Mariana Sanches – BBC News Brasil, Washington –

A decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal Edson Fachin que, na segunda,-feira (08/03), anulou as condenações e indiciamentos contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no âmbito da Operação Lava Jato representou, na prática, o início da campanha presidencial de 2022 — um ano e sete meses antes dos brasileiros irem efetivamente às urnas.
Essa é a avaliação de um grupo de brasilianistas — acadêmicos estrangeiros dedicados ao estudo do Brasil — sobre o impacto da medida jurídica no cenário político brasileiro.
Fachin determinou a nulidade das ações justificando a decisão em um aspecto processual: a falta de competência jurídica do então juiz Sérgio Moro, da Justiça Federal de Curitiba, para decidir sobre os casos envolvendo o ex-presidente Lula. Com isso, Fachin sedimentou o caminho para uma disputa polarizada entre os dois maiores líderes em cada campo político no país. À esquerda, Lula. À direita, o atual presidente Jair Bolsonaro.
“Quatro horas atrás eu te diria que havia um ‘mercado’ de eleitores de centro, centro-direita esperando para ser conquistados por uma terceira via. Agora esse caminho é improvável”, afirmou à BBC News Brasil a cientista política Amy Erica Smith, da Iowa State University, no fim da tarde desta segunda.
Para Smith, a canetada de Fachin deve encerrar — ou diminuir muito — as possibilidades de viabilidade eleitoral de candidaturas de centro-direita, como a do governador paulista João Doria Jr. ou a do apresentador Luciano Huck. A tendência é que o eleitorado seja atraído para uma das duas forças, esvaziando o centro.
Mas, na avaliação dos brasilianistas, mais do que determinar os concorrentes da disputa de 2022, a decisão revela importantes aspectos da condução da democracia brasileira nos últimos anos — em que o Judiciário interfere na política como quem manipula fantoches, decidindo quem pode ou não concorrer à eleição presidencial. As sequelas dessas ações, segundo eles, passam por descrédito institucional e enfraquecimento da pauta de combate à corrupção no país.
Barrado antes, liberado agora
Embora tenham hoje um ao outro como principal adversário político a ser batido, o confronto entre Lula e Bolsonaro jamais aconteceu nas urnas. Isso porque em 2018, apesar de líder nas pesquisas eleitorais de intenção de voto, Lula acabou tendo a candidatura barrada pela Lei da Ficha Limpa, após as mesmas condenações de Moro contra ele — agora derrubadas por Fachin — terem sido confirmadas pela segunda instância do Judiciário brasileiro.

INSTITUTO LULA – Lula e Dilma acenam na varanda da casa do ex-presidente em São Bernardo do Campo
Com a retirada de Lula da disputa por mecanismos judiciais, Bolsonaro assumiu a dianteira na campanha e venceu a presidência em segundo turno, contra Fernando Haddad (PT), apontado por Lula para substituí-lo.
Agora, a decisão de Fachin restitui a Lula plenos direitos políticos e ele poderá concorrer à presidência se não voltar a ser condenado em segunda instância até o processo eleitoral. A decisão de Fachin não analisa se Lula cometeu atos de corrupção ao supostamente se beneficiar de um apartamento tríplex no Guarujá ou de um sítio em Atibaia bancados em parte por empreiteiras que mantinham contratos fraudulentos com a Petrobras. Ao longo de anos, a Lava Jato sustentou que tais benefícios a Lula fariam parte de pagamentos indiretos dessas empresas pelas injustas vantagens que conseguiam com a petroleira estatal graças à intervenção de políticos, foco principal da Lava Jato de Curitiba.
“Tem havido uma batalha sobre a jurisdição do caso Lava Jato desde 2013 e agora é estranho ver um ministro do Supremo tomar uma decisão com base nessa questão. Como americano e estudioso da América Latina, a ideia de que um único ministro da Suprema Corte possa tomar uma decisão dessa magnitude é esquisito. E contradiz um pouco a história de que as instituições no Brasil se tornaram mais fortes”, avalia Brian Winter, editor-chefe da publicação Americas Quarterly, especializada em temas latino-americanos. Winter relembra que a tese de que Moro e seus colegas em Curitiba não seriam os juízes competentes para julgar o caso Lula — o que se chama no direito de juiz natural do caso — foram repetidas pela defesa do ex-presidente e repelidas à exaustão pelo judiciário brasileiro até a tarde desta segunda-feira.
