Escorre sangue negro e pobre na chacina realizada pela polícia do Rio de Janeiro

Aroeira – fonte: https://www.diariodocentrodomundo.com.br/charge-chacina-do-jacarezinho-por-aroeira/

“Cano estourado, porta com 40 buracos de tiro, poça de sangue no chão. É desolador ver isso no seu espaço”

Em depoimento ao EL PAÍS, advogado Joel Luiz Costa, morador do Jacarezinho e do Instituto de Defesa da População Negra (IDPN), relata o que encontrou após a chacina. “Qualquer execução em qualquer cenário é inadmissível vindo de um agente do Estado”
Moradores protestam após operação da polícia que deixou mais de duas dezenas de mortos no Rio.
Moradores protestam após operação da polícia que deixou mais de duas dezenas de mortos no Rio.MAURO PIMENTEL / AFP
 
 
São Paulo – 06 MAI 2021 – 22:53 BRT – EL PAÍS

 

Joel Luiz Costa nasceu e foi criado na favela do Jacarezinho, que foi cenário nesta quinta-feira da operação policial mais letal da história do Rio de Janeiro e da segunda maior chacina do Estado. Um total de 25 pessoas morreram, entre elas um policial civil baleado na cabeça. A Polícia Civil do Rio nega que tenha cometido erros na operação. Hoje, Costa é advogado criminalista e coordenador-executivo do Instituto de Defesa da População Negra (IDPN), que oferece assistência jurídica gratuita para promover pessoas a equidade racial no Brasil. Em depoimento ao repórter Felipe Betim, do EL PAÍS, ele relata o cenário de guerra que encontrou após a operação e conta o que sentiu ao caminhar pelas ruas do território onde cresceu. Também explica sobre como o IDPN atuará para dar assistência aos familiares das vítimas da polícia. Leia abaixo o depoimento:

Emicida definiu outro dia numa frase o que diz quando perguntado como ele se sente. “Tão bem quanto alguém pode estar, sendo brasileiro e vivendo no Brasil em 2021”. Isso também já me definiu, mas hoje é impossível me definir apenas por isso… É muito dolorido você caminhar pelo território que cresceu, pelas ruas, vielas, becos, na esquina que tomava banho de mangueira, o lugar onde tomou cerveja, fez churrasco, botou seu filho para andar de bike… E ver um cenário de guerra. Para além das mortes, você se deparar com um cenário digno de guerra num ambiente de moradia humilde é devastador.

Cano estourado, uma porta de loja com 40 ou 50 buracos de tiro, sangue pelo chão… E não é sangue de uma pessoa baleada que escorreu, é poça de sangue. Isso é desolador, é cruel de se ver em qualquer circunstância. Mas quando você vê isso no seu espaço, na única coisa que você tem no mundo, que é seu território, da onde você saiu, que te criou, que te forjou, é uma dor, um dia que nunca vai sair da minha memória.

O advogado Joel Luiz Costa
O advogado Joel Luiz CostaEL PAÍS

Em 2009, a gente teve uma operação no Jacarezinho que matou nove pessoas, sendo que sete delas estavam na mesma casa. Foi o que aconteceu hoje na mesma medida, entraram numa casa com quatro pessoas e não deram a possibilidade de se render e irem presas. É aniquilar, é desumanizar aquela pessoa, é tratá-la como inimiga de tal modo que ela não merece a continuidade e a perspectiva de responder pelos seus delitos, de lidar com seu erro. Não, ela não pode lidar com seu erro, ela tem que ser aniquilada, eliminada da vida humana. É isso o que aconteceu hoje novamente. Mas de 9 para 24 pessoas é quase três vezes mais. É uma coisa que guarda algum vínculo, mas é incomparável dado a proporção.

Essas mortes demonstram muito claramente houve execução. Teve um rapaz que morreu sentado numa cadeira. Foi executado e era o objetivo dos assassinos que aquilo fosse demonstrado com aquela crueldade. Não estou chutando que foi execução. Quando a gente viu a foto, o corpo do rapaz estava sentado na cadeira. Quando cheguei no beco da morte, a cadeira estava caída, porque o corpo foi retirado, e havia um buraco de tiro no encosto, bem na altura do tórax. É um claro cenário de execução.

Ainda que não tenham sido 24 execuções, há um grande numero de execuções. E só uma execução já é inadmissível. Aquele primeiro que morreu na cadeira… A mãe dele ajudou a pagar a bala que matou aquele menino. A mãe dele ajudou a pagar a arma que matou aquele menino. A mãe dele ajudou a pagar o salário do agente que matou aquele menino. O rapaz que matou aquele menino é um servidor do Estado custeado com os nossos impostos. Qualquer execução em qualquer cenário é inadmissível vindo de um agente do Estado.

