Garimpeiros ligados ao PCC atacam aldeia Yanomami

IHU

Presença da facção criminosa já é sentida na exploração de ouro em Roraima e eleva o conflito nas terras indígenas.

A reportagem é de Emily CostaElaíze Farias e Kátia Brasil, publicada por Amazônia Real, 10-05-2021.

Garimpeiros integrantes de uma facção criminosa atacaram com armas a comunidade Palimiú, na Terra Indígena Yanomami (TIY), em Roraima, no fim da manhã desta segunda-feira (10). Os indígenas revidaram com flechas e tiros de espingarda. Eles relataram que o incidente foi distinto de tudo o que já haviam presenciado antes nessa zona de conflitos. Segundo o presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena Yanomami e Y’ekuana (Considi-Y), Junior Hekurari, até mesmo a vestimenta dos invasores era diferente.

“Eles estavam de preto. A comunidade achou esquisito a roupa deles. Disseram que algumas roupas estavam escrito ‘polícia’. Muito estranho isso”, relatou o presidente do Condisi, que já na tarde desta segunda-feira foi à aldeia, logo após ser comunicado pelos indígenas de Palimiú sobre o ataque.

À Amazônia RealJunior Hekurari contou que três garimpeiros morreram, cinco foram baleados e um Yanomami ficou ferido. “Os indígenas da comunidade me confirmaram que morreram três e esses corpos os próprios garimpeiros levaram para acampamento deles”, relatou. Uma outra liderança, Dário Yanomami, afirmou que não houve mortes (Veja abaixo).

A reportagem apurou que os executores do ataque são ligados ao Primeiro Comando da Capital (PCC), facção criminosa de São Paulo que domina o tráfico de drogas em Roraima e já está operando em garimpos ilegais de ouro dentro do território indígena.

De acordo com Júnior Hekurari, a comunidade relatou que os invasores chegaram por volta das 11 horas em diferentes embarcações numa barreira sanitária instalada pelos Yanomami na comunidade, que fica às margens do rio Uraricoera, em Alto Alegre. A barreira foi instalada cerca de seis meses atrás na região para impedir a passagem de garimpeiros.

“Primeiro, um grupo de garimpeiros chegou. Eles [os indígenas] barraram para que não passassem. Aí, depois de dez minutos, chegou outro grupo de garimpeiros. Atiraram de todos os lados e invadiram as comunidades. Os Yanomami também responderam com flecha contra os garimpeiros, com espingarda”, disse Junior. “Eles [os indígenas] estão muito assustados. Nunca viram [algo] como aconteceu hoje. Estão solicitando força tarefa, da Polícia Federal, do Exército, que façam segurança.”

 

O risco de mais ataques

 

Na comunidade Palimiú, galões de óleo dos garimpeiros foram encontrados (Foto: Condisi-Y)

 

Em ofício divulgado na tarde de segunda-feira, a Fundação Nacional do Índio (Funai) relatou que a situação na comunidade Palimiú é grave e alertou para o perigo iminente de novos conflitos.

Frente de Proteção Yanomami e Ye’kuana, contudo, contesta uma diligência sem proteção. “Não será possível que a Funai diligencie até a comunidade para colher maiores informações sem que haja escolta das forças de segurança pública”, apontou o documento, que é assinado pela chefe da Frente, Elayne Maciel. A Frente de Proteção Yanomami e Ye´kuana faz parte da estrutura da Funai e é responsável pelo monitoramento de indígenas isolados no território indígena.

Na nota, ela não trouxe informações sobre mortes durante o ataque, mas confirmou que o fato aconteceu por volta de 11 horas, quando “sete barcos de garimpeiros portanto armas de fogo atiraram contra indígenas que revidaram, resultando em cinco feridos, sendo um indígena e quatro garimpeiros”.

Em outro ofício enviado às autoridades federais, a Hutukara Associação Yanomami (HAY) solicitou urgência para impedir “a continuidade da espiral de violência no local e garantir a segurança para a comunidade Yanomami de Palimiú”. No documento, a organização denunciou que os homens das embarcações teriam ido embora, mas afirmaram que retornariam para se vingar. A HAY também não confirmou as mortes relatadas pelo Condisi Yanomami Ye´kuana.

Em áudio divulgado em grupos do Whatsapp, Dário Yanomami, vice-presidente da HAY, negou que tenha ocorrido mortes. “Acabei de falar na radiofonia lá no Palimiú sobre o boato que está saindo e as lideranças me informaram que os Yanomami estão tranquilos lá. Estão na proteção deles. Aquele tiroteio freou um pouco, esfriou um pouco e os Yanomami estão continuando na defesa lá. Aquele boato que saiu de oito, cinco pessoas baleadas [na comunidade] não procede essa informação”, disse.

