Brasil registra 2,5 mil novos mortos por covid
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O Brasil registrou nesta quinta-feira (10) mais 2.504 mortos por covid-19 em um período 24 horas – entre as 16h de ontem e as 16h de hoje. Com o acréscimo, o país chega à triste marca de 482.019 vítimas do novo coronavírus desde o início da pandemia, em março do ano passado.
A informação é do boletim diário do Conselho Nacional dos Secretários de Saúde (Conass). O período também foi marcado por um número elevado de contaminações notificadas pelos estados, que somaram 88.092 novos casos. O histórico do surto de covid no Brasil acumula 17.210.969 brasileiros infectados pelo Sars-CoV-2.
Enquanto a pandemia volta a dar sinais de crescimento, após dois meses de relativa “estabilidade”, mas sempre em patamares elevados de casos e óbitos, o presidente Jair Bolsonaro segue agindo contra o combate ao vírus.
Também nesta quinta, contrariando as indicações da ciência, Bolsonaro anunciou que deu ordem para que o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, suspenda a obrigatoriedade do uso de máscaras por quem já tiver sido vacinado ou contaminado.
“Queiroga vai ultimar parecer visando desobrigar uso de máscara de quem estiver vacinado ou já tenha sido contaminado”, disse, durante um evento do setor do turismo.
O Brasil é o segundo país com o maior número de mortos por covid-19 no mundo. Mesmo assim, a postura de Bolsonaro foi, desde o início do surto, de ignorar a ciência, promover aglomerações, tentar impedir medidas de isolamento social e de proteção pessoal, sabotar a aquisição de vacinas e esconder mentirosamente a gravidade da covid-19.
A decisão de Bolsonaro contraria recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS). Primeiramente, “ignora” que pessoas que já foram infectadas pela covid-19 podem ser reinfectadas. Já sobre as vacinadas, “esquece” que os imunizantes não impedem a transmissão do vírus. Além disso, o Brasil tem baixo índice de vacinação, são pouco mais de 10% os vacinados com duas doses. Ou seja, ainda é grande a vulnerabilidade da população brasileira ao coronavírus.
A biomédica e neurocientista Mellanie Fontes-Dutra, coordenadora da Rede Análise Covid-19, demonstrou espanto com a postura do presidente.
“Temos uma lei federal sancionada para o uso de máscaras. Sério, não há possibilidade de isso ser cogitado nesse momento. Nós não somos os EUA, que estão vacinando em massa e com um cenário bem diferente do nosso. Nós não somos Israel ou outros países europeus que já estão em outro cenário da pandemia”, disse.
Ela fez referência a dois países que já vacinaram mais de 50% da população, e apenas os vacinados não precisam usar mais máscaras.
Ao contrário do que prega Bolsonaro, o caminho é inverso. O fim do uso de máscaras em um cenário de descontrole da pandemia com tendência de crescimento de casos e mortes, como é o caso atual, pode até mesmo desencadear mutações virais.
Isso significa risco sanitário para todo o mundo, já que o Brasil pode intensificar sua posição de “celeiro” de novas cepas e variantes – mais agressivas e mais transmissíveis – do vírus Sars-Cov-2.
“Certamente temos um caminho até lá (superar a crise), e para que a gente o trilhe da forma mais segura e estratégica possível, precisamos que, além da vacinação, medidas como uso de máscaras e distanciamento físico sejam adotadas por todos”, reforça a Rede Análise Covid-19, em comunicado expresso horas antes do anúncio negacionista de Bolsonaro.
O líder da Oposição na Câmara dos Deputados, Alessandro Molon (PSB-RJ), lembra que a obrigatoriedade do uso de máscara é uma recomendação das autoridades sanitárias. E que foi transformada em obrigação por lei aprovada pelo Congresso.
“É inacreditável que, mesmo com o país tendo mais de 2 mil mortes de covid-19 na véspera, o presidente continue se dedicando a boicotar as medidas de enfrentamento à pandemia do coronavírus”, criticou Molon.
