O novo ministro da Defesa, general Braga Netto, chega desgastado ao posto, sob críticas de outros militares por ceder a Bolsonaro
31 de março de 2021, 04:24 h
247 – O novo ministro da Defesa, general Braga Netto, está sendo criticado por outros militares do governo por ter aceitado o pedido do presidente para assumir o cargo. Nos bastidores, seus colegas de farda consideram que seu deslocamento para o ministério da Defesa pode incentivar uma exploração política das Forças Armadas.
Para esses críticos, ao ter aceitado o posto, Braga Netto, até então ministro da Casa Civil, não respeitou a posição do ex-ocupante do cargo, o general da reserva Fernando Azevedo, e se tornou um preposto de Bolsonaro.
Integrantes da cúpula militar veem sua ascensão aio cargo de ministro da Defesa como uma grave quebra de hierarquia, com um tempo inferior aos dos comandantes do Exército e da Marinha.
Braga Netto já foi alertado por alguns de seus pares no exército de que errou ao não ter feito, até agora, uma declaração incisiva para negar qualquer ameaça à democracia. Seu único posicionamento público foi feito na mensagem do Ministério da Defesa alusiva ao aniversário do golpe militar de 1964, informa a Folha de S.Paulo. A ditadura militar durante 21 anos liquidou as liberdades democráticas e perseguiu oposicionistas, usando métodos cruéis como tortura e assassinato de presos políticos.
Nos bastidores do Planalto, Braga Netto foi apelidado de “interventor do presidente”. Ele já foi interventor federal no Rio Janeiro, em 2018, ainda no governo Michel Temer.
A crise militar pode prosseguir na escolha dos novos comandantes. O favorito até o momento para o posto de comandante do Exército é o general Marco Freire Gomes, comandante militar do Nordeste. Gomes, por ser mais novo, teria que atropelar cinco outros generais, o que quebraria uma hierarquia por antiguidade, caso passe à frente.
A expectativa é que Braga Netto anuncie nesta terça-feira (31) os novos comandantes das três Forças. Para a Marinha, o favorito é o atual secretário-geral do Ministério da Defesa, almirante Garnier Santos. Para a Aeronáutica, ainda não há um nome definido.
Os movimentos de Bolsonaro para radicalizar a política
“De qualquer modo, haverá fogos de artifício no dia 31 de março, com Bolsonaro radicalizando uma vez mais o seu discurso. E continua esquentando em fogo branco dois instrumentos bolsonaristas: o estímulo às rebeliões das policiais militares estaduais e a insuflação de suas milícias armadas, os clubes de tiro e caça”, escreve Luís Nassif, jornalista, em artigo publicado por Jornal GGN, 30-03-2021.
Eis o artigo.
Os principais episódios de tomada de poder pela ultradireita, no século 20, mostram uma lógica repetitiva.
1. O candidato a ditador explora grupos de seguidores alucinados, criando o movimento que o leva ao poder.
2. No momento seguinte, institucionaliza-se, com alianças com o poder econômico e a cooptação das Forças Armadas, e deixa os primeiros seguidores ao léu.
3. Em alguns casos – como no episódio da noite dos longos punhais, no regime nazista – o ditador simplesmente elimina as lideranças dos primeiros movimentos.
O desgaste de Bolsonaro em manter um personagem claramente estúpido, como Ernesto Araújo, comprova que não conseguiu sair da primeira fase dos ensaios autoritários, de dependência dos seus primatas. Ou seja, caminha para 2022 contando exclusivamente com o apoio de grupos terraplanistas.
Este é o ponto central, antes de entrar na análise das mudanças ministeriais de ontem.
Elas têm uma lógica exclusivamente defensiva. Enfraquecido pelo fracasso na luta contra o Covid-19, Bolsonaro atua em duas frentes sensíveis, a frente política e a frente armada.
