Os comandantes militares, entre eles o general Edson Pujol (foto), chefe do Exército, colocaram seus cargos à disposição, o que agrava a crise militar do governo Bolsonaro. Ministro da Defesa negou apoio a medidas de exceção insinuadas por Bolsonaro e foi demitido
30 de março de 2021, 04:13 h
247 – Os comandantes do Exército, Marinha e Força Aérea decidiram colocar seus cargos à disposição do novo ministro da Defesa, general Walter Braga Netto, em uma reunião no começo da manhã desta terça (30). Com isso, acompanham o general Fernando Azevedo da pasta, demitido por Bolsonaro Ministro por negar apoio a medidas de exceção insinuadas pelo titular do Palácio do Planalto.
O jornalista Igor Gielow da Folha de S.Paulo destaca em artigo que a crise entre o general Fernando Azevedo e Silva e o presidente da República chegou ao ponto culminante “a partir da semana passada, quando Bolsonaro voltou a insinuar que queria o apoio do Exército para aplicar medidas de exceção como o estado de defesa em unidades da Federação que aplicam lockdowns contra a pandemia”.
Os comandantes militares combinaram entregar seus cargos logo após a demissão de Azevedo, mas o substituto no Ministério da Defesa, general Braga Netto, pediu para que eles esperassem e se encontrassem nesta terça (30).
A crise militar do governo Bolsonaro pode se agravar se os comandantes das três Armas, Edson Leal Pujol (Exército), Ilques Barbosa (Marinha) e Antônio Carlos Bermudez (Aeronáutica) saírem juntos. A saída do general Pujol é dada como certa, dado o grau de animosidade entre ele e Bolsonaro. Faz tempo que Bolsonaro tenta tirá-lo do cargo.
Bolsonaro abre a maior crise das Forças Armadas com demissão de comandantes
O momento é forte tensão institucional no Brasil após o precedente inédito aberto por Jair Bolsonaro com a demissão de Edson Leal Pujol, comandantes do Exército; Ilques Barbosa, da Marinha; e Antônio Carlos Bermudez, da Aeronáutica, que nñao aceitaram subordinar as Forças Armadas a um autogolpe
30 de março de 2021, 15:24 h
RBA com 247- Após a segunda-feira tempestuosa em que o presidente da República, Jair Bolsonaro, trocou seis ministros, a tarde desta terça começa com a demissão coletiva dos três comandantes das Forças Armadas: Edson Leal Pujol, do Exército; Ilques Barbosa, da Marinha; e Antônio Carlos Bermudez, da Aeronáutica, reagiram à intempestiva “reforma ministerial” do chefe do governo que “queimou” o até então ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, muito respeitado na força que comanda. Os comandantes anunciaram sua decisão após reunião com o novo titular da Defesa, general Braga Netto.
Segundo inúmeras informações de Brasília, a recusa de Azevedo e Silva de apoiar explicitamente a intenção de Bolsonaro de endurecer contra os governadores na decretação de lockdowns motivou a demissão do general. O presidente teria pedido a cabeça de Pujol, por considera-lo fraco, e ficado furioso com a negativa do ex-ministro da Defesa.
O ato dos três comandantes é inédito na história brasileira. Eles deixam claro, com o gesto, que não têm a menor intenção de ultrapassar as linhas do Estado democrático de direito e violar a Constituição, que é o sonho de Bolsonaro. Em abril de 2016, ao votar pelo impeachment de Dilma Roousseff, o atual presidente da República votou “pela memória do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, o pavor de Dilma Rousseff”, o que foi considerado “estarrecedor” por políticos e ativista dos direitos humanos.
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Renato Rovai
Renato Rovai é editor da Revista Fórum
Acuado, Bolsonaro entra em pânico e não tem força para golpe
“Não há um sinal sequer de força que permita Bolsonaro endurecer o regime neste momento. Os sinais são de um piloto que comanda um avião descontrolado por erros que cometeu e que não sabe mais o que fazer”, analisa o jornalista Renato Rovai
30/3/21
O governo Bolsonaro é hoje um espectro daquele que assumiu em janeiro de 2019 com forte apoio do setor financeiro, da classe média, da mídia, do alto empresariado, das Forças Armadas, do Judiciário, da Lava Jato, dos EUA, de Trump e também do povão.
