Crime contra o Brasil. “Autonomia” do Banco Central é para dar mais poder aos banqueiros


 


A exploração das riquezas do país segue o caminho das finanças e dos bancos, são trilhões de reais que estão por trás da autonomia do Banco Central

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Autonomia do Banco Central é um crime contra o país | Foto: Reprodução

 

Assim que foi eleito presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL) correu para o Palácio do Planalto para pedir ao golpista Bolsonaro a lista de suas prioridades legislativas. Não foi só um ato simbólico de subordinação ou de vínculo. A lista foi entregue e contém 35 projetos, 20 em tramitação na Câmara dos Deputados e 15 em tramitação no Senado Federal. O primeiro da lista, não à toa, é a autonomia do Banco Central (veja mais a baixo a lista completa).

Nesta semana começa a votação do PLP 19/2019, de autoria do jornalista e Senador Plínio Valério (PSDB/AM), que estabelece a autonomia do Banco Central e mandato para o seu presidente e seus diretores. Esse projeto foi aprovado em novembro do ano passado no Senado Federal, em meio à pandemia e sem observar a tramitação regimental. Não foram realizadas audiências públicas nem houve como a sociedade se manifestar. Parecia uma operação na surdina, que contou com a colaboração da imprensa burguesa e a omissão do Ministério Público e do Supremo. Bem ao estilo proposto pelo ex-senador Romero Jucá (MDB-RR): “com o Supremo e com tudo”.

Esse ponto é um elemento chave do conjunto de produtos que o atual governo prometeu entregar aos banqueiros em troca de apoio. Um apoio que garante não só grande parte da imprensa burguesa e dos tribunais superiores, como financia a maioria das bancadas parlamentares e envolve praticamente todos os partidos políticos.

Tornar o Banco Central uma entidade fora da jurisdição política do Estado, não subordinada ao Executivo, nem ao Legislativo e com imunidade perante o Judiciário, é uma situação que foge a toda e qualquer compreensão do papel político que joga um Banco Central em uma economia nacional. Além de controlar a taxa de juros e o câmbio, estabelecer a moeda e garantir os sistemas bancário e financeiro, as decisões do Banco Central afetam de modo direto os investimentos do Estado e de particulares, o nível de emprego e a taxa de inflação.

Nas últimas décadas, todos os governos ou foram cúmplices ou foram capturados por ideias que retiram da política econômica seu caráter eminentemente político e lhe tratam como se fosse um conjunto de aforismos tão somente técnicos e desprovidos de interesses de classe. Ao se tratar a economia como uma questão técnica, cria-se da ideia de que as decisões que beneficiam os banqueiros, os donos de empresas e as financeiras, são decisões justas e as únicas possíveis que acabam por interessar também aos trabalhadores e a toda a sociedade, pois no final, todos se beneficiarão dessas decisões, porque não havia outras a tomar. É assim que a imprensa burguesa trata as decisões governamentais na área econômica, especialmente quando são anunciadas por “órgãos técnicos”.

Podem até cometer crimes

Os professores Ernani Torres e Norberto Martins, em artigo publicado pelo Le Monde Diplomatique, em 26/4/19, comentaram que o tratamento puramente técnico é também a forma de isentar os dirigentes do Banco Central de responsabilização penal por seus erros e atos lesivos ao interesse público, uma das metas procuradas à exaustão pelos governos golpistas de Temer e Bolsonaro. “Há vinte anos, em janeiro de 1999, o BCB decidiu alterar o regime cambial e causou um choque importante na taxa de câmbio. Este choque teria levado os bancos Marka e FonteCindam à falência, em função das elevadas posições especulativas que haviam assumido em operações com derivativos. Entretanto, o BCB optou naquela oportunidade por salvar os dois bancos – e em alguma medida seus dirigentes e proprietários – sob a justificativa de que estaria assim evitando uma crise sistêmica.” Lembram que houve uma CPI para examinar o caso e que a conclusão foi de que houve crime, mas a demora no julgamento acabou terminando como terminam quase todos os crimes cometidos pelo PSDB, o caso prescreveu.