Na frente política, para impedir qualquer tentativa de impeachment no Congresso, fortalece o Centrão, trazendo para o centro do governo uma deputada federal do grupo.
Em relação à frente armada, coloca um Policial Federal à frente do Ministério da Justiça e demite o Ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva. O alvo final parece ser o comandante do Exército, general Edson Pujol que sempre obstou as tentativas golpistas de Bolsonaro.
Em maio passado, Bolsonaro claramente ensaiou um golpe, estimulando as manifestações contra o Supremo Tribunal Federal em frente à sede do Exército. Não prosperou devido à posição firmemente legalista de Pujol.
Logo, se conclui que, com as mudanças nas Forças Armadas, Bolsonaro ambiciona um Estado Maior que convalide suas intenções golpistas. Se conseguirá a adesão ou não, são outros quinhentos.
A lógica das Forças Armadas
Nas movimentações de ontem, fica claro que Bolsonaro não conseguiu ampliar o círculo de militares para além do seu restrito círculo de oficiais da reserva. Houve apenas um remanejamento de cadeiras.
Além disso, encontrará dificuldades para indicar Ministros militares submissos a ele. Há regras tácitas de promoção das Forças Armadas, que não poderão ser atropeladas com a mesma facilidade com que o governo desrespeita listas tríplices de Universidades federais.
Mesmo assim, há outros fatores em jogo:
* a resistência dos militares contra Lula.
* o fato dos militares terem provado do fruto proibido, a interferência no setor civil, inaugurada pelo deplorável interregno de Michel Temer.
* a simpatia por Sérgio Moro e a Lava Jato.
* a constatação de que a ligação com Bolsonaro é veneno na imagem das FFAAs.
Por enquanto, não parece haver massa crítica para qualquer tipo de interferência maior. Mas há um cadinho levado ao fogo brando, de montagem gradativa de um discurso de legitimação dos militares no setor civil. Depois que Temer deixou sair da garrafa o militarismo, jogou um problemaço para a frente.
De qualquer modo, Bolsonaro não aparenta ter conseguido apoio crítico das FFAAs para aventuras maiores.
De qualquer modo, haverá fogos de artifício no dia 31 de março, com Bolsonaro radicalizando uma vez mais o seu discurso. E continua esquentando em fogo branco dois instrumentos bolsonaristas: o estímulo às rebeliões das policiais militares estaduais e a insuflação de suas milícias armadas, os clubes de tiro e caça.
Ontem, 16 governadores divulgaram carta endereçada a Bolsonaro e aos presidentes da Câmara e do Senado, condenando a tentativa de autoridades bolsonaristas de manipular agentes de segurança dos estados.
Some-se às ameaças sofridas pelo governador paulista João Dória Jr. para se ter um ensaio da radicalização das próximas semanas.
fonte: http://www.ihu.unisinos.br/607999-os-movimentos-de-bolsonaro-para-radicalizar-a-politica
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Jeferson Miola
Integrante do Instituto de Debates, Estudos e Alternativas de Porto Alegre (Idea), foi coordenador-executivo do 5º Fórum Social Mundial
O Partido Militar e a mudança ministerial
“Bolsonaro, diante do risco de descarte pelo Partido Militar, busca ostentar sua base social: policiais militares estaduais e polícias em geral; soldados, praças e setores da oficialidade das Forças Armadas; milícias armadas e fundamentalistas religiosos”, diz o colunista Jeferson Miola. “Em paralelo, os generais investem na formação de uma frente anti-Lula”
Não é nada trivial, para não dizer raríssimo, acontecer a súbita demissão de 6 ministros e, em pouco mais de 2 horas, todas as substituições serem velozmente processadas.
Igualmente raro é o clima geral de normalidade na imprensa e nos meios políticos com os novos titulares acomodados nas vagas abertas, sem maiores celeumas.
É custoso acreditar que haja improviso neste vertiginoso e, aparentemente, metódico processo. O contexto leva a crer que possa ter sido uma operação planejada previamente.