A gente vai acompanhar os familiares das vítimas dando todo o suporte jurídico, mas com pessoalidade. O menino que morreu na cadeira não será um número de processo que vai chegar na mão de alguém a serviço do Estado. Não, a gente vai falar com a mãe, a gente vai ouvir e perguntar: “Você quer fazer o quê? Quer deixar pra lá, quer processar o Estado, quer fazer um júri, quer uma responsabilidade civil objetiva?” Esse é o diferencial que a gente busca fazer, é dar um serviço jurídico de qualidade, absolutamente gratuito e personalizado para aquelas pessoas. Cada um dos familiares dos 24 assassinados hoje que quiserem a assessoria jurídica do IDPN vão tê-la, e também na perspectiva pessoal e humana.

Todas as fotos que eu vi se tratam de pessoas pretas. São pessoas que poderiam ser a gente, sem forçar a barra. Eu, que sou um homem negro e favelado, tive a possibilidade de escolher entre a carteira da faculdade e o fuzil da esquina. E eu escolhi a carteira da faculdade. Mas num cenário de um país extremamente desigual e racista, a possibilidade de um homem negro que mora na favela escolher o fuzil é real. Então, a gente vai dar para essas famílias o mínimo que elas merecem em quanto violentadas pelo Estado, com todo o acolhimento. O trabalho que o advogado criminal faz também é o de escuta, quase um trabalho de psicólogo.

A pena de morte só é permitida no Brasil em situação de guerra. E, salvo engano, o Brasil não está em guerra. A não ser que haja uma guerra do Brasil contra seu próprio povo. E aí é um povo muito bem delimitado. É um povo preto, pobre, favelado e periférico. Se há uma guerra contra esse povo, é só o Estado brasileiro assumir. E aí as execuções de hoje serão inquestionáveis legalmente e juridicamente. Se não há essa guerra, não há possibilidade de a gente naturalizar qualquer morte ou execução. E ainda que possa ocorrer em cenário de confronto, ela não vai ser de ordem de 24 mortes seguidas num período de três horas e meia. Isso não é confronto, isso é execução. Se há um Estado democrático de direito, essas mortes precisam ser questionadas, investigadas e responsabilizadas. A legítima defesa na atuação do policial só é permitida e aceita quando sua vida está em risco ou quando a vida do outro está em risco. E um jovem negro sentado numa cadeira de plástico não coloca a vida de ninguém em risco.

Quando acordei, por volta de 7h30, já havia relatos de tiroteios e de que um policial já havia morrido. A partir disso foi ladeira abaixo, uma operação de vingança. Estudos comprovam que quando há uma operação policial num território, e há vitimização de um agente, a operação posterior logo depois naquele mesmo território tem a de três a quatro vezes mais letalidade policial que o padrão. Isso é o que chamam de operação de vingança, e foi o que se desenhou hoje. Por mais que estejamos falando da polícia mais letal do país, 24 mortes num período de três horas e meia é fora da curva até para a polícia do Rio de Janeiro.

Tem uma foto de um quarto de uma menina de nove anos com sangue e miolos espalhados. Eu tenho dúvidas de que essa família esteja agradecida pela operação policial de hoje [como disseram os delegados durante a coletiva de imprensa posterior à ação]. A informação que temos é a de que os rapazes foram encontrados nessa casa e executados na presença da menina e de seus pais. A policia não fez nenhuma questão de esconder.

MAIS INFORMAÇÕES

fonte: https://brasil.elpais.com/brasil/2021-05-07/chacina-do-jacarezinho-cano-estourado-porta-com-40-buracos-de-tiro-poca-de-sangue-no-chao-e-desolador-ver-isso-no-seu-espaco.html



 


Operação que matou 25 pessoas no Jacarezinho beneficia a milícia amiga de Bolsonaro

Operação policial, que já tem o maior numero de vítimas civis da história carioca, acontece um dia depois da visita de Bolsonaro ao governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro
 

Por Laura Capriglione

O fascista Jair Bolsonaro, amigo de milicianos, participou de reunião com o governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro, na tarde de ontem (quarta-feira, 5 de maio). Menos de 12 horas depois, aconteceu o pior massacre da História em uma favela do Rio de Janeiro, a de Jacarezinho, na zona Norte da cidade.

Pelo menos 25 pessoas morreram depois que a Polícia Civil do Rio montou uma verdadeira operação de guerra contra a população pobre do local, com direito a caveirões, tiros de fuzis disparados de helicópteros, e invasão de casas e barracos. Nem a estação de trem vizinha à favela, onde se encontravam trabalhadores que se dirigiam ao trabalho, escapou de ser atacada pelas forças policiais.