Em janeiro de 2019, Bolsonaro já tinha oposição aguerrida, mas ao mesmo tempo sufocada. À mercê do que pudessem vir a ser os erros e acertos do governo que chegava. Mais disso do que da sua capacidade de operar uma resistência organizada e forte a uma agenda que prometia intervenções pesadas na economia e nos direitos humanos.
Bolsonaro chegava como um imperador num cavalo branco. Algo meio um Napoleão com uma agenda ultraneoliberal e fascista.
Neste final de março de 2021, por um lado Bolsonaro acaba de mostrar ao país que é refém do centrão, cedendo na demissão de seu fiel escudeiro, Ernesto Araújo, por exigência do Senado e entregando a Secretaria do Governo para uma inexpressiva deputada, Flávia Arruda, que é unha e carne com o presidente da Câmara, Arthur Lira, e filiada ao PL que já mandava piscadelas para a candidatura de Lula. Sim, Bolsonaro também deu sinal de que tem medo de Lula.
Por outro lado, Bolsonaro revelou ao país que não tem nas Forças Armadas o apoio que boa parte da população e da esquerda imaginavam que tinha. Ao demitir o ministro da Defesa Fernando Azevedo e Silva e ter recebido sinais de demissão dos comandantes das três armas (Marinha, Aeronáutica e Exército) ficou claro que o comando das Forças Armadas está com o presidente até a página 3. E que ele terá que quebrar muitos ovos se quiser enveredar pelo omelete autoritário.
Não há um sinal sequer de força que permita Bolsonaro endurecer o regime neste momento. Os sinais são de um piloto que comanda um avião descontrolado por erros que cometeu e que não sabe mais o que fazer. Por isso decidiu arriscar uma reforma ministerial destrambelhada mexendo num ministério tão sensível como o da Defesa sem ter uma direção clara do que pretende.
Numa hora dessas não é recomendado aos que são oposição entrarem em pânico junto com o governante em crise. É preciso ter muita calma e não ficar gritando, por exemplo, golpe à vista ou qualquer bobagem com este significado.
Um golpe não se consolida apenas pelo desejo de um presidente maluco. Ele precisa de condições e apoios objetivos do estabilishment, da mídia e das Forças Armadas que Bolsonaro já não tem mais neste momento.
Bolsonaro está lutando pela sua sobrevivência. Contra um impeachment que parecia imensamente distante há 3 meses e que subiu no telhado. E pela blindagem dos seus filhos, em especial o 01.
Pode parecer um bicho assustado, disposto a tudo, mas já é um bicho sem dentes. Uma presa fácil para ser descartada pelo sistema, se este entender que é a hora. Até porque a popularidade de Bolsonaro está em queda.
fonte: https://www.brasil247.com/blog/acuado-bolsonaro-entra-em-panico-e-nao-tem-forca-para-golpe
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Tereza Cruvinel
Colunista/comentarista do Brasil247, fundadora e ex-presidente da EBC/TV Brasil, ex-colunista de O Globo, JB, Correio Braziliense, RedeTV e outros veículos.
Nas cordas, Bolsonaro tenta a fuga para a frente
“Se a demissão de Azevedo foi uma jogada arriscada para enquadrar e sujeitar os militares a seus desígnios, para intimidar o país e calar as instituições e os opositores, as outras trocas tiveram motivações diversas, e de resultados incertos”, avalia a jornalista Tereza Cruvinel
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O safanão que ele deu no tabuleiro para mostrar-se dono da agenda e da iniciativa não trará qualquer alívio para a grande agrura da população, que anseia por vacina, emprego e renda. Serviu, porém, para nos mostrar que ele não dispõe do conjunto das Forças Armadas para o autogolpe que continua desejando, embora elas também não tenham coesão para liderar ou somar-se a um movimento para encerrar o trágico experimento que é seu governo.
Entre as seis mudanças que Bolsonaro fez, obviamente a mais importante foi a demissão do ministro da Defesa, que embora tenha subido ao helicóptero com ele no ano passado para sobrevoar manifestação antidemocrática, nos últimos meses refugou pressões para subordinar as Forças Armadas a seus intentos autoritários, começando com a recusa em substituir o comandante do Exército, Edson Pujol. Teria se oposto a uma proposta de decretação de estado de sítio mas ainda faltam evidências de que isso teria ocorrido.
