Igreja no mundo se despede de dom Pedro Casaldáliga, falecido hoje, aos 92 anos

O bispo emérito da Prelazia de São Félix do Araguaia faleceu na manhã deste sábado (8), em Batatais, São Paulo. O missionário espanhol estava internado desde terça-feira (4) no hospital da Santa Casa de Misericórdia com graves complicações pulmonares. O arcebispo de Ribeirão Preto, dom Moacir Silva, que fez uma rápida, mas significativa visita na quinta-feira (6), disse: “dom Pedro é um ícone no Brasil pela sua dedicação plena e total ao povo de Deus, de modo especial, aos mais pobres e necessitados. Ele sofreu diversos reveses na vida por causa dessa sua opção, mas sempre foi fiel a Cristo, à Igreja e à missão”.
 
 

Andressa Collet – Vatican News

Ouça e divulgue

A Prelazia de São Félix do Araguaia, no Mato Grosso, a Congregação dos Missionários Filhos do Imaculado Coração de Maria – os Claretianos e a Ordem de Santo Agostinho – os Agostinianos comunicam o falecimento dom Pedro Casaldáliga (1928-2020), bispo emérito da Prelazia de São Félix do Araguaia. O missionário claretiano estava com 92 anos, fragilizado e internado há 5 dias por causa de uma insuficiência respiratória no hospital da Santa Casa de Misericórdia na cidade de Batatais, em São Paulo, e veio a falecer às 9h40 deste sábado (8). O estado de saúde, com complicações pulmonares, estava sendo acompanhado pela Rádio Claretiana FM que, inclusive, divulgou um boletim médico em 5 de agosto: segundo o médico Antônio Marcos, dom Pedro testou negativo para a Covid-19 em 4 exames.

Dedicação plena ao povo de Deus

Segundo a reportagem da emissora da última quinta-feira (6), o arcebispo de Ribeirão Preto, dom Moacir Silva, visitou dom Pedro, rezou e abençoou o missionário espanhol, natural de Balsareny, na Catalunha. Um encontro rápido, mas muito significativo e expressivo: “dom Pedro é um ícone no Brasil pela sua dedicação plena e total ao povo de Deus, de modo especial, aos mais pobres e necessitados. Ele sofreu diversos revezes na vida por causa dessa sua opção, mas sempre foi fiel a Cristo, fiel à Igreja, fiel à missão”.

O próprio Papa Francisco na sua Exortação Apostólica pós-sinodal “Querida Amazonia”, publicada em 12 de fevereiro de 2020, citou uma das suas poesias: “Carta de navegar (Por el Tocantins amazónico)” in El tiempo y la espera, Santander, 1986.

Povo no meio do povo

Bispo da Prelazia de São Félix do Araguaia desde 1971, Casaldáliga trabalhou sempre em favor dos peões, dos camponeses, dos sem-terra e dos povos indígenas. Em comunicado, as associações Araguaia com o Bispo Casaldàliga, da Catalunha, e a Associação ANSA, de São Félix do Araguaia, lamentaram o falecimento de Pedro Casaldáliga, a quem devem as atividades destes 40 anos de existência. Na nota, descreveram o bispo como “poeta, escritor e comunicador por vocação, autor ou co-autor de mais de 100 obras traduzidas para várias línguas e através das quais expressou os seus sentimentos e paixões mais íntimos”.

Além disso, o comunicado descreveu a rotina de um missionário que “morava há mais de 50 anos em uma casa humilde, com as portas sempre abertas na pequena cidade de São Félix do Araguaia, perto de seus amigos e no meio de sua comunidade. Fez centenas de viagens de ônibus pelo Brasil e visitou frequentemente as comunidades da sua Prelazia a cavalo. Casaldáliga sempre foi ‘povo no meio do povo’ e sempre defendeu a necessidade de termos um compromisso pessoal e comunitário com os mais pobres”.

