Construir uma política nova e renovadora

A fome pode ser eliminada com menos recursos empregados em guerrasA fome pode ser eliminada com menos recursos empregados em guerras (AFP)

Marcelo Barros

Cada vez mais, no Brasil, se manifesta um modo de fazer política que consiste em fomentar ódio e violência e em nome de princípios sociais e religiosos. Basta um bispo explicar que “pátria amada” não pode ser “pátria armada” e, logo, um deputado o insulta publicamente e destila o seu ódio à conferência dos bispos católicos e ao papa Francisco. Grandes meios de comunicação colaboram para que o próprio exercício da política caia em descrédito geral. Enquanto isso, a ONU celebra o 76º aniversário de sua fundação (24 de outubro de 1965), com atividades contra o armamentismo e em favor da justiça ecossocial e da paz.

A ONU cumpre a importante missão de zelar para que a sociedade internacional seja impregnada de valores fundamentais como o respeito à dignidade de todos os seres humanos, a supremacia da justiça, a consciência ecológica e a abertura à transcendência. Grande parte da humanidade, mais consciente da realidade internacional, sonha com um organismo mundial que abranja não somente governos, mas também uma representação legítima da sociedade civil internacional. 

Só uma organização internacional que reúna Estados e também representantes das organizações civis terá força para exigir do governo das grandes potências respeito pelas leis e decisões internacionais. Somente um organismo assim poderá ajudar a humanidade a recuperar a consciência de que somos todos e todas uma só família humana. 

Que as vacinas contra todas as doenças sejam consideradas bens comuns da humanidade e não devam ser vendidas. É preciso deter a crueldade do governo dos Estados Unidos que, em meio à pandemia, impede que países como Cuba e Venezuela recebam insumos e matérias primas para medicamentos essenciais para a saúde do povo.

Nos últimos séculos, o controle cada vez maior, exercido pela economia sobre a política tem sido uma catástrofe para o mundo. A Terra tem quase 8 bilhões de habitantes. Menos de 1 bilhão consome sozinho mais de 83% dos recursos disponíveis na terra. Metade da humanidade, mais de 3 bilhões de pessoas, devem viver com menos de US$ 2 por dia. A cada ano, mais de 60 milhões de pessoas morrem de fome. Mais de 1 bilhão de crianças vive abaixo da pobreza. 

Conforme cálculos do Banco Mundial, com US$ 40 bilhões, se poderia resolver todo o problema da fome e da saúde dos pobres no mundo. Ora somente, em um ano, os Estados Unidos gastam bilhões de dólares em armas para as guerras que mantêm no mundo. Ao mesmo tempo, a sociedade dominante fecha suas fronteiras aos migrantes que tentam sobreviver ao extermínio.

A sociedade civil não aceita mais essa iníqua organização do mundo. O papa Francisco pede que superemos “a cultura da indiferença”. É urgente estimular uma nova cultura contra a insensibilidade vigente com o que se passa com milhões de seres humanos.

A crise atual aponta para a necessidade de uma nova política econômica e social a serviço da construção de uma sociedade internacional e dos Estados. É preciso unir todas as pessoas de boa vontade e grupos articulados da sociedade civil para “democratizar a democracia”, ou seja, elaborar um novo estilo modelo de política, efetivamente, centrado no bem comum. Dom Oscar Romero, arcebispo de El Salvador, martirizado em 1980, propunha um retorno ao que ele chamava de “grande política”.

Nestes próximos dias, a ONU organiza duas conferências mundiais, uma sobre biodiversidade e outra sobre mudanças climáticas. O papa Francisco e 40 líderes de diversas religiões publicaram um apelo pela sustentabilidade do planeta e pelo cuidado com a vida. É importante que em nossos países reforcemos as políticas que garantam esse direito da vida.

Marcelo BarrosMarcelo Barros é monge beneditino e teólogo especializado em Bíblia. Atualmente, é coordenador latino-americano da Associação Ecumênica de Teólogos/as do Terceiro Mundo (ASETT). Assessora as comunidades eclesiais de base e movimentos sociais como o Movimento de Trabalhadores sem Terra (MST). Tem 45 livros publicados dos quais está no prelo: “O Evangelho e a Instituição”, Ed. Paulus, 2014. Colabora com várias revistas teológicas do Brasil, como REB, Diálogo, Convergência e outras. Colabora com revistas internacionais de teologia, como Concilium e Voices e com revistas italianas como En diálogo e Missione Oggi. Escreve mensalmente para um jornal de Madrid (Alandar) e semanalmente para jornais brasileiros (O Popular de Goiânia e Jornal do Commercio de Recife, além de um jornal de Caracas (Correo del Orinoco) e de San Juan de Puerto Rico (Claridad).

O texto reflete a opinião pessoal do autor, não necessariamente do Dom Total. O autor assume integral e exclusivamente responsabilidade pela sua opinião.OUTROS ARTIGOS

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fonte: https://domtotal.com/artigo/9693/2021/10/construir-uma-politica-nova-e-renovadora/

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