Marco temporal: terra para os Povos Indígenas ou para o agronegócio devastador?

IHU

“A tese do marco temporal é inconstitucional, porque, perseguidos, massacrados e expulsos, muitos Povos Indígenas não estavam em seus territórios originais em 5 de outubro de 1988, porque foram arrancados deles. Outros foram arrancados depois, por grileiros, latifundiários, garimpeiros e jagunços”, escreve Frei Gilvander Moreira.

Frei Gilvander é padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; agente e assessor da CPT/MG, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas; prof. de Teologia bíblica no SAB (Serviço de Animação Bíblica), em Belo Horizonte, MG. 

 

Eis o artigo. 

 

Segundo o censo demográfico do IBGE[1], de 2010, resistem no Brasil cerca de 817.963 indígenas. Desse total, 502.783 resistem no campo, nas aldeias, e 315.180 foram desterritorializados por terem sido expulsos de seus territórios originários e, por isso, resistem nas periferias das grandes cidades. Só na Região Metropolitana de Belo Horizonte estima-se que existem mais de 10 mil indígenas em contexto urbano. Desde o dia 22 de agosto último (de 2021), mais de 6 mil indígenas, de 178 etnias, acamparam em Brasília no Acampamento “Luta pela Vida”, porque a tese do marco temporal está em discussão no Supremo Tribunal Federal (STF), que já adiou o seu julgamento várias vezes. Dia 1º de setembro de 2021 deve continuar o julgamento no STF da tese do marco temporal, com “repercussão geral” reconhecida, que definirá se as demarcações de terras indígenas no país continuarão ou não, ou pior, se poderão ser canceladas várias demarcações já feitas. A partir de um caso concreto de conflito entre o Povo Indígena Xokleng e o Estado de Santa Catarina, pela “repercussão geral” já estabelecida pelo STF, o julgamento servirá de decisão que será parâmetro para todas as demarcações de terras indígenas no Brasil. Logo, é muito sério o que está em disputa no STF.

O que é a tese do marco temporal? Trata-se de uma farsa perpetrada no Congresso Nacional pela bancada ruralista em 2009, plantada no STF, durante o julgamento da Terra Indígena (TI) Raposa Terra do Sol situada em Roraima: a inconsistente tese que preconiza que os direitos territoriais dos Povos Indígenas só teriam validade se eles estivessem em suas terras em 5 de outubro de 1988 – data da promulgação da atual Constituição Brasileira. Falar em marco temporal é uma jogada, uma ficção jurídica de quem tem grandes interesses econômicos nos territórios indígenas: a turma do agronegócio, dos madeireiros, garimpeiros, latifundiários e empresários do campo, todos os que são adeptos do ídolo mercado, os que não amam o próximo e nem as próximas gerações, pois só pensam em lucrar e acumular capital, mesmo que deixando terra arrasada com sua agricultura mecanizada para produzir commodities para exportação. Marco temporal é marca do atraso, o nome elegante do genocídio.

O que os capitalistas pretendem com a legitimação da tese do marco temporal? No artigo “O absurdo do ‘marco temporal’ e a violação dos direitos originários”, em parceria com a antropóloga e arqueóloga Alenice Baeta, respondemos a questão acima: “Pretendem anistiar os crimes cometidos contra os Povos Tradicionais relacionadas à escravidão, torturas, confinamentos em pequenos territórios, aprisionamentos, exílios, remoções forçadas, desterros, separação de familiares, assassinatos, apropriações indevidas de territórios tradicionais, desconsiderando assim as noções de reparação histórica, de dívida histórica com os Povos Originários, de resguardo cultural e imemorial, de direitos congênitos, imprescritíveis, intangíveis e da posse coletiva da terra.”

O argumento do marco temporal é inconstitucional e inconvencional, ferindo, em especial, os artigos 231 e 232 da Constituição[2], além de desrespeitar a Convenção da Organização Internacional do Trabalho (OIT) n. 169, de 1989, ratificada pelo Brasil, que consagra os direitos culturais e territoriais, bem como a autodeclaração, como instrumento primaz da identidade étnica, além do reconhecimento das diferentes formas de ocupação, manejo e uso da terra. Segundo a teoria do indigenato, a terra é “originária” e, portanto, anterior à Constituição do Brasil, independente da data de comprovação da terra.

tese do marco temporal é inconstitucional, porque, perseguidos, massacrados e expulsos, muitos Povos Indígenas não estavam em seus territórios originais em 5 de outubro de 1988, porque foram arrancados deles. Outros foram arrancados depois, por grileiros, latifundiários, garimpeiros e jagunços. Marco temporal serve ao agronegócio, que é devastador ambientalmente, desertificador dos territórios, concentrador da propriedade privada da terra, produtor da epidemia de câncer e da fome, asfixiador da agricultura familiar camponesa agroecológica, exterminador do futuro da humanidade.