A despedida do missionário em três cidades

Segundo a Prelazia, a despedida do espanhol será realizada em três momentos especiais. Em Batatais, o corpo de dom Pedro será velado neste sábado, a partir das 15h, na capela do Claretiano, que fica no Centro Universitário de Batatais, unidade educativa dirigida pelos Missionários Claretianos. A missa de exéquias será celebrada neste domingo (9), às 15h, no mesmo local e será aberta ao público em geral, além de ser transmitida ao vivo pelo link https://youtu.be/spto8rbKye0. O link estará aberto para que outros veículos de comunicação possam retransmitir.

A partir de segunda-feira (10), o corpo de dom Pedro será velado no Santuário dos Mártires, sem previsão de horário de chegada do corpo. Após o velório acontece na cidade de São Félix do Araguaia, no Mato Grosso, no Centro Comunitário Tia Irene. O sepultamento, sem previsão de data pois o corpo ainda deve passar por Ribeirão Cascalheira, será em São Félix do Araguaia. 

fonte: https://www.vaticannews.va/pt/igreja/news/2020-08/falecimento-dom-pedro-casaldaliga-92-anos-batatais-sao-paulo.html


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Morre bispo emérito da Prelazia de São Félix do Araguaia (MT), dom Pedro Casaldáliga

Morre bispo emérito da Prelazia de São Félix do Araguaia (MT), dom Pedro Casaldáliga

Aos 93 anos, faleceu na manhã deste sábado, 8 de agosto, o Bispo emérito da Prelazia de São Félix do Araguaia (MT), dom Pedro Casaldáliga. Dom Pedro, que foi um defensor dos direitos humanos e dos mais pobres, estava internado em um hospital de Batatais (SP) com insuficiência respiratória e agravamento do Parkinson.

O velório acontecerá em três locais: neste sábado, 8 de agosto, a partir das 15 horas, na capela do Centro Universitário de Batatais. A missa de exéquias será celebrada, em Batatais, neste domingo, 9 de agosto, às 15 horas, na mesma capela.

Na segunda-feira, 10 de agosto, o corpo segue para Ribeirão Cascalheira (MT), onde será velado no Santuário dos Mártires, ainda sem previsão de horário de chegada do corpo.

O sepultamento será em São Félix do Araguaia (MT), após o corpo velado no Centro Comunitário Tia Irene. A data ainda não foi divulgada.

A missa das exéquias será aberta ao público e também será transmitida pelo YouTube no link https://youtu.be/spto8rbKye0. O link estará aberto para que outros veículos de comunicação possam retransmitir.

Biografia

Dom Pedro Casaldáliga nasceu em Balsareny, na província de Barcelona, na Espanha, no dia 16 de fevereiro de 1928. Ingressou na Congregação Claretiana (Congregação dos Missionários Filhos do Imaculado Coração de Maria) em 1943, sendo ordenado sacerdote em Montjuïc, Barcelona, no dia 31 de maio de 1952. Depois de ordenado, foi professor de um colégio claretiano em Barbastro, assessor dos Cursilhos de Cristandade e diretor da Revista Iris.

Em 1968, mudou-se para o Brasil para fundar uma missão claretiana no Estado do Mato Grosso, uma região com um alto grau de analfabetismo, marginalização social e concentração fundiária (latifúndios), onde eram comuns os assassinatos.

Foi nomeado administrador apostólico da prelazia de São Félix do Araguaia (MT) no dia 27 de abril de 1970. O Papa Paulo VI o nomeou bispo prelado de São Félix do Araguaia no dia 27 de agosto de 1971. Sua ordenação episcopal deu-se a 23 de outubro de 1971, pelas mãos de Dom Fernando Gomes dos Santos, Arcebispo de Goiânia, de Dom Tomás Balduíno, OP, e Dom Juvenal Roriz, CSSR.