Agora, o que os banqueiros e os dirigentes do Banco Central querem é que não seja possível sequer discutir no Judiciário se os atos cometidos pelo Banco Central são ou não criminosos caso gerem dano à economia nacional. Com a proposta de autonomia do Banco Central que o governo tem tentado ver aprovada pelo Congresso Nacional, “Se a direção do BCB decidisse autonomamente tornar a moeda nacional plenamente conversível ou se recusar a usar as reservas internacionais do país para atender uma escassez de dólares nos mercados de câmbio, não haveria nada que os poderes Executivo, Legislativo ou Judiciário pudessem fazer para impedir? Não há nenhuma previsão na legislação americana que garanta esse tipo de imunidade aos dirigentes do principal banco central do mundo. Seriam os nossos banqueiros centrais uma espécie de semideuses, técnicos iluminados, acima do bem e do mal?” alertam os professores da UFRJ Ernani Torres e Norberto Martins.

O PLP 19/2019 é inconstitucional, pois se trata de matéria de iniciativa do presidente da República e não de parlamentar, assim como define a Constituição. Mas ela foi aprovada no Senado, com o voto também de parte importante da oposição, e se for questionada somente por essa questão na Câmara, o PLP 112/2019, este sim enviado pelo Executivo, estaria pronto para substituí-lo na Pauta da Câmara dos Deputados.

Quem já manda são os banqueiros

A promiscuidade entre o Banco Central e os bancos é uma prática corriqueira e recorrente. O que as legislações recentes procuram fazer é retirar qualquer barreira a essa relação. “Com o Banco Central sendo ocupado por pessoas do mercado financeiro – que saem dos bancos e vão ocupar cargos no BC, depois saem do BC e voltam para os bancos – o BC não exerce sua função de agência reguladora, pelo contrário, ele trabalha orientado pelos bancos. No fundo, quem manda no BC são os bancos do Brasil, é um mercado. E então eles querem mandar ainda mais e querem tentar interferir ainda mais nesses preços todos, como taxa de juros e de câmbio”, explica Paulo Feldmann, professor Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da USP. E mais, se o controle do Banco Central ficar sob responsabilidade de agentes financeiros, as taxas de juros também terão sua regulação feita por eles. Isso pode implicar no aumento dos valores cobrados, a fim de potencializar o lucro dos bancos, e também pode afetar na inflação – que por sua vez, pode interferir no clássico trade-off entre medidas inflacionárias e geradoras de emprego. “A grande preocupação dos bancos é a inflação, no mundo inteiro, e para eles é melhor que a inflação seja zero. Mas, para o País, eventualmente pode ser necessária uma certa inflação. Por exemplo, às vezes, para você combater o desemprego, você tem que gerar uma certa inflação. É natural isso em qualquer país do mundo, mas aqui, se o Banco Central fosse independente, isso não seria possível. O governo perderia essa possibilidade de estabelecer uma política econômica de geração de empregos, que tivesse algum caráter um pouco inflacionário”, conta o professor Feldmann.(Jornal da USP, 23/5/19)

Por conta do total controle sem fiscalização do Banco Central pelos banqueiros e agentes financeiros nacionais e internacionais, até a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, por meio de sua Comissão Brasileira Justiça e Paz publicou uma nota em 9/3/20 condenando a aprovação a autonomia do Banco Central. Junto com a Auditoria Cidadã da Dívida, várias entidades sindicais e movimentos sociais tentaram adiar a votação para depois da pandemia, para que a sociedade pudesse participar dos debates, mas não foram ouvidos.

