Pesquisadores lançaram publicação com análise da proposta; conclusão é de que minorias e partidos saem enfraquecidos
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Um estudo publicado em junho deste ano por um grupo de pesquisadores brasileiros refuta a ideia de que o distritão, aprovado na noite dessa segunda-feira (9) em comissão especial da Câmara dos Deputados, seja um novo modelo democrático para as eleições no país.
O texto-base da PEC 125/11, proposto pela relatora, a deputada Renata Abreu (Podemos-SP), foi referendado por 22 votos a 11 na comissão. A proposta ainda vai passar por dois turnos de votação no Plenário da Câmara antes de seguir para a análise do Senado.
Caso o texto aprovado na comissão prospere, a eleição de 2022 terá a adoção do sistema eleitoral majoritário na escolha dos cargos de deputados federais e estaduais. É o chamado “distritão puro”, no qual são eleitos os mais votados, sem levar em conta os votos dados aos partidos.
:: “Distritão gera exclusão e favorece caciquismo”, diz cientista político ::
Esse sistema seria uma transição para o “distritão misto”, a ser adotado nas eleições seguintes para Câmara dos Deputados, assembleias legislativas e câmaras municipais. Porém, os deputados aprovaram um destaque do PCdoB para retirar esse item do texto.
De acordo com o estudo, “os problemas da democracia brasileira” serão aprofundados com a ideia. O trabalho foi feito sob coordenação de Sinoel Batista e Tamara Ilinsky Crantschaninov, da QCP Consultoria, com pesquisa e redação de Arthur Fisch, Brauner Geraldo Cruz Junior, Caio Momesso, Luiz Henrique Apollo da Silva e Marília Migliorini.
Clique aqui para ler a íntegra do estudo sobre o distritão.
Em entrevista concedida ao Brasil de Fato, Arthur Fisch, doutor em Administração Pública pela Fundação Getúlio Vargas, disse que o “distritão vai aprofundar os problemas da democracia brasileira”. Segundo ele, o modelo não é defendido por cientistas políticos e estudiosos do tema.
“O distritão é um novo modelo, mas atrapalha justamente a representação de minorias e de grupos específicos. Vai beneficiar muito mais candidatos tradicionais: homens, mais velhos, brancos… Isso afeta a representação no país”, declarou.
Fisch externou preocupações com o impacto da proposta no sistema partidário brasileiro: “O modelo vai na direção de uma lógica majoritária em que, no caso de São Paulo, que tem 70 vagas, os 70 candidatos mais votados são os eleitos. O que isso quer dizer? Que você não tem nenhum tipo de agregação no nível de partido. Isso enfraquece os partidos políticos.”
O pesquisador ainda acrescentou outro elemento à discussão. Segundo ele, a proposta tem grandes chances de “deixar as campanhas ainda mais caras, porque você não tem nenhuma agregação, então é todo mundo contra todo mundo, o que pode ainda aumentar os custos eleitorais”.
“Por fim, vale dizer que essa é uma uma discussão que apareceu no passado. Tivemos votações sobre distritão em 2015 e 2017. Nos dois momentos, o tema foi rejeitado, pois é algo que altera significativamente as regras do jogo político. Portanto, precisamos prestar bastante atenção. É um assunto que merece debate, merece análise aprofundada e muitas vezes a gente não faz um debate qualificado sobre esse assunto.”
O estudo ressalta ainda que o distritão não é adotado de forma ampla em outros países. A pesquisa analisa o desempenho do sistema no Japão e no Afeganistão. No país asiático, o uso do distritão foi interrompido em 2017. Já o sistema afegão segue em vigor, sendo uma das únicas nações que mantém o modelo em vigor.
Proposta avança na Câmara
A aprovação definitiva da reforma político-eleitoral depende de, no mínimo, de 257 votos de deputados e 41 de senadores nos dois turnos de votação nos Plenários da Câmara e do Senado. As medidas previstas para as eleições de 2022 precisam ser aprovadas até outubro, um ano antes do pleito.
Vários deputados afirmaram que essas medidas fragilizam os partidos políticos, enfraquecem a representatividade da sociedade no Parlamento e favorecem a eleição de celebridades. O deputado Pompeo de Mattos (PDT-RS) alertou que haverá futuros recursos ao Supremo Tribunal Federal (STF) contra a proposta.
O deputado Ivan Valente (PSOL-SP) criticou fortemente o texto aprovado, em especial a adoção do voto preferencial, que ele considera que vai confundir o eleitor diante da profusão de candidatos ao Executivo. “Isso é uma vergonha e um escárnio. O que está acontecendo aqui são parlamentares e partidos que estão pensando na sua reeleição e não na ideia de uma democracia e de uma disputa de ideias e projetos de Nação”, afirmou.