Sua atividade como bispo teve as seguintes características:

Evangelização, vinculada à promoção humana e à defesa dos direitos humanos dos mais pobres;

Criação de comunidades eclesiais de base com líderes que sejam fermento entre os pobres;

Encarnação na vida, nas lutas e esperanças do povo;

Estrutura participativa e corresponsável na diocese.

Como bispo adotou como lema para sua atividade pastoral: Nada possuir, nada carregar, nada pedir, nada calar e, sobretudo, nada matar. É poeta, autor de várias obras sobre antropologia, sociologia e ecologia.

Na década de 1970, ajudou a fundar o Conselho Indigenista Missionário (Cimi). Dom Pedro foi alvo de inúmeras ameaças de morte. A mais grave, em 12 de outubro de 1976, ocorreu em Ribeirão Cascalheira (Mato Grosso). Ao ser informado que duas mulheres estavam sendo torturadas na delegacia local, dirigiu-se até lá acompanhado do padre jesuíta João Bosco Penido Burnier. Após forte discussão com os policiais, o padre Burnier ameaçou denunciá-los às autoridades, sendo então agredido e, em seguida, alvejado com um tiro na nuca. Naquele lugar foi erguida uma igreja.

No ano 2000, foi agraciado com o título de Doutor Honoris Causa pela Universidade Estadual de Campinas. Em 13 de setembro de 2012, recebeu honraria idêntica da Pontifícia Universidade Católica de Goiás. em 2014, foi agraciado com o título de Doutor Honoris Causa pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP.

Dom Pedro, que sofria do mal de Parkinson, apresentou sua renúncia à Prelazia, conforme o Can. 401 §1 do Código de Direito Canônico, em 2005. No dia 2 de fevereiro de 2005, o Papa João Paulo II aceitou sua renúncia ao governo pastoral de São Félix. Dom Pedro Casaldáliga, o primeiro prelado de São Félix, foi sucedido por Dom Frei Leonardo Ulrich Steiner OFM.

Nota de pesar da CNBB pelo falecimento de dom Pedro Casaldáliga

Brasília, 08 de agosto de 2020

A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil se solidariza com a Prelazia de São Félix do Araguaia e a Congregação dos Missionários Filhos do Imaculado Coração de Maria pelo falecimento, ocorrido hoje, de Dom Pedro Casaldáliga Plá, bispo Emérito da Prelazia de São Félix do Araguaia (MT) e Missionário Claretiano.

Dom Pedro marcou sua vida pela solidariedade em relação aos mais pobres e sofridos, fazendo de seu ministério, sua poesia e sua vida um canto à solidariedade. Preocupado em “nada possuir, nada carregar, nada pedir, nada calar e, sobretudo, nada matar”, contempla agora o Deus da Vida, a quem buscou servir em cada pobre, em cada sofredor.

Em Cristo,

Dom Walmor Oliveira de Azevedo

Arcebispo de Belo Horizonte (MG)

Presidente da CNBB

 

Dom Jaime Spengler

Arcebispo de Porto Alegre (RS)

Primeiro Vice-Presidente da CNBB

 

Dom Mário Antônio da Silva

Bispo de Roraima (RR)

Segundo Vice-Presidente da CNBB

 

Dom Joel Portella Amado

Bispo auxiliar da arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro (RJ)

Secretário-geral da CNBB

fonte: https://www.cnbb.org.br/morre-bispo-emerito-da-prelazia-de-sao-felix-do-araguaia-mt-dom-pedro-casaldaliga/


A ventania do espírito nas tempestades da vida

Marcelo Barros

Que alegria acreditar que as comunidades eclesiais de base, as pastorais sociais e os movimentos populares, mesmo fragilizados pela pressão e pelos ataques de um sistema dominante opressor, são animados e conduzidos pelo Espírito Divino. Imensa graça crer que, mesmo se luto contra o que dentro de mim, recusa a se renovar, posso sempre contar com a presença amorosa e renovadora do Espírito. Ainda alegria testemunhar essa força revivificante atuante nas pessoas e em todas as iniciativas de solidariedade e de transformação do mundo. 