Afinal, só se tinha como certa e inevitável a demissão de um único ministro, o lunático Ernesto Araújo, e não se tinha a menor ideia de que o substituto seria o inerte diplomata Carlos França, que fará de boca fechada o mesmo que o bufão antecessor fazia com histrionismo.
A hipótese de a demissão coletiva ter sido mais uma encenação não deve, portanto, ser descartada, sobretudo porque são os militares que comandam o “teatro das operações”. Eles atuam permanentemente, de modo simultâneo e paralelo, ao mesmo tempo como incendiários e como bombeiros.
A partir de análises e pesquisas próprias e da leitura de estudos de especialistas na questão militar, parto do pressuposto de que Bolsonaro é um fantoche de um governo militar – que é bem diferente de um governo com militares.
O governo e todo processo é comandado pelos generais do Partido Militar – “o senhor é um dos responsáveis por eu estar aqui”, disse o agradecido Bolsonaro ao ex-comandante do Exército, general Villas Bôas.
Mas não se pode eliminar a hipótese de que o enfraquecido Bolsonaro, diante do risco de descarte pelo Partido Militar, busca ostentar sua base social explosiva: policiais militares estaduais e polícias em geral; soldados, praças e setores da oficialidade das Forças Armadas; milícias armadas e fundamentalistas religiosos. O estímulo da matilha bolsonarista à sedição dos policiais militares da Bahia e a escolha do ministro da Justiça são coerentes com a hipótese.
Mesmo esta narrativa acaba sendo benéfica para o Partido dos generais, porque ela reforça o papel que os comandos das Forças Armadas se auto-atribuem como garantidores do sistema, e assim continuam pairando como uma névoa densa acima da democracia, do Estado de Direito e das instituições civis.
Voltando à hipótese de encenação, mencionada acima, é de se perguntar: e se a mexida no ministério foi uma operação diversionista do Partido Militar, qual poderia ser a motivação para isso? A resposta à pergunta pode estar nas manchetes de capa de todos principais jornais do país. De tão uníssonas, até parece que toda imprensa apenas reproduziu o release da comunicação do Exército:
– “Bolsonaro troca 6 ministros, afaga o centrão e surpreende militares”, FSP;
– “Pressionado, Bolsonaro cede ao Centrão e tenta controlar militares”, O Globo;
– “Ministro da Defesa cai por recusar uso político das Forças Armadas”, Estadão;
– “Militares resistem a alinhamento”, Valor Econômico;
– “Bolsonaro cede a Centrão e abre crise com militares”, Correio Braziliense.
Com esta narrativa, repetida de modo automático e alienado em praticamente toda mídia, os generais tentam incutir a falsa ideia de distanciamento/dissociação das Forças Armadas do governo que foi eleito, foi montado e é gerido pelo próprio Partido Militar.
Fazem isso mesmo que um general da ativa, cumprindo missão autorizada pelo Comandante do Exército, seja o responsável objetivo e subjetivo pelo genocídio que ultrapassa 300 mil mortes.
O motivo alegado para a demissão do general Fernando Azevedo e Silva cai como uma luva para a construção da falácia: teria sido a suposta contrariedade do Bolsonaro com entrevista do general Paulo Sérgio expondo a visão científica do Exército em contraposição à posição negacionista do governo no enfrentamento da pandemia.
O superdimensionamento de benefícios ao “centrão” descrito nas manchetes e reportagens também é bastante útil à narrativa dos generais. Afinal, tentam desvincular o “puro” e incorruptível Partido Militar daqueles que um dia Augusto Heleno cantarolou “se gritar pega centrão, não fica um meu irmão”.
Ao contrário do que a mídia propaga, a mexida no ministério fortaleceu a ideia de que os generais “legalistas” [sic] são ainda mais indispensáveis no processo político.