Derrubar a tese do marco temporal se tornou necessário também por uma questão de sobrevivência da humanidade, pois já sabemos que foi o exagero de desmatamento que fez eclodir a pandemia da covid-19, já está comprovado que o agronegócio e seus aliados promovem desertificação dos territórios e desmatamentos sem fim. Já está demonstrado que nos territórios indígenas se pratica preservação ambiental. É preciso recordar também que com a demarcação dos territórios indígenas, as terras não passam a ser de propriedade dos Povos Indígenas, que têm apenas o direito de usufruto não podendo vender a terra. As terras indígenas são da União, bem comum do povo. Portanto, derrubar o marco temporal é também caminho para frear a privatização e a grilagem de terras no Brasil.

Quem defende que o marco temporal é constitucional? Os ruralistas, os agronegociantes, os garimpeiros, os latifundiários e empresários que, além de ter grandes propriedades na cidade, são também grandes proprietários de terra; a mídia controlada por meia dúzia de famílias riquíssimas, o inominável antipresidente e os bolsonaristas. Diz a sabedoria popular: “Diga com quem tu andas e o que defende que direi quem tu és”.

Quem defende a derrubada do marco temporal pelo STF? Todos os Povos Indígenas do Brasil, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), o Conselho Indigenista Missionário (CIMI), o papa FranciscoAssociação dos Juristas pela Democracia, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), juristas e constitucionalistas de renome, os Movimentos Sociais Populares e Ambientais … Enfim, as forças vivas da sociedade.

Caso não seja derrubada a tese do marco temporal no STF, o Estado não mais demarcará terras indígenas e várias das demarcadas poderão ser desmarcadas e, assim, a ausência de demarcação de terras, causará, no médio e longo prazo, um verdadeiro etnocídio e continuará o genocídio indígena no nosso país. Portanto, o justo e necessário é que o STF julgue derrubando a tese do marco temporal, porque é absurdo, inconstitucional e violação aos direitos dos Povos Indígenas/Originários!

 

Obs.: Os vídeos abaixo ilustram o assunto tratado acima.

1 – Demarcação de Terras Indígenas, com Shirley Krenak, Moema Viezzer e Célio Turino


 

2 – STF Urgente. Relator Fachin reconhece a tutela dos territórios indígenas


 

3 – #LutaPelaVida – Igreja no Brasil reafirma seu compromisso com a causa indígena. Marco temporal, NÃO!


 

4 – AO VIVO. Semana de protestos no Brasil começa com os Povos Indígenas em Brasília.


 

5 – Em MG, 17 Povos Indígenas com 16 mil pessoas resistem na luta pelos seus territórios. 09/10/2020

6 – STF definirá em julgamento critérios de demarcação de novas terras indígenas. Fantástico. 24/5/2020


 

 

Notas: 

[1] Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.

[2] Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens. § 1º São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições. § 2º As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes. § 3º O aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem ser efetivados com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos resultados da lavra, na forma da lei. § 4º As terras de que trata este artigo são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis.

Art. 232. Os índios, suas comunidades e organizações são partes legítimas para ingressar em juízo em defesa de seus direitos e interesses, intervindo o Ministério Público em todos os atos do processo.

 

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fonte: http://www.ihu.unisinos.br/612506-marco-temporal-terra-para-os-povos-indigenas-ou-para-o-agronegocio-devastador


STF retoma julgamento histórico sobre o “marco temporal” nesta quarta, 1º de setembro

Sessão está prevista para iniciar às 14h, com a sustentações orais das partes envolvidas no processo; indígenas se mobilizam em Brasília e nos territórios para acompanhar o julgamento.

A reportagem é publicada por assessoria do Acampamento Luta pela Vida, 31-08-2021.