“Usaremos todos os recursos cabíveis, no Legislativo e no Judiciário, para impedir mais este absurdo. O uso de máscara salva vidas, e boicotar isto é trabalhar pela morte do nosso povo.”
O uso de máscaras e o mito do “indivíduo saúdável”
Não perca tempo com a nova provocação pueril de Bozo. Mas um artigo instigante sugere refletir sobre como o neoliberalismo nos levou a crer que podemos estar bem, em meio a uma sociedade adoecida. E mais: CPI quebra sigilos perigosos…
Publicado 11/06/2021 às 07:45 – Atualizado 11/06/2021 às 09:46
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QUANTO PIOR, MELHOR
Se há limites para uma atuação pró-vírus, Jair Bolsonaro os desconhece. “Acabei de conversar com um tal de Queiroga, não sei se vocês sabem quem é. Nosso ministro da Saúde. Ele vai ultimar um parecer visando a desobrigar o uso de máscara por parte daqueles que estejam vacinados ou que já foram contaminados para tirar este símbolo… Que obviamente tem a sua utilidade, para quem está infectado”, anunciou ele ontem, durante um evento no Planalto sobre medidas para o setor do turismo. Choveram aplausos.
Tampouco parece haver limites para a subserviência de Marcelo Queiroga, um médico, ao presidente. O ministro, que na CPI não conseguiu convencer ninguém de que tem autonomia no comando da pasta, correu mais uma vez para tentar emendar o que não tem remédio. Foi ambíguo, como tantas vezes tem sido. Na saída do ministério, declarou que para abolir as máscaras é preciso “vacinar a população brasileira”. Mas à noite, tanto no seu perfil pessoal como no do Ministério da Saúde, foi postado um vídeo em que ele afirma ter recebido de Bolsonaro uma “solicitação para fazer um estudo acerca do uso de máscaras”… Ele diz também que o presidente está muito satisfeito com o ritmo da vacinação e, a cereja do bolo, que “Bolsonaro está sempre preocupado em [fazer] pesquisas em relação à covid”.
Em entrevista à CNN, Queiroga ainda sugeriu que não há nada errado em Bolsonaro jogar no seu colo um “ultimato” (e não um “estudo”): “O presidente não me pressiona. Eu sou ministro dele e trabalhamos em absoluta sintonia. É assim que funcionam as democracias”. Quando assumiu há menos três meses, ele pediu que os brasileiros formassem uma “pátria de máscaras”.
EFEITO PRÁTICO
A obrigatoriedade do uso de máscara em locais públicos no Brasil está prevista em lei federal. Mesmo que viesse realmente a ser editado, nenhum parecer do Ministério da Saúde mudaria isso. Mas o efeito prático das propostas de Bolsonaro nunca depende do quanto elas sejam factíveis – como é de seu costume, o presidente atua na produção de ruído.
Os senadores da oposiçãorepudiaram a declaração do presidente. Infectologistas apareceram nos jornais, em choque, explicando por que a ideia é absurda. Mas a confusão está armada, num cenário em que comunicar a necessidade de manter as medidas preventivas após a vacinação já era um grande desafio.
FOCO ERRADO
Já falamos bastante sobre o relaxamento do uso de máscaras aqui, quando discutimos a autorização dos Estados Unidos nesse sentido. No mês passado, as autoridades do país liberaram pessoas vacinadas do uso dessa proteção em quase todos os ambientes. Mas com base em indicadores bem distintos dos nossos: a circulação do vírus já tinha baixado muito e boa parte da população adulta tinha sido imunizada. Além disso, nem se discutiu orientar quem já se infectou a andar sem máscara também, porque existem casos de reinfecção.