Não foi uma mera coincidência a visita de Bolsonaro e o ataque no Jacarezinho.

Cláudio Castro, cantor católico que se diz “evangelizador”, era vice-governador na chapa de Wilson Witzel, o ex-juiz assassino que pedia pra polícia “mirar na cabecinha” de traficantes. Filho de peixe, peixinho é. Com o impeachment de Witzel, no dia 30 de abril, semana passada, Cláudio Castro ganhou de presente o cargo máximo no Estado do Rio. E fez uma festa sangrenta na inauguração de seu governo.

Não foi mera coincidência

A Operação Exceptis, deflagrada pela Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA), teve como pretexto o fato de que “traficantes vêm aliciando crianças e adolescentes para integrar a facção que domina o território, o CV (Comando Vermelho)”. Foi, segundo a polícia, para proteger as criancinhas que pelo menos 25 pessoas perderam a vida no dia de hoje e que as calçadas e ruas do Jacarezinho se mancharam de sangue. Muito sangue.

O argumento é uma vergonha!

Tem crianças aliciadas para vender drogas desde que existe tráfico (ou seja, desde sempre). E isso acontece em todas, repetimos, todas as cidades e quebradas do Brasil.

Acontece também nos extensos territórios controlados pelos milicianos amigos do fascista Bolsonaro. Aliás, no Rio de Janeiro, hoje, a maior parte da cidade é dominada pela Milícia, que já controla 25,5% dos bairros do Rio de Janeiro, em um total de 57,5% do território da cidade. As três principais facções criminosas do tráfico de drogas —Comando Vermelho, Terceiro Comando e Amigos dos Amigos— possuem juntas o domínio de outros 34,2% dos bairros, perfazendo meros 15,4% do território.

Mas, obviamente, nas áreas controladas pelos amigos de Bolsonaro, não acontecem chacinas como as que vitimam as comunidades controladas pelos grupos rivais dos milicianos.

Isso também não é coincidência

A milícia entrou na disputa por territórios com as facções tradicionais a partir dos anos 2000, enquanto Comando Vermelho, Terceiro Comando e Amigos dos Amigos já estavam formados desde a década de 1990. O rápido crescimento da milícia deve-se ao fato de ela contar com todo o aparato bélico do Estado, já que é composta principalmente por policiais e ex-policiais.

Para conquistar novos territórios, dizimar inimigos e aterrorizar a população local, basta elaborar uma desculpa esfarrapada qualquer (como essa, de que a Operação Exceptis era para proteger as criancinhas) e colocar as forças policiais e militares em ação.

Porque é preciso perguntar: quem ganha com a ação assassina em Jacarezinho? E a resposta, obviamente é: a Milícia ganha, o Comando Vermelho perde. Simples assim. Hoje foi no Jacarezinho, ontem foi na Maré, anteontem foi na Cidade de Deus e assim vai se ampliando o território controlado pela Milícia.

O Rio de Janeiro coleciona massacres contra sua população mais vulnerável. Tornou-se a Pátria do Genocídio negro. E isso ocorre totalmente à margem da lei. Mônica Cunha, coordenadora da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), lembrou que a operação realizada hoje desrespeitou determinação do Supremo Tribunal Federal (STF) que suspendeu operações policiais em favelas do estado durante esse momento de pandemia. Mas, no Rio, vale tudo contra a população pobre e favelada.

Desde que não se contrariem os interesses da milícia amiga de Bolsonaro.

fonte: https://jornalistaslivres.org/operacao-matou-25-jacarezinho-beneficia-milicia-de-bolsonaro/


Anistia condena chacina com 25 mortos no Jacarezinho

ONG afirmou que a operação na favela é “injustificável”
 
Terra – 7 mai2021
 
 

A ONG de direitos humanos Anistia Internacional condenou a chacina do Jacarezinho, na zona norte do Rio de Janeiro, e chamou a operação da polícia de “lamentável e injustificável”.

 
Ação no Jacarezinho deixou 25 mortos, incluindo um policial
Ação no Jacarezinho deixou 25 mortos, incluindo um policial

Foto: EPA / Ansa – Brasil

A ação ocorreu na manhã da última quinta-feira (6) e deixou 25 mortos, incluindo 24 moradores da comunidade e um policial.

 

Por meio de uma nota divulgada nas redes sociais, a Anistia acusa o governo do estado do Rio de Janeiro de desrespeitar “sistematicamente” uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de junho de 2020 que impede operações policiais em favelas por conta da pandemia, a não ser em situações excepcionais.