O Banco Central já conta, pelo menos desde o governo FHC. De considerável autonomia e poder. O Legislativo tem se mostrado frágil em acompanhar e fiscalizar e seus dirigentes têm pautado o Executivo na mesma ladainha técnica. ”Na prática, qual é a situação do Brasil? Já temos, na verdade, autonomia real do BC em relação ao governo. Mas temos, por outro lado, dependência igualmente real do BC em relação ao sistema financeiro. Essa dependência é assegurada por omissões da legislação e, mais importante, por uma prática enraizada que garante a captura do regulados (o BC) pelos regulados (as instituições financeiras). Essa captura se dá por meio da subordinação do comando do BC – incluindo não só a diretoria como também os principais cargos de chefia do corpo técnico – às doutrinas, preconceitos e interesses do sistema financeiro. Estabeleceu-se um sistema em que as nomeações para a diretoria do BC ficam condicionadas, na prática, ao consentimento do mercado, que chega até a vetar, implícita ou explicitamente, nomes que possam contrariar suas orientações básicas. O que prevalece é a porta giratória entre o BC e as instituições, um jogo de cartas marcadas em que executivos transitam de um lado para o outro do balcão, passando do mercado para o BC e do BC para o mercado” como explica o economista Paulo Nogueira Batista Jr, ex-vice presidente do Novo Banco de Desenvolvimento dos BRICS. (Carta Capital, 14/12/20)

No contexto da aprovação da autonomia do Banco Central há uma série de outras questões vinculadas e por isso que ganha importância retirar a direção do Banco Central da fiscalização do Legislativo e da possível punição pelo Judiciário. No ano passado, mal começava a pandemia, uma das primeiras iniciativas do governo golpista foi transferir aos bancos mais de 1 trilhão de reais, com a justificativa de aumentar a liquidez dos bancos para que emprestassem aos pequenos e médios empresários. Lorota. Precisou de mais para que isso começasse. Garantias, mais dinheiro, compra de títulos podres etc. Os bancos querem mais. Querem que todos os depósitos que fazem no Banco Central sejam remunerados. Quase 24% do PIB corresponde a transferências recebidas pelos bancos conforme denuncia a Auditoria Cidadã da Dívida, um esquema que já custou ao Tesouro Nacional, em 10 anos, quase 3 trilhões de reais. “Isso é algo que não tem paralelo em nenhum outro país. Considerando que não existe amparo legal para essa remuneração injustificada aos bancos, que denominamos ‘Bolsa-Banqueiro’, o Banco Central tem entregado títulos da dívida pública aos bancos como justificativa para o pagamento de juros. Enquanto os bancos estão de posse desses títulos públicos, eles recebem remuneração diária”, alerta Maria Lucia Fattorelli, coordenadora da Auditoria Cidadã da Dívida. (Brasil de Fato, 8/2/21)

O que vemos com essas ações políticas da burguesia é um processo continuado de saque das riquezas nacionais em todas as frentes possíveis. É a garantia de permanência do saque que justifica golpes, como o de 2016, e a permanência dos golpistas no poder, mesmo que os “civilizados” banqueiros e seus prepostos tenham vergonha do governo que colocaram no poder e que mantêm.

A lista das leis que o governo golpista exige do Congresso Nacional são em sua maioria uma “lista de compras” do grande capital nacional e internacional para preservar o processo de exploração brutal da classe trabalhadora e a inviabilização de qualquer outra alternativa. Não há limites para a fome de lucros e de riquezas da burguesia.