A mudança de postura em relação ao assunto no Supremo acontece na esteira de um processo de anos de desgaste da figura de Moro e dos procuradores da força-tarefa, liderados por Deltan Dallagnol.
Moro foi acusado de parcialidade quando, poucos dias antes do pleito de 2018, liberou a público a delação premiada do ex-ministro dos governos Lula e Dilma Antonio Palocci, em que ele atacava a cúpula petista, sem entregar provas do que dizia. Em seguida, com a vitória de Bolsonaro, Moro abandonou a magistratura para assumir, no começo de 2019, o posto de ministro da Justiça do recém-eleito. Ainda naquele ano, mensagens hackeadas entre o então juiz Moro e os procuradores revelaram que o juiz havia orientado e conduzido a acusação em diversos momentos do processo contra Lula, o que lançou dúvidas sobre a parcialidade do magistrado para julgar o caso que – em última instância – tirou Lula da disputa presidencial.
Considerada por Deltan Dallagnol a “maior especialista em combate à corrupção do mundo”, Susan Rose-Ackerman, professora de Direito da Universidade Yale, afirmou à BBC News Brasil que a decisão de Fachin agora foi acertada.
Em 2019, ela assinou uma carta junto a colegas juristas internacionais em que se dizia “estarrecida” pela revelação das mensagens trocadas entre Moro e os procuradores e denunciava a parcialidade na atuação do juiz.
“Muita coisa aconteceu na investigação, Moro era o juiz nos casos (da corrupção na Petrobras), mas o caso do Lula era diferente, não fazia parte de todo o pacote. Por isso acho acertada a decisão de agora, mas certamente há um problema com o tempo. Isso impediu o Lula de ser candidato e permitiu a ascensão de Bolsonaro. Então não sei o que as pessoas pensam agora, mas há, sim, um problema com o fato de essa decisão estar sendo tomada só agora, vários anos após a eleição”, diz Rose-Ackerman.
Montanha-russa jurídico política
Para Amy Erica Smith, o fato de que Lula tenha sido barrado antes por decisões judiciais e agora readmitido às urnas também pelas mãos de juízes, em decisões díspares sobre os mesmos fatos, é um dado preocupante para a democracia brasileira.
“Há uma montanha-russa de judicialização da política no Brasil. A Lava Jato e tudo isso que aconteceu nos últimos anos dão a impressão de que os juízes têm a palavra final sobre o que acontece na democracia brasileira. E as decisões dos juízes são realmente muito arbitrárias, politizadas, e muito longe de serem imparciais”, afirma Smith.
Segundo ela, a Lei da Ficha Limpa, que barrou condenados em segunda instância de se candidatarem, seria uma regra bastante razoável para melhorar a qualidade dos candidatos, desde que os devidos processos legais fossem seguidos pelos investigadores e pela justiça. Há, no entanto, no caso de Lula, de acordo com Smith, evidências de que ela acabou usada para retirar uma força política do jogo.
“A democracia brasileira se reduziu a uma espécie de procedimento institucional para determinar quem pode concorrer e quem não pode concorrer, quais opções permitiremos ou não. Parece ter havido um esforço concertado no período de 2015 a 2018 para manter certos líderes do PT, basicamente Dilma e Lula, longe da possibilidade de disputar cargos ou ocupar cargos. Essa politização da Lava Jato em Curitiba e do Supremo levaram a essa situação em que os juízes atuam como ‘master puppeteers’ (bonequeiros que manipulam fantoches) preparando o palco para o que é permitido acontecer dentro da política brasileira”, diz Smith.
Nos últimos anos, o Judiciário tomou decisões nas quais questiona-se extrapolação sobre outros poderes, como quando barrou a indicação de ministros do Executivo ou determinou prisão de parlamentares.
O historiador James Green, da Brown University, acredita que Lula ainda estará sujeito a reviravoltas orquestradas pelo Judiciário. Green avalia que a condenação de Lula foi um “ato político”, resultado de um “processo judicial contaminado”. Para ele, a decisão de Fachin agora procura preservar o conjunto de provas amealhado pela Lava Jato ao tirar da ordem do dia o julgamento da possível suspeição de Moro, que colocava sob ameaça todo o legado da operação por efeito cascata.