“A Anistia Internacional Brasil considera lamentável e injustificável a operação da Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro que, até agora, resultou na morte de 25 pessoas, entre elas um policial civil. A Chacina do Jacarezinho é a maior já ocorrida na cidade do Rio de Janeiro por policiais em serviço, desde a Chacina de Vigário Geral, em 1993, que resultou na morte de 21 pessoas”, diz a ONG.

A diretora-executiva da entidade no Brasil, Jurema Werneck, ainda cobra que o Ministério Público investigue “essas atrocidades de maneira célere, independente e eficaz, seguindo os parâmetros internacionais para que aqueles agentes do estado que cometeram ou participaram desse extermínio sejam responsabilizados e julgados por esses crimes”.

“É inadmissível que violações de direitos humanos, como as ocorridas hoje, no Jacarezinho, sejam recorrentemente promovidas por agentes do Estado contra a população moradora de favelas, que é em sua maioria negra e pobre”, acrescenta.

Segundo a Anistia, ainda que todas as pessoas mortas fossem suspeitas de associação criminosa, “o que não está provado”, esse tipo de “execução sumária” é injustificável. “Cabe à polícia o poder de prender e à justiça o dever de processar e julgar os suspeitos de cometer crimes”, ressalta a ONG.

A Defensoria Pública do Rio de Janeiro também questiona a operação e afirma que irá ao STF para assegurar o cumprimento da decisão que restringe incursões policiais em favelas. Além disso, moradores do Jacarezinho relatam execuções por parte da polícia, que nega.

“A Polícia Civil não entra para executar”, disse o diretor-geral de proteção à pessoa da corporação, Roberto Cardoso. A polícia alega que 24 dos 25 mortos eram “criminosos”, mas não divulgou detalhes sobre as supostas acusações contra eles.  

fonte: https://www.terra.com.br/noticias/brasil/anistia-condena-chacina-com-25-mortos-no-jacarezinho,6c5365fd4854f4a8ee19fe5b0259ec201hr4szah.html


ONU critica violência policial no Rio e pede investigações imparciais sobre Chacina do Jacarezinho

Operação policial no Rio que deixou ao menos 25 mortos foi destaque nos principais jornais do mundo, que falam em “massacre” e lembram que ação descumpre decisão do STF

Revistas Fórum 7/5/21

O Alto Comissariado da Organização das Nações Unidas (ONU) para Direitos Humanos fez críticas à violência policial no Rio de Janeiro e pediu investigações imparciais sobre a chacina do Jacarezinho, que deixou ao menos 25 mortos nesta quinta-feira (6). A entidade diz que o caso confirma o uso excessivo da força por parte de policiais no Rio.

“Estamos profundamente perturbados pelos fatos”, disse Ruppert Colville, porta-voz da ONU, segundo informações de Jamil Chade. Para Colville, o modelo de policiamento de favelas precisa ser repensado pelo país e um debate deve ser aberto.

Até o momento, são 25 mortes confirmadas em razão da “Operação Exceptis” da Polícia Civil do Rio de Janeiro na Favela do Jacarezinho, que contou com 200 policiais. O nome da maioria das vítimas não foi revelado, apenas se sabe que uma delas era um policial, André Vargas, de 45 anos. A Polícia Civil do Rio de Janeiro deflagrou a ação para cumprir 21 mandados de prisão. No entanto, o resultado apontou que desses, apenas seis foram presos e outros seis, mortos. Dessa maneira, a maioria dos mortos não era sequer alvo da PC.

Não é a primeira vez que a ONU denuncia a violência policial no Brasil. Em 2019, a alta comissária das Nações Unidas para Direitos Humanos, Michelle Bachelet, fez críticas semelhantes ao país, o que levou o presidente Jair Bolsonaro a atacar a ex-presidenta do Chile. Diversos informes da entidade alertaram para o descontrole das ações policiais no país.

Repercussão internacional

A chacina no Jacarezinho foi destaque nos principais jornais internacionais, como New York Times e Washington Post – ambos noticiaram a operação em suas primeiras páginas.

“Mesmo em uma cidade acostumada com a violência, a contagem de mortes foi chocante”, escreveu o Post. No NYT, a reportagem destacou que ativistas de direitos humanos e a imprensa brasileira afirmam que a operação foi recordista de mortes na história da cidade.

Outro importante jornal que relatou a chacina no Rio foi o The Guardian, da Inglaterra. A reportagem, que ganhou destaque no portal do jornal por horas, cita as imagens feitas por moradores que mostram corpos nas vias da comunidade e lembra que a operação descumpre decisão do Supremo Tribunal Federal (STF).