Hoje, a liturgia das Igrejas celebra a festa de Pentecostes, ou seja, o quinquagésimo dia da Páscoa. O Pentecostes antigo começou nos últimos períodos do primeiro testamento, como celebração de ação de graças pela aliança de Deus no Sinai. No meio do deserto, Deus completou a libertação do seu povo e casou com Israel para expressar seu projeto de casar com a humanidade toda. De acordo com o livro dos Atos dos Apóstolos, depois que Jesus ressuscitou, em uma festa de Pentecostes, os discípulos e discípulas do Cristo, reunidos, receberam a plenitude do Espírito que Jesus prometeu. Antigamente, no monte Sinai, Deus tinha se revelado no fogo e no tremor de terra. Nesse novo Pentecostes, no lugar das chamas de fogo, dos trovões e relâmpagos que desciam sobre a montanha, eram como que “línguas de fogo” para revelar que o primeiro dom do Espírito é a comunicação. De fato, ali, naquele mesmo instante, juntou-se uma pequena multidão; pessoas de várias nacionalidades e culturas. Diz o texto: “todos escutavam os apóstolos e os compreendiam como se eles estivessem falando a língua de cada um”.

Quem viaja como eu conhece bem o drama da diferença de línguas. Uma vez, fiz escala de quase um dia em Copenhague, na Suécia. Era difícil compreender e se comunicar com ninguém. E o pior, não é a diferença de línguas. É de linguagem. Na maior parte das vezes, nossa experiência é que sofremos mais pelos desentendimentos que temos no dia a dia, falando todos uma mesma língua. Mas, o Espírito Santo não se restringe a ser uma espécie de aparelho de tradução simultânea. A sua ação é muito mais profunda: é no sentido da linguagem, da cultura interior. Ele nos dá a graça de nos compreender. Faz conosco o contrário de Babel (Gen 11). Lá, o propósito dominador e imperial (Babel era Babilônia) levou à divisão e à destruição. Em Pentecostes, o Espírito suscita unidade e a construção de uma nova comunhão.  Hoje, no mundo colonialista, os migrantes e refugiados são obrigados a aprender a língua da nação na qual se refugiam. A Bíblia diz que o milagre de Pentecostes foi o Espírito Santo fazer os apóstolos serem capazes de ser compreendidos na língua de cada povo. Não é o imperialismo da cultura que se impõe, mas ao contrário, a abertura a todas as culturas.  

O Evangelho de João que ouvimos nesta festa (João 20, 19- 23) nos diz que o dom do Espírito é consequência da ressurreição de Jesus e do encontro nosso com o Ressuscitado. Ele nos dá a paz, nos devolve a alegria profunda do coração, nos confirma o perdão de Deus e pede que sejamos testemunhas deste perdão. “Recebam o Espírito. A quem perdoarem…” , Jesus não abre a possibilidade da comunidade não perdoar alguém. Temos de perdoar todo mundo. Ele deu tudo de sua vida para reconciliar com Deus até os seus inimigos. Trata-se da prática que os primeiros cristãos tinham de “ligar e desligar” a pessoa do pecado: responsabilizar ou des-responsabilizar. O perdão é gratuito, mas é preciso refazer o que foi destruído. Ele nos diz: “A responsabilidade das divisões e das guerras é do modo como vocês organizam este mundo”.Ele nos perdoa totalmente, mas nos dá a tarefa de nos empenhar e nos consagrar como testemunhas e construtores da paz. 

Se nos abrirmos hoje ao Espírito Santo, seremos mesmo, eu e cada um/uma de vocês, profetas, profetizas de Deus.  1- Tornando-nos pessoas verdadeiramente tomadas pelo Espírito. Não mais seguidores de ritos ou de uma religião externa, mas templos do Deus Vivo. Portadores do Espírito. 

2 – Seremos portadores do Espírito na sua tarefa de dizer o que “o Senhor nos manda dizer e fazer” nas Igrejas e no mundo. 