Com sessão prevista para iniciar às 14h desta quarta-feira, 01 de setembro, o Supremo Tribunal Federal (STF) retoma o julgamento sobre a questão do “marco temporal” das demarcações de Terras Indígenas (TIs), suspenso na última quinta-feira (26) após a leitura do relatório inicial do ministro Edson Fachin. Ainda na quinta, o presidente da Corte, Luiz Fux, confirmou que o caso seria retomado como primeiro item da pauta por se tratar de um assunto “muito importante” com decisão nesta semana ou nos “dias subsequentes”.

Como já foi realizado a leitura do relatório, a sessão será retomada com as sustentações orais das partes envolvidas no processo: da Advocacia-Geral da União (AGU), representando a União; dos advogados da comunidade Xokleng, da TI Ibirama-LaKlãnõ (SC), alvo da ação original; do Instituto do Meio Ambiente do estado de Santa Catarina (IMA), que propôs a ação; além da Procuradoria-Geral da República (PGR), que se manifesta obrigatoriamente em processos envolvendo a temática indígena. AGUPGR e as partes do processo terão, cada uma, 15 minutos de fala.

Em seguida, devem ocorrer as 34 falas dos chamados amici curiae – “amigos da Corte”, pessoas ou organizações que auxiliam as partes mais diretamente interessadas no caso e oferecem subsídios aos ministros e ministras que deverão proferir seus votos na sequência do julgamento.

Estão cadastrados para falar 21 amici curiae favoráveis aos direitos dos povos indígenas, entre organizações e instituições indígenas e indigenistas, socioambientais e de direitos humanos, e 13 contrários, ligados a representações e entidades do agronegócio. Cada fala terá até cinco minutos.

“Ter iniciado com a leitura do relatório já é um elemento extremamente importante. Foi um relatório minucioso do ministro Edson Fachin, que traz as grandes questões envolvidas na disputa processual neste recurso extraordinário, ou seja, as relações de posse com relação às áreas de ocupação tradicional indígena à luz do artigo 231 da nossa Constituição Federal”, destaca Rafael Modesto, assessor jurídico do Conselho Indigenistas Missionário (Cimi) e advogado do povo Xokleng no caso.

A expectativa é que as sustentações orais das partes, da AGU, da PGR e dos amici curiae ocorram por quase toda a tarde de quarta-feira (1º). A seguir, o primeiro ministro a proferir seu voto deve ser o relator, Edson Fachin.

Os povos originários, organizações indígenas e indigenistas esperam que o ministro relator, Edson Fachin, que já apresentou seu voto quando o processo estava em Plenário Virtual, “traga um voto idêntico ou similar ao que já havia sido apresentado, contra a tese do ‘marco temporal’, que é repelida pelos povos indígenas, pelas organizações de apoio e da sociedade civil, artistas, intelectuais, pela sociedade como um todo, e em defesa do direito originário, da ‘tese do indigenato’, que é a vontade do constituinte originário de 1988, portanto, em defesa da nossa Constituição Federal”, reforça o advogado do povo Xokleng.

Depois de Fachin, os outros nove ministros devem apresentar seus votos. Eles ainda podem solicitar uma nova suspensão do processo para analisá-lo melhor, o chamado pedido de “vistas”.

 

Teses em disputa

 

Corte irá analisar a reintegração de posse movida pelo governo de Santa Catarina contra o povo Xokleng, referente à TI Ibirama-Laklãnõ, onde também vivem os povos Guarani e Kaingang. O caso recebeu, em 2019, status de “repercussão geral”, o que significa que a decisão servirá de diretriz para a gestão federal e todas as instâncias da Justiça no que diz respeito aos procedimentos demarcatórios.

No centro da disputa há duas teses:

A tese do chamado “marco temporal, uma tese ruralista que restringe os direitos indígenas. Segundo esta interpretação, considerada inconstitucional, os povos indígenas só teriam direito à demarcação das terras que estivessem em sua posse no dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição. Essa tese é defendida por empresas e setores econômicos que têm interesse em explorar e se apropriar das terras indígenas.

Oposta ao marco temporal está a “teoria do indigenato”, consagrada pela Constituição Federal de 1988. De acordo com ela, o direito indígena à terra é “originário”, ou seja, é anterior à formação do próprio Estado brasileiro, independe de uma data específica de comprovação da posse da terra (“marco temporal”) e mesmo do próprio procedimento administrativo de demarcação territorial. Esta tese é defendida pelos povos e organizações indígenas, indigenistas, ambientalistas e de direitos humanos.