Depois da volta do Lula, o Partido Militar move as peças do tabuleiro para ajustar sua estratégia à nova realidade. O arranjo diversionista do governo é parte deste movimento.
Em paralelo, os generais investem na formação de uma frente anti-Lula juntando a direita tradicional, a mídia hegemônica e as facções da extrema-direita – moro-lavajatista e militar-bolsonarista – para a eleição de 2022.
O general Santos Cruz e Sérgio Moro estão sendo testados como possibilidade de assumirem, desta vez, o papel de Cavalo de Tróia do Partido Militar que já foi desempenhado por Bolsonaro.
Nos últimos dias, este general que coordenou a campanha de Bolsonaro em 2018 participou de diversas transmissões pela internet, entre elas com o MBL. E o juiz-ladrão, que vem recebendo um tratamento de repaginação de imagem na mídia dominante, como no Jornal Nacional de 30/3.
fonte: https://www.brasil247.com/blog/o-partido-militar-e-a-mudanca-ministerial
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Valter Pomar
Historiador e integrante da Direção Nacional do PT
Um roteiro para entender a confusão atual
“O único jeito de superar a crise é destruindo suas causas. E não será a direita gourmet, nem as “instituições”, muito menos as forças armadas, que serão capazes de fazer isso. Só o povo pode destruir as causas da crise, indo na raiz do problemas”, escreve o historiador Valter Pomar
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(Foto: ABr | Divulgação)
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1.Usar o método matrioska (ou cebola): de fora para dentro.
2.Desde a crise de 2008, os Estados Unidos operam para recuperar o espaço perdido na América Latina e Caribe.
3.O apoio do governo Obama contribuiu para o golpe de 2016 e para a condenação/prisão/interdição de Lula. Agora temos Biden, que foi vice de Obama.
4.O golpe tem antecedentes históricos (1964), ensaios parciais (2005, 2013), importantes protagonistas civis (Aécio, Cunha, Temer), envolvimento pleno das “instituições” (judiciário, parlamento), sendo que as forças armadas jogaram papel essencial em pelo menos dois momentos: no condenação, prisão e interdição de Lula; e na construção e vitória da candidatura Bolsonaro.
5.Bolsonaro não foi um acidente, não foi um raio em céu azul, primeiro porque ele é legítimo produto da ditadura militar, segundo porque sua candidatura foi planejada e sustentada pela cúpula das FFAA, terceiro porque “faz sentido” um governo militar nesse contexto em que a classe dominante opera sua “ponte para o passado”.
6.A classe dominante brasileira está nos empurrando de volta aos anos 1920, quando o Brasil era um país primário exportador, submisso ao imperialismo, onde a política era assunto oligárquico e a questão social era caso de polícia. A situação de sócia menor de interesses estrangeiros tem várias implicações, entre as quais a superexploração da força de trabalho, a permanente ameaça às liberdades democráticas da maioria do povo, a perpetuação de uma mentalidade colonizada e padrões de desenvolvimento inferiores aos das potências mundiais. Mas há uma implicação adicional: depois de meio século de industrialização (1930-1980), quarenta anos de desindustrialização estão espremendo um país de 210 milhões de habitantes no figurino estreito que o país tinha quando éramos cerca de 40 milhões de almas. O retrocesso iniciou nos anos 1980, prosseguiu nos anos 1990 por obra dos neoliberais e – depois do hiato de governos encabeçados pelo PT – o retrocesso segue desde 2016 por conta dos ultraliberais associados ao bolsonarismo neofascista. Por tudo isso, a associação entre neofascismo e neoliberalismo não ocorre por acaso: na ausência de desenvolvimento, a brutal desigualdade existente no país não encontra válvula de escape e a questão social vira caso de polícia (e de milícia). O bolsonarismo, a tutela militar, o fundamentalismo, o genocídio pandêmico e a ampliação do comércio de armas de fogo não são, portanto, raio em céu azul.