Por isso mesmo, a condição elegível de Lula poderia ser temporária já que, em tese, ele poderia voltar a ser julgado com o mesmo conjunto probatório. “Fachin deve ter conseguido um certo acordo, um entendimento entre os outros membros do STF sobre essa como uma saída mais viável. E eu acho que vai ser muito difícil começarem os processos da primeira instância de novo, mas pode ser, podem condenar Lula de novo para que ele não seja candidato”, diz Green.
A morte do combate à corrupção?

AMERICAS SOCIETY – “Ideia de que um único ministro da Suprema Corte possa tomar uma decisão dessa magnitude é esquisito. E contradiz um pouco a história de que as instituições no Brasil se tornaram mais fortes”, avalia Brian Winter
O cenário de atuação política do Judiciário parece apontar para um descrédito na atuação de forças no combate à corrupção no Brasil. Os brasilianistas reconhecem a corrupção como um problema histórico nacional e afirmam ser impossível determinar qual será o futuro do combate aos crimes contra o bem público após os desdobramentos dos últimos anos com a Lava Jato.
Apesar das críticas feitas por Rose-Ackerman no caso Lula, ela afirma esperar que isso não invalide o restante da investigação, que demonstrou ser robusta em apontar desvios na gestão da Petrobras.
“Seria realmente lamentável se isso minasse todos os outros processos em que há uma evidência muito boa e clara de que as pessoas se comportaram de forma corrupta. Essa é a preocupação, de que a derrubada do caso Lula possa, de alguma forma, prejudicar toda a empreitada anticorrupção”, afirmou a professora de Yale.
Para Winter, a decisão de Fachin hoje expõe o quão ferida a causa do combate à corrupção está ao derrubar as mais importantes decisões tomadas na operação. Segundo ele, “os abusos” cometidos por Moro e os procuradores representaram um “grande retrocesso na busca pelo fim da impunidade” não só no Brasil, mas em toda a região da América Latina onde a Lava Jato foi tomada como modelo de investigação e punição de empreiteiras e políticos. Ele, no entanto, afirma que a Lava Jato não pode ser reduzida a seus erros.
“É importante resistir ao desejo de reescrever a história e retratar as revelações da Lava Jato, como nada mais que um sonho febril, uma vasta conspiração inventada pelos procuradores e Sergio Moro com o único objetivo de condenar Lula e desqualificá-lo para a eleição de 2018”, diz Winter.

fonte: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-56331736
Leia também:
Lava Jato e EUA se uniram para saquear a Petrobras
Suspeição de Moro: se Supremo concluir que ex-juiz foi parcial, provas de processos contra Lula podem ser anuladas
Delações de testemunhas que incriminaram o ex-presidente não poderiam ser usadas pela Justiça do DF, para onde Fachin remeteu os casos
Um dia após o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ter suas condenações anuladas pelo ministro Edson Fachin, foi a vez de o Supremo Tribunal Federal colocar mais pimenta na discussão sobre seus julgamentos na Operação Lava Jato. A Segunda Turma da Corte voltou a analisar nesta terça-feira um habeas corpus impetrado pela defesa do petista que pede a suspeição de Sergio Moro, que foi juiz responsável pela sentença em primeira instância contra ele. A chamada suspeição é uma figura jurídica invocada quando há o receio de que a imparcialidade ou neutralidade do juiz esteja comprometida, ou seja, outros interesses, que não a métrica da Justiça, norteiem suas decisões ―logo o réu não teria acesso a um julgamento justo como previsto na Constituição.
Os advogados de Lula afirmam que Moro agiu com “parcialidade” e “motivação política” contra Lula, violando princípios básicos de um devido processo legal. O julgamento foi paralisado a pedido de ministro Kássio Nunes Marques quando o placar estava em dois votos a favor da argumentação de Lula, e dois a favor do ex-juiz. Caso a maioria dos cinco ministros confirmem a tese da defesa, até mesmo as provas colhidas pelo Ministério Público Federal ao longo dos processos seriam anuladas, afirmam juristas ouvidos pelo EL PAÍS. Com isso, uma nova condenação do petista na Justiça do Distrito Federal, para onde na segunda-feira Fachin enviou os processos do ex-presidente, se tornaria inviável. Seguiram para o DF o caso do triplex no Guarujá, pelo qual Lula já cumpriu parte da pena, o sítio de Atibaia, que já tinha condenação em segunda instância, e a compra do terreno do Instituto Lula e doações para a instituição.
