Estimativa de universidade nos EUA mostra que as vidas perdidas para a covid-19 vão continuar crescendo em proporção geométrica. Para este mês, cálculo é de acréscimo de quase 100 mil e, no próximo dia 24, virá o pico: mais de 4 mil óbitos em apenas 24h
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Uma projeção da Universidade de Washington, nos Estados Unidos, estima que o Brasil, até 1º de julho, pode alcançar a marca de 562,8 mil mortes em decorrência da covid-19. O assustador é que este cenário é o considerado o mais otimista, segundo o estudo do Institute for Health Metrics and Evaluation (IHME), ligado à universidade. As quase 600 mil vidas perdidas para o novo coronavírus referem-se ao panorama mais provável, no qual vacinas são distribuídas sem atrasos, governos determinam novas medidas restritivas com duração de seis semanas toda vez que o número de mortes diárias ultrapassar oito por milhão de habitantes — esse índice atualmente chega a 13 —, e vacinados deixam de usar máscaras somente três meses após a segunda dose, entre outras variáveis.
Mas não é esta a única projeção negativa do IHME: abril pode ser o mais mortal da pandemia, com quase 100 mil óbitos. O pico deve ocorrer no dia 24, quando calcula-se que mais de 4 mil pessoas perderão a vida em 24 horas. A projeção leva em conta o pior cenário possível, caso todos os vacinados voltem a se deslocar normalmente, usem menos máscaras e a eficiência do imunizante seja inferior diante da variante amazônica do novo coronavírus.
“Acaba de sair a projeção atualizada da pandemia pela Universidade de Washington. Resumo do Brasil: 562.863 mortos até o dia 1° de julho, 100 mil só neste mês de abril. Nesse ritmo, devemos superar os Estados Unidos em números absolutos em agosto. Triste!”, escreveu a epidemiologista Ethel Maciel em sua conta no Twitter. Caso as previsões se confirmem, a tendência é de que o Brasil ultrapasse os Estados Unidos em número de mortes até agosto.
Abril mortal
Mesmo na melhor das hipóteses, o Brasil encerra abril com 418,9 mil mortes e sobe para 422 mil, no pior cenário. A diferença ocorre, sobretudo, a médio prazo, podendo o país poupar 88 mil vidas caso 95% da população use a máscara corretamente. As projeções do IHME têm como ponto de partida os números divulgados pelo Ministério da Saúde que, ontem, acrescentou mais 1.240 óbitos, totalizando 331.433 perdas pela doença.
Para fazer as projeções, o estudo constitui três cenários e todos consideram que as cepas do Brasil, da África do Sul e do Reino Unido vão continuar se espalhando. O crescimento de mortes projetado para o Brasil — o país tem, hoje, o segundo maior número do mundo, ficando atrás apenas dos EUA, que contabiliza 554,5 mil óbitos, de acordo com dados da Universidade Johns Hopkins — é sete vezes maior que o estimado para os norte-americanos.
Enquanto o Brasil vive o pior momento da pandemia, com recorde de mortes e hospitais colapsados, os EUA começam a retomar a normalidade graças ao seu acelerado programa de vacinação. De acordo com dados do site Our World in Data, vinculado à Universidade de Oxford, 31% da população americana já receberam ao menos uma dose do imunizante contra covid.
As projeções pessimistas para o Brasil ocorrem em um momento de escassez de doses e dificuldade para imprimir um ritmo mais acelerado à campanha de vacinação, com apenas 9% da população já tendo recebido ao menos a primeira dose. O modelo do IHME é o que tem embasado as políticas de saúde da Casa Branca.
Atualmente, há 1.296.002 pessoas em acompanhamento com covid-19 e novas 31.359 infecções foram confirmadas ontem. Desde o início da pandemia, o Brasil registrou 12.984.956 casos e, destes, 11.357.521 se recuperaram, o que representa 87,5% do total.
“Medidas preventivas têm que ser implementadas imediatamente”, afirma Nicolelis
Médico vê ceticamente formação de comitê para combater a pandemia. Crê que, além de vir tarde, se não tiver independência do governo federal, não funcionará. E avisa: sem lockdown, óbitos crescerão exponencialmente e país pode afundar numa crise funerária
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O neurocientista Miguel Nicolelis é uma referência mundial quando o assunto é o estudo do sistema nervoso e, até o mês passado, coordenava o comitê científico do Consórcio Nordeste — criado pelos governadores dos estados da região, em 2020, para viabilizar entre eles parcerias contra a covid-19. Mas a prevalência das decisões políticas sobre as recomendações científicas teriam levado o médico a deixar o grupo. O incômodo com a posição dos políticos brasileiros diante da maior crise sanitária vivida pelo país — que ontem alcançou a marca de 300.675 mortos — fez com que recebesse ceticamente a formação do comitê nacional contra a pandemia, anunciado ontem. Por não acreditar na iniciativa, crê que o país pode chegar, até a metade do ano, aos 500 mil óbitos causados pelo novo coronavírus. Confira os principais trechos da entrevista que Nicolelis concedeu ao CB.Poder, parceria entre o Correio Braziliense e a TV Brasília.
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O senhor acredita que com, a reunião entre o presidente, governadores e representantes dos demais Poderes da República, para a criação de um comitê de crise contra a covid-19, o país finalmente tomará rumo na gestão dessa pandemia?