Dário Yanomami ressaltou que a região do Uraricoera, onde houve o conflito, é intensamente afetada pelo garimpo ilegal. “Em cima da comunidade Palimiú tem garimpo e para baixo os garimpos são próximos. O rio está ocupado com maquinários, balsas dos garimpeiros. Eles usam esse rio todo dia, subindo e descendo, subindo e descendo”, disse ele à Amazônia Real.

 

O ataque documentado


 

Algumas horas após o ataque, começaram a circular áudios em grupos de WhatsApp (ouça aqui). Em um deles, um homem, que não se identifica, fala sobre a presença de organização criminosa no Território Yanomami. Ele afirmou que “uma canoa da facção estava descendo com mais de 20 homens armados com metralhadoras e fuzis” para “pegar o pessoal que roubou combustível”.

Um vídeo que também foi encaminhado à Amazônia Real mostra uma embarcação se aproximando e disparos são feitos na direção da aldeia da terra indígena. Os moradores da aldeia Palimiú ainda levam alguns segundos até se darem conta de que eram tiros. As imagens mostram mulheres Yanomami com bebês e crianças correndo para se proteger do ataque, enquanto outras embarcações passam no rio fazendo vários disparos.

Na comunidade, foram recolhidas dezenas de cápsulas. Segundo Junior Hekurari, “eram balas de fuzil, metralhadora, pistola.40, calibre 28, calibre 12, tudo misturado. É uma facção verdadeira que entrou na Terra Yanomami”. Na ida à aldeia, o presidente do Condisi gravou um vídeo ao lado de indígenas. Um deles se identificou como Jonatas e faz um apelo pela presença imediata da Polícia Federal, Funai e do Ibama. “Estamos com medo e precisamos que vocês venham aqui amanhã”, clamou.

Outro vídeo gravado por Junior Hekurari mostra um garimpeiro que foi detido pelos indígenas da comunidade Palimiú. Ele foi trazido a Boa Vista pelo Condisi, que o entregou à Funai e depois à Polícia Federal. Segundo Junior, o Yanomami ferido no conflito foi atingido de raspão na cabeça, mas não precisou ser removido.

Ainda segundo Hekurari, a comunidade acredita que o ataque foi em retaliação à barreira sanitária, que está em local estratégico e consegue bloquear o tráfego de barcos que sobem o rio com destino às zonas de garimpo. “Os Yanomami têm apreendido gasolina, quadriciclo, e impedido os garimpeiros de passar, por isso eles estão reagindo. Esse foi o terceiro ataque a tiros à comunidade em 15 dias, mas das outras vezes não houve feridos”, detalhou.

Em nota, o Ministério Público Federal em Roraima e a Funai em Brasília informaram que acompanham o caso, mas não deram mais detalhes.

 

O interesse de Bolsonaro

 

Garimpo em Terras Indígena Yanomami (Foto: Chico Batata/Greenpeace)

 

Em março, o relatório Cicatrizes da Floresta, lançado pela Hutukara e pela Associação Wanasseduume Ye’kwana (Seduume), mostrou a explosão do garimpo ilegal no Território Yanomami. De acordo com o levantamento, a atividade cresceu 30%, gerando uma área degradada de 2.400 hectares e pondo em risco grupos isolados, como os Moxihatëtëma.

Uma outra variável explosiva tem rondado a atividade garimpeira ilegal, porém com a chancela presidencial. Em sua live semanal de 29 de abril, o presidente Jair Bolsonaro anunciou que quer visitar pelotões de fronteira do Exército na região Norte do Brasil e ir a um garimpo nas próximas semanas. “Não vamos prender ninguém. Não vai ser uma operação para ir atrás. Eu quero conversar com o pessoal, como eles vivem lá, para começar a ter uma noção de quanto sai de ouro”, antecipou.

Desde a campanha presidencial, Bolsonaro já revelava interesse em apoiar a atividade garimpeira em terras protegidas, sobretudo as indígenas. Na live, que durou 1h06, o presidente estava acompanhado do presidente da Funai, Marcelo Xavier, que não esboçou reação alguma em defesa dos indígenas. Para Bolsonaro, após a legalização do garimpo deverão ser adotadas políticas públicas para a compra do ouro extraído pelos garimpeiros.

