Áudios rompem o silêncio militar sobre torturas

A tortura e a eliminação física de oposicionistas foram uma política de Estado, denunciada por suas vítimas e respectivos advogados nos tribunais. Não eram divulgadas pela imprensa porque havia censura

Luiz Carlos Azedo
postado em 19/04/2022 no Correio Braziliense

Questionado sobre os áudios divulgados pela jornalista Míriam Leitão em sua coluna no jornal O Globo, que mostram sessões do Superior Tribunal Militar (STM) na época do governo ditatorial, nas quais os ministros generais que integravam o órgão falam sobre torturas, o vice-presidente Hamilton Mourão respondeu: “Apurar o quê? Os caras já morreram tudo, pô. (risos). Vai trazer os caras do túmulo de volta?”

General da reserva, Mourão traduziu uma espécie de senso comum entre os militares: o silêncio das Forças Armadas em relação à questão das torturas, dos assassinatos e dos desaparecimentos de oposicionistas durante o regime militar. Colocou-se uma pedra sobre esse assunto. As Forças Armadas se recusam a revisitá-lo publicamente, com um olhar autocrítico e democrático, como ocorreu em outros países.

Essa atitude é legitimada pelo pacto de aprovação da “anistia recíproca”, pelo Congresso, em 1979. O acordo entre o governo militar e a oposição, que beneficiou “subversivos” e torturadores, é um assunto sacramentado, também, pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Àquela época, a anistia foi um efetivo avanço em direção à democracia, pois possibilitou a libertação de presos políticos e a volta dos políticos exilados. Entretanto, enfrentou reações dos “porões” do antigo regime militar, inclusive por meio de atentados à bomba, entre os quais o do Rio Centro, que fracassou.

Naquela noite de 30 de abril de 1981, um show comemorativo do Dia do Trabalho reunia 20 mil pessoas no Rio Centro, na Zona Oeste do Rio de Janeiro, quando uma bomba explodiu no estacionamento. O sargento Guilherme Pereira do Rosário, que morreu na hora, e o capitão Wilson Luís Chaves Machado, gravemente ferido, preparavam o artefato no interior de um veículo Puma com placa fria, utilizado pelo Doi-Codi. Segundo as autoridades militares da época, estavam num serviço de rotina. Outra bomba colocada na casa de força do prédio não chegou a explodir.

Aquele episódio acabou sendo um divisor de águas do processo de abertura política, que iria desaguar na eleição de governadores oposicionistas, em 1982; na campanha das Diretas Já; e na eleição de Tancredo Neves, em 1985, no colégio eleitoral, que pôs fim ao regime militar. Caso o atentado fosse bem-sucedido, resultaria num massacre de artistas, estudantes e sindicalistas. Nada ocorreu com o capitão Wilson Machado, que se recuperou dos graves ferimentos, continuou no serviço ativo e chegou a ser professor no Colégio Militar de Brasília.

Vez por outra, como agora, o militar terrorista é lembrado. Reformado como coronel, é a única testemunha viva do atentado do Rio Centro. Ao contrário do que disse o general Mourão, outros 97 militares envolvidos com as torturas também estão vivos, segundo lista divulgada pelo Instituto Vladimir Herzog, criado em memória do jornalista assassinado nas dependências do Doi-Codi, na Rua Tutóia, em São Paulo, em 1975.

O presidente Jair Bolsonaro trata-os como heróis, a começar pelo falecido coronel Carlos Brilhante Ustra, sob cujo comando registram-se 434 oposicionistas mortos pelo Doi-Codi. Os áudios das sessões do STM revelam que a cúpula militar tinha conhecimento das torturas e dos assassinatos e não mandou investigar, inclusive no governo do presidente Ernesto Geisel, que chegou a admitir a existência de torturas num longo depoimento a Maria Celina D’Araújo e Celso Castro. Somente após a morte de Herzog, que provocou ampla mobilização da sociedade civil, Geisel reagiu à linha-dura e impôs sua autoridade aos quartéis.