O que gostaríamos de acrescentar é uma importante reflexão trabalhada na reportagem de Ed Yong, no site The Atlantic. Ela trata de como o individualismo atrapalha a resposta à pandemia em vários níveis, e, entre outras coisas, critica que o principal órgão de saúde pública dos EUA tenha emitido diretrizes baseadas nisso. “Enquadrar a saúde de uma pessoa como uma questão de escolha pessoal é fundamentalmente contra a própria noção de saúde pública”, diz Aparna Nair, historiadora e antropóloga da saúde pública da Universidade de Oklahoma.
Segundo a matéria, “a mudança sinalizou para as pessoas com o recém-descoberto privilégio de imunidade que elas estavam livres do problema coletivo da pandemia”, e “também deu a entender para aqueles que ainda estavam vulneráveis que seus desafios agora são apenas deles e, pior ainda, que o risco persistente era de alguma forma culpa deles”. Nada disso é verdade. Diretrizes desse tipo não focam na equidade, mas em privilégio – e deixam os desprivilegiados ainda mais vulneráveis.
Mas o texto vai além da discussão sobre as máscaras, e mesmo sobre a pandemia especificamente, e discorre sobre como as relações entre saúde e condições sociais foram sendo deixadas de lado ao longo do último século. Hoje muitos cientistas têm os determinantes sociais da saúde em foco, mas essa ainda não é a visão predominante. “Os epidemiologistas começaram a ver a saúde em grande parte em termos de características e exposições pessoais. Eles se concentraram em encontrar ‘fatores de risco’ que tornassem os indivíduos mais vulneráveis às doenças, como se as causas da doença ocorressem puramente além dos limites da pele de uma pessoa”.
Encontrar esses fatores não é em si um erro, mas qualquer abordagem se torna capenga quando ignora outras questões e quando as orientações para a população ter saúde – como comer bem e fazer exercícios, para ficar em dois exemplos clássicos – são todas pessoais: “A distribuição de fatores de risco individuais – a disseminação de germes, a disponibilidade de alimentos nutritivos, a exposição de alguém a carcinógenos – é sempre profundamente moldada por forças culturais e históricas e por desigualdades de raça e classe”. Vale a leitura.
AÍ SIM
Ontem, a CPI da Covid deu um passo concreto em direção ao esclarecimento da atuação do governo Bolsonaro na pandemia. Com chiadeira dos senadores da base aliada, o colegiado aprovou a quebra de sigilo telefônico e telemático de 19 pessoas. A devassa de mensagens trocadas e ligações realizadas e recebidas, dentre outros dados, atingirá um elenco variado de personagens que colaboraram oficial ou extraoficialmente para o caos sanitário brasileiro.
No cordão daqueles que podem ser responsabilidades administrativamente estão os ex-ministros Eduardo Pazuello (Saúde) e Ernesto Araújo (Relações Exteriores), assim como ex-integrantes do Ministério da Saúde – coronel da reserva Élcio Franco – e gente que dá ordens lá até hoje, caso de Mayra Pinheiro (Gestão do Trabalho e da Educação), Hélio Angotti (Ciência, Tecnologia e Insumos), Arnaldo Medeiros (Vigilância em Saúde) e Francieli Fontana (Programa Nacional de Imunizações).
Já na lista do povo sem cargo mas com poder de influência despontam o médico Paolo Zanotto, que defendeu a criação de um “gabinete das sombras” em reunião com a participação de Jair Bolsonaro, e o bilionário Carlos Wizard que circulou por semanas nos corredores do Ministério da Saúde com tanta moral que chegou a anunciar à imprensa que mandara cancelar a compra de ventiladores pulmonares. Mais tarde, ele se uniu ao folclórico Luciano Hang para fazer lobby pela vacinação privada e, hoje, foge da CPI: os senadores não conseguem contatar o empresário convocado a depor. A situação pode ficar animada a ponte de Omar Aziz (PSD-AM) determinar uma condução coercitiva para levá-lo ao Senado, segundo o Estadão.