“Qual a minha ideia? Logicamente tem que legalizar a extração, o garimpo de ouro, tem que legalizar. Uma vez legalizando, gostaria de ter junto a pelotões de fronteira, um posto ali da Caixa Econômica Federal para a gente comprar ouro. Com valor justo”, afirmou Bolsonaro.

A legalização da ilegalidade mereceu o repúdio da Hutukara Associação Yanomami, que em nota divulgada em 6 de maio rechaçou a visita presidencial. Na Terra Indígena Yanomami, há três pelotões de fronteira. “Não queremos que Jair Bolsonaro venha conversar dentro do território, nem venha visitar o garimpo. Nós, lideranças tradicionais, não estamos interessados em discutir sobre garimpo ilegal, não queremos negociação de legalização de garimpo”, informou a nota.

Apenas 11 dias depois da live presidencial, a TIY foi alvo do garimpo que Bolsonaro sonha em legalizar.

 

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fonte: http://www.ihu.unisinos.br/609157-garimpeiros-ligados-ao-pcc-atacam-aldeia-yanomami

 


Áudios de garimpeiros apontam para “facção armada” e risco de massacre na Terra Yanomami

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Tiroteio na manhã desta segunda-feira (10/5) deixa cinco pessoas feridas e garimpeiros ameaçam retaliação. Hutukara pede às autoridades que atuem “com urgência para impedir a espiral de violência contra a comunidade Yanomami de Palimiu”.

A reportagem é publicada por Instituto Socioambiental – ISA e reproduzida por Amazonia.org, 11-05-2021.

Uma série de áudios transmitidos nesta segunda-feira 10/5 em grupos de WhatsApp de garimpeiros, que atuam dentro da Terra Indígena Yanomami, indica a escalada da tensão entre os invasores e as comunidades indígenas. As conversas apontam para a movimentação de uma “facção” fortemente armada com “fuzis e metralhadoras” no Rio Uraricoera, região mais invadida por garimpeiros em toda a Terra Indígena, localizada entre os estados de Roraima e Amazonas.

Garimpo conhecido como “Tatuzão do Mutum”, no rio Uraricoera, TI Yanomami.
(Foto: Divulgação)

 

Hutukara Associação Yanomami denunciou um tiroteio ocorrido na manhã desta mesma segunda-feira 10/5, quando sete embarcações de garimpeiros atracaram na comunidade do Palimiú e deram início ao ataque contra os indígenas. A ação deixou ao menos cinco pessoas feridas na comunidade. Quatro garimpeiros e um indígena, de raspão, foram baleados. Os áudios do grupo de garimpeiros, contudo, dão conta ainda de um grande número de vítimas (leia transcrição abaixo) que, felizmente, não foram confirmados. “A informação de oito mortos não procede, falei agora por radiofonia com a liderança do Palimiu e os parentes estão protegidos”, relata Dário Kopenawa Yanomami, diretor da Hutukara Associação Yanomami.

De acordo com Dario, houve tiroteio em conflito aberto “por cerca de meia hora”. As embarcações dos garimpeiros saíram rio acima e ameaçaram voltar para vingança, diz a liderança indígena. Em ofício enviado ao Exército, à Polícia Federal, à Funai e ao Ministério Público Federal, a Hutukara pede aos órgãos que atuem “com urgência para impedir a continuidade da espiral de violência local e garantir a segurança para a comunidade Yanomami de Palimiu”.

As comunidades Yanomami do Palimiu, no médio curso do Rio Uraricoera, estão situadas nas proximidades das estruturas da Missão construída em 1966 pela equipe da Missão Evangélica da Amazônia (MEVA). Atualmente a região abriga 937 pessoas, distribuídas em cerca de quinze comunidades.

Rio Uraricoera é uma das mais afetadas pelo garimpo ilegal de ouro na TI, e não é de hoje. Entre 1987 e 1989, estima-se que mais de 2 mil balsas de garimpo trafegavam por esse rio. A primeira grande invasão garimpeira aconteceu entre o fim dos anos 1980 e 1990, afetando enormemente a vida dos Yanomami e Ye’kwana que viviam ali. Com a retomada das invasões, especialmente após 2019, o rio se consolidou como uma das principais rotas de entrada e abastecimento dos garimpos ilegais da TIY. Hoje, as comunidades indígenas estão cercadas pelos garimpeiros.

A logística do garimpo no Rio Uraricoera tem se tornado, cada vez mais, dependente do acesso fluvial, razão pela qual os Yanomami do Palimiu assistiram nos últimos anos os seus portos serem invadidos ilegalmente por milhares de garimpeiros, que trafegam livremente pelo curso do rio, com o objetivo de levar insumos e combustível para as áreas de exploração ilegal rio acima.