Já o El País, da Espanha, classificou o ocorrido como “massacre” e também lembrou que a decisão do STF estabelecia que operações deveriam acontecer em “hipóteses absolutamente excepcionais”.

fonte: https://revistaforum.com.br/global/onu-critica-violencia-policial-no-rio-e-pede-investigacoes-imparciais-sobre-chacina-do-jacarezinho/

https://www.youtube.com/watch?v=tnrBQGP6jHc
 

 

Chacina em Jacarezinho: um rio de sangue corta o Rio de Janeiro

A operação ocorreu depois de se reunirem governador, comandante do Gabinete de Segurança Institucional e presidente Bolsonaro. Um alinhamento que anuncia novos atos de delinquência

Por Bernardo Cotrim | Noemi Andrade – RBA – 6/5/21

A favela do Jacarezinho, na zona norte do Rio de Janeiro, amanheceu ao som de helicópteros e tiros. A restrição explícita que vigora desde junho de 2020, quando o STF suspendeu operações policiais em favelas (salvo hipóteses absolutamente excepcionais, e com obrigação de comunicar o Ministério Público), foi aparentemente driblada pela Polícia Civil, já que a comunicação ao Ministério Público do Rio de Janeiro aconteceu horas depois do início da ação. A Operação Exceptis, que investiga o aliciamento de crianças e adolescentes para ações criminosas, mobilizou enorme contingente policial para a favela. O saldo da barbárie é, até agora, de 25 mortes na chacina do Jacarezinho, configurando a mais sangrenta operação policial já realizada no estado. Entre as vítimas fatais, um policial e “vinte e quatro suspeitos”. A polícia, no entanto, não informou as identidades nem as circunstâncias em que foram mortos.

Os relatos dos moradores e as cenas que circulam pela rede falam por si: dois passageiros foram atingidos no metrô, na altura da estação de Triagem; uma gestante, com parto marcado, foi impedida de sair de casa; uma noiva perdeu o próprio casamento. Em frente a unidade básica de saúde de Manguinhos, uma fila de pessoas que aguardava a vacinação contra covid-19 correu a procura de abrigo depois que a unidade de saúde teve a abertura inviabilizada pela operação.

Famílias inteiras trancadas em casa, intoxicadas pelo gás das bombas atiradas pela polícia, enquanto um rio de sangue corria pela favela. Mortos com marcas de tiros nas costas, um salão de beleza destruído pela polícia na perseguição e execução de um suspeito. Uma pessoa já baleada deitada no chão, sem oferecer risco, foi assassinada com mais quatro tiros. No registro mais impactante, o corpo de uma vítima foi colocado sentado em uma cadeira com o dedo na boca. Barbárie.


Operação policial afronta STF; chacina em Jacarezinho é a mais letal da história do Rio


Na entrevista coletiva, realizada ao final da operação, faltou explicação nas declarações do delegado Oliveira, que é subsecretário operacional da Polícia Civil, mas sobraram autoelogios e verborragia ideológica reacionária, com a complacência grotesca dos presentes. “Não estamos comemorando, mas tiramos vários criminosos de circulação”; “a polícia sempre se fará presente para defender a sociedade de bem”; “o ativismo judicial prejudica a ação policial e fortalece o tráfico”; “a Polícia Civil não irá se furtar a garantir o direito de ir e vir da sociedade de bem” foram algumas das pérolas proferidas pelo comandante da Polícia Civil, entremeadas com críticas aos “pseudoespecialistas em segurança pública” e bravatas diversas contra “ativistas e ONGs”, chegando ao cúmulo de responsabilizar estes setores pela morte do policial civil na operação.

A entrevista foi encerrada abruptamente com um seco “o combinado não sai caro” proferido pelo delegado no momento em que acabaram as perguntas dos repórteres de programas sensacionalistas e jornalistas de outros veículos se preparavam para apresentar suas questões.

A falência da política de guerra às drogas não é novidade. Em vigor no estado há décadas, sem interrupção, não há sinal de enfraquecimento do poder do tráfico. Assusta, no entanto, a banalidade da violência: uma operação contra a cooptação de crianças e adolescentes pelo tráfico, organizada para cumprir 21 mandados de prisão, invadiu a favela com blindados e helicópteros e deixou um rastro de 25 mortos. Mandados cumpridos? Apenas seis. Mas, na opinião da Polícia Civil, a operação foi “um sucesso”, e lamenta-se apenas a morte do policial. O restante, “24 vagabundos”, são vidas descartáveis, em um conceito elástico que incorpora cada vez parcelas maiores da juventude negra e favelada nos seus limites.