Lista de Projetos Prioritários do Governo (CNN, 3/2/21)

Câmara dos Deputados

PLP 19/2019 – Autonomia do Banco Central

PL 4476/2020 – Lei do Gás (Marco regulatório do gás)

PL 3877/2020 – Depósitos voluntários (autoriza o acolhimento de depósitos voluntários de instituições financeiras pelo Banco Centra)

PL 6726/2016 – Teto Remuneratório (define quais pagamentos serão submetidos ao teto do funcionalismo)

PL 3515/2015 – Superendividamento (lei para aperfeiçoar a disciplina do crédito ao consumidor e dispor sobre a prevenção e o tratamento do superendividamento)

PEC 45/2019 – Reforma Tributária

PL 2646/20 – Debêntures (cria um novo instrumento financeiro, chamado de debêntures de infraestrutura, para financiar projetos nas áreas de infraestrutura)

PL 5877/2019 – Privatização da Eletrobrás

PL 5387/2019 – Marco legal do mercado de câmbio

PL 191/2020 – Mineração em terras indígenas

PL 6438/2019 – Posse de armas de fogo

PL 6125/2019 – Excludente de ilicitude

PL 3780/2020 – Aumento de pena para abuso sexual em menores

PL 6093/2019 – Documento único de transporte

PL 1776/2015 – Inclui pedofilia como crime hediondo

PL 2401/2019 – Ensino doméstico

PEC 32/2020 – Reforma Administrativa

PL 3729/2004 – Licenciamento Ambiental

PL 5518/2020 – Concessões Florestais

PL 2633/2020 – Regularização Fundiária

Senado Federal

PL 4.199/2020 – Cabotagem (BR do Mar)

PLP 146/2019 – Marco legal das startups

PL 7.843/2017 – Eficiência Administrativa

PL 5191/2020 – Cria o Fundo de Investimento Agrícola (Fiagro)

PLS 261/2018 – Ferrovias

PL 3178/2019 – Modifica a partilha de petróleo e gás

PLS 232/16 – Modernização do setor elétrico

PEC 186/20195 – PEC Emergencial

PEC 187/2019 – PEC dos Fundos

PEC 188/2019 – Pacto Federativo

PLP 137 – Uso de recursos de fundos para gastos da pandemia

PL 3723/2019 – Ampliação da posse de armas

PLS 216/2017 – Revisão da lei de drogas

PLC 119/2015 – Altera o estatuto do índio em relação ao infanticídio

PLC 8/2013 – Cobrança de pedágio (autoriza a implantação de sistema de livre passagem com identificação eletrônica em pedágios nas rodovias brasileiras, com cobrança proporcional ao trecho efetivamente percorrido pelo motorista)

fonte: https://www.causaoperaria.org.br/autonomia-do-banco-central-e-para-dar-mais-poder-aos-banqueiros/


“É absurdo tornar o Banco Central um ente autônomo”, diz Dilma

Em entrevista à TV 247, a presidente deposta pelo golpe de 2016, Dilma Rousseff, afirmou ser “um absurdo” o projeto que prevê a autonomia do Banco Central e defendeu mais atuação do Estado na retomada do crescimento

Dilma Rousseff e o Banco Central
Dilma Rousseff e o Banco Central (Foto: Roberto Stuckert Filho/PR | ABr)

247 – A presidente deposta pelo golpe de 2016, Dilma Rousseff, criticou, em entrevista à TV 247 nesta quarta-feira (10), o projeto que está em análise pelo Congresso Nacional e que prevê a autonomia do Banco Central (BC).

“Questões relativas ao engessamento da capacidade do Estado de reagir à crise têm de ser imediatamente desconstruídas. Um exemplo é esse absurdo de tornar o Banco Central um ente autônomo”, disse Dilma.

O plenário da Câmara dos Deputados começou a discutir o projeto nesta terça-feira (9), mas após um acordo entre a base e a oposição, o debate foi adiado para esta quarta. A proposta foi aprovada pelo Senado em novembro do ano passado e confere mandato de quatro anos para o presidente e diretores da autarquia federal. 