Os áudios foram reunidos e analisados pelo professor Carlos Fico, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, que pesquisa a memória do regime militar. Só foram liberados pelo STM em razão de decisão do Supremo Tribunal Federal, a pedido do advogado Fernando Fernandes. A ministra Maria Elizabeth Rocha, do STM, classificou como positiva a divulgação: “Importante serem revelados esses áudios porque tudo faz parte da história do país, memória do país — e para que erros não se repitam”, declarou.

A tortura e a eliminação física de oposicionistas foram uma política de Estado, denunciada por suas vítimas e respectivos advogados nos tribunais. Não eram divulgadas pela imprensa como deveriam porque havia censura. O que chegava às redações oficialmente eram relatos fantasiosos, típicos das estratégias militares de contrainformação. As denúncias de prisões e sequestros, feitas por advogados e familiares, não podiam ser publicadas. Os registros oficiais, lacônicos, eram publicados nas páginas de notícias policiais.

As denúncias, entretanto, circulavam por meio de publicações clandestinas, como o boletim Notícias Censuradas, com informações colhidas nas redações, e o jornal Voz Operária, órgão central do antigo PCB, que deixou de ser impresso no Brasil após os órgãos de repressão localizarem sua principal gráfica, em Jacarepaguá, em janeiro de 1975, numa operação que deixou um rastro de prisões, torturas e assassinatos, entre os quais o de Orlando Bomfim Junior, responsável pela publicação, cujo corpo nunca foi encontrado nem sua prisão reconhecida.

fonte: https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2022/04/5001481-analise-audios-rompem-o-silencio-militar-sobre-torturas.html

 

Áudios do Superior Tribunal Militar revelam tortura contra presos durante a ditadura

Relatos de sessões da Corte entre 1975 e 1979 descrevem choques, palmatórias e aborto espontâneo; vice-presidente descartou investigação: “os caras já morreram”

Iuri CorsiniMaria Mazzeida CNN

No Rio de Janeiro

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Em 10 mil horas de gravações, sessões de julgamentos no Superior Tribunal Militar (STM) revelam denúncias de torturas físicas e psicológicas sofridas por presos durante a ditadura militar no Brasil (1969-1985).

CNN teve acesso a parte do conteúdo dos áudios das audiências na Justiça Militar entre 1975 e 1979. Nos arquivos, é possível ouvir ministros narrando relatos de pessoas que sofreram as agressões enquanto estavam presas. Algumas das sessões de tortura aconteceram dentro de instalações do Destacamento de Operações de Informações e Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi).

Parte do conteúdo foi divulgado pela jornalista Miriam Leitão, do jornal “O Globo”, neste domingo (17). O material mostra que a alta cúpula do Judiciário militar tinha pleno conhecimento das torturas realizadas naquele período. A CNN questionou o STM sobre os fatos trazidos e aguarda um posicionamento.

Um dos relatos mais estarrecedores aconteceu durante sessão do dia 24 de junho de 1977, quando o general Rodrigo Octávio Jordão Ramos narra o depoimento de Nádia Lúcia do Nascimento, presa enquanto estava grávida.

Ele lê o relato dela à Oban (um centro de informações e investigações criado em São Paulo) sobre torturas sofridas, com choques e palmatórias, que culminaram na perda do bebê após sofrer os abusos físicos.

“Fato mais grave suscita exame, quando alguns réus trazem aos autos acusações referentes a tortura e sevícias das mais requintadas, inclusive provocando que uma das acusadas, Nádia Lúcia do Nascimento, abortasse após sofrer castigos físicos no DOI-CODI”, diz o general. Nádia perdeu o filho no dia 7 de abril de 1974.

Neste depoimento, o general também relata agressões e torturas físicas e psicológicas sofridas por testemunhas. “Flora Neides Pavanelli, testemunha que sofreu maus tratos físicos, testemunha, hein, tomando choques e com palmatórias e também com ação moral ouvindo palavrões que ocorreram no DOI”, destacou.