Azevedo, que foi assessor do ministro Toffoli, ligou ontem para o atual presidente do STF, Luis Fux, assegurando que as Forças Armadas não endossarão qualquer aventura golpista. Ainda que não fale por todos, deve saber por quem fala. E continuará sendo um general influente.
O novo ministro, Braga Neto, deve trocar os comandantes do Exército, Marinha e Aeronáutica. Segundo fonte militar que ouvi, na reunião que tiveram eles estavam dispostos a fazer isso ontem mesmo, mas teria havido pactuação no sentido de ficarem nos cargos até que a substituição venha como decorrência normal da troca do ministro.
Até onde a vista alcança, no curto prazo não existem, portanto, condições nem para um “fechamento” do regime, via autogolpe, nem para acreditarmos que Bolsonaro vá cair logo, seja por impeachment ou qualquer via. Essa é a anomia que torna a situação brasileira tão desesperadora: nenhum bloco político tem força e organicidade para impor uma saída. Nem a oposição (para além da esquerda, englobando hoje também a elite econômica e direita liberal) tem força para derrubar o governo, nem o governo tem condições de sair do labirinto e passar a responder aos desafios, começando pela escandalosa perda de controle sobre a pandemia. Apesar do desastre, Bolsonaro ainda conta com o bolsão radical e com apoio popular não desprezível, embora minguante.
Se a demissão de Azevedo foi uma jogada arriscada para enquadrar e sujeitar os militares a seus desígnios, para intimidar o país e calar as instituições e os opositores, as outras trocas tiveram motivações diversas, e de resultados incertos.
O Centrão, e particularmente o Senado, foi contemplado com a cabeça do chanceler Ernesto Araújo, que já vai tarde. Já a nomeação da deputada Flávia Arruda para a Secretaria de Governo/articulação política agrada mais ao PL de Valdemar Costa Neto do que ao Centrão mesmo. Ademais, a pasta não tem verbas nem obras, e existe para atender a interesses do governo. Ocioso dizer que nada mais “velha política” do que essa escolha.
O general Ramos, que o Congresso não aguentava mais, vai para a vaga que se abre na Casa Civil com o deslocamento de Braga Neto para fazer o que sabe: servir ao velho amigo no que for preciso.
fonte: https://www.brasil247.com/blog/nas-cordas-bolsonaro-tenta-a-fuga-para-a-frente
Troca na Defesa denuncia crise militar e marca divisão entre generais sobre radicalismo de Bolsonaro
Saída de ministro e comandantes das Forças Armadas pega o país de surpresa e abre incógnita sobre as apostas do presidente, pressionado pelo Centrão e o setor econômico
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A segunda-feira parecia agitada pela notícia da saída do ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo. Mas foi a carta de demissão do ministro da Defesa, Fernando Azevedo, que revelou o tamanho do caos no Governo Bolsonaro. Num momento de turbulências em Brasília com a pressão pela gestão pífia da pandemia de covid-19, a saída de Azevedo, amigo de longa data do presidente Jair Bolsonaro, mostrou que a estabilidade do Governo está cambaleante neste final de março. A leitura é clara: quando o ministro que dirige as Forças Armadas pede para sair de um Governo dominado por militares há uma discrepância maior do que parecia sobre os rumos da instituição. O anúncio de última hora de uma reunião dos três comandantes das Forças Armadas aumentaria a tensão.
Três generais de reserva ouvidos pela reportagem souberam pela imprensa que o ministro Azevedo estava saindo e se disseram surpreendidos. Dois preferiram não comentar até se inteirar melhor dos detalhes. As versões e especulações se multiplicaram com o passar das horas logo após a divulgação da carta de demissão por volta das 16h. De certo, o consenso de que algum limite foi ultrapassado para as forças militares, que já vinham desgastadas pelos erros no Ministério da Saúde e na gestão da proteção à Amazônia.