“A nossa história não começou em 1988, e as nossas lutas são seculares, isto é, persistem desde que os portugueses e sucessivos invasores europeus aportaram nestas terras para se apossar dos nossos territórios e suas riquezas”, reafirma o movimento indígena em nota divulgada no sábado (28). Os indígenas também asseguram seguir “resistindo, reivindicando respeito pelo nosso modo de ver, ser, pensar, sentir e agir no mundo”.

 

Mobilização indígena

 

Na semana passada, seis mil indígenas de 176 povos de todas as regiões do país estiveram presentes em Brasília, reunidos no acampamento “Luta pela Vida” para acompanhar o julgamento no STF e lutar em defesa de seus direitos, protestando também contra a agenda anti-indígena do governo Bolsonaro e do Congresso Nacional, na maior mobilização indígena dos últimos 30 anos.

Após o início do julgamento e a previsão de que fosse retomado nesta quarta-feira (1º), os indígenas decidiram manter a mobilização em Brasília e nos territórios. Assim, cerca de mil lideranças indígenas, representando seus povos, permaneceram em Brasília, e o acampamento “Luta pela Vida” foi transferido para um novo local, a Funarte.

No início da tarde desta quarta-feira (1º), os povos indígenas que permanecem em Brasília devem sair do acampamento em marcha até a Praça dos Três Poderes, onde irão acompanhar o julgamento no STF.

Seguindo os protocolos sanitários de combate à Covid19, o grupo permanecerá até o dia 2 de setembro e posteriormente unem forças com a Segunda Marcha das Mulheres Indígenas, que acontece entre os dias 7 e 11 de setembro.

 

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fonte: http://www.ihu.unisinos.br/612500-stf-retoma-julgamento-historico-sobre-o-marco-temporal-nesta-quarta-1-de-setembro


Dado espalhado por ruralistas sobre prejuízo com demarcação indígena vem de estudo secreto

Instituto mato-grossense autor de suposto estudo mostrando impacto negativo de R$ 2 bi afirma que trabalho é “confidencial” e não pode ser compartilhado.

A reportagem é publicada por Fakebook.eco, 27-08-2021.

grupo AgroSaber, ligado ao agronegócio, publicou no último domingo (22/8) em parceria com o jornal O Estado de S.Paulo um anúncio de duas páginas com dados de um suposto estudo que calcula “impacto negativo de R$ 1,95 bilhão em Mato Grosso” com a ampliação ou criação de terras indígenas, caso o STF rejeite a tese do “marco temporal”. Esses dados, porém, só estão disponíveis na peça publicitária.

Apontado como autor do estudo, o Instituto Mato-Grossense de Economia Agropecuária (Imea) foi procurado por Fakebook.eco e afirmou que o trabalho “tem caráter confidencial”. “Por questões contratuais, não podemos repassá-lo”, acrescentou a coordenadora de Desenvolvimento Regional do ImeaVanessa Gasch, sem informar quem pagou.

Os dados foram contestados (aqui) pelo Observatório Socioambiental de Mato Grosso (leia abaixo).

AgroSaber é uma “inciativa conjunta da Associação Brasileira de Produtores de Algodão (Abrapa) e da Companhia das Cooperativas Agrícolas do Brasil (CCAB Agro)”, segundo informações que constam em seu site.

Procurada, a Abrapa informou, porém, que “não tem nenhuma relação com o referido anúncio ou com o estudo mencionado”. Já a CCAB Agro respondeu que “já patrocinou, mas não patrocina mais a plataforma AgroSaber”. “Quanto ao estudo, não temos vínculo de qualquer ordem com sua origem, desenvolvimento ou resultados”, acrescentou a CCAB Agro.

Não há contatos de e-mail ou telefones no site do AgroSaber. Foram enviadas perguntas por meio da caixa de mensagens do site, mas não houve resposta até a publicação deste texto. Na seção ​”O que é o AgroSaber?” consta também o logo da Associação Matogrossense dos Produtores de Algodão (Ampa), além das duas entidades já citadas, mas não há informação sobre qual seria sua participação no grupo. Procurada, a Ampa também informou que não tem o estudo citado no anúncio.