7.O governo Bolsonaro é um governo militar (presidente militar, vice-presidente militar, grande número de ministros militares, grande número de militares em todos os cargos do governo e, principalmente, a hegemonia da visão de mundo construída nas casernas). Mas o governo Bolsonaro não é uma ditadura militar clássica, primeiro porque o presidente é um cavernícola de baixo escalão castrense (afastado do exército por razões degradantes, político profissional por 28 anos, miliciano, tosco etc.); segundo porque o presidente foi eleito, ainda que numa eleição fraudada; terceiro, porque sendo um governo eleito, os demais poderes fáticos impõem limites em tese maiores do que numa ditadura (mídia, sistema judiciário, parlamento, as próprias FFAA e sua extensão policial, o grande capital). Em tese, porque na prática estes poderes fáticos tem contribuído gostosamente para o que mais interessa a eles: a aplicação do programa econômico social ultraliberal.
8.Todo este contexto, circunstâncias e personagens levam a concluir que o governo (e a conjuntura brasileira como um todo) são caracterizadas pela crise permanente, pela instabilidade permanente, pelo sobressalto e por reviravoltas permanentes.
9.Um dessas reviravoltas é Lula com direitos políticos de volta. As principais reações a isso foram: em parte da oposição de centro-esquerda, reacender as expectativas de um regresso triunfal ao governo; na direita gourmet, a busca desesperada por uma terceira via eleitoralmente viável; na extrema-direita, incluída a extrema-direita militar, a reação é a escalada: ameaças (contra Lula, contra governantes que estão tentando conter a pandemia etc.); processos com base na LSN, por exemplo contra pessoas que chamam Bolsonaro de genocida; notas agressivas (de Bolsonaro falando de estado de sítio, de Etchegoyen criticando as decisões do STF etc.); incentivo à insubordinação das PMs contra governadores de estado (o caso mais extremo é o da Bahia, mas a nota assinada por pelo menos 16 governadores mostra que não se trata de um problema localizado).
10.Detalhe: tudo isto ocorre na véspera de um aniversário do golpe militar de 1964. A esse respeito, é preciso estar atento para a extensão e conteúdo das mobilizações que estão sendo convocadas em defesa da intervenção militar. E, também, analisar a famosa ordem do dia.
11.É neste quadro que ocorreu a recomposição ministerial do 29 de março. As mudanças (até agora) foram: Ministério das Relações Exteriores: Ernesto Araújo x Carlos Alberto França; Ministério da Defesa: General Fernando Azevedo e Silva x General Braga Netto; Ministério da Justiça e Segurança Pública: André Mendonça x Delegado da Polícia Federal Anderson Gustavo Torres; Casa Civil: General Walter Souza Braga Netto x General Luiz Eduardo Ramos Baptista Pereira; Secretaria de Governo: General Luiz Eduardo Ramos x Deputada Federal Flávia Arruda; Advocacia-Geral da União (AGU): José Levi Mello do Amaral Júnior x André Mendonça.
12.Há especulações de todo tipo acerca dos motivos e dos efeitos da reforma ministerial. Acomodar centrão e afastar os militares que o desobedecem são as mais frequentes. Sobre a desobediência também há diversas teses: a entrevista do general Paulo Sergio, a relação com os governos estaduais, a resistência a um possível estado de sítio, articulações de militares a favor de outra candidatura presidencial em 2020 etc.
13.Na direita gourmet, em particular no oligopólio da mídia, mais do que análise, há quase um convite para que os militares derrubem Bolsonaro. Um conhecido direitista chamado Marco Antonio Villa agora descobriu que “o presidente está caminhando para um golpe de Estado. […] [Bolsonaro] é um golpista, um nazifascista, ele não é um democrata. Ele conspira contra a Constituição e o fez durante 30 anos de vida parlamentar”. E outro conhecido direitista, o jornalista Mário Sergio Conti, foi além e defendeu abertamente uma “operação Valquíria” contra Bolsonaro.