Agora, a falta de posicionamento diante de anúncios radicais do Governo Bolsonaro estaria cobrando seu preço, culminando na saída de Azevedo. “Esta é uma crise militar séria”, diz João Roberto Martins Filho, estudioso das Forças Armadas no Brasil, organizador do livro recém lançado Os militares e a crise brasileira (Alameda Editorial), comentando a possibilidade de haver renúncia conjunta dos chefes das três armas, que pode acontecer já na manhã desta terça-feira, segundo o jornal Folha de S.Paulo. “Se confirmado, será a primeira vez desde a redemocratização que acontece isso. O que falta desvendar é o que Bolsonaro vai fazer”, diz Martins Filho.
Desde o início do seu mandato, Bolsonaro abusou de impulsos autoritários, como falar no emprego do artigo 142, que supostamente daria poderes às Forças Armadas de intervir em outros poderes, assim como insuflou protestos contra o Supremo Tribunal Federal. Embora tenha sido brecado pela Corte, manteve sua postura de radicalismo para agradar sua base de eleitores. No dia 8 deste mês disse que “meu Exército não vai obrigar o povo a ficar em casa”, confrontando o lockdown proposto por governadores para estancar as mortes pela pandemia. “Este é um Governo disposto a qualquer coisa, não tem limites”, diz Martins Filho. “A questão agora é saber por que a instituição se afasta dele. Precisam se distinguir?”, questiona.
A crise militar chega num momento péssimo para o Brasil que já prevê uma terceira onda da pandemia. Péssimo também para o Governo Bolsonaro, que entregou a cabeça do ministro Ernesto Araújo depois de uma briga escancarada do diplomata com o Congresso e forçou uma reforma ministerial com troca em outras cinco pastas, além da Defesa. Por trás dessa troca açodada, está o papel do Centrão, o grupo de partidos que prometeu sustentação a Bolsonaro desde que a presidência do Congresso foi renovada. O general da reserva Paulo Chagas acredita que a saída de Azevedo passa pelos acordos políticos do Governo. “A minha leitura pessoal é que o presidente quer mexer no time de ministros, mais fácil tratar com um contemporâneo seu”, diz Chagas, lembrando que a relação do ministro demissionário com Bolsonaro é de décadas e sempre foi muito boa, tanto do ponto de vista pessoal como profissional.
Chagas, porém, admite que há desconfortos no Exército, por exemplo, por conduções assumidas pelo Governo, como no caso da Saúde, comandada até poucos dias pelo general Eduardo Pazuello. “Quando se diz que um general não teve sucesso numa missão passa para a opinião pública que a instituição não tem quadros preparados”, diz ele. “Isso não afeta a instituição em si, mas afeta os que lá estão. Ficam desconfortáveis.”
Para ele, não há risco de ruptura institucional com a troca de comando na Defesa, e qualquer ato extremo do Governo num momento de desespero ―como insistir em eleições fraudulentas em 2022— não terá o suporte das Forças Armadas. Por ora, Bolsonaro acabou forçando uma divisão que havia dentro da instituição. Saem os generais que se opõem a seu estilo radical, ficam os generais bolsonaristas, a maioria da reserva, que atuam na máquina pública. Sai Azevedo do comando da Defesa e entra Walter Braga Netto que vai mostrar o quanto está disposto a apoiar os arroubos de Bolsonaro no que resta do seu mandato ou, pior, contaminar as instituições militares em nome de um projeto de poder imprevisível.
A queda de um imprestável
Ex-ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo deixou o cargo nesta segunda-feira (29) após pressão do Senado
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A imprensa nacional acaba de divulgar que Ernesto Araújo está de saída do Ministério das Relações Exteriores. Não fará falta. Seu desligamento, que sempre foi justificável por uma vasta gama de motivos, passou a ser mandatório nos últimos dias quando constatado que fora peça-chave para a configuração do caos pandêmico no país.
Na última quarta-feira (24), em audiência no Senado convocada para saber sobre a política exterior do Brasil na aquisição de vacinas contra a covid-19, o ex-chanceler enojou a todos.
Negou qualquer atraso no processo de compra de imunizantes, refutou retardo na política interna de vacinação, para completar, posicionou-se claramente contra a quebra de patentes de vacinas, ignorando os benefícios de tal fato para o Brasil. Enquanto caprichava nas aleivosias, o Brasil ultrapassava a duríssima cifra de 300 mil vidas roubadas pela pandemia.