Guerra às drogas transforma pessoas em situação de rua em ‘inimigos públicos’


O relatório final da CPI realizada no Senado, em 2016, atesta o massacre de jovens negros em curso no Brasil. Segundo o texto, “a quantidade de jovens mortos no Brasil é um problema social que demanda a adoção de providências urgentes, profundas e multidimensionais. Além disso, também se concluiu que o Estado brasileiro precisa se debruçar mais atentamente sobre o racismo existente de maneira estrutural nas políticas públicas de modo geral. Se nada for feito, nossos jovens, sobretudo a nossa juventude negra, continuarão sendo mortos precocemente, deixando famílias desprovidas de seus filhos e o Brasil privado de toda uma geração de crianças e adolescentes”.

De lá pra cá, o problema se agravou. A ascensão da extrema direita, com a vitória de Bolsonaro para a presidência, e de Wilson Witzel para governador do Rio de Janeiro, endossou a barbárie e promoveu, na prática, uma licença para matar: Em 2019, foram 1.814 mortos pela polícia fluminense; destes, 86% são negros.

A alta de mortes continuou durante a pandemia, motivando a proibição de operações policiais pelo STF. Mesmo assim, em outubro de 2020, houve um aumento de 415% de mortes, obrigando o Supremo a cobrar explicações do governador em exercício (com o afastamento de Witzel) Claudio Castro.


Inquéritos da Polícia Civil sobre homicídios de jovens negros confirmam racismo


Agora governador em definitivo, com a conclusão do impeachment de Witzel, Claudio Castro mostra seu cartão de visitas. A operação no Jacarezinho aconteceu no dia seguinte à agenda que reuniu o governador, o comandante do Gabinete de Segurança Institucional Marcelo Bertolucci e o presidente Jair Bolsonaro. O alinhamento absoluto entre governador e presidente promete novos atos de delinquência. E a ação de hoje, que registra o maior número de mortos em uma única operação no RJ, poderá durar pouco tempo no topo do ranking da morte.

O Rio de Janeiro vive uma crise civilizatória que, há muito, decretou o fracasso do nosso modelo de sociedade. Escolher entre a vida e a morte tornou-se um imperativo, ou o ciclo de violência continuará alimentando o tráfico, as milícias e aqueles que lucram com os corpos empilhados, ao passo em que uma parcela expressiva da população, não obstante a convivência forçada com a negação de direitos, engrossa a macabra estatística da negação da vida.

Bernardo Cotrim é jornalista e Noemi Andrade é diretora do Sindicato dos Trabalhadores em Educação da UFRJ e da CUT-RJ

fonte: https://www.redebrasilatual.com.br/cidadania/2021/05/chacina-rio-de-janeiro-rio-de-sangue-corta-jacarezinho/


 

 

 Chacina na favela do Jacarezinho deixa 25 mortos

Escadas de casa do Jacarezinho nesta quinta-feira (06). Foto: Voz das Comunidades

Chacina na favela do Jacarezinho deixa 25 mortos

A operação que aconteceu nesta quinta (6/05) entra na história como a mais letal. Segundo a Polícia Civil, foram cumpridos mandados de prisão de pessoas que estariam aliciando menores. Ministério Público informou ter sido notificado da ação.

Por Amanda Pinheiro, em 06/05/2021 às 18h27
Editado por Andressa Cabral Botelho

Despertados ao som de tiros desde as primeiras horas da manhã, moradores da favela do Jacarezinho, na Zona Norte, viveram um dia de horror nesta quinta-feira (6), devido a operação realizada pela Polícia Civil. Até às 16h, foram 25 mortos, sendo um agente, e os 24, segundo a corporação, eram suspeitos, mas os números ainda são incertos. A ação, nomeada de “Operação Exceptis”, já pode ser considerada a segunda maior chacina da história do Rio de Janeiro, de acordo com o Fogo Cruzado.

Além das vítimas da favela, dois passageiros que estavam no metrô, na estação de Triagem, foram levemente feridos após serem atingidos por balas perdidas. Durante esta tarde, na Avenida Dom Helder Câmara e na Avenida Democráticos, moradores protestaram contra as mortes e o abuso policial relatado por muitos, já que, segundo eles, a polícia invadiu casas e confiscou celulares sem autorização. 

A coordenadora da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), Mônica Cunha, classificou como uma chacina a operação policial. “As pessoas têm vida dentro da favela, mas a vida não teve como funcionar. A única coisa que funcionou foi uma chacina, várias pessoas mortas, sendo um policial morto. Um absurdo e qual é o saldo disso? Pessoas mortas e luto. Hoje é no Jacarezinho, ontem foi na Maré, anteontem foi na Cidade de Deus e assim vai”, afirmou, em entrevista, para o portal Brasil de Fato.