Nessa tarde, na varanda das Fronteiras, começamos a celebração de Pentecostes cantando um salmo cujo refrão é inspirado no livro da Sabedoria: “O Espírito do Senhor, o universo todo encheu, tudo abarca em seu saber, tudo enlaça em seu amor, aleluia, aleluia“(Sb 1, 7). 

Mesmo se cremos nessa verdade e podemos nos alegrar com essa presença em nós do Espírito, a Igreja nos aconselha a sempre de novo pedirmos que ele venha, venha e venha e nos impregne com o seu amor. Em uma poesia, Dom Pedro Casaldáliga orava: 

               Vem, Espírito Santo, Vem, ou melhor, vamos: Faze que nós vamos aonde Tu nos levas. 

Tu nunca Te ausentas, ar que respiramos,  vento que acompanhas, clima que aconchegas.

Vem, Para levar-nos por esse Caminho, o Caminho vivo, que conduz ao Reino.

           Vem, para arrancar-nos, numa ventania de verdade e graça, 

           de tantas raízes de mentira e medo que nos escravizam.

Vem, feito uma brisa, para amaciar-nos, feito um fogo lento, um beijo gostoso, 

a paz da justiça, o dom da ternura, a entrega sem cálculos, o amor sem cobrança, a Vida da vida.

Vem, pomba fecunda, sobre o mundo estéril E suscita nele a antiga esperança,

a grande utopia da Terra sem males,  a antiga, a nova, a eterna Utopia!

Vem,  vamos, Espírito!

                                                                                                        Dom Pedro Casaldáliga

fonte: http://marcelobarros.com/blog/a-ventania-do-espirito-nas-tempestades-da-vida/


“A igreja toda tem que mudar”: Dom Pedro Casaldáliga contou como Ratzinger o interrogou no Vaticano

 Kiko Nogueira – Diário do Centro do Mundo – 

Dom Pedro Casaldáliga

Em 1988, Dom Pedro Casaldáliga foi interrogado no Vaticano por Joseph Ratzinger, então cardeal e prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, que condenava os princípios ‘marxistas’ identificados na Teologia da Libertação. 

O alemão queria saber mais da a luta de Dom Pedro em defesa dos pobres, dos negros e dos índios em São Félix do Araguaia, no Mato Grosso.

Numa entrevista à Folha, anos mais tarde, Casaldáliga contou como foi o encontro — que virou filme em 2016, “Descalço sobre a terra vermelha”.

Dom Pedro Casaldáliga morreu neste sábado, dia 8, aos 92 anos. Ele estava internado em Batatais (SP). Tinha problemas respiratórios agravados pelo Mal de Parkinson.

Folha – O novo papa o interrogou?
D. Pedro Casaldáliga – 
Sim. Os interrogatórios foram com o cardeal Ratzinger e outros dois cardeais.

Folha – Como começou?
Casaldáliga – 
Eu me negava a fazer a visita a Roma que os bispos devem fazer a cada cinco anos. Eles reclamaram. Eu escrevi uma carta ao papa, explicando, e com muitas reivindicações, a respeito do sacerdócio, da participação da mulher… Passei por longo interrogatório.

Folha – O que perguntaram?
Casaldáliga – 
Sobre a Teologia da Libertação, sobre a Missa dos Quilombos, minhas visitas à Nicarágua, a liturgia…

Folha – Como era o clima?
Casaldáliga – 
Houve momentos de tensão e alguns momentos de humor. Devo reconhecer que Ratzinger é um intelectual. É um homem sério, de princípios. É retraído, não tem a projeção midiática de João Paulo 2º.