:: Leia também: Coluna | Para salvar o planeta da pandemia, basta quebrar as patentes das vacinas ::
Na última sexta-feira (26), dois dias após a sabatina, veio à lume a informação de que no ano passado o ex-ministro trabalhou contrariamente à adesão do Brasil ao consórcio Covax Facility articulado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para aquisição e distribuição dos imunizantes da AstraZeneca/Oxford.
Para o ex-chanceler, a adesão ao consórcio significaria reforçar uma OMS manipulada pela China para frustrar os interesses do ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e implantar o domínio comunista no mundo.
Na verve desta esdrúxula tese, Ernesto Araújo criara, desde o início da pandemia, pesados incidentes diplomáticos com o parceiro asiático, avalizando manifestações elucubradas do filho do presidente do Brasil, então à frente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara, que urrava aos quatro cantos que o caos era uma invenção proposital comunista.
O vírus era “chinês” e a primeira vacina aventada no país, a CoronaVac, desenvolvida por cooperação do Instituto Butantan com a farmacêutica Sinovac, da China, era a “vachina”. Esse acirramento diplomático em torno de um “comunavírus” tardou o envio de insumos da CoronaVac para o país.
Nesta segunda-feira (29), cinco dia após a sabatina, os 300 mil óbitos saltaram para 312,2 mil. Já são 12,5 milhões de casos de covid-19 confirmados, um extermínio bárbaro de brasileiras e brasileiros.
O fato tem repercutido na imprensa mundial. No fim de semana, o Brasil foi destaque negativo nos jornais norte-americanos The New York Times, The Wall Street Journal e The Washington Post, na revista britânica The Economist, e em inúmeras agências de notícias internacionais. A situação do país foi mencionada em importantes veículos informativos, como o francês Le Monde Diplomatique e a revista alemã Der Spiegel.
Não é por menos, o Brasil é o epicentro da pandemia de coronavírus no planeta, com direito a variante própria considerada por epidemiologistas e infectologistas mundo afora a mais transmissível e agressiva de todas as existentes.
:: Leia também: Três novas cepas identificadas no Brasil são mais potentes e transmissíveis ::
O povo brasileiro sofre com uma vacinação em marcha lenta, decorrente de uma política desastrosa de enfrentamento à crise, que não previu a gravidade das consequências do que estava por acontecer ou então que a previu e quis exatamente isso.
Independentemente do que seja, o Brasil, hoje, é um perigo para o mundo. Um perigo que assusta a comunidade internacional que se vê sob risco do alastramento de uma nova pandemia transpassar as fronteiras internas.
Diante do fato o Senado apelou aos órgãos internacionais e nações, na última terça (23), por solidariedade no enfrentamento do caos brasileiro. Mas como achar que a comunidade internacional irá se compadecer com o drama do país se mesmo o Senado hesita em tomar as medidas necessárias à contenção efetiva do problema?
Até as citadas matérias no exterior sabem que o pior adversário do Brasil na guerra contra o coronavírus é o governo brasileiro.
O presidente da República negou várias vezes a gravidade da pandemia, posicionou-se contra a vacina, colocou-se refratário às recomendações sanitárias das autoridades internacionais e nacionais de saúde, prescreveu e determinou a distribuição de remédios ineficazes para a doença, deixou faltar oxigênio nos hospitais, embaraçou a liberação de recursos para UTIs e leitos de atenção especializados, complicou ao extremo o desembolso do auxílio-emergencial, dificultou o trabalho de gestores estaduais e municipais que tentavam contrapor-se ao caos pandêmico. Pôs em curso uma necropolítica em alto grau.
O que o Senado fez? Assistiu.
Assistiu ao governo brasileiro não só confrontar abertamente a OMS, como retardar suas contribuições financeiras. Um governo que quase deixou o país de fora de um consórcio internacional de vacina por puro preconceito. Um governo de três ministros da saúde durante o processo pandêmico e uma outra que caiu antes mesmo de assumir.
Um governo em que o atual ministro da saúde tem o desplante de vir a público, após o extermínio de 300 mil vidas, dizer que agora é obrigatório usar máscaras nas dependências do Ministério. Não faz uma semana que este governo viu frustrada pelo STF sua intenção de suspender medidas de lockdown determinadas pelos estados.