O site do Estadão informa que o “conteúdo” foi “criado em parceria com patrocinadores” e é “de responsabilidade do anunciante”. Publicado em formato de notícia, o anúncio inclui uma “entrevista” com o ex-ministro Aldo Rebelo em que ele ataca ONGs e defende o chamado marco temporal, tese segundo a qual indígenas que não estivessem ocupando suas terras em 5 de outubro de 1988, quando foi promulgada a Constituição, perderiam o direito à demarcação.

Com base no suposto estudo, o anúncio afirma que “4,42 milhões de hectares devem se tornar terras indígenas” em Mato Grosso caso o Supremo Tribunal Federal (STF) rejeite a tese do marco temporal. O julgamento começou nesta quinta-feira (26/8), após 12 anos de tramitação.

Para acompanhar o julgamento, mais de 6.000 indígenas foram a Brasília e se reuniram no Acampamento Luta Pela Vida – considerado a maior manifestação indígena do país desde 1988. A apreciação do Marco Temporal, no entanto, foi adiada mais uma vez para a próxima quarta-feira, dia 1º

Em nota de repúdio, o Observatório Socioambiental de Mato Grosso (Observa-MT) contestou os números apresentados: “Hoje, de acordo com dados da Funai (Fundação Nacional do Índio), Mato Grosso conta com pelo menos 31 processos de reivindicação de reconhecimento de terras indígenas e 16 com o status formal ‘em estudo’, sem qualquer informação sobre seu perímetro. Ou seja, os números voluptuosos propagandeados pelo jornal são mera especulação.”

De acordo com o anúncio, a suposta perda de terras resultante da rejeição da tese jurídica causaria “declínio de 4,37% na soja produzida no Estado, 4,16% no milho, 2,31% no algodão em caroço, e 4,72% na produção de carne bovina”.

“O texto omite que o processo de demarcação de terras indígenas se baseia em critérios claros definidos no Decreto 1775/96, que regulamentou o procedimento calcado em princípios de legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência”, acrescenta o Observa-MT.

Observatório afirma que a alegação de que 30% da população de Mato Grosso seria afetada pelas demarcações de terras indígenas “estabelece uma interpretação fantasiosa dos conflitos fundiários e da produção de commodities de exportação”.

“Esta afirmação também omite os interesses privados por trás dos conflitos fundiários em terras indígenas. Esses conflitos não envolvem todos os moradores dos municípios, mas sim os poucos que reivindicam propriedade em terras indígenas”, acrescenta o Observa-MT, citando dados do Cadastro Ambiental Rural (CAR). “A base de dados oficiais do governo brasileiro apresenta hoje um número de mil cadastros sobrepostos a terras indígenas, o que significaria 0,02% da população mato-grossense se ainda fosse demonstrado que os indivíduos em questão são mato-grossenses, e representam menos de 1% dos imóveis rurais do estado.”

Mesmo que o estudo exista, venha a ser divulgado e seus dados sobre supostos prejuízos sejam corretos, eles precisam ser colocados em contexto. Para comparação, só o plantio fora de época do milho em Mato Grosso em 2021 deverá causar perdas superiores a 20% na safra deste ano, segundo a Aprosoja-MT. E apenas entre fevereiro e março deste ano as chuvas excessivas no Estado causaram prejuízo de R$ 1,3 bilhão somente aos sojicultores, segundo o mesmo Imea.

“Qualquer debate precisa se basear em dados e fatos transparentes. Logo, sem acesso ao estudo citado no encarte publicitário do Estadão de domingo não existe diálogo democrático. Se adicionar a isso o fato de que as informações publicadas são incompatíveis com os dados que temos e com a legislação atual, chegamos à fórmula de fabricação de fake news: informações infundadas, falaciosas e distribuídas em massa”, afirmou Alice Thuault, diretora-adjunta do ICV, integrante do Observa-MT.

julgamento pelo STF de uma reintegração de posse ajuizada pelo governo de Santa Catarina contra os Xokleng servirá de referência para todos os casos semelhantes em andamento no Judiciário. Segundo indígenas e indigenistas, se aprovada, a tese defendida pelo agronegócio vai inviabilizar ou prejudicar a demarcação de mais de 700 territórios no país, em andamento ou ainda não iniciados.

 

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fonte: http://www.ihu.unisinos.br/612491-dado-espalhado-por-ruralistas-sobre-prejuizo-com-demarcacao-indigena-vem-de-estudo-secreto

 

 

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