Estou há um ano e pouco acompanhando a crise e tenho grandes dúvidas de que essa comissão possa ter sucesso, se incluir qualquer participação do governo federal, no sentido do presidente da República. Se não houver independência total, para que possa realmente ter poder para implementar o que é preciso para nos salvar da catástrofe, acho difícil prosperar. Pelo menos a ideia está ganhando tração, a ponto de até quem negava a pandemia, sua gravidade e a relevância de um estado-maior nacional, tenha começado a se mexer.
O presidente Jair Bolsonaro falou, novamente, durante a criação da comissão, no chamado “tratamento precoce” (cloroquina, ivermectina, azitromicina e outros medicamentos sem eficiência comprovada contra a covid-19). Ele insiste nisso.
Nenhum país aprovou nenhum tratamento precoce. Então, essa posição só reforça o que eu disse: um presidente claramente negacionista, que continua recomendando medidas ineficazes que contribuíram para que chegássemos a esse ponto trágico. Com isso, nós vemos que é muito difícil qualquer comissão sem ser independente trabalhar sob a sombra desse negacionismo explícito do presidente da República.
Na reunião de Bolsonaro com os demais Poderes e os governadores, o único que falou em isolamento social foi o de Goiás, Ronaldo Caiado. Ele ainda referiu-se a isso apenas em casos extremos. Como o senhor pensa que o governo federal vai lidar com essa hipótese daqui para frente?
O governador de Goiás é médico e eu gostaria de saber dele qual é a definição de situação extrema, porque essa condição já chegou, e nós já passamos por ela. Segundo relatório da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), que saiu na terça-feira, com exceção do Amazonas, que está na fronteira de voltar a um estado de emergência, e de Roraima, o restante do Brasil está em estado de colapso hospitalar. A pandemia está fora de controle. Tivemos 3.251mortos em 24 horas, estamos chegando a 300 mil óbitos sem sinal de nenhum respiro. Não consigo entender a definição de situação extrema do governador de Goiás. O que precisamos, hoje, é de um lockdown nacional. Precisamos bloquear o fluxo de pessoas pela malha rodoviária e a malha aeroviária. Precisamos dar apoio financeiro digno para que as pessoas possam ficar em casa, aumentar a vacinação de forma relevante e criar uma comissão independente, que possa ter poderes de decisão e implementação claros.
O presidente Jair Bolsonaro disse que espera uma vacinação em massa na população até o final do ano. Falou em 500 milhões de doses. O senhor acredita que isso é possível, no ritmo de imunização que temos hoje e na quantidade de vacinas contratadas?
Tudo é muito nebuloso, é muito difícil saber o que foi realmente contratado e o que é apenas propaganda e tentativa de distrair a intensidade do cataclismo criado no Brasil pela gestão inepta e incompetente do Ministério da Saúde. Não tenho certeza nem expectativa nenhuma de quais são essas contratações. É tudo muito difícil de interpretar, porque, ora dizem que vai assinar e, depois, descobrimos que não assinou. Julgo que, no ritmo que estamos indo, não vamos atingir essas metas. Mas sei que, se nada for feito para conter a transmissão do vírus e o colapso hospitalar nacional, podemos atingir meio milhão de mortos ainda este ano. Aliás, existem várias estimativas de que, no final de julho, cheguemos a 500 mil óbitos, o que seria assustador e devastador para um país como o nosso.
Isso pode levar o país, além da crise hospitalar, a viver também uma crise funerária? Podemos chegar a esse ponto?
Não só podemos chegar como temos sinais de que está começando em algumas cidades pequenas. Até mesmo em metrópoles como em Porto Alegre está tendo uma grande dificuldade no manejo das vítimas. Em São Paulo, há as filas dos cartórios na rotina de enterros. Não gosto de falar disso, mas, na situação a que o Brasil chegou, esses cenários têm que ser difundidos. Medidas preventivas têm que ser implementadas imediatamente porque, no momento em que você cai nesse segundo abismo, de uma pandemia fora de controle, o grau de infecções bacterianas se prolifera de forma grave. Há a contaminação do solo, do lençol freático, de alimentos. É muito mais difícil sair desse outro patamar de gravidade. Estamos em uma situação crítica, mas existem ferramentas que poderiam ser usadas imediatamente para tentar desafogar o sistema de saúde nacional e quebrar rapidamente a taxa de transmissão do vírus.
O que o senhor considera um lockdown bem feito?
Há exemplos mundo afora. Na Inglaterra, no Reino Unido, houve três, sendo que esse último foi extremamente eficaz, reduzindo as mortes de 1.800 para 17 por dia. O lockdown é evitar as aglomerações de toda sorte, fechar todos os serviços que não sejam essenciais; fechar estradas; fazer bloqueios sanitários; diminuir ou eliminar todo o fluxo que não seja essencial pela malha rodoviária e aeroviária; fechar o comércio completamente, todas as instituições de ensino. Não deixar nenhuma brecha para aglomeração e não criar falsas definições de serviços essenciais. A Coreia do Sul é um exemplo de trabalho espetacular, da mesma forma que Nova Zelândia, China e Taiwan. É possível fazer, sim. É só existir vontade política e gestores pararem de ignorar ou empurrar com a barriga. Chegamos no limite, estamos caindo no abismo que, dessa vez, é maior que o Brasil.
* Estagiária sob a supervisão de Fabio Grecchi
fonte: https://www.correiobraziliense.com.br/brasil/2021/03/4913949-medidas-preventivas-tem-que-ser-implementadas-imediatamente-afirma-nicolelis.html