Declarar-se suspeito
Em alguns casos, juízes, promotores e desembargadores podem se declarar suspeitos e alegar a suspeição quando o processo no qual atuam envolve um familiar ou amigo, e quando já se manifestaram de forma contrária a alguma das partes fora dos autos. Na teoria, a suspeição tem relação com questões subjetivas ao juiz, e ela não é obrigatória. Outra figura semelhante que pode ser invocada no tribunal é o impedimento: os magistrados são proibidos de julgar casos envolvendo pessoas ou empresas para as quais já tenha trabalhado ou representado.
O habeas corpus analisado nesta terça foi protocolado em novembro de 2018 pela defesa de Lula, e começou a ser julgado em dezembro daquele ano, mas foi suspenso após pedido de vista (mais tempo para análise) feito pelo ministro Gilmar Mendes. À época o ex- presidente já estava preso na superintendência da Polícia Federal em Curitiba, após condenação em segunda instância no caso do triplex do Guarujá.
No documento, os advogados de Lula afirmam que “há no caso prova (…) da suspeição do juiz Sérgio Fernando Moro para atuar e julgar o paciente [Lula], e sua verificação demanda a mera leitura das decisões proferidas pelo magistrado [Moro] e da análise de fatos públicos e notórios”. Dentre os pontos mencionados no HC para justificar a acusação de parcialidade contra Moro estão a condução coercitiva do ex-presidente autorizada por ele em março de 2016 sem que o investigado fosse antes intimado para depor (conforme determina a legislação), a quebra do sigilo telefônico de Lula, seus familiares e advogados, dentre outras. “O conjunto destes acontecimentos evidencia que o magistrado vê o paciente como inimigo e sempre teve interesse pessoal no desfecho do processo”, diz o texto, que faz também referência às reuniões e conversas mantidas entre Moro e a equipe de campanha de Jair Bolsonaro, então rival do candidato petista Fernando Haddad e que posteriormente levaria o ex-juiz para o Ministério da Justiça e Segurança. Os ministros Gilmar Mendes e Ricardo Lewandovski já concordaram com o argumento da defesa.
A tese da suspeição de Moro ganhou ainda mais força após a divulgação de mensagens trocadas entre o então juiz e os procuradores da força-tarefa da Lava Jato, reveladas na série de reportagens da Vaza Jato. Nos diálogos eles discutiam a data de operações e o magistrado dava dicas à equipe do Ministério Público, algo considerado irregular no devido processo legal, tendo em vista a necessidade de que o juiz se mantenha imparcial. Posteriormente mais diálogos vieram à tona com a Operação Spoofing, que prendeu os hackers que acessaram as mensagens das autoridades.
-
-
Fachin abre caminho para salvar parte da Lava Jato e dá fôlego a Lula para sonhar com 2022
-
Lula: “Falta que a gente tenha uma próxima eleição para medirmos força com Bolsonaro”
O muito que falta apurar sobre a Lava Jato
STF começa a desmontar a farsa. Se prosseguir, deixará cada vez mais clara interferência norte-americana para enfraquecer Petrobrás. Sob Temer e Bolsonaro, petróleo e riquezas naturais são entregues, e milhões de empregos perdidos
Publicado 09/03/2021

Por José Álvaro de Lima Cardoso
Segundo estudo realizado pelo DIEESE, a pedido da Central Única dos Trabalhadores, a operação Lava Jato fez o Brasil perder R$ 172,2 bilhões em investimentos e destruiu 4,4 milhões de empregos. Somente a construção civil perdeu 1,1 milhão de postos de trabalho, em consequência da operação deflagrada a partir de março de 2014. Conforme a análise a destruição de empregos foi tão extensa que atingiu até categorias de setores fora das cadeias produtivas mais atingidas (construção e petróleo). O estudo mostra que, por conta da farsa montada com a Lava Jato, R$ 172,2 bilhões deixaram de ser investidos no País, soma equivalente a 40 vezes os R$ 4,3 bilhões que a Lava Jato informa afirma ter recuperado para os cofres públicos.
O levantamento foi realizado em um ano de pesquisas e análises de contratos, documentos oficiais, relatórios e monitoramento de publicações na mídia. Conforme o levantamento, além de afetar diretamente a construção civil, a Lava Jato, que visava atingir a maior empresa do Brasil e da América Latina, levou a uma crise inusitada no setor de petróleo e gás, e a uma queda drástica da taxa de investimentos. Em consequência da queda dos investimentos o setor público deixou de arrecadar R$ 47,4 bilhões em impostos, sendo que R$ 20,3 bilhões em contribuições sobre a folha de salários. A perda em relação à massa salarial chegou a R$ 85,8 bilhões, ou seja, 20 vezes o que os procuradores afirmam ter recuperado com a Operação.
A cada dia que passa, na medida em que as denúncias e análises vão surgindo, vai ficando comprovado (não se trata mais de uma hipótese) que a Lava Jato foi uma operação montada fora do país, com a coordenação decisiva dos EUA, para perpetrar o golpe de 2016. Os diálogos vazados dos agora desmascarados membros da Lava Jato, deixam muito evidente que toda a operação nada tinha a ver com combate à corrupção, mas foi uma tramoia coordenada por um país estrangeiro, visando dar as cartas da política no país e atingir seus objetivos econômicos e políticos.
Muitos observadores não querem dizer o óbvio, por medo (porque se trata dos EUA, o país mais poderoso da Terra), ou senso de autopreservação. Mas o que se sabe é que os Estados Unidos, para continuar na condição de potência, depende crescentemente dos recursos naturais da América Latina e, por esta razão, não quer perder o controle político e econômico da Região.
Somente um processo sofisticado de manipulação da população poderia possibilitar o apoio a uma operação entreguista como a Lava Jato e aceitar com naturalidade o repasse, ao Império do Norte, de petróleo, água, minerais e território para instalação de bases militares. Em 2014 achávamos que o pessoal da operação Lava Jato era apenas um bando de idiotas úteis, deslumbrados com a chance de rastejar perante o poder imperialista. No entanto, com as denúncias que foram surgindo, a partir da Vaza Jato, ficamos sabendo que a coisa foi bastante diferente.
O chefe da operação, por exemplo, Deltan Dallagnol, estava ganhando um bom dinheiro, como palestrante e vendedor de livros, inclusive em reuniões secretas com banqueiros, que ajudaram a financiar o golpe. Deslumbrado pelos acontecimentos, e com as “costas quentes”, Dallagnol foi, possivelmente, o mais imprudente de todos: em algumas conversas vazadas, pela Vaza Jato, comentou ter faturado com palestras e livros R$ 400 mil, somente em alguns meses de 2018.
Os procedimentos ilegais utilizados na operação, prisões arbitrárias, vazamento seletivo de delações de criminosos, desrespeito aos princípios mais elementares da democracia (como a presunção de inocência), e a mobilização da opinião pública contra pessoas delatadas, são técnicas largamente utilizadas pela CIA em golpes e sabotagens mundo afora. Blindados pela mídia, a arrogância e o descaso com a opinião pública eram tão grandes que a turma da Lava Jato fez acordos de colaboração com o Departamento de Justiça dos EUA, com troca de informações de um lado e outro, para uso inclusive, das estruturas jurídicas americanas em processos contra a Petrobrás.
Um dos interesses do capital internacional, essencialmente o norte-americano, obviamente é ampliar o acesso e o controle sobre fontes de recursos naturais estratégicos, em momento de queda da taxa de lucro ao nível internacional (terra, água, petróleo, minérios, e toda a biodiversidade da Amazônia). Mas no golpe houve todo um interesse geopolítico, de alinhar o Brasil às políticas dos EUA, como ocorreu em todos os golpes anteriores.
Os países imperialistas corrompem para ter acesso a direitos e todo tipo de riquezas dos países subdesenvolvidos. Logo após o golpe no Brasil, em 2016, conforme estava previsto no roteiro, o governo Michel Temer tomou várias medidas favoráveis às petroleiras: redução das exigências de conteúdo local, redução de impostos, dispensa de licenças ambientais, concessão de poços de petróleo a preços de banana. A mamata envolveu valores acima de um trilhão de reais (em 20 anos), tirados da mesa dos brasileiros mais pobres (conforme previa a lei de Partilha). Algum incauto, por mais colonizado e tolo que seja, seria capaz de supor que, nessa altura dos acontecimentos, essas benesses concedidas às petroleiras foram concedidas pela simples admiração aos costumes requintados dos países imperialistas?
Uma informação que circulou em 2016, após o golpe, com origem no Wikileaks, foi a de que Michel Temer era informante do governo americano. É claro que as informações que ele passava para a embaixada americana eram remetidas para órgãos estratégicos do governo dos Estados Unidos. O detalhe é que Temer era vice-presidente da República e seu partido era o segundo mais importante na coalização de governo. Temer fazia críticas pesadas ao governo na ocasião, afirmando que o governo gastava muito com programas sociais. Temer, que atualmente é uma espécie de conselheiro informal de Bolsonaro, negou as denúncias, claro. Mas o Wikileaks divulgou telegramas trocados entre Temer e a embaixada, além de outros indícios.
A farsa da Operação Lava Jato faz água por todos os lados. Na segunda-feira, 08 de março, o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, anulou todas as condenações do ex presidente Lula, do ex-juiz Sérgio Moro e da juíza Gabriela Hardt no âmbito da Operação Lava Jato. A defesa de Lula publicou uma nota na qual afirma que a decisão de Fachin está em sintonia com o que os advogados de Lula sustentam há cinco anos na condução dos processos. No entanto, a nota dos advogados lembra também que a decisão, tomada após a situação ficar insustentável para a Lava Jato, não tem a capacidade de consertar “os danos irremediáveis causados pelo ex-juiz Sergio Moro e pelos procuradores da ‘lava jato’ ao ex-presidente Lula, ao Sistema de Justiça e ao Estado Democrático de Direito”.
Além dos danos irreparáveis contra o Estado Democrático de Direitos, quem pagará os dados contra a economia nacional? A essa altura não pode haver dúvidas que Bolsonaro na presidência é resultado do golpe de 2016 (como já sabíamos). O golpe no Brasil reuniu STF, partidos conservadores, grandes empresas, forças armadas, grande mídia, todos coordenados pelo império norte-americano. Mesmo que a democracia fosse reparada (isso não irá acontecer, porque o problema não é só a injustiça contra Lula, mas a redução dos espaços democráticos), quem irá pagar pelos milhões de empregos perdidos; pelas centenas de direitos trabalhistas que foram implodidos; pelo desmonte da Previdência Social; pela destruição do mercado consumidor interno; pela entrega de ativos da Petrobrás a preços de banana; pelo processo de desmanche da indústria; pelo rápido aumento da miséria e da fome; pelas milhares de pessoas mortas pela covid-19, desnecessariamente; pela destruição do serviço público que estão providenciando à galope; pela destruição do Programa de Energia Nuclear do Brasil?
Gostou do texto? Contribua para manter e ampliar nosso jornalismo de profundidade: OUTROSQUINHENTOS
Cúmplice dos crimes de Moro, Globo condena Lula no tribunal da própria Globo
Grupo de mídia diz que Lula é culpado, mesmo depois dos votos que desmoralizaram o ex-juiz acusador

247 – O grupo Globo, que apoiou o golpe contra a ex-presidente Dilma Rousseff e a prisão política do ex-presidente Lula, para favorecer interesses das petroleiras internacionais e mudar a política da Petrobrás, transferindo recursos dos brasileiros para os acionistas privados da companhia, decidiu condenar Lula em seu próprio tribunal midiático, em editorial publicado nesta quarta-feira.
“Lula teve (e deve ter) direito aos recursos que a generosa legislação brasileira oferece aos réus. Até pode sair ileso e candidatar-se em 2022. Mas a nódoa do maior esquema de corrupção já desmascarado no país continuará a manchar sua biografia”, diz o texto intitulado “Suspeição de Moro não torna Lula inocente”.
Ora, se Moro é suspeito e perseguiu Lula, obviamente o processo é nulo. E, ao contrário do defende O Globo, todo cidadão é inocente até prova em contrário. Na julgamento de ontem, o que os ministros deixaram claro foi a cumplicidade da própria Globo com os crimes cometidos pelo ex-juiz.