14.Na oposição de centro-esquerda, também apareceram vozes comemorando o teor da nota do ex-ministro da Defesa (que diz que seu papel no governo teria sido defender as forças armadas como instituição de Estado) e as declarações do general Santos Cruz (segundo o qual os militares “não vão entrar em aventura”). Acontece que as forças armadas em geral e estes militares em particular apoiaram a ascensão de Bolsonaro e seu governo. Ademais, um ministro é um ministro, ou seja, pode se achar “de Estado” mas sempre será “de governo”.
15.Aliás, Santos Cruz é um cidadão muito criativo. Segundo ele: “Não há clima para um golpe de Estado. As Forças Armadas têm uma postura institucional muito forte. Não embarcam nessa onda. As Forças Armadas têm estruturas fortes de comando, de liderança, de hierarquia, de respeito à legalidade (…) As Forças Armadas e seus comandantes têm consistência grande. Não se imagine que se possa lançar as Forças Armadas em uma aventura. Os militares não ficam embarcando em qualquer canoa. Não é fácil mexer com as Forças Armadas politicamente. Os comandantes são todos muito discretos. Não se envolvem com política. É uma gente séria.”
16.Claro que é positivo que Santos Cruz fale contra um autogolpe. Mas seus argumentos são deveras interessantes, digamos assim. Ele diz, por exemplo, que não há “clima” para um golpe de Estado. Clima??? O simples fato de um militar dar declarações deste tipo já mereceria processo e, quem sabe, prisão. Mas o que esperar de um governo que tem um presidente golpista e que coloca um militar no ministério da Defesa, criado exatamente para ampliar o controle civil sobre as forças armadas?? Aliás, Santos Cruz diz que os militares não ficam embarcando em qualquer canoa. Mas embarcaram na canoa bolsonarista. Diz que não seria fácil mexer politicamente com as FFAA. Mas as FFAA intervieram abertamente na política em toda a história republicana brasileira, inclusive desde 2016. Diz que os comandantes seriam todos muito discretos, mas os militares estão por todas as partes no governo Bolsonaro, com salários e controlando orçamentos nada discretos. Diz que os comandantes não se envolveriam com política, seriam gente séria. Claro, preferiram tutelar sem se desgastar… mas Bolsonaro é difícil de tutelar, seu governo não está num bom momento e isto está afetando a popularidade das forças armadas.
17.Seja como for, a reforma ministerial mostra que se criaram (e tendem a se aprofundar) as divisões no partido militar. Estas divisões podem ter várias causas, inclusive o estilo de Bolsonaro. Mas o principal motivo parece ser político: o aprofundamento da crise afeta a unidade do partido militar, inclusive porque amplia o risco de Bolsonaro ser afastado ou perder as eleições, arrastando junto na derrota seus patronos, o que faz com que alguns setores do Partido militar comecem a buscar alternativas. A alternativa tutela não funcionou; a possibilidade de deixar tudo como está é perigosa, especialmente por conta do fator Lula, que a cúpula das forças armadas não aceita de nenhuma maneira; e não é nada trivial construí ruma terceira via. E, para complicar tudo, a caneta está nas mãos de Bolsonaro, que sabe disto tudo e não é do tipo que deixa como está para ver como é que fica. Neste sentido, a crise atual é lembrada por alguns como uma versão farsesca do ocorrido com Ednardo em 1976 e com Frota em 1977.
18.Frente a tudo isto, sem prejuízo de compreender melhor os detalhes do que houve, do que está ocorrendo e do que pode vir a ocorrer, é bastante claro que nós não devemos fazer.
-primeiro: lembrar que vivemos em Estado de exceção e que os fatos recentes mostram que a exceção avança, não recua.
-segundo: perceber que os mesmos fatos recentes apenas confirmam que o cavernícola tem um modus operandi, que mesmo isolado não cede no que considera essencial.