A chacina ocorreu menos de três semanas depois da audiência do STF (Supremo Tribunal Federal) sobre a ADPF 635 – a ADPF das Favelas – que visa suspender as operações policiais em favelas durante a pandemia, podendo acontecer somente em casos excepcionais. Esses casos, antes de qualquer ação, devem ser comunicados ao MPRJ (Ministério Público do Rio de Janeiro), com uma justificativa e enviar um relatório com o resultado. De acordo com Silvia Ramos, coordenadora geral da Redes de Observatório de Segurança a operação foi desastrosa e em tom de vingança.

“O que aconteceu hoje na favela do Jacarezinho é, com certeza, o fato mais grave relacionado à violência e à segurança pública no Rio de Janeiro durante a pandemia. Aparentemente, uma operação desastrada, mal sucedida, em que a polícia estava atrás de grupos, que têm menores que assaltam na Supervia, e se tornou abertamente uma ‘operação vingança’. E a polícia, sem objetivo, simplesmente matou mais de 20 pessoas”, declarou Silvia, que questionou a motivação da chacina e ressaltou que o alvo são jovens negros.

“Basta ser jovem, negro, morador de favela, para ser suspeito para a polícia. Então, a polícia empilha corpos desses jovens e diz: ‘são todos criminosos’. E a gente pergunta: Quais os nomes deles? Qual a idade deles? Onde estão as famílias desses jovens? É muito simples dizer que são todos criminosos. Não é possível continuar matando gente assim. Em 2019, a polícia matou mais de 1800 pessoas. Ano passado, foram mais de 1300. Este ano, matou 157 e segue matando os que são suspeitos de crime. Até quando a polícia vai entrar na favela e deixar corpo no chão e sair? Que objetivo é esse?”, perguntou. 

Em nota, o MPRJ informou que a polícia comunicou o órgão depois de ter iniciado a operação e que, ao longo do dia, recebeu denúncias de abusos por parte da corporação.  

“O MPRJ informa que a operação realizada nesta data na comunidade do Jacarezinho foi comunicada à Instituição logo após o seu início, sendo recebida às 9hs. A motivação apontada para a realização da operação se reporta ao cumprimento de mandados judiciais de prisão preventiva e de buscas e apreensão no interior da comunidade, sabidamente dominada por facção criminosa. O MPRJ, desde o conhecimento das primeiras notícias referentes à realização da operação que vitimou 24 civis e 1 policial civil, vem adotando todas as medidas para a verificação dos fundamentos e circunstâncias que envolvem a operação e mortes decorrentes da intervenção policial, de modo a permitir a abertura de investigação independente para apuração dos fatos, com a adoção das medidas de responsabilização aplicáveis. 

O canal de atendimento do Plantão Permanente disponibilizado pelo MPRJ recebeu, nesta tarde, notícias sobre a ocorrência de abusos relacionados à operação em tela, que serão investigadas. Cabe ressaltar que, logo pela manhã, a atuação da Coordenação de Segurança Pública, do Grupo Temático Temporário e da Promotoria de Investigação Penal, teve início a partir do conhecimento dos fatos pela divulgação na imprensa e redes sociais. Por fim, o MPRJ reafirma que todas as apurações serão conduzidas em observância aos pressupostos de autonomia exigidos para o caso, de extrema e reconhecida gravidade”, informou o MPRJ.

Nas redes sociais, ativistas e moradores de favelas repudiaram a ação da polícia. Durante o dia, o advogado Joel Luiz Costa publicou alguns vídeos e fotos do resultado da operação e fez um questionamento:

 

O outro advogado, Djeff Amadeus, também criticou a operação e lembrou da decisão do STF:

 

Ao longo do dia, levantaram a #ChacinanoJacarezinho no Twitter para que moradores pudessem compartilhar o que estava acontecendo, o que fez com que o assunto fosse um dos mais comentados no Rio na rede social.

fonte: https://mareonline.com.br/chacina-na-favela-do-jacarezinho-deixa-mais-de-20-mortos-nesta-quinta-feira-06/

 


NOTA PÚBLICA SOBRE A CHACINA NO JACAREZINHO

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As imagens veiculadas sobre a sobre os acontecimentos no Jacarezinho (RJ) são absolutamente estarrecedoras. É a segunda maior chacina da história do Rio de Janeiro, com 25 mortos e 35 feridos, e na qual a população negra e das comunidades periféricas é atingida em plena pandemia, pelas mãos Estado, que deveria protegê-la.

É necessária uma atitude enérgica do Congresso, das instituições de garantia de direitos e organismos internacionais para elucidar todos os detalhes desta operação, só compreensível pelo clima de ódio que impera no país, pois nenhuma ação policial pode justificar este grau de violência. É um crime contra a humanidade.