Preocupação com a imagem do regime

Nos áudios das sessões de julgamentos do STM, é possível ouvir outros generais reconhecendo a “aparente veracidade” das denúncias de tortura, mas destacando o receio de que essas denúncias pudessem prejudicar a imagem do Exército e dificultar o combate “à subversão”.

Em um dos trechos, no dia 9 de junho de 1978, o general Augusto Fragoso se disse constrangido diante das denúncias feitas contra oficiais, mas destacou que elas não foram devidamente apuradas.

“Eu, como único representante do exército aqui presente, experimentei um grande constrangimento em ver essas organizações do Exército tão acusadas e, como mostrou o relator, elas não foram apuradas devidamente. Essas acusações no DOI-CODI vêm se repetindo. Nesses 50 e tantos anos de serviços, vivendo diversas crises militares, nunca vi, nunca ouvi acusações desse jaez feitas ao Exército. Acho que nosso Exército devia rapidamente se recolher aos seus afazeres profissionais. Sabemos que muitas delas [das denúncias] são destituídas completamente de fundamento, mas algumas delas têm aparência de veracidade”.

Em sessão do dia 13 de outubro de 1976, o ministro relator Waldemar Torres da Costa também indicou que as denúncias muitas vezes são impossíveis de serem provadas e mostrou preocupação em relação à “desmoralização” do Exército diante dos relatos.

No entanto, revelou a possibilidade de acreditar nos castigos físicos infligidos aos presos.

“Quando as torturas são alegadas e, às vezes, impossíveis de serem provadas, mas atribuídas a autoridades policiais, eu confesso que começo a acreditar nessas torturas porque já há precedente. Eu não me recuso a me convencer dessas torturas, mas exijo que elas tragam uma prova e não fiquem apenas no terreno da alegação”, disse.

Opinião dos ministros não era unanimidade

As transcrições das sessões mostram como os generais e ministros mostraram-se ao mesmo tempo impactados pela quantidade de denúncias de torturas sofridas pelos presos na época da ditadura, como também descrentes e receosos de levá-las adiante.

Em uma das defesas mais acintosas dos militares, o então brigadeiro Faber Cintra, revisor da apelação de uma sessão julgada em 15 de fevereiro de 1978, declarou que as agressões deveriam ser comprovadas através de exame de corpo de delito e pediu para que as acusações fossem desconsideradas.

“As lesões sofridas, caso acontecessem, seriam facilmente constatadas através de exame de corpo de delito, ou até mesmo laudo médico particular, posto que nenhum dos acusados foi mantido preso por prazo superior ao previsto em lei. As alegações dos acusados em juízo no sentido de que sofreram coações morais e físicas não podem ser consideradas pois desprovidas de qualquer elemento probatório por mais simplório que fossem, como por exemplo um laudo médico particular, que há época constasse qualquer lesão, mesmo que superficial, dos acusados.”

Em um outro depoimento, este no dia 19 de outubro de 1976, o ministro relator Amarílio Lopes Salgado leu o depoimento de um preso que teria sido forçado, após sofrer violência de dois agentes do DOPS, a confessar um assalto a banco que não teria cometido.

Segundo o próprio acusado, ele já estava preso no dia do assalto. “Ele alega que para fazer essa confissão na polícia, esse moço apanhou um bocado, baixou no hospital e citou o nome das duas pessoas que martelaram ele.”

Neste mesmo dia, o ministro revisor, almirante Júlio de Sá Bierrenbach, mostrou preocupação com a repercussão no exterior das denúncias sobre as torturas cometidas nos centros de operações militares.

“Muitos têm falado de direitos humanos. Com muita tristeza tenho tomado conhecimento da repercussão no exterior de fatos que se passam no Brasil. Quando aqui vem à baila um caso de sevícias, esse se constitui em um verdadeiro prato aos inimigos do regime e a oposição ao governo”, declarou na tribuna.

O magistrado continuou: “É possível que isso venha a ocorrer em torno da presente apelação em que sou o revisor. Paciência. É o preço que pagaremos no esforço de pôr cobro (reprimir) aquilo que todos nós repudiamos”.