-terceiro: não subestimar o inimigo. Sobre este terceiro ponto, um bom exemplo de subestimação está no recente tweet do deputado Freixo: “URGENTE! O ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva, acaba de anunciar que deixará o cargo. Na nota, falou sobre a importância das Forças Armadas atuarem como instituições de ESTADO. Começa a desmoronar um dos principais pilares de sustentação de Bolsonaro”. Outro exemplo de subestimação é a declaração do Antonio Augusto de Queiroz, do Diap, segundo o qual faltaria pouco para o impeachment de Bolsonaro. Um governo que carrega 300 mil mortos nas costas e ainda não caiu, não pode ser subestimado desta forma.
-quarto: não terceirizar. Bolsonaro tem que ser derrubado por nós, pela esquerda, pela classe trabalhadora. Se Bolsonaro for derrubado ou derrotado pela direita gourmet, ou por uma parte dos militares, os desdobramentos disto para a classe trabalhadora não serão positivos.
-quinto: o que vem por aí é mais crise, não menos crise. Não exatamente porque os comandantes venham a pedir demissão (escrevo isto na manhã de 30 de março), nem apenas porque se aprofunde a divisão nas forças armadas. Mas principalmente porque há uma crise sistêmica profunda no mundo e no Brasil; e os métodos que a classe dominante adotou para tentar resolver esta crise aprofundam a crise. Por isso, embora estejam tendo sucesso em aplicar seu programa, na verdade exatamente porque estão tendo sucesso em aplicar seu programa, todas as instituições golpistas (inclusive a mídia oligopolista) estão em estado de crise. Como disse o próprio Bolsonaro, ele veio para destruir. Portanto, a bagunça institucional não deveria surpreender ninguém, muito menos a figuras como Braga Neto, talvez um dos militares que mais saiba quem é quem nas milícias do Rio de Janeiro.
-sexto: o único jeito de superar a crise é destruindo suas causas. E não será a direita gourmet, nem as “instituições”, muito menos as forças armadas, que serão capazes de fazer isso. Só o povo pode destruir as causas da crise, indo na raiz do problema. No nosso caso, a classe dominante e seus tentáculos. Ou, como diria o cavernícola no seu jargão tão peculiar: com lagartixas não basta cortar o rabo.
ps.a entrevista do general Paulo Sérgio, falando como o exército teria combatido a pandemia, é a versão castrense das recentes decisões do STF. Fachin, Cármen Lúcia e outros confessaram que durante anos desconheceram a Constituição, ou seja, foram cúmplices de um crime. E o general Paulo Sérgio, ao afirmar que o exército teria tido maior êxito em se proteger da Covid 19, confessa por tabela que o exército sabe muito bem as consequências nefastas – sobre o povo – das políticas que vem sendo aplicadas pelo governo militar de Bolsonaro, governo que até há pouco tinha um general da ativa no ministério da Saúde.
ps2.nos dias 31 de março e 1 de abril a esquerda precisa marcar presença. Inclusive nas ruas, com as medidas sanitárias indispensáveis.
fonte: https://www.brasil247.com/blog/um-roteiro-para-entender-a-confusao-atual
Novo ministro da Defesa defende celebração do golpe de 1964
Em primeira manifestação pública no cargo, general Braga Netto diz que tomada do poder pelas Forças Armadas serviu para “pacificar o país”, sem mencionar ditadura e repressão que se seguiram e distorcendo contexto.
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Ordem do Dia alusiva ao golpe de 1964 de Braga Netto já é a terceira manifestação do tipo publicada no governo Bolsonaro
O novo ministro da Defesa, Walter Souza Braga Netto, divulgou nesta terça-feira (30/03) uma ordem do dia na qual defende que se compreenda e se celebre o golpe militar de 1964, que instaurou uma ditadura de 21 anos no país. A publicação do texto foi a primeira manifestação pública do general, que assumiu a pasta após Fernando Azevedo e Silva deixar o governo do presidente Jair Bolsonaro no dia anterior.