Esta ação desrespeitou a decisão do Supremo Tribunal Federal de proibir a realização de operações policiais em favelas e comunidades durante a pandemia, promovendo uma guerra contra a população. Uma operação criminosa e violadora de direitos e garantias fundamentais.

Por isso exigimos ampla investigação, inclusive com a participação da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, a apuração dos mandantes desta operação e responsabilização de todos os agentes de Estado que violaram os direitos humanos.

Maria do Rosário
Deputada Federal (PT/RS)
Ex-Ministra dos Direitos Humanos do Governo Dilma Rousseff

fonte: https://mariadorosario.com.br/nota-publica-sobre-a-chacina-no-jacarezinho/


 

Nota da Resistência Rio de Janeiro sobre Chacina do Jacarezinho

 
Resistência Rio de Janeiro

Reprodução

 

Seis dias após a posse definitiva do governador Claudio Castro, em meio a uma pandemia que já vitimou 45.581 pessoas no estado do Rio e mais de 24 mil somente na capital carioca, o dia mais trágico do ano foi resultado direto da ação do Estado. Uma mega-operação policial na favela do Jacarezinho na manhã de hoje, dia 06 de maio, deixou ao menos 25 mortos, a mais letal da história do Rio de Janeiro.

Relatos de moradores e defensores de direitos humanos não deixam dúvida que o que ocorreu no Jacarezinho foi uma chacina realizada por agentes do Estado e custeada com dinheiro público. Casas invadidas e crivadas de balas, celulares apreendidos, uso de granadas, pessoas mortas em becos e casas. Um jovem negro executado sentado numa cadeira, colocado com um dedo na boca como forma de recado sádico das forças policiais para os moradores.

A operação ocorreu num momento em que decisão do Supremo Tribunal Federal veda a realização de incursões policiais em favelas, exceto em caso de “absoluta excepcionalidade”. Não se conhece nenhum fato que demonstre essa excepcionalidade. A proibição de operações policiais durante a pandemia vinha impondo uma interrupção na trajetória de rápido aumento de letalidade policial. Claudio Castro, assumindo o governo após o impeachment de Wilson Witzel, demonstra querer retomar a mesma política de seu companheiro de chapa. Em novembro, o governo do estado já havia sido intimado pelo ministro Edson Fachin, do STF, para responder pela realização de nove operações policiais, em descumprimento da determinação do tribunal.

Trata-se de uma decisão política consciente do governador que resultou no massacre de hoje. O morticínio se deu em nome da estúpida “guerra às drogas”, mas se revela como ato de terror de Estado. Moradores de favelas e periferias, em sua maioria esmagadora negros e negras, convivem há décadas com a rotina de incursões policiais que enxergam estes territórios como zonas de disputa militar, onde garantias legais e o direito à vida são ficções dispensáveis. A brutalidade policial, por sua vez, convive com a cumplicidade com as facções criminosas, numa simbiose em que a criminalização das drogas alimenta as cadeias de propina que enriquecem comandantes, coronéis e governadores.

A zona de arbitrariedade imposta às favelas e a tutela armada permanente é a face mais brutal de uma realidade de precarização e negação de direitos. São justamente os/as trabalhadores/as mais precarizados/as, com menos acesso a serviços públicos e infra-estrutura que sofrem com suas casas e ruas transformadas em campo de batalha e de execução. Por ser um território de maioria negra, fica nítido o racismo deste governo e seus anteriores, que tratam a vida da maioria da população como descartáveis. Essa política de extermínio, agravada pelo negacionismo da pandemia, revela a permanência do racismo secular entre nossas elites.

A denúncia de mais essa chacina só é possível pela coragem dos movimentos de favelas e pela atuação de defensores dos direitos humanos, eles mesmos alvos da violência policial. Em meio ainda à intensa atividade de policiais civis e militares, os moradores do Jacarezinho realizaram ato de denúncia do massacre que havia acabado de ocorrer. É necessário dar todo apoio aos movimentos de favela na denúncia da brutalidade policial e para derrotar a política de segurança pública que encara moradores de favelas como inimigos ou perdas aceitáveis. O governador Claudio Castro, o chefe da polícia civil, o comandante da polícia militar, os comandantes da operação, todos os agentes públicos envolvidos precisam ser responsabilizados.

Basta de chacina! Basta de guerra aos pobres! Basta de genocídio da negritude!

fonte: https://esquerdaonline.com.br/2021/05/06/nota-da-resistencia-rio-de-janeiro-sobre-chacina-do-jacarezinho/

 


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