagonismo considerando-se o volume das exportações e a sua participação em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) da região, todavia, no que se refere a uma melhor distribuição da renda proveniente da exploração mineral para com a sociedade local, muito pouco se tem contribuído.

Degradação social e ambiental

A indústria extrativa mineral é de reconhecido impacto ambiental, aliado ao baixo nível de compromisso social e ambiental, sendo que a exploração na Amazônia segue a lógica internacional, com o agravante que a dinâmica extensiva da área de lavra tende a destruir um percentual superior de floresta primária. O discurso ambientalista das principais empresas do setor contrasta com o efetivo padrão devastador da mesma. Vale observar que o ciclo minerador completo se constitui de três fases: i) o desmanche florestal, constituindo-se da remoção dos maciços florestais nas áreas a serem mineradas; ii) a extração da laterita e a exposição da jazida mineral; iii) o abandono da área atual e a abertura de nova frente. Em alguns casos as empresas mineradoras reconstituem uma floresta secundária, porém com enorme perda de diversidade.

Nas principais áreas de mineração, tanto ferríferas quanto bauxitíferas, o impacto sobre as comunidades tradicionalmente assentadas é enorme. A poluição das águas e a deposição inadequada de resíduos, dentre outros impactos, têm destruído o ecossistema local, sendo que os impactos dos projetos minerais instalados no Pará atingem diferentes grupamentos populacionais, comunidades urbanas, comunidades ribeirinhas, comunidades quilombolas e comunidades indígenas. Vale considerar três impactos presentes nas áreas de exploração: i) deslocamento populacional e acelerada concentração demográfica; ii) perda de capacidade de subsistência econômica, social e cultural das populações tradicionais; iii) diferentes graus de contaminação e degradação ambiental.

Por outro, a apropriação da terra pelas grandes empresas mineradoras estabeleceu a completa espoliação das populações tradicionais. Essa acumulação por espoliação se torna muito visível nestes processos seja pela perda de capacidade de subsistência econômica, social e cultural das populações tradicionais, seja pelo seu uso em processos produtivos complementares e necessários a extração mineral como, por exemplo, o uso de trabalho em condições análogas a escravidão na produção de carvão para uso nas indústrias de ferro-gusa da região.

As populações indígenas foram as mais atingidas pelo conjunto de projetos que veio a se denominar de Programa Grande Carajás (PGC), sendo que o Ferro Carajás, o Projeto Trombetas (MRN), Albrás-Alunorte (Barcarena), Alumar (São Luís) e a UHE de Tucuruí, constituíram o cerne do PGC e atingiram um conjunto diverso de povos indígenas a partir dos anos 1970, destacando-se pelo grau de impacto apinayé (Tocantins); gaviãoparkatêjê, parakanã, suruí e kayapó-xikrin (Pará); gavião-pukobyê, guajá, guajajara, krikatí e urubu-kaapor (Maranhão) e as terras indígenas Awáe Krikati que ainda não se encontravam demarcadas[vii].

Porém, no caso referente aos indicadores sociais dos municípios diretamente vinculados a exploração mineral, seja o ferro, seja a bauxita, os dados demonstram precariedade e espoliação social. Assim, por exemplo, no complexo do alumínio a renda mensal domiciliar em mais da metade dos domicílios é de apenas ½ salário-mínimo, configurando uma realidade social extremamente precária, o que se complementa pelos dados de que mais de 70% dos domicílios não apresentam a devida adequação sanitária e que Tucuruí, por exemplo, tem-se 14 aglomerados subnormais, ou seja, aglomerações populacionais com características de favelas ou precárias condições de urbanização.

Os dados indicam que a capacidade da mineração, enquanto atividade econômica, de proporcionar qualidade de vida as populações locais são bastante questionáveis, sendo que o modelo econômico centrado na exportação mineral e agrária, sem a devida regulação fiscal e social, que possibilite receitas aos municípios e ao estado para ofertar  melhores condições de infraestrutura urbana tornam a mineração fundamentalmente uma atividade de enclave econômico, porém externalizando diversas negatividades, principalmente ambientais. Infelizmente, a atual conjuntura brasileira aponta para um cenário nada promissor, com destruição de direitos sociais e ambientais que afetam as comunidades mais atingidas por estes projetos e uma crescente perda de soberania nacional.