Sem fazer qualquer menção à ditadura que se instalou após o golpe e à dura repressão ocorrida neste período, onde reinou a censura e perseguição política, Braga Netto afirma no texto que o golpe de 1964 deve ser entendido “a partir do contexto da época”.
O documento, no entanto, omite e distorce fatos. Ao alegar que “a Guerra Fria envolveu a América Latina, trazendo ao Brasil um cenário de inseguranças com grave instabilidade política, social e econômica” e que “havia ameaça real à paz e à democracia”, Braga Netto ignora as ditaduras, apoiadas ou toleradas pelos Estados Unidos, que se instauram em vários países latino-americanos sob a alegação desta suposta ameaça.
O texto diz ainda que os brasileiros saíram às ruas, apoiados pela imprensa, lideranças políticas e empresariais e pela igreja, o que teria resultado no que ele chamou de “movimento de 31 de março de 1964”. Braga Netto alega então que as Forças Armadas teriam supostamente assumido “a responsabilidade de pacificar o país” para “garantir as liberdades democráticas”.
O texto pula de 1964 para 1979, ignorando o período entre essas duas datas, e ressalta a aprovação da Lei da Anistia, que teria consolidado um “amplo pacto de pacificação a partir das convergências próprias da democracia”.
Braga Netto cita ainda como desafios atuais do país “questões ambientais, ameaças cibernéticas, segurança alimentar e pandemias” e alega que as Forças Armadas estariam “na linha de frente, protegendo a população”.
“A Marinha, o Exército e a Força Aérea acompanham as mudanças, conscientes de sua missão constitucional de defender a Pátria, garantir os Poderes constitucionais, e seguros de que a harmonia e o equilíbrio entre esses Poderes preservarão a paz e a estabilidade em nosso país”, acrescenta o general.
Terceira nota celebrando o golpe
A ordem do dia foi publicada após os comandantes das Forças Armadas deixarem os cargos, devido à demissão do ex-ministro da Defesa. Foi a primeira vez na história que os três comandantes das forças são substituídos ao mesmo tempo sem que isso ocorra em meio a uma troca de governo.
Nos bastidores, vários militares de alta-patente fizeram chegar à imprensa que não queriam se envolver em alguma aventura golpista ou iniciativa que contrariasse a Constituição. Apesar de ter se colocado contra novas investidas de Bolsonaro, o ex-ministro chegou a sobrevoar ao lado do presidente, em um helicóptero, uma manifestação de conteúdo antidemocrático na Praça dos Três Poderes em junho de 2020.
Desde o início da sua gestão, Bolsonaro tem se apoiado nos militares para preencher diversos cargos no governo. O presidente também faz elogios frequentes à atuação das Forças Armadas durante o regime militar e determinou a comemoração do golpe de 1964, que nesta quarta-feira faz 57 anos.
No ano passado, o então ministro Azevedo e Silva também havia divulgado uma nota semelhante em comemoração do golpe militar, alegando que “o movimento de 1964” seria “um marco para a democracia brasileira”.
Após a publicação no ano passado, a juíza federal Moniky Mayara Costa acatou uma ação popular e concedeu uma liminar proibindo a manutenção da nota no ar e a publicação de anúncios comemorativos do golpe. A magistrada argumentou que a comemoração fere à Constituição.
Porém, em meados de março deste ano, a liminar foi derrubada pelo Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF-5), que acatou um recurso pedido pela União.
A Ordem do Dia alusiva ao golpe de 1964 de Braga Netto já é a terceira manifestação do tipo publicada no governo Bolsonaro.
cn/lf (ots)
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- Data 31.03.2021
- Assuntos relacionados Golpe de 1964, Jair Bolsonaro
- Palavras-chave história, golpe de 1964, ditadura militar, Walter Souza Braga Netto, Jair Bolsonaro, negacionismo
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