O médico cloroquiner Luciano Dias Azevedo, apontado pela colega Nise Yamaguchi como o autor da famosa minuta de decreto para ampliar o uso da hidroxicloroquina, não ficou de fora. Nem o bolsonarista da vez, Alexandre Figueiredo Costa Silva Marques, autor de outra iniciativa “paralela” num contexto político em que o adjetivo abunda. O auditor do Tribunal de Contas da União é o autor do relatório com a tese de que há supernotificação de mortes por covid-19 no Brasil.
Destacamos ainda um alvo que representa a confluência entre o gabinete paralelo e o gabinete do ódio: o assessor internacional da Presidência da República, Filipe Martins, também terá seu sigilo quebrado.
Os senadores do G7 acreditam que os requerimentos, que preveem a quebra dos sigilos de abril do ano passado até o presente momento, poderão dar acesso às provas mais robustas da investigação contra Bolsonaro. “Teve cloroquina a torto e a direito. A troco do que, ninguém sabe. E agora o presidente disse que vai recomendar ao Queiroga fazer um decreto para quem já foi vacinado ou teve covid não usar máscara. É brincadeira”, criticou Aziz.
Como era de se esperar, a votação dos requerimentos foi tumultuada. O mais atuante dos titulares governistas, Marcos Rogério (DEM-RO), afirmou que “perde o Brasil” com o que chamou de medidas extremas e indevidas. O vice-presidente da comissão, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), rebateu que o “Brasil perdeu 480 mil vidas”.
SEGUINDO O DINHEIRO
A CPI também começou a desfiar o novelo de quem ganhou com a atuação exaustiva de Jair Bolsonaro em prol da cloroquina. Ontem, Randolfe Rodrigues apresentou ao colegiado requerimentos para a quebra de sigilos das farmacêuticas Apsen e EMS. Serão votados na semana que vem. Na quarta-feira, a CPI já havia aprovado a convocação do presidente da Apsen, Renato Spallicci – bolsonarista ilustre. Rodrigues quer aprovar agora a oitiva dos executivos da EMS. O CEO da empresa, Carlos Sanchez, já foi recebido por Bolsonaro para reuniões no Palácio do Planalto e participou recentemente de jantar com empresários realizado em São Paulo no qual o presidente foi ovacionado.
Esse front ficou mais agitado essa semana por conta do vazamento de um telegrama secreto do Ministério das Relações Exteriores, que trata da transcrição de um telefonema de Jair Bolsonaro para o primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, em abril do ano passado. Na conversa, o presidente atua em favor das duas empresas para acelerar a exportação de insumos utilizados na fabricação de hidroxicloroquina por aqui.
Em tempo: ontem os senadores também aprovaram a quebra do sigilo bancário e fiscal de empresas de publicidade que viraram foco após depoimento do ex-secretário de Comunicação, Fabio Wajngarten, entre elas a PPR e a Calya/Y2.
OS PRÓXIMOS CAPÍTULOS
Mas nem só de péssimas notícias vivem os governistas na CPI: também há as ruins. Isso porque parte importante da estratégia de desviar o foco de Bolsonaro et caterva para os governadores dá sinais de que pode ir por água abaixo. Ontem, com o habeas corpus concedido pela ministra Rosa Weber debaixo do braço, o governador do Amazonas, Wilson Lima (PSC), não deu as caras na CPI.
O presidente da comissão, Omar Aziz, afirmou que vai a Advocacia do Senado vai recorrer da decisão.
Cabe a Rosa examinar a ação apresentada por 19 governadores pedindo para o STF proibir a CPI de convocá-los a depor. “O entendimento usado no caso de Wilson Lima pode servir de precedente para livrar os outros gestores estaduais da obrigação de comparecer à CPI”, escreve a DW.
Na agenda da comissão, estão previstos os depoimentos dos governadores Helder Barbalho (PA), dia 29/6; Wellington Dias (PI), 30/6; Ibaneis Rocha (DF), 1/7; Mauro Carlesse (TO), 2/7; Carlos Moisés (SC), 6/7; Antônio Garcia (RR), 7/7; e Waldez Góes (AP), 8/7.