*José Raimundo Trindade é professor do Programa de Pós-graduação em Economia da UFPA. Autor, entre outros livros, de Crítica da Economia Política da Dívida Pública e do Sistema de Crédito Capitalista: uma abordagem marxista (CRV).

Notas


[i] Conferir: http://comexstat.mdic.gov.br/pt/comex-vis.

[ii] OSÓRIO, J. América Latina: o novo padrão exportador de especialização produtiva: estudo de cinco economias da região. In: FERREIRA, C.; OSÓRIO, J.; LUCE, M. (Orgs.). Padrões de reprodução do capital: contribuições da teoria marxista da dependência. São Paulo: Boitempo, 2012.

[iii] GUDYNAS, Eduardo. Transições ao pós-extrativismo. Sentidos, opções e âmbitos. In: FILHO, Jorge P.; LANG, Mirian; DILGER, Gerrhard (Ed.). Descolonizar o imaginário. São Paulo: Fundação Rosa Luxemburgo, 2016.

[iv] MARX, K. O Capital: crítica da economia política, Livro II: O processo de circulação do capital [1885]. São Paulo: Boitempo, 2014.

[v] TRINDADE, J. R. B.; OLIVEIRA, W. P. de. Padrão de especialização primário: exportador e dinâmica de dependência no período 1990-2010, na economia brasileira. Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 37, n. 4, mar. 2017. p. 1059-1092.

[vi] HARVEY, David. O Novo Imperialismo. São Paulo: Edições Loyola, 2005.

[vii] FERNANDES, Francisco Rego Chaves; ALAMINO, Renata de Carvalho Jimenez; ARAÚJO, Eliane (Eds.). Recursos minerais e comunidade: impactos humanos, socioambientais e econômicos. Rio de Janeiro: CETEM/MCTI, 2014.

fonte: https://aterraeredonda.com.br/mineracao-na-amazonia/


Como o ouro ilegal do garimpo se torna legal? A palavra basta

Garimpeiros ilegais mentem e empresas forjam documentação para declarar o ouro como retirado em outro território

Martha Raquel
Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

 

Ouro bruto encontrado através do garimpo – Henrique Silveira

Mais de 20 toneladas de ouro ilegal foram retiradas de solo brasileiro em 2018, segundo estimativa da Agência Nacional de Mineração (ANM) – são quase 3 bilhões de reais não declarados.

O garimpo ilegal no Brasil acontece principalmente na região Norte do país, em áreas de fronteira e muitas vezes dentro de territórios indígenas e de preservação ambiental. 

A garimpagem hoje se dá de duas formas: a que funciona dentro da lei, com base nas diretrizes da Permissão de Lavra Garimpeira (PLG), e a clandestina. A exploração mineral no estado de Roraima é efetuada 100% dentro da ilegalidade.

“Um grama de ouro está valendo pouco mais de R$ 300 e, por causa da valorização deste minério, nos últimos meses a procura nas terras indígenas aumentou muito”, afirma Ivo Cípio Aureliano, indígena Macuxi, e assessor jurídico do Conselho Indígena de Roraima (CIR).

Aureliano explica que muitas vezes o ouro é vendido pelos garimpeiros aos pequenos compradores em Boa Vista, capital de Roraima. “Em muitos casos o dono do maquinário que está no garimpo vende diretamente aos compradores que ficam fora do estado”.

:: Entenda como acontece o garimpo ilegal em terras indígenas na região Norte do Brasil :: 

E aí que a lavagem do ouro começa. Quando o garimpeiro vai fazer a venda do minério, ele precisa apresentar uma documentação que identifique de onde aquele ouro foi extraído. Tanto para o garimpeiro, quanto para o comprador, é mais vantajoso mentir, já que não há fiscalização.

Banco Central autoriza apenas Distribuidoras de Valores e Bancos a fazerem a primeira aquisição do ouro bruto em regiões garimpeiras.

Mas, na prática, a coisa acontece de outra forma. Este ouro então é recolhido, refinado e inserido no circuito legal como se houvesse sido encontrado em terras que possuem a lavra garimpeira.  

A lavra garimpeira é um regime de extração de substâncias minerais com aproveitamento imediato do jazimento mineral que, por sua natureza, sobretudo seu pequeno volume e distribuição irregular do bem mineral, não justificam, muitas vezes, investimento em trabalhos de pesquisa, tornando-se, assim, a lavra garimpeira a mais indicada.