 

Histórico recente de conflitos

Há 10 dias, em 30 de abril de 2021, a Hutukara encaminhou carta para a PFFunai e MPF, informando a essas instituições de um conflito armado ocorrido entre Yanomami e garimpeiros na comunidade de Palimiu. No ocorrido, os indígenas pedem apoio dos órgãos públicos para que ações fossem tomadas de modo a garantir sua segurança. Na carta, a Hutukara alerta para a possibilidade da violência escalar, com consequências graves. Leia aqui.

Dois meses antes, em 1º de março de 2021, a Hutukara já havia encaminhado outra carta para a PF informando sobre um conflito ocorrido na comunidade de Helepe, também às margens do Rio Uraricoera, em que um grupo de oito garimpeiros teria abordado a comunidade e atirado contra um indígena, iniciando um conflito que resultou na morte de um garimpeiro e em um indígena ferido. Na ocasião, os garimpeiros em retirada já ameaçavam retaliações.

 

Leia abaixo a transcrição dos áudios transmitidos nesta segunda-feira 10 de maio em grupo de garimpeiros dentro da Terra Indígena Yanomami:

Áudio 1
“Fala aí meus amigo. Pois é, meus amigo. Alguém me informa aí o que tá acontecendo no [Rio] Uraricoera?”

Áudio 2
“Rapaz, o negócio aqui vai pegar. Tá descendo uma canoa aqui da Facção. Mais de vinte homens armados, lá para os Americano [apelido de Missão Evangélica na Terra Indígena Yanomami], que tomaram os óleo deles aí. Tá os [motores] 75 [HP] aqui. Bem perto do flutuante. Vai descer agora, tudo com metralhadora, fuzil, os caralho aí. Vão descendo pros Americano lá. O negócio vai pegar. Se eles matarem 10, 15 índios, o negócio pega aqui dentro. E a gente tem de ficar pila, cabreiro por aqui. Eles estão descendo, estão bem aqui pertinho, onde era o barraco da Roseli, bem aqui do Piuí. Daqui a pouco, eles descem aí.”

Áudio 3
“Rapaz, Patrick, aqui deu BO, dos cabra desceram lá… Chegaram nos Americano [apelido de Missão Evangélica na Terra Indígena Yanomami] lá, foi atirando. Tem gente baleada para todo lado. Chegou aqui dois baleado já. E lá diz que tem um bocado de índio baleado […]”

Áudio 4
“Desceu hoje foi duas canoa, duas canoa com home tudo armado. Chegaram num contaram a história, metendo fogo. Já chegou gente baleado pra todo lado. Diz que lá o negócio tá feio. Lá o tiroteio tá grande.”

Áudio 5
“Mas eu ia descer amanhã. Tô arrumado… Já tô arrumado para descer, esperando a canoa. Mas agora como é que desce? Tá vindo meio mundo de homem aí, tudo armado lá, […], terminar de matar os índio. Aí, quem é que desce? Ninguém desce mais.”

Áudio 6
“É mais de 500 índio. Tudo encapuzado, tudo armado. É uma guerra. Vai ser um tiroteio monstro.”

Áudio 7
“Inda agora, parou uma canoa aqui. Nós vamo pensar que é dos índio. Já ia correndo… O negócio vai ficar feio.”

Áudio 8
“Alguém tem informação das pessoas que desceram para confrontar com os índios, e os índios lá, o que que houve?”

Áudio 9
“[…] É mais certeza que amanhã ou hoje mesmo o aviaozão roda aí.”

Áudio 10
“Hein, foi a galera da Facção todinha. Morreu um… Informação que tá tendo aqui… que morreu um, da Facção. E tem dois baleado. E lá morreu parece que oito índios. E tem pra mais de dez baleado.”

Áudio 11
“Ó, tô falando com dois meninos que tava na canoa lá. Ele tá pedindo, para espalhar aí, pros canoeira não passar hoje lá não. Porque não sabe o que os índio vão querer aprontar. Quem tiver subindo com carga é para avisar, no Estreitinho, entendeu? No Korekorema. É para canoeiro não passar lá não. Pra ninguém confiar nesses índio lá, não. Dois menino da canoa, lá, [carinha] da canoa. Mandou [recado] para mim, pedindo: para avisar isso aí.”

 

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 fonte: http://www.ihu.unisinos.br/609159-audios-de-garimpeiros-apontam-para-faccao-armada-e-risco-de-massacre-na-terra-yanomami

 

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