Bierrenbach, ao final de seu voto, fez um aceno para que os agentes de segurança mudassem seus métodos “perversos” de obtenção de informações.

“Senhores ministros, já é tempo de acabarmos de uma vez por todas com os métodos adotados por certos setores policiais de fabricarem indiciados, extraindo-lhes depoimentos perversamente pelos meios mais torpes fazendo com que eles declarem delitos que nunca cometeram e obrigando-os a assinarem declarações que nunca prestarem”, finalizou.

Obtenção dos áudios

O STM passou a gravar as sessões a partir de 1975, inclusive as secretas. Em 2006, o advogado Fernando Augusto Fernandes pediu acesso ao material ao SMT, mas não obteve autorização. Foi ao Supremo Tribunal Federal e conseguiu a liberação. No entanto, o STM não atendeu.

Cinco anos depois, em 2011, a ministra Cármen Lúcia determinou que o advogado tivesse acesso irrestrito aos autos e foi acompanhada pelo plenário. Em 2015, as centenas de fitas de rolo foram digitalizadas. Em 2017, Fernandes conseguiu copiar a totalidade das sessões.

O historiador Carlos Fico, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), aprimorou os áudios — mesmo assim muitos trechos ainda são inaudíveis — e passou ouvir todo o conteúdo.

Para o historiador, seu trabalho consiste em “trazer à tona evidências empíricas incontestáveis sobre episódios do passado, mesmo que sejam episódios tão terríveis com torturas”. Por enquanto, metade dos áudios foi analisada.

“Após esses eventos traumáticos, acontecem muitas construções de memórias confortáveis, justificadoras ou benevolentes [à ditadura]. É uma das tarefas do historiador entender como isso se construiu. Como ainda existem pessoas que apesar de todas as evidências duvidam das torturas e dos horrores do período. Mais do que ter esperança em mudança, nosso trabalho é apresentar para a sociedade da melhor maneira possível, seja por meio de trabalhos acadêmicos ou por meio da imprensa, evidências indiscutíveis sobre a violência e os horrores que aconteceram na ditadura”, concluiu

O advogado Fernando Augusto Fernandes planeja lançar um site com todo o material armazenado e transcrito. O portal se chamará “Voz Humana”. As gravações compreendem o período de 1975 a 1979.

Mourão descarta possibilidade de investigação de torturas

Ao conversar com jornalistas na entrada do Palácio do Planalto nesta segunda-feira (18), o vice-presidente Hamilton Mourão (Republicanos) foi questionado sobre os áudios que comprovam a prática de tortura durante a ditadura militar.

“Isso é história, isso já passou. É a mesma coisa que a gente voltar para a ditadura do Getúlio. São assuntos já escritos em livros, debatidos intensamente. É passado, faz parte da história do país”, disse Mourão.

Ao comentar sobre a possibilidade de uma apuração a respeito das sessões do STM, o general da reserva afirmou: “Apurar o quê? Os caras já morreram tudo. Vai fazer o quê? Trazer os caras do túmulo de volta lá?”.

fonte: https://www.cnnbrasil.com.br/politica/audios-do-superior-tribunal-militar-revelam-tortura-contra-presos-durante-a-ditadura/

 

 

Por g1 — Brasília

 


Áudios de sessões do Superior Tribunal Militar (STM) publicados neste domingo (17) pela jornalista Míriam Leitão, colunista do jornal “O Globo”, revelam relatos de tortura durante o período da ditadura militar (1964-1985).

Ao todo, são mais de 10 mil horas de gravações, e os áudios foram analisados pelo historiador Carlos Fico, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Ouça relatos e leia as transcrições das gravações abaixo:

General Rodrigo Octávio relata, durante sessão do STM no dia 24 de junho de 1977, que Nádia Lúcia do Nascimento abortou após ser torturada

General Rodrigo Octávio relata, durante sessão do STM no dia 24 de junho de 1977, que Nádia Lúcia do Nascimento abortou após ser torturada

  • ‘Sofreu um aborto em virtude de choques elétricos’

 

Tenham paciência