“Enquanto estão revendo certas barreiras, certos engessamentos do Estado, mesmo nas políticas neoliberais, aqui no Brasil estamos na fase primitiva do neoliberalismo”, acrescentou. Ela defendeu ainda mais atuação do Estado na retomada do crescimento.

fonte: https://www.brasil247.com/poder/e-absurdo-tornar-o-banco-central-um-ente-autonomo-diz-dilma


 

Independência do BC é o abre alas da avalanche neoliberal que sustenta o capitão cloroquina

“A estratégia do tsunami liberalizante é bárbara, porque aproveita o hiato da pandemia e da crise sanitária, mostra as garras do mercado que pouco se importa com a barbárie e o sofrimento da maioria que precisaria apenas ser contida”, escreve o professor do IFF Roberto Moraes sobre a autonomia do Banco Central

(Foto: Reuters | Ab2l)

Desde o apoio aberto e sem discrição do setor financeiro, aos candidatos do Bolsonaro nas eleições das casas legislativas, entre o final do ano passado e início deste 2021, ficou mais claro como a turma dos bancos e fundos financeiros, da Faria Lima e adjacências, planejou 2021 e 2022.

Além de tentar manter o “capitão cloroquina” no poder até lá, a ideia é soltar em massa uma avalanche de decisões de interesse do capital, o mais rapidamente possível, até porque o prazo de validade pode ser antecipado com as instabilidades que estão a caminho.

A ideia de liberar um tsunami de medidas privatizantes, desregulatórias, antissociais e mais retiradas de direitos socais, no olhar desta turma, precisa vir como avalanche, numa hecatombe mercadista. Pode não passar tudo, mas ao vir com pressão total, eles imaginam que conseguem desmontar as instituições estatais e da sociedade para entregar ao controle do deus mercado.

A avalanche da hecatombe de direita e da barbárie coloca todos os temas em evidência ao mesmo tempo. Isso não é acaso e sim estratégia da Faria Lima que guia o tosco e seus não-generais do Partido Militar.

O abre-alas desta avalanche é a independência do Banco Central, mas junto vem, todo o banco do brasil, ou pelo menos a sua parte mais importante, a gestora de fundos financeiros BBDTVM, as várias subsidiárias da Petrobras, Eletrobras, Correios, Serpro, etc. que o STF autorizou a entrega na Bacia das Almas, etc. Insisto o tsunami de iniciativas não é casual é estratégia.

Olhando o todo é possível decifrar as “estratégias” da avalanche neoliberalizante de direita, o “processo” que desdenha os riscos da luta social, demonstre das instituições e da luta de todos contra todos e deixam expostos quem são os “agentes” desse movimento do capital. Através do Partido Militar e boa parte do judiciário e toda a mídia corporativa, esses agentes desmontaram a nação e assumiram o país como se fosse seu quintal, imaginando um “projeto de longo prazo”.

A estratégia do tsunami liberalizante é bárbara, porque aproveita o hiato da pandemia e da crise sanitária, mostra as garras do mercado que pouco se importa com a barbárie e o sofrimento da maioria que precisaria apenas ser contida.

A Faria Lima se sente segura com a força das armas do Partido Militar, tal como no período Pinochet do Chile, porém de outro lado, essa turma também expõe, tal fratura exposta, a fragilidade de quem precisa vencer o tempo e o espaço da resistência de sobrevivência da maioria que vai recuperar a nação brasileira.

Dois anos pode ser pouco, mas também pode ser muito porque o tempo sempre será uma importante variável, mas com valor relativo e nunca absoluto. Mas, desconfio que os homens das finanças e do mercado da Faria Lima, correm e empurram as ondas da avalanche, porque sabem que não terão dois anos. A conferir!

fonte: https://www.brasil247.com/blog/independencia-do-bc-e-o-abre-alas-da-avalanche-neoliberal-que-sustenta-o-capitao-cloroquina

 


Reformas do governo Bolsonaro não recuperam economia e retiram direitos, diz estudo

Sem uma reorientação do Estado, economia deve patinar em 2021; economista fala sobre possíveis caminhos para a retomada