Ora, por que raios a comunidade internacional irá se irmanar para resolver um problema do Brasil se nem o Brasil busca resolvê-lo? Por que o Senado não abre uma CPI para apurar as responsabilidades sobre a pandemia?
Por que o Senado não provoca a Câmara dos Deputados sobre a abertura de um processo de impeachment contra o presidente da República pelo cometimento de tantos crimes de responsabilidade já apontados por inúmeras organizações da sociedade civil em dezenas e dezenas de requerimentos?
O dever de solidariedade é imperativo na sociedade internacional, mas como ser solidário com um país que não tem sido solidário com ninguém? Ao contrário, que tem hostilizado parceiros, desacreditado órgãos internacionais, fugido de suas responsabilidades externas?
O Brasil é contra o globalismo, o multilateralismo, tem chocado o mundo inteiro com visões arcaicas sobre as questões mais caras à humanidade e quer receber solidariedade?
O país se fechou num casulo. Apostou todas as fichas numa fidelidade canina ao vigarista Donald Trump, símbolo internacional da truculência no trato das pessoas e da intolerância nas relações exteriores, e agora vê-se órfão. Pior, com o presidente da República herdando de Trump a pecha de vilão internacional e o seu agora ex-chanceler a pecha de vassalo do imperialismo, marionete do negacionismo, todos três fadados ao lixo do lixo da história.
Segundo a imprensa, uma das razões para a queda de Ernesto Araújo foi um entrave com a senadora Kátia Abreu. Menos mal que o Senado comprou a briga, afinal, um presidente descompensado tem que contar pelo menos com uma assessoria mediana.
As orientações emanadas do Itamaraty à política exterior do Brasil têm sido vergonhosas. O Brasil tem sido visto como um entrave à política global de saúde, de proteção do meio-ambiente, de defesa democrática e de afirmação dos direitos humanos.
No último sábado (27), diplomatas vieram a público pedir a queda do ex-chanceler por contribuir com a aniquilação da imagem do país no exterior. Correto. Receber diretrizes políticas de um governo conservador faz parte do jogo, mas aceitar a estupidez pela estupidez é inadmissível.
Tolerar que as peças do complexo tabuleiro da política exterior sejam pautadas por conspiracionismos infundados, orientações de desqualificados que posam de intelectuais debochando da capacidade de raciocínio dos demais ao redor é absolutamente repugnante e deletério para o país.
Apesar da relevância do manifesto, o que foi dito pelos diplomatas apenas expôs um problema que já se sabia iria acontecer desde antes da posse de Enrique Araújo no cargo, quando começou a emitir opiniões projetando-se como fortíssimo candidato ao posto de pior chanceler do mundo, o que veio a consumar-se.
Desde sempre estava escrito que o país só teria a perder com sua nomeação. Só não se sabia que perderia tanto, inclusive em vidas. Também por isso, nada de se aceitar saída honrosa para o imprestável que hoje deixa a cadeira ministerial.
O Senado, em hipótese alguma, pode referendá-lo à frente de qualquer Embaixada, caso o presidente da República ouse recomendá-lo. Se acontecer, que repita o que fez em dezembro do ano passado quando rejeitou a indicação de outro diplomata do núcleo delirante do Itamaraty para o posto de delegado permanente do Brasil em Genebra.
O certo mesmo é que Enrique Araújo seja responsabilizado pelas instruções criminosas que deu à frente do Ministério das Relações Exteriores.
A propósito, acompanhando o ex-chanceler na audiência no Senado estava um assessor especial para assuntos internacionais da Presidência da República, que provocou a indignação até do Museu do Holocausto por fazer gesto racista supremacista durante a fala do presidente da Casa.
Este fato deve servir para que o Senado e as demais instituições vejam que o fundamentalismo na política exterior brasileira não brota do Itamaraty, mas do Planalto. É ali que os facínoras se escondem, é dali que traçam suas cruéis e inadmissíveis estratégias.
Marcelo Uchoa é advogado e professor de Direito Internacional Público da Universidade de Fortaleza. Membro da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD) – Núcleo Ceará.
fonte: https://www.brasildefato.com.br/2021/03/29/artigo-a-queda-de-um-imprestavel