:: Vítima do garimpo: mercúrio mata ambientalista que trabalhava na Amazônia :: 

São considerados como minerais garimpáveis o ouro, diamante, cassiterita, columbita, tantalita, volframita, nas formas aluvionar, eluvional e coluvial, scheelita, demais gemas, rutilo, quartzo, berilo, moscovita, espodumênio, lepidolita, feldspato e mica.

A fraude no sistema foi descoberta pelo Ministério Público Federal (MPF) e pela Polícia Federal (PF), que identificaram diversas empresas que compravam ouro sem documentação e que forjavam legalidade com papeladas falsas. 

“O processo é bem fácil, basta mentir e as empresas já dão os papéis pra gente assinar. Eles não pedem detalhes de nada porque só querem comprar – e nós queremos vender”, conta um garimpeiro que não quis se identificar. 

A extração ilegal do ouro contamina a água, o solo e até o ar nos territórios invadidos pelos garimpeiros. A prática gera problemas sanitários, ambientais e culturais em terras indígenas.

Quem enriquece com o garimpo? 

“O garimpeiro é apenas o trabalhador que está sendo explorado, eles ficam em condições insalubres, colocando a vida em risco, muitas vezes contraem doenças como malária e acabam morrendo. Então quem ganha são os donos dos maquinários, ou seja, o empresário que financia. O garimpeiro fica apenas com uma porcentagem”, explica Ivo Cípio Aureliano. 

Ainda de acordo com o assessor do CIR. “Os garimpeiros trabalham com maquinários que eles não conseguem comprar, então há alguém por trás que financia. Eles trabalham em equipe, têm informantes, olhares e pessoas que avisam quando tem operação [de fiscalização]”, acrescenta.

Há muitos conflitos nessas regiões. “Sempre há rivalidade e disputa por pontos, praticamente toda semana tem morte, tiroteio e outros tipos de violências. Sempre brigam entre eles, principalmente em razão do consumo de bebidas alcóolicas e drogas nos pontos de garimpo”, ilustra Aureliano.

Segundo relatos de garimpeiros de Roraima, a média mensal de um trabalhador do garimpo é de R$ 6 mil. 

O dia a dia no garimpo


Garimpeiro ajusta a iluminação para começar mais um dia de trabalho em Cachoeira do Piriá (PA) / João Paulo Guimarães / Jornalistas Livres

O garimpo ilegal do ouro acontece principalmente nas periferias da região Norte, onde a fiscalização é ainda mais escassa. Nesses espaços não há luxo ou glamour. Boa parte dos garimpeiros enfrentam rotinas análogas à escravidão. 

Cachoeira do Piriá, município do estado do Pará com apenas 25 anos de existência, é forjado na exploração garimpeira do ouro. A cidade é toda moldada de acordo com as demandas do garimpo. 

Lá a exploração é urbana, então se dá de uma forma diferente de Roraima, por exemplo. A atividade ilegal é praticada por jovens, adultos e idosos.

Minas são abertas e aprofundadas todos os dias. O repórter fotográfico João Paulo Guimarães, do Jornalistas Livres, esteve na região acompanhando a rotina da garimpagem em um poço de 32 metros de profundidade. 

O trabalho é feito em dupla, um desce na galeria para trazer os dejetos e outro realiza a extração de ouro – já que é preciso saber manusear o mercúrio. Segundo o fotojornalistas, os garimpeiros costumam trabalhar armados. 

“Pra descer não existe segurança. Um cabo de aço te desce com você sentado em couro de pneu. Não há segunda corda. Se cair, caiu”, lembra o fotojornalista.


Poço de 32 metros utilizado para descer até a galeria de garimpo em Cachoeira do Piriá (PA) / João Paulo Guimarães / Jornalistas Livres

Dentro das galerias o cheiro é de pólvora e lama. “O ambiente é frio porque a água na terra fica pingando na gente, mas a gente transpira demais. Tudo fica muito tenso com a estrutura frágil que segura a terra ao redor. A madeira que eles usam para segurar as paredes e o teto não traz confiança nenhuma”, explica Guimarães. 

“Os fios elétricos usados para levar luz lá pra baixo podem causar um curto circuito e eletrocutar também. Um dos rapazes que recolhe a terra me disse pra não ficar pegando na parede onde as lâmpadas ficam encostadas. De cima vem um tubo que leva ventilação para eles não se sufocarem na medida que a galeria vai aumentando”, explica. 