Glauco Faria Rede Brasil Atual 
ministério da economia
Economistas concordam que Brasil precisa reformar legislações referentes a diversos setores da economia. O problema é o tipo de proposta que o governo traz – José Cruz/Agência Brasil

“Em face da crise brasileira e sua resiliência, somente o Estado é capaz de levar adiante um conjunto de políticas anticíclicas que não apenas atuem sobre o nível de atividade econômica, senão que proteja os mais vulneráveis da dinâmica recessiva.” Esta é uma das conclusões do documento A economia brasileira na berlinda da crise da Covid-19: balanço e perspectivas para 2021publicado nesta semana pelo Instituto para Reforma das Relações entre Estado e Empresa (IREE).

Elaborada pelos economistas Juliane Furno, Daniel Fogo, Lígia Toneto e Matias Rebello Cardomingo, a análise, mesmo sem a totalidade dos dados anuais referentes à economia brasileira, faz um balanço do cenário de 2020 e traz perspectivas para este ano. Que não são boas, caso o governo cumpra aquilo que tem estabelecido como agenda na área.

A pandemia chegou ao Brasil em um período no qual o país ainda se encontrava em uma situação de semiestagnação econômica, com uma recuperação lenta e insuficiente da crise de 2015-1016. A lógica da austeridade fiscal que norteou as políticas públicas no últimos anos não só foi incapaz de promover o crescimento e o equilíbrio fiscal, como aprofundou ainda mais as desigualdades sociais.

Agora, a aposta do governo Bolsonaro é nas chamadas reformas, que contam com apoio expressivo de parte da mídia tradicional. Um cronograma da votação já estaria acertado para a votação das principais propostas de interesse da equipe econômica, segundo declarou na quinta-feira (4) o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL). “O governo está com tudo programado, já tem a receita de como combater os efeitos da pandemia. Mas estamos absolutamente sintonizados com o Ministério da Fazenda, com o governo federal, com a pauta das reformas”, disse.

“As reformas, que se tornaram um mantra, sozinhas têm muito pouca eficácia. Esse discurso que apela para a aprovação das reformas estruturais, dissociado de um plano de retomada do crescimento econômico que passe sobretudo pela política fiscal, é um passo para o fracasso. Inclusive empiricamente já pudemos comprovar como foram outras reformas, como a previdenciária, a trabalhista e a Lei do Teto de Gastos, que encarnaram por um certo tempo essa possibilidade de recolocar o Brasil no trilho do crescimento econômico e se mostraram fracassadas”, avalia a mestre e doutora em desenvolvimento econômico na Unicamp, também economista-chefe do IREE Juliane Furno à RBA.

E não é que o Brasil não precise reformar legislações referentes a diversos setores da economia. O problema é o tipo de proposta que o governo traz. “Obviamente a reforma tributária teria um componente mais propositivo, com uma ligação mais direta com a questão do crescimento econômico, mas não a reforma que está na Câmara e no Senado. Ao mesmo tempo em que ela tem que cumprir com aqueles requisitos de simplificação e unificação de tributos, acabar com litígios na Justiça e burocracia no recolhimento tributário, ela não vai garantir eficiência de fato e crescimento econômico se não for também redistributiva”, pontua Juliane.

Neste aspecto, uma reestruturação tributária que atacasse o caráter regressivo do sistema brasileiro, que tributa mais o consumo do que a renda e o patrimônio, poderia ser um estímulo para a economia. “Precisamos agora que as pessoas consumam, o consumo é um elemento importante do PIB. Se a renda das pessoas puder aumentar, se parte do que elas gastam em tributo indireto e mesmo direto, pela correção da alíquota do IR, ficar no bolso do trabalhador, abre-se a possibilidade para que ele consuma mais e isso pode dinamizar a economia. Além de cumprir com requisitos importantes para a justiça social, que é reformar a regressividade do sistema tributário.”