Sempre alinhado ao Planalto, o procurador-geral da República, Augusto Aras, enviou ao STF ontem um parecer em que se manifesta de forma favorável à convocação de governadores pela CPI.
HOJE
A CPI ouve hoje a microbiologista Natália Pasternak e o médico sanitarista Cláudio Maierovitch.
COPA LIBERADA
Os ministros do Supremo Tribunal Federal formaram maioria para liberar a realização da Copa América no país. Votaram nesse sentido Carmen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Marco Aurélio Mello, Edson Fachin, Gilmar Mendes e Dias Toffoli. Fora do polo jurídico, a resistência à realização do torneio parece superar – e muito – o apoio a ele. Uma pesquisa do PoderData realizada entre os dias 7 e 9 de junho indica que 55% dos brasileiros são contra e 35% são a favor. Isso parece estar sendo levado em conta pelas empresas patrocinadoras. Ontem foi a vez da Diageo se unir a Mastercard e Ambev e retirar o patrocínio do evento que começa domingo.
TAMBÉM SE PROTEGEM
Um estudo israelense, publicado ontem na Nature Medicine, traz mais evidências de que a vacinação de adultos também protege crianças. Feito quando Israel vacinava apenas maiores de 16 anos, ele mostrou que, para cada aumento de 20 pontos percentuais na proporção de jovens de 16 a 50 anos que foram vacinados em uma comunidade, a proporção de menores de 16 anos não vacinados com teste positivo para o vírus caiu pela metade.
A reportagem no site da Nature comenta que outros países com grande parte de sua população adulta vacinada têm observado, na prática, reduções na contaminação dos mais novos. Nos Estados Unidos, por exemplo, os casos em crianças e adolescentes caíram 84% entre janeiro e maio.
ANTONIO IVO
O médico Antonio Ivo de Carvalho, criador e coordenador do Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz, e ex-diretor da Escola Nacional de Saúde Pública da mesma instituição, faleceu ontem. Entidades e pesquisadores prestaram homenagem e compartilharam suas memórias do sanitarista. Por aqui, nós desejamos força para a família, amigos e parceiros de caminhada profissional de Antonio Ivo.
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Bolsonaro quer desobrigar uso de máscara por vacinados; para especialistas, é uma temeridade
Ele disse ter pedido ‘parecer’ ao ministro da Saúde, que confirmou ‘estudo’. Especialistas dizem que máscara é imprescindível neste momento crítico da pandemia e condenaram a proposta.
Por Pedro Henrique Gomes, Patricia Figueiredo e Laís Modelli, G1 — Brasília e São Paulo
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O presidente Jair Bolsonaro afirmou nesta quinta-feira (10) que pediu ao ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, um “parecer” para desobrigar o uso de máscaras por quem estiver vacinado contra a Covid ou por quem já tiver contraído a doença.
O ministro informou ter recebido do presidente o pedido de um estudo sobre as máscaras, mas especialistas ouvidos pelo G1 consideram a medida uma temeridade neste momento crítico da pandemia de Covid no Brasil (leia mais abaixo).
Bolsonaro deu a declaração no Palácio do Planalto, ao discursar durante solenidade de lançamento de programas do Ministério do Turismo. O presidente usou máscara antes e depois do evento — ele só retirou a proteção para discursar.
“Acabei de conversar com um tal de Queiroga — não sei se vocês sabem quem é —, nosso ministro da Saúde. Ele vai ultimar um parecer visando a desobrigar o uso de máscara por parte daqueles que estejam vacinados ou que já foram contaminados. Para tirar esse símbolo, que obviamente tem a sua utilidade para quem está infectado”, declarou.
Depois de participar do evento no Planalto, Bolsonaro fez uma transmissão ao vivo em uma rede social e voltou a falar no assunto.