Henrique Fontana (PT-RS) se queixou do acordo que viabilizou a votação na comissão especial. “O Brasil fez um plebiscito para descartar o parlamentarismo e, agora, com meia hora de relatório pronto, querem alterar o sistema de voto para a eleição presidencial e para deputados federais. Participei dos acordos para não obstrução, mas querem colocar tudo que o grupo do ‘distritão’ queria – ou seja, ‘distritão’ e volta das coligações – e o lado que eu represento não coloca nada nesse acordo. Que acordo é esse?”, questionou.
Edição: Vivian Virissimo
fonte: https://www.brasildefato.com.br/2021/08/10/distritao-vai-aprofundar-problemas-da-democracia-brasileira-apontam-autores-de-estudo
Desfile Militar e a sombra sobre Bolsonaro
150 carros de combate, tanques, blindados, aeronaves e lançadores de mísseis e foguetes farão passeio na Esplanada
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A crise político-institucional parece ser um buraco sem fundo. O tom da reação dos atores envolvidos aumentou na semana passada contra as declarações do presidente Jair Bolsonaro contra o sistema eleitoral. Ministros das cortes superiores do Judiciário, lideranças do Congresso Nacional e agentes do mercado financeiro se manifestaram em defesa das urnas eletrônicas.
A novidade das ações da semana passada é que foram além de declarações e tiveram desdobramentos institucionais, com a abertura de investigação no TSE sobre as denúncias de fraudes nas eleições e a inclusão de Bolsonaro no inquérito das fake news do STF.
::Desfile de tanques militares “demonstra fraqueza de Bolsonaro”, afirmam deputados::
Foram essas as respostas mais efetivas que as chamadas instituições conseguiram dar depois de uma escalada de atos do presidente, dos seus apoiadores e das Forças Armadas, que se acumulam nos últimos 34 meses, contra os pilares do regime democrático no Brasil.
No entanto, parece que estão sempre um passo atrás de Bolsonaro, que sempre surpreende com novas ações que imobilizam os outros poderes, entidades da sociedade civil e vão esgarçando ainda mais o Estado de Direito.
Cento e cinquenta carros de combate, tanques, blindados, aeronaves e lançadores de mísseis e foguetes farão um desfile na Esplanada dos Ministérios, depois do recrudescimento da crise político-institucional com o envolvimento das Forças Armadas na manobra para minar a credibilidade do sistema eleitoral e ameaçar as eleições de 2022.
A justificativa para a operação é entregar um convite para Bolsonaro participar do tradicional exercício da Marinha, que acontece desde 1988, chamado de Operação Formosa, em Goiás, na próxima semana.
É a primeira vez que o convite terá um desfile de blindados militares, com uma demonstração de força na Praça dos Três Poderes, que separa Palácio do Planalto, Supremo Tribunal Federal e o Congresso Nacional. Ou seja, é um casuísmo oportuno para o presidente.
Bolsonaro atua sem qualquer desembaraço na zona cinzenta da ameaça de golpe, da chantagem e da bravata contra as instituições e entidades civis, que assistem a escalada golpista como telespectadores de um espetáculo sepulcral do que ainda resta da democracia no Brasil
A simulação da operação vai acontecer, coincidentemente ou não, no mesmo dia da votação da PEC do voto impresso no Plenário da Câmara dos Deputados, marcada pelo presidente da Câmara Arthur Lira (PP-AL). O voto impresso é, justamente, o ponto de conflito entre as instituições.
Ao arrastar os militares para essa disputa, construindo a polarização entre um presidente e o seu exército contra o Congresso Nacional, o STF e os meios de comunicação empresariais, Bolsonaro reforça o papel de antissistema e coloca as Forças Armadas como fiadora do seu governo.
Por isso, independente do resultado da votação, o ex-capitão fortalece a sua relação com os militares, com fotos e vídeos em meio a um desfile de blindados, como defensores da democracia contra os arautos do voto eletrônico.
::Tanques já são vistos em Brasília a um dia da decisão sobre voto impresso; assista a vídeo::
Enquanto as pesquisas de opinião demonstram a perda de popularidade do governo, as manifestações em defesa do presidente perdem intensidade e se restringem às “motociatas”, Bolsonaro recorre às Forças Armadas para dar uma demonstração de força no momento mais difícil do seu governo.
Contraditoriamente, ao instrumentalizá-las de acordo com seus interesses políticos, evidencia a ascendência sobre os militares, aparentando força. Na medida em que não conseguem impedi-lo, quem mostra fraqueza são os poderes constituídos.
Se as forças democráticas não forem capazes de circunscrever a atuação do ministro da Defesa Braga Neto, reforçando os limites constitucionais e barrando o uso político dos militares, Bolsonaro avançará no sombreamento que forja dele próprio com Exército, Marinha e Aeronáutica para transformar as eleições de 2022 em um plebiscito sobre a Forças Armadas com consequências imprevisíveis.
@igorfelippes
Edição: Vinícius Segalla
fonte: https://www.brasildefato.com.br/2021/08/09/artigo-desfile-militar-e-a-sombra-sobre-bolsonaro