 

Folha – Como foi o comportamento dele? Estava calmo, sereno?
Casaldáliga – 
Eles perguntam e esperam a resposta. Retrucam. Eu me senti com bastante liberdade. Tive liberdade para falar. Depois, foi entregue ao papa o dossiê com todas as acusações. Eu fui chamado para conversar pessoalmente com o papa durante 15 minutos. Ele insistiu na unidade da igreja, reconheceu os problemas sociais do Brasil, sobretudo da nossa região, rezou pelos perseguidos…

Folha – No interrogatório, houve algum episódio curioso?
Casaldáliga – 
Um dos cardeais sugeriu que eu não falasse com os jornalistas. Não foi o Ratzinger. Eu disse que achava oportuno falar. “Se eu não conto o que tem acontecido aqui, os jornalistas vão ter que inventar”, disse. Como saíram notícias, novamente fui chamado. O mesmo cardeal perguntou quanto tempo eu tinha estado com o papa. Eu respondi: 15 minutos. “Foi tempo perdido”, disse ele. “Porque o sr. falou para os jornalistas e estão espalhando a notícia pelo mundo afora.” Eu fui enérgico. Estávamos um pouco tensos. Eu falei: “A igreja guarda segredo demais. Depois, os jornais têm que inventar…”

Folha – O sr. já conhecia o cardeal Ratzinger?
Casaldáliga – 
Só por referências. Sabíamos que era um homem duro, controlador. Como dizem alguns, um “cardeal de ferro”.

Folha – Ele levantou a voz, em algum momento?
Casaldáliga – 
Não. Ele levantava as palavras…

Folha – Por que o sr. se recusava a ir ao Vaticano?
Casaldáliga – 
Porque eu não concordava com o modo como os bispos eram recebidos. Não havia diálogo. Nós escutávamos, fazíamos uma foto, e ficava por isso… O que a gente pede é o intercâmbio, a comunicação.

Folha – Na sua ação, o que mais incomodou o cardeal Ratzinger?
Casaldáliga – 
Foram os compromissos sociais, a ida à Nicarágua e à América Central. Também o fato de inculturar a liturgia. Acharam que a missa dos quilombos transformava a missa num grito de um povo. Eu retruquei que a Igreja já havia feito missas para homenagear reis e príncipes. Muito mais direito tinha todo um povo massacrado. Toda uma cultura marginalizada. Celebramos a missa pela causa indígena. Podemos celebrar o sofrimento e a esperança do povo negro, dos povos indígenas. Eu falei para um cardeal africano, que estava ao lado de Ratzinger, que ele poderia entender a missa dos quilombos.

Folha – Ele concordou com o cardeal Ratzinger ou com o sr.?
Casaldáliga – 
Ele era juiz naquele tribunal. Não foi uma coisa feroz. Foi tenso, em alguns momentos, mas houve momentos de humor.

Folha – O sr. lembra de algum comentário bem-humorado do cardeal Ratzinger?
Casaldáliga – 
Ele me tinha perguntado porque eu falei na Nicarágua. Eu disse que era necessário revolucionar cada um de nós, revolucionar a igreja, revolucionar o mundo. Quando terminamos, eu falei: “Vamos rezar o Pai Nosso”. Ele perguntou, com certa ironia: “É para revolucionar a Igreja”? Eu falei: “Também. A igreja toda tem que mudar”.

Folha – Além do “silêncio obsequioso” houve outro constrangimento imposto pela congregação?
Casaldáliga – 
Quiseram que eu assinasse uma série de proposições, de compromissos. Me chegou esse documento com papel timbrado do Vaticano, mas sem assinatura. Sem que eu dissesse uma palavra, esse documento foi publicado. Eu me neguei, então, a firmar esse documento.

Folha – Qual é a sua esperança?
Casaldáliga –
 O reino de Deus continua. Passa bispo, passa papa, passa príncipe, passa rei. Nós devemos continuar nosso trabalho com muita esperança, relativizando o que é relativo. E não desanimar por nada.

fonte: https://www.diariodocentrodomundo.com.br/a-igreja-toda-tem-que-mudar-dom-pedro-casaldaliga-contou-como-ratzinger-o-interrogou-no-vaticano/

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