Durante a transmissão, disse que não impôs ‘nada’ ao ministro da Saúde, mas que pediu o estudo sobre as pessoas poderem transitar sem máscara.
“Eu falei com o Queiroga agora. Não impus nada a ele. Se bem que também tenho que dar minhas piruadas aí, no bom sentido. ‘É possível a Saúde apresentar um estudo aí da desobrigatoriedade da máscara para quem já foi vacinado ou para quem já foi contaminado e curado, poxa?’. Ele falou: ‘É possível, é possível’. Vamos fazer isso. Vamos ficar reféns de máscara até quando? Está servindo para multar gente, pessoal. Está servindo para multar. Eu fui ameaçado agora de multa em São Paulo”, declarou.
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De acordo com dados do consórcio de veículos de imprensa, 11,06% da população receberam a segunda dose de vacina até esta quarta-feira (9) — 24,48% receberam somente a primeira dose. No total, até esta quarta, o Brasil tinha quase 480 mil mortos por Covid, segundo o consórcio, e 17,1 milhões já tinham contraído a doença.
Em outras ocasiões, Bolsonaro já demonstrou não ter apreço pelas máscaras como forma de proteção contra a Covid.
Em fevereiro, ele usou uma enquete alemã distorcida para criticar o uso de máscaras. Em agosto do ano passado, contrariando a opinião da maioria dos cientistas e especialistas, ele disse a apoiadores que a eficácia de máscara é “quase nenhuma”. Um mês antes, havia vetado parte de uma lei que estabelecia o uso de máscaras em locais públicos — vetou a obrigação no comércio, em escolas, igrejas e templos.
No discurso no Planalto, Bolsonaro também repetiu a pregação que costuma fazer contra o isolamento social. Disse que provoca depressão, fome, violência doméstica e elimina empregos.
“A quarentena é para quem está infectado, não é para todo mundo. Isso destrói empregos, mata de outra forma o cidadão, mata de fome, de depressão, aumenta violência em casa, abuso contra criança.”
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Queiroga sobre máscara: ‘Presidente me pediu que fizesse um estudo para avaliar situação’
Ministro confirma ‘estudo’
À noite, em vídeo gravado pela assessoria do Ministério da Saúde, o ministro Marcelo Queiroga disse ter recebido um pedido de Bolsonaro para fazer um estudo sobre as máscaras (vídeo acima).
“Recebi do presidente Bolsonaro hoje uma solicitação para fazer um estudo acerca do uso das máscaras”, afirmou Queiroga, que vem defendendo o uso da proteção. Ele reiterou essa afirmação em depoimento à CPI da Covid (vídeo abaixo).
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Segundo o ministro, Bolsonaro “acompanha o cenário internacional” e “vê que em outros países onde a campanha de vacinação já avançou, as pessoas já estão flexibilizando” o uso das máscaras.
“Então, vamos atender essa demanda do presidente Bolsonaro, que está sempre preocupado com pesquisas em relação à Covid”, declarou.
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‘As vacinas não fazem milagre quando a transmissão na comunidade está muito alta’, afirma Margareth Dalcomo
Especialistas contestam
Para especialistas ouvidos pelo G1 a proposta do presidente é uma temeridade. Eles defendem que, mesmo após vacinadas, as pessoas precisam usar máscara e evitar aglomerações.
“A vacina tem boa eficácia em evitar que a sua doença acabe se agravando e você precise até de hospitalização, mas ela não tem tão boa eficácia em evitar que você se contamine”, explicou a médica infectologista Luana Araújo em vídeo gravado para o G1.
“Então, enquanto a gente não tem uma boa parte de população plenamente vacinada, é preciso sim usar máscara, evitar aglomerações e preferir ambientes naturalmente ventilados”, disse.
O médico Drauzio Varella afirmou que mesmo os vacinados podem transmitir o novo coronavírus para outras pessoas.
“Você entra em contato com o vírus. O vírus fica nas suas fossas nasais, não vai ficar doente, mas vai poder levar o vírus para dentro de casa para as pessoas que você mais ama. Então, a vacina é uma grande utilidade”, declarou no último dia 12 de maio em podcast do programa Fantástico.
“Ela [a vacina] vai nos livrar do coronavírus, mas não é porque estou vacinado ou porque você está vacinado que você fala: ‘Agora liberou geral”. Infelizmente, não. A gente tem que continuar agindo com responsabilidade”, disse.
Munir Ayub, membro do Comitê de Imunização da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) e professor de Infectologia da Faculdade de Medicina do ABC, afirmou que “não existe essa possibilidade” de se prescindir do uso da máscara no atual estágio da pandemia.
“Não tem nenhum sentido. É uma orientação apenas política porque não tem nenhuma justificativa médica para isso. Mesmo a pessoa que já teve ou que já foi vacinada não está livre de se reinfectar. Enquanto estiver circulando o vírus neste nível alto, não existe essa possibilidade. Neste momento é temerário”, disse .
Para Renato Grinbaum, infectologista da Sociedade Brasileira de Infectologia, o anúncio de Bolsonaro é “completamente fora do aceitável”.
“Não existe nenhuma lógica para suspender uso de máscaras. A vacina previne bem as formas graves, mas não é uma ferramenta tão poderosa para evitar infecções leves e transmissão. No momento em que se discute aumento de casos em algumas regiões e a possibilidade de terceira onda, este tipo de proposta é completamente fora do aceitável.”
Segundo Mellanie Fontes-Dutra, coordenadora da Rede Análise Covid-19, “não há possibilidade de isso ser cogitado neste momento”.
“Nós não somos os EUA que estão vacinando em larga escala e com um cenário bem diferente do nosso. Nós não somos Israel ou outros países europeus que já estão em outro cenário da pandemia”, afirmou.
“Temos uma lei federal sancionada para o uso de máscaras”, disse, em referência à lei nº 14.019.
O vice-presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia, Alberto Chebabo, afirma que não é possível comparar a situação do Brasil com a dos Estados Unidos.
“Não há a menor justificativa para isso na situação atual do Brasil. Na comparação com os Estados Unidos, são situações epidemiológicas completamente distintas. Aqui temos baixa cobertura vacinal, alta taxa de infecção e circulação viral. Além disso, estamos no inverno, quando as infecções respiratórias aumentam. Exatamente o contrário dos EUA”, disse o infectologista.
Estados Unidos
Em 27 de abril, quando a agência reguladora de saúde dos Estados Unidos decidiu dispensar o uso de máscaras em algumas circunstâncias para pessoas plenamente vacinadas, mais da metade da população adulta do país (cerca de 140 milhões de pessoas) já tinha sido vacinada com pelo menos uma dose.
Naquela data, o painel Our World in Data apontava que os EUA tinham 43% da população total vacinada (conta feita sobre o total de habitantes) com uma dose e 29% totalmente vacinadas (duas doses ou vacina de dose única).
No Brasil, até esta quarta-feira (9), a primeira dose tinha sido aplicada em 51,8 milhões de pessoas, o que equivale a um quarto da população (24,8%). Receberam a segunda dose 23,4 milhões de pessoas (11,06% da população).
A decisão dos EUA dizia respeito exclusivamente a pessoas vacinadas e não a pessoas que já tiveram Covid-19. As máscaras continuaram obrigatórias, por exemplo, em hospitais e no transporte público.
A medida foi apontada como uma estratégia para incentivar a vacinação. E foi tomada também quando o país constatava uma queda de 16% nos novos casos na semana anterior, dado que foi apontado como a maior queda semanal desde fevereiro.
Quando anunciou a decisão, a diretora do Centro de Controle de Doenças dos Estados Unidos, Rochelle Walensky, fez um alerta: quem não se vacinou continua sob risco de sintomas graves e de morrer, além de espalhar Covid para outras pessoas.