Dias antes do fotojornalista chegar na região, um rapaz “se explodiu” em uma galeria por uma ligação errada da fiação e um outro jovem faleceu após ser atingido por um balde de pedras na cabeça. 

:: Vídeo: garimpeiros mudam trajeto do Rio Mucajaí (RR) e comemoram :: 

Questionado sobre as condições de vida desses trabalhadores, ele classificou como “miséria pura”.

“Não existe indício de luxo ou uma educação requintada. É muita pobreza na cidade. Quem enriquece são os donos do garimpo que comandam a política dentro da cidade. Vereadores, ex-prefeitos e delegados. A crise do país com essa gestão genocida só ajuda o trabalhador de garimpo a ficar mais dependente da prática”, conta. 

“Antes de descer no poço tive que esperar pelo outro dia porque na hora que cheguei, uma banana tinha acabado de explodir lá embaixo. Imagina viver assim? Insegurança, miséria, doença e mesmo assim não haver opção de ganhar o sustento com outra atividade? Quem lucra com a atividade é um fantasma para essa gente”, explica Guimarães.

“Nem a cidade se beneficia com o ouro. Ruas esburacadas e sem iluminação noturna, Cachoeira do Piriá é uma cidade por onde você apenas passa. Sem atrativos.

O município nasceu exatamente da prática da mineração e extração do ouro. Quando acabar o minério não fica ninguém. Só um buraco a céu aberto cheio de mercúrio com a vegetação, rios e animais doentes”, desabafa o documentarista.

Cachoeira do Piriá tem o nono pior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do país, 0,473. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) a renda na cidade não chega a R$ 250 por mês.  

Parlamentares e o garimpo ilegal

Em outubro de 2020 a Polícia Federal apreendeu na casa do senador Chico Rodrigues (DEM-RR) uma pedra que suspeita ser uma pepita de ouro durante uma operação sobre supostos desvios na Saúde. Na mesma ocasião, o senador foi flagrado com R$ 33 mil na cueca.

“Ele nega envolvimento [com a invasão e exploração clandestina], mas esteve no garimpo ilegal na Raposa Serra do Sol e fez um discurso favorável dizendo que era ‘um trabalho fabuloso’ e que precisa ser regularizado”, relembra o assessor do CIR. 

Procurado pelo Brasil de Fato, o senador Chico Rodrigues não se pronunciou sobre o caso.

“Acreditamos que a investigação da Polícia Federal irá trazer à tona quem são os financiadores e quais os parlamentares envolvidos. Acreditamos que de alguma forma certos parlamentares têm envolvimento. Há relatos de políticos envolvidos, mas é difícil identificar porque são informações que não temos muitos detalhes”, avalia Aureliano. 

:: Governo de RR diz que garimpeiros desviaram rio em área federal: “Nada podemos fazer” :: 

“Com o discurso favorável do governo federal e parlamentares locais, a atividade de garimpo aumentou nas terras indígenas e isso pode gerar conflito. O garimpo só leva destruição, doenças e outros tipos de violência para as comunidades”, finaliza.

O papel das mineradoras no garimpo ilegal

As mineradoras que estão no Brasil hoje tem como foco de venda o mercado externo. Mas o Conselho Indígena de Roraima (CIR) acredita que algumas mineradoras podem estar por trás das atividades de extração ilegal. 

“Existem muitas mineradoras que fizeram requerimento de pesquisa e lavra mineral em terras indígenas, mesmo não havendo nenhuma lei que permita isso; ou seja, é ilegal. Mas insistem em fazer porque elas têm a expectativa de regularização”, pontua o assessor jurídico.

Desta forma, o incentivo e financiamento da garimpagem ilegal ajudaria as mineradoras a ter acesso ao mineral sem tanto controle. 

Escoamento do ouro por outros países 

Fruto da falta de fiscalização adequada, as regiões de fronteira ficam à mercê dos invasores ilegais. 

“Você tem um descontrole total do Estado Brasileiro sobre essas áreas de fronteira. É muito fácil atravessar para outro país e vender ouro ilegal, sem precisar de nenhum tipo de comprovação de que é um ouro extraído de um local que tem lavra, que tem todo esse processo de legalização”, ilustra Francisco Kelvim, coordenador nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) sobre a realidade vivia hoje na região das fronteiras. 

Edição: Douglas Matos

fonte: 

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *