Presidente foi à Bahia entregar título de terra a agricultores; entre eles, um ex-membro do MST que se tornou seu aliado
Igor Carvalho – Brasil de Fato | São Paulo (SP) | 02 de Fevereiro de 2022 às 07:08
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Depois de um ano de “guerra-fria” e troca de acusações com o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) no sul da Bahia, uma comitiva de Jair Bolsonaro (PL) ancorou no município baiano de Teixeira de Freitas, em 28 de setembro de 2021, onde o presidente entregou o título de domínio (TD) de propriedades rurais para pequenos agricultores da região.
Um dos beneficiados pelo documento fundiário foi Liva do Rosa do Prado, ex-militante do MST que se tornou aliado de Bolsonaro depois de ser acusado pelo movimento de tentar cooptar as famílias que vivem na área, prometendo facilidades para acessar o título das terras onde estão acampadas.
Durante o evento, sem maiores cerimônias, o secretário de Assuntos Fundiários do Ministério da Agricultura, o pecuarista Luiz Antônio Nabhan Garcia, revelou porque os integrantes do Planalto se deslocaram até o sul da Bahia para aquela ocasião:
“Nós estivemos aqui há mais de um ano e vimos uma cena lamentável, senhor presidente da República. Aqui, uma organização criminosa chamada MST, apoiada por um governo irresponsável, do PT, que tem uma quadrilha de violentos e vândalos que estão apoiando destruir casas, ameaças e agressão, como foi o caso da dona Vanuza”, diz Garcia ao microfone.
A mulher citada é a agricultora Vanuza Santos de Souza, ex-assentada do MST, que acusa militantes do movimento de a terem agredido e expulsado de um lote, no acampamento Fábio Henrique, em Prado, no sul da Bahia, em abril de 2020. Na época, ela gravou um vídeo que foi divulgado por Bolsonaro.
Vanuza também é acusada pelo MST de tentar cooptar famílias assentadas, mesma prática que teria sido adotada por Liva, segundo o movimento.
Esta é a primeira reportagem de uma série sobre o tema que o Brasil de Fato publica com exclusividade nesta quarta-feira (2). Para ler as outras reportagens, clique nos links abaixo.
Reportagem 2: Nabhan Garcia e Incra fortaleceram “soldado bolsonarista” que aterrorizou famílias do MST na BA
Reportagem 3: Conheça o grupo político apoiado por Bolsonaro para atuar contra o MST na Bahia
Políticos presentes
Além de Nabhan Garcia, estiveram no palco, ao lado de Bolsonaro, o ministro Onix Lorenzoni, que chefia o Ministério do Trabalho e Previdência Social; e o senador Fernando Collor de Mello (PROS), um dos pilares do bolsonarismo no Congresso Nacional.
Nos bastidores, a cúpula do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), liderada pelo presidente do órgão, Geraldo Melo Filho, preparava-se para apresentar a Bolsonaro os frutos de uma ofensiva contra o MST da região.
Embora sem repercussão nacional na imprensa, o evento foi prestigiado por integrantes do primeiro escalão do governo federal.
“O senhor [Bolsonaro] postou em suas redes sociais, um vídeo, que foi encaminhado por um assentado do assentamento Rosa do Prado, que hoje está aqui, o Liva. Eu queria agradecer a ele e a tudo que aconteceu na sequência, porque quem colocou dúvida nesse governo e sua capacidade de realizar, hoje está vendo que apostou errado”, celebrou Melo, presidente do Incra.
Recompensa pelos “serviços prestados”
Nos bastidores do evento, a formalização da posse da área foi tratada como uma gratificação ao ex-militante do MST, que se aliou a um grupo bolsonarista na região e passou a coordenar uma ofensiva violenta contra o movimento e seus integrantes desde 2020.
O Incra informou que “Elivaldo Costa foi citado como presidente de uma associação de beneficiários da reforma agrária, que apoiou e acompanhou o trabalho desenvolvido em campo. Ele foi contemplado com o título definitivo do seu lote no assentamento Reunidas Rosa do Prado, porque atendeu a todos os requisitos do Programa Nacional de Reforma Agrária (PNRA) para emissão do documento.”
Falsas promessas de regularização das terras
As histórias de Vanuza Santos de Souza e Liva se encontram em um episódio recente.
A produtora rural e Valmir da Conceição Oliveira, conhecido como Nil, deixaram o acampamento Fábio Henrique em 13 de abril de 2021.
Ambos são acusados pelo movimento de tentar cooptar as famílias que vivem na área, prometendo facilidade para acessar o título de domínio das terras onde estão acampados.
“O MST, assim como outros espaços, tem suas normas e princípios. Desde que não cumpridos, as pessoas são retiradas do convívio das famílias”, explica Eliane Oliveira, dirigente estadual do MST no sul da Bahia, que nega que tenha havido violência no episódio.
Ainda de acordo com militantes do MST, Nil e Vanuza alegavam que Liva estaria próximo do Incra e de Bolsonaro. Por isso, havia a garantia, para os que abandonassem o movimento, de que teriam a posse de suas terras. Segundo os relatos, o trio ameaçava invadir as casas dos acampados e expulsá-los, caso não desertassem do movimento.
Um dos militantes do MST, que vive acampado no Fábio Henrique, um feirante que pediu para não ser identificado, que chamaremos de Arnaldo, explica o método adotado por Nil e Vanuza.
“Eles prometem uma titulação que vai ser falsa, porque essa terra está em processo de negociação com a Fibria. Então, essa proposta que eles fazem não é verdade. Eles ficam o tempo todo dizendo para os assentados que se forem para o lado deles, eles vão conseguir o documento da terra”, explica o sem-terra.
Acampamento Fábio Henrique
No acampamento Fábio Henrique, vivem 173 famílias, que ocupam a área desde 23 de junho de 2007.
O terreno faz parte de uma área de 30 mil hectares de terras, no sul da Bahia, que foram entregues ao Plano Nacional da Reforma Agrária (PNRA) pelas empresas Fibria S.A., Suzano Celulose e Papel e Veracel, após negociações com o governo da Bahia, que começaram em 2009 e foram concluídas em 2015, quando foi implementado o projeto dos assentamentos Jaci Rocha e Antônio Araújo, ambos em Prado.
O governo federal comprou os terrenos das empresas, que se comprometeram a não buscar a Justiça, exigindo reintegração de posse, em áreas ocupadas pelo MST no sul da Bahia.
As áreas que já foram reconhecidas como assentamento pelo Incra podem fazer a partilha dos lotes, e os assentados devem requerer a entrada na Relação dos Beneficiários (RB) do Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA), para que recebam o Contrato de Concessão de Uso (CCU), o Título de Domínio (TD) ou a Concessão de Direito Real de Uso (CDRU).
No entanto, nas áreas que ainda não foram reconhecidas como assentamento, ou seja, que ainda são acampamentos, os moradores não podem receber nenhum documento que os reconheça como proprietários das terras. Dessa forma, as promessas feitas por Liva, Vanuza e Nil não se sustentam.
Ataque ao acampamento
Em 31 de outubro de 2021, o acampamento Fábio Henrique foi alvo de um ataque. Homens armados entraram na área social do acampamento atirando e fizeram reféns. Na fuga, atearam fogo em dois ônibus que são utilizados para o transporte de moradores da área e para levar crianças às escolas da região.
Uma parte dos homens que atacaram o acampamento não utilizou máscaras. Por isso, algumas das vítimas identificaram duas pessoas bem conhecidas dos militantes do MST no sul da Bahia: Liva e Nil.
“Os encapuzados, é difícil de reconhecer. Mas tinham muitos sem máscara, tinha o Nil, tinha o Liva, tinha o Adriano [Filho, ex-militante do MST], tinha o Edílson [de Jesus do Vale, ex-militante do MST] e vários outros que eram assentados aqui na área. Eles falam o tempo todo que, quem não for para o grupo deles, perde o lote”, diz Arnaldo.
Benedito Souza, o Bené, estava no Fábio Henrique para compartilhar seu conhecimento sobre o plantio de milho com os acampados. No dia 31 de outubro, chegava para uma reunião na área social do acampamento. Quando passou pela porteira, foi seguido por um Fiat Uno e se tornou um alvo fácil para os disparos do bando.
“Tinham pessoas que não estavam com máscara. Foi o caso do rapaz que me atirou. Quando ele desceu do carro pequeno e veio para linha de tiro, deu pra ver, era o Liva, que a gente acredita que foi o mandante, até pelas coisas que vem falando nos grupos de WahtsApp”, afirmou Bené, que não foi atingido, mas teve a moto perfurada por dois disparos.
Em entrevista ao Brasil de Fato, Liva negou a participação no crime. “Não, em hipótese alguma. Um cara vai fazer um ataque, vai um monte de pessoas encapuzadas, o único que deveria estar de capuz [por ser conhecido na região], não estava de capuz e gritando ‘mata todo mundo’?”, pergunta o bolsonarista, que acusa o MST de ter simulado o atentado ao próprio acampamento.
Marca de disparos durante ataque contra acampamento Fábio Henrique / MST / Bahia
O Brasil de Fato teve acesso a um áudio enviado por Liva em um grupo de militantes e ex-militantes do movimento. Na gravação, o ex-assentado se gaba dos ataques e minimiza o fato de ter sido identificado pelos acampados.
“Desde domingo, vocês falando que eles tiraram foto, postou foto no grupo, dizendo que eu ia sair preso, que iam me levar, ia dar flagrante. Tô em casa, tô aqui em casa. Não devo nada a filha da p*** nenhum de vocês, tá? Tô em casa, de boa”, disse Liva.
Na sequência, mais ameaças. “Os trabuco já estão armado, tudo no jeito e afiado. Tô com medo dessa chuva, aí tem que colocar um plastiquinho em cima de cada um, para não molhar a espoleta, os trabuco tá tudo armado. É só vir pela mata que o bambu geme, cambada de filha da p***. Se a Vanuza tivesse colocado trabuco lá, mais Nil, vocês tinham se lascado, tinham se f*****, se ferrado, tinha se lascado. Mas não colocou, aí acontece o quê? Uma hora da manhã, desligou a luz, pegou a mulher. Tem que se f****, rapaz.”
Liva confirmou a autoria do áudio, mas ponderou que “estava sendo provocado”. Sobre as armas, contemporizou: “Essa história de ‘trabuco’, eu já falei pra polícia várias vezes, não tem trabuco”. No entanto, na sequência, o bolsonarista admitiu que já armou emboscada contra o movimento.
Outro lado
O Brasil de Fato procurou a Secretaria de Assuntos Fundiários, via Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Até o fechamento da matéria, a pasta não havia enviado respostas para os questionamentos da reportagem. Caso o faça, o texto será atualizado.
Após contato por telefone e e-mail com a reportagem, a Secretaria de Segurança Pública da Bahia não se manifestou.
Edição: Leandro Melito e Rodrigo Durão Coelho
fonte: https://www.brasildefato.com.br/2022/02/02/exclusivo-como-bolsonaro-usou-o-governo-para-apoiar-grupo-que-abriu-guerra-contra-o-mst-na-ba
Nabhan Garcia e Incra fortaleceram “soldado bolsonarista” que aterrorizou famílias do MST na BA
Homens armados, ameaças, animais torturados e roubo de produção agrícola estão entre as acusações contra Liva
Igor CarvalhoBrasil de Fato | São Paulo (SP) | 02 de Fevereiro de 2022 às 07:11
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A atuação de Jair Bolsonaro contra o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) no sul da Bahia contou com a presença do secretário de Assuntos Fundiários do Ministério da Agricultura, Nabhan Garcia, e do presidente do Instituto de Colonização e Reforma Agrária (Incra), Geraldo Melo Filho.
Além da equipe federal, Bolsonaro conta com um “soldado” local para executar seu plano na região. Trata-se de Elivaldo da Silva Costa, conhecido como Liva, ex-militante do MST que se tornou aliado de Bolsonaro.
Liva utilizou no acampamento Fábio Henrique o método de aterrorizar e cooptar moradores do MST, o mesmo método já testado por ele em outras duas áreas: os assentamentos Jaci Rocha e Rosa do Prado, ambos no município de Prado, no sul do estado.
Este último, o Rosa do Prado, é onde vive atualmente o ex-assentado do MST, recém-convertido bolsonarista e agraciado com o títuto de domínio (TD) de sua terra, entregue pelas mãos do próprio presidente da República, em cerimônia realizada em setembro de 2021, na Bahia.
Esta é a segunda reportagem de uma série que o Brasil de Fato publica com exclusividade nesta quarta-feira (2). Para ler as outras reportagens da série, clique nos links abaixo:
Reportagem 1: Exclusivo: como Bolsonaro usou o governo para apoiar grupo que abriu guerra contra o MST na BA
Reportagem 3: Conheça o grupo político apoiado por Bolsonaro para atuar contra o MST na Bahia
No assentamento Rosa do Prado, Liva e Nabhan Garcia (centro da roda) conversam, diante dos moradores do assentamento / Instagram / Liva
Nabhan e Incra
Em outubro de 2019, Liva se proclamou presidente da Associação dos Pequenos Produtores Rurais do assentamento Rosa do Prado, destituindo do cargo sua presidenta legítima, Joceli Rocha dos Santos. A entidade responde formalmente pelo assentamento.
Quase um ano depois, em setembro de 2020, Nabhan Garcia realizou visita oficial ao local, representando a Secretaria de Assuntos Fundiários do Ministério da Agricultura, o que acabou por respaldar a suposta liderança de Liva.
Além do pecuarista, esteve presente na mesma ocasião o presidente do Incra, Geraldo Melo Filho, e o diretor da Câmara de Conciliação Agrária do Incra, João Pedro Ribeiro Sampaio de Arruda Câmara.
Ao chegar ao Rosa do Prado para falar com os assentados, a comitiva do governo federal procurou Liva e ignorou Joceli Rocha dos Santos, que disputa, com ele, a presidência da associação.
Diante dos moradores, Garcia discursou: “Estamos aqui para trabalhar dentro da lei e da ordem, no sentido de proporcionar a segurança que todos merecem. Mas não podemos permitir que os domínios do Estado brasileiro sejam suplantados com a ingerência de quem quer que seja, quando, de fato, a administração do local é de responsabilidade do Incra. Afinal, a gestão dos assentamentos da reforma agrária é única do governo federal e exclusiva da instituição Incra”.
Na frente de Garcia e Melo, Liva celebrou o encontro: “É tudo que a gente esperava, que o Incra pudesse estar aqui fazendo este trabalho e agora está acontecendo o que a gente espera há muito tempo”.
Destituição da presidenta
Joceli Rocha dos Santos era a presidenta da Associação dos Pequenos Produtores Rurais do assentamento Rosa do Prado.
Juridicamente, é ela quem poderia responder pela área ocupada pelo MST. No entanto, em 18 de outubro de 2019, Liva convocou uma assembleia extraordinária para deliberação de destituição da diretoria e nova eleição.
Em 27 de outubro de 2019, nove dias depois, a assembleia ocorreu, sem o quórum mínimo exigido e sem a presença da direção.
Na ocasião, Liva se autoproclamou o presidente da Associação dos Pequenos Produtores Rurais. Desde então, a área está sob duplo comando, provocando um racha dentro do assentamento.
Liva afirma que a transição foi legal, que 93% do assentamento apoia sua gestão à frente do grupo e que também pode ser destituído, caso não agrade.
Joceli Rocha solicitou à Justiça que reconheça a anulação da assembleia. Na ação, a presidenta da associação anexou oito boletins de ocorrência (BOs) registrados na Delegacia Territorial de Alcobaça, da Polícia Civil, em que assentados relatam ameaças e casos de violência cometidos por Liva e seus comparsas.
Em um dos boletins, com data de 9 de janeiro de 2020, Joceli Rocha afirma que Liva e “seus companheiros” estiveram em seu lote e a ameaçaram, dando um prazo de dois dias para se retirar da presidência da associação e entregar todos os bens da entidade, como maquinários e tratores.
Assentamento sob terror
Relatos de animais torturados, roubo de produção agrícola, homens armados e ameaças são comuns nos boletins. De acordo com os diversos registros, o bando, liderado por Liva, abordava os assentados exigindo que abandonassem o MST e apoiassem a nova direção da Associação dos Pequenos Produtores Rurais da Rosa do Prado.
Em um dos casos, um produtor rural do assentamento conta que Liva e o grupo estiveram em seu lote e o ameaçaram. Diante da negativa em abandonar o movimento, passaram a torturar um de seus porcos e cortaram uma de suas orelhas, com o animal ainda vivo.
Versão de Liva
Liva afirma que as denúncias teriam sido orquestradas pelo MST para prejudicá-lo. “Não há uma única queixa contra mim de pessoas que não sejam do movimento, é uma forma de tentar me atingir”, argumenta.
O bolsonarista afirmou que seu grupo também registrou “inúmeros boletins” contra o MST.A reportagem solicitou a Liva que enviasse os registros com as denúncias para que fossem publicados. Até o fechamento da matéria, nenhum boletim de ocorrência havia sido enviado ao Brasil de Fato.
Liva (de costas, com camisa azul) recebe o superintende do Incra na Bahia, Paulo Emmanuel Macedo de Almeida Alves (de terno) / Divulgação / Incra
Acesso privilegiado
Em entrevista ao Brasil de Fato, Liva negou que tenha acesso privilegiado ao governo federal, ao Ministério da Agricultura, ao Incra ou a Nabham Garcia. “Fui procurado como representante da associação”, argumenta.
Eliane Oliveira, dirigente estadual do MST no sul da Bahia, conta que, desde “meados de 2020”, o Incra e a Secretaria de Assuntos Fundiários do Ministério da Agricultura têm dialogado apenas com o grupo dissidente, mostrando aos assentados e acampados que privilegiará os sem-terra que romperem com o MST.
“Nabhan é quem representa o governo. Ele vindo na região, a partir de tudo que Liva já vinha colocando para os assentados e para toda a região, só fez legitimar a posição de Liva. O objetivo é enfraquecer o MST e desarticular suas lideranças”, avalia.
Assentados saem em caminhada pelo Jacy Rocha para celebrar a permanência na área e saída da Força Nacional do sul da Bahia / Foto: A Voz do Movimento
Força Nacional
A visita de Nabhan Garcia ocorreu uma semana após o governo federal enviar a Força Nacional para o sul da Bahia, sob argumento de que a corporação seria necessária para garantir a segurança das equipes do Incra, durante visita técnica aos assentamentos do MST na região.
O envio da tropa para o território baiano é resultado de um imbróglio que teve início na manhã de 27 de agosto de 2020, quando duas viaturas da Polícia Militar do Estado da Bahia (PM-BA), escoltando um terceiro veículo branco, se aproximaram da entrada do assentamento Jaci Rocha, do MST, em Prado.
A 100 metros da porteira, os militares foram barrados por assentados que vivem na área e forçados a explicar o objetivo da operação.
“A gente tem um representante do Incra aqui. Libera aqui a passagem. Se afastem. Quando ele estiver subindo, fala com vocês”, pede um dos militares, como mostra um vídeo gravado por membros do movimento.
Quando os assentados solicitaram que os policiais apresentassem um documento que explicasse a operação, ou que o servidor do Incra descesse do veículo para se apresentar, a comitiva recuou e abandonou a área, desistindo de entrar no Jaci Rocha.
Em nota, o Incra informou que o servidor era o superintendente regional do instituto na Bahia, Paulo Emmanuel Macedo de Almeida Alves. “Ele apresentou-se na chegada ao assentamento Jaci Rocha e portava o crachá funcional de identificação”.
Segundo o movimento, o representante do governo federal não desceu do carro em nenhum momento.
Fogo no assentamento
Na noite anterior, dia 26 de agosto de 2020, o casal Aparecida da Silva Souza dos Santos e José Carlos Bispo dos Santos, que foi expulso do assentamento Jaci Rocha no dia 31 de julho de 2020, teria, de acordo com o MST, retornado à área com outras 13 pessoas. Entre eles, estaria Liva. O grupo ateou fogo em suas antigas casas para criminalizar o movimento.
O Brasil de Fato teve acesso à ata da reunião que resultou na exclusão de Santos e Aparecida da área. Os motivos apontados para a expulsão são: não residir com sua família no assentamento, após a conclusão das moradias; ausentar-se por mais de 30 dias do assentamento, sem autorização ou motivo justificado; porte de arma de fogo no assentamento; e não comparecimento de três dias consecutivos e seis dias alternados ao trabalho coletivo.
As razões que não constam na relação da ata, mas que se tornaram preponderantes para a decisão, de acordo com integrantes da direção do movimento, são o envolvimento do casal com o tráfico de drogas no sul da Bahia e o roubo de gado dos produtores rurais da área.
O incêndio nas casas dentro do Jaci Rocha e a operação da Polícia Militar barrada por militantes do MST foi suficiente para que, em 2 de setembro, o governo federal, após intervenção do então ministro da Justiça e Segurança Pública, André Mendonça, confirmasse o envio da Força Nacional aos municípios de Prado e Mucuri.
Ação desproporcional da Força Nacional
A decisão surpreendeu o governo da Bahia, que considerou a presença da tropa um excesso, já que o episódio era uma contenda local, que não levava risco à vida dos baianos que vivem no sul do estado.
Em 6 de setembro, Liva procurou a imprensa local para defender o governo federal pela decisão apontada como precipitada por especialistas.
“Conseguimos trazer a Força Nacional para atuar em dois assentamentos aqui, no Prado (Rosa do Prado e Jaci Rocha) e em quatro assentamentos em Mucuri”, afirmou Liva.
Contato de Brasília
Na entrevista, o ex-militante do MST admitiu ser o contato de Brasília na região e ter trabalhado pela presença da tropa nas áreas do movimento.
“Estamos protestando desde o ano passado, e, de lá para cá, as coisas melhoraram, conseguimos avançar. Estamos em contato com o Ministério da Agricultura, com o presidente do Incra Nacional e algumas forças, inclusive com apoio da imprensa, que vem esclarecendo a verdade”, explicou Liva.
O governo da Bahia foi ao Supremo Tribunal Federal pedir que a presença das tropas no local fosse suspensa. Duas semanas depois, em 18 de setembro, o ministro Edson Fachin determinou a retirada da Força Nacional do local.
Outro lado
O Brasil de Fato procurou a Secretaria de Assuntos Fundiários, via Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Até o fechamento da matéria, a pasta não havia enviado respostas para os questionamentos da reportagem. Caso o faça, o texto será atualizado.
Após contato por telefone e email com a reportagem, a Secretaria de Segurança Pública da Bahia não se manifestou.
Edição: Leandro Melito e Rodrigo Durão Coelho
fonte: https://www.brasildefato.com.br/2022/02/02/nabhan-garcia-e-incra-fortaleceram-soldado-bolsonarista-que-aterrorizou-familias-do-mst-na-ba