A questão do emprego no Brasil

O documento elaborado pelo IREE ressalta ainda que o país sofre com problemas estruturais típicos de economias subdesenvolvidas, o que traz desafios muito superiores aos dos países mais ricos. Um deles diz respeito ao mercado de trabalho. “Em 2017, pela primeira vez na história, o número de trabalho informais superou o de trabalhadores formais no mercado de trabalho brasileiro. Além disso, ingressamos na crise do coronavírus com um grande e resiliente contingente de trabalhadores desempregados e subutilizados”, diz o texto.

Mais uma vez trata-se de uma questão que já era grave antes da pandemia. “A taxa de desemprego se estabilizou em um patamar relativamente elevado desde de 2015, variando entre 11% e 13% de desocupação. Além do desemprego, avançavam a passos céleres, novas modalidades de trabalho desconectadas do regime celetista de trabalho, com impactos importantes na proteção social e na cobertura dos direitos trabalhistas e previdenciários”, destaca a análise.

O documento traz dados do IBGE mostrando que apenas 46,8% das pessoas estavam exercendo atividades remuneradas no 4º trimestre de 2020. E é preciso levar em conta que a taxa de desemprego, em meio à pandemia, se tornou um indicador que não dá conta de ilustrar as reais condições do mercado de trabalho, já que só aparece como desempregado nas estatísticas quem efetivamente procurou emprego na semana analisada.

“O problema do emprego vai ser a maior herança dessa pandemia e da forma pouco eficiente – fazendo um eufemismo – com que o governo Bolsonaro e a equipe econômica trataram a questão de salvar vidas e a economia. A crise do coronavírus atingiu principalmente o setor informal, que já tinha superado o número de trabalhadores formais no Brasil desde 2017, adicionando-se ainda os trabalhadores do setor privado sem carteira e os por conta própria que não tem CNPJ, categorias de emprego informal disfarçadas”, detalha Juliane. “Vai ser urgente constituir um plano emergencial de curto e médio prazo para recuperar os postos de emprego perdidos e preservar os que seguem na berlinda.”

A economista destaca a importância de se discutir um apoio eficaz a pequenas e médias empresas, a formulação de benefícios tributários e de créditos com contrapartida de não demissão de trabalhadores, além de um plano de médio e longo prazo e médio prazo que reestruture a economia brasileira e recoloque no rumo do crescimento, que é, fundamentalmente, o que pode gerar empregos.

Caminhos da retomada

O avanço da imunização contra a covid-19 pode fomentar as relações comerciais no cenário global e beneficiar o país do ponto de vista econômico. “Como possível facilitador da retomada, o comércio externo pode exercer influência positiva sobre o desempenho da economia brasileira em 2021. A vacinação em massa nas principais economias mundiais tem o potencial de criar espaço para uma aceleração da atividade global, podendo impulsionar a economia brasileira tanto pela possível retomada e intensificação dos fluxos de capitais e investimentos externo nos países emergentes, quanto pela expansão da demanda mundial”, diz o documento.

Mesmo com um cenário externo que pode se mostrar favorável, o governo terá que mostrar capacidade diplomática para ampliar as possibilidades no âmbito comercial. “Sobretudo a demanda chinesa – já em aceleração nos últimos trimestres de 2020 – pode ser o motor de um boom de commodities, podendo exercer forte estímulos sobre as exportações brasileira. A capacidade de aproveito de um possível cenário externo favorável, no entanto, dependerá da capacidade de articulação política e da política externa do governo brasileiro, que não tem demonstrado essa habilidade com relação ao nosso principal parceiro comercial.”

Além disso, a pauta das reformas tem que ser outra. Juliane Furno critica especialmente a administrativa. “O desenho da reforma administrativa parece ser só um desmonte do Estado e do funcionalismo público. O que ela prevê em aumento da arrecadação com os cortes de direitos é um valor muito baixo e hoje o Estado não tem só um problema fiscal, mas sobretudo um problema de ação. Só aumentar o dinheiro disponível nos cofres públicos não significa uma boa alocação desses recursos.”

“A prioridade teria que ser aprovar um conjunto de reformas, mas não estas que aprofundam a desigualdade e a retirada de direitos, que reduzem o poder de compra do trabalhador. No curto prazo, o Estado tem que levar adiante o gasto público, mesmo o gasto deficitário, de endividamento, porque ele tem o poder multiplicador fiscal substantivo. Ou seja, o gasto do governo no curto prazo se reverte em maior crescimento do PIB, logo, implica em uma redução da dívida pública no médio e longo prazo. Neste momento é importante salvar vidas, retomar o auxílio emergencial, garantir que as pessoas possam cumprir ainda o mínimo de isolamento possível para conter a propagação do vírus.”

Para a economista, há outras reestruturações que precisariam ser discutidas e seriam essenciais para o país voltar a ter um crescimento sustentável e que não aprofunde a desigualdade, junto com uma necessária flexibilização do Teto de Gastos.

“Seria necessário um conjunto de reformas mais estruturais, como uma reforma urbana que modifique a forma como as pessoas se relacionam com a cidade (ou não se relacionam com a cidade…) e a reforma agrária que até hoje tem sido bastante travada e tem um potencial de fornecimento de alimentos, de rebaixar um dos custos salariais que é o custo da reprodução física via alimento. E também a reforma tributária, que reduz desigualdades sociais e abre espaço fiscal para o Estado. Um conjunto de reformas estruturais que sejam concatenadas com um plano de retomada do crescimento econômico que passa pela distribuição de renda e por uma reindustrialização brasileira no caminho dos novos setores com maior agregação de valor tecnológico.”

fonte: https://www.brasildefato.com.br/2021/02/07/reformas-do-governo-bolsonaro-nao-recuperam-economia-e-retiram-direitos-diz-estudo


Brasil de Fato: Entenda os riscos da autonomia do Banco Central; projeto pode ser votado nesta terça

 

Auditoria Cidadã da Dívida (ACD), organização sem fins lucrativos formada por dezenas de associações, como a dos Juízes Federais e dos Procuradores da Fazenda Nacional, interpelou extrajudicialmente, na última sexta-feira (5), o presidente da Câmara Federal, Arthur Lira (PP-AL), sobre a possibilidade de golpe contra a democracia e a soberania monetária nacional, embutida no Projeto de Lei Complementar que prevê a autonomia do Banco Central (BC) – o PLP 19/2019, previsto para ser votado nesta terça-feira (9).

Leia mais: O Brasil não está quebrado: entenda o porquê

documento denuncia que, caso aprovado, o projeto de autoria do senador Plínio Valério (PSDB/AM), transformará o Banco Central do Brasil (BC) num supra órgão, autônomo em relação à estrutura administrativa do país e desvinculado de qualquer ministério.

Além de contrariar o artigo 61 da Constituição Federal, que reserva esse tipo de proposta à exclusiva competência do presidente da República, a iniciativa representaria um golpe capaz de entregar a entidade responsável por regular e supervisionar todo o sistema financeiro nacional ao controle daqueles que deveria fiscalizar: os bancos.

Segundo a ACD, a interpelação extrajudicial tem um “caráter preventivo”, de modo a garantir que o fato “foi noticiado e tornou conhecido, e impedir que venham a ser causa dos prejuízos relevantes, por desconhecimento do notificado”.

A Auditoria Cidadã classifica o PL 19/2019 como inconstitucional, e a interpelação poderá, no futuro, embasar uma ação judicial, caso o projeto de fato siga adiante. A organização enviou o documento, por email, a todos os deputados federais.

Leia o texto completo no Brasil de Fato

fonte: https://auditoriacidada.org.br/brasil-de-fato-entenda-os-riscos-da-autonomia-do-banco-central-projeto-pode-ser-votado-nesta-terca/

 

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