DOCUMENTO FINAL DA 47ª ASSEMBLEIA DO CONSELHO INDIGENISTA MISSIONÁRIO – REGIONAL MATO GROSSO

DOCUMENTO FINAL DA 47ª ASSEMBLEIA DO CONSELHO INDIGENISTA MISSIONÁRIO – REGIONAL MATO GROSSO

 

Malditas sejam todas as leis, amanhadas por umas poucas mãos, para ampararem cercas e bois e fazerem da terra escrava e escravos os homens! (Pedro Casaldáliga)

Nós, missionárias e missionários do Regional Mato Grosso, do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), reunidos em Assembleia Virtual Anual, nos dias 21 a 23 de julho de 2021, orientados pelo tema “Memória, resistência e testemunho: a caminho dos 50 anos”, reafirmamos nossos compromissos com a Causa Indígena, elevando a Deus ações de graças pelos 49 anos vivenciados até o momento e projetando ideias, sonhos, reflexões, programações, estratégias e teimosias para continuar construindo história junto aos Povos Indígenas.

O atual momento brasileiro se revela cruelmente como o mais dramático e perigoso que já vimos, ao longo de nossa história, para os Povos Indígenas. Temos um Poder Executivo, cujo mandatário maior, desde a campanha eleitoral, deixou bem clara a sua posição de extinguir os direitos constitucionais desses povos e implantar autoritariamente a ultrapassada tese da Integração. O Poder Legislativo, em sua maioria, também alinhado com os interesses desumanos do Executivo e de seu chefe psicopata. Este Poder está a cada dia nos surpreendendo negativamente, com tentativas de elaborar e aprovar novas leis, e a retomada de outras, contrárias aos povos originários, principalmente com a ganância explícita sobre seus territórios, mesmo os já demarcados. E temos o Poder Judiciário, o qual, felizmente, ainda nos deixa com esperança de manter os direitos duramente conquistados na Constituição Cidadã de 1988. Porém, vemos com assombro, esse eminente poder ser muito pressionado para satisfazer os interesses do grande capital, em seus vários desdobramentos, e permitir uma devassa no texto constitucional. Chegamos a um ponto de tanto casuísmo jurídico, que será necessário o Supremo Tribunal Federal (STF) decidir, num Julgamento de Repercussão Geral, se o que está escrito na Constituição continuará válido ou não, no que concerne aos Povos Indígenas. É o que podemos ver na tese do Marco Temporal, defendida pela chamada bancada ruralista no Congresso Nacional.

Junto à atual política genocida do governo brasileiro, temos a trágica situação da pandemia da Covid-19, sem um comando central para o seu enfrentamento, com poderosa disseminação de ideias negacionistas e a propagação e distribuição criminosa de remédios sem eficácia, inclusive nas aldeias. Tudo isto já dizimou a vida de mais de meio milhão de brasileiras e brasileiros, entre os quais, 1.061 vidas indígenas (APIB, julho de 2021).

Como consequência dessa cruel realidade, constatamos a contínua diminuição de recursos para atender as demandas por Saúde, Educação, Assistência Social, Proteção dos Territórios e Sustentabilidade em contraposição ao aumento da riqueza dos grandes grupos econômicos nacionais e internacionais. Constatamos, indignados, o explícito assédio de ruralistas para com as lideranças indígenas, a fim de que aceitem os projetos do agronegócio em suas terras tradicionais, completamente à revelia da Constituição Federal. Constatamos, ainda, desconcertados, a própria Fundação Nacional do Índio (FUNAI) sendo a primeira instituição a incentivar tais projetos ilegais. A realidade mostra que estão em jogo o presente e o futuro das sociedades indígenas, as quais, sem os seus territórios tradicionais, berço e lugar de suas ricas culturas, estarão fadadas a desaparecer, dando lugar ao avanço do capital sobre o meio ambiente, com o disfarçado título de desenvolvimento ou progresso.

Sobretudo nas aldeias, entretanto, os povos resistem, mantendo vivas suas tradições e modos diversos de organização social, de exercício do poder comunitário, de auto sustentação, de processos educativos e teologias vivenciais.

Por isto, nós, como organismo eclesial comprometido com os excluídos e excluídas, ao mesmo tempo em que fizemos memória da história do CIMI, elevamos nossas vozes junto ao clamor dos povos que continuam mobilizados, gritando: “Nenhuma gota de sangue indígena a mais”!

Celebrando as sementes plantadas por aquelas e por aqueles que nos antecederam, celebrando os frutos já colhidos nesta missão e reafirmando o compromisso com as causas dos povos indígenas, denunciamos: Os assédios e as tentativas de cooptação dos povos indígenas para que cedam seus territórios à exploração do agronegócio, mineração e outras formas de atentados ao direito de usufruto exclusivo dos territórios indígenas por seus povos.

O desmonte das políticas públicas voltadas aos povos e territórios indígenas, principalmente, a paralisação das demarcações e proteção dos territórios. As práticas genocidas do governo federal, a distorção dos papéis dos órgãos responsáveis pela proteção e efetivação dos direitos dos povos, a transformação do órgão indigenista em uma agência à serviço dos interesses dos históricos invasores dos territórios.

Denunciamos, por fim, as tentativas de retrocesso em cláusulas pétreas da Constituição Federal brasileira, através de proposições no Congresso Nacional que buscam legitimar a grilagem e a invasão dos territórios.

Fazendo memória aos cinquenta anos da Carta Pastoral de nosso querido bispo Pedro Casaldáliga, com ele reafirmamos que “queremos e devemos apoiar os povos, pôr-nos ao seu lado, sofrer com eles e com eles agir. Apelamos à sua dignidade de filhos e filhas de Deus e ao seu poder de teimosia e Esperança”.

A causa indígena é de todas e todos nós!!!

Mato Grosso, 23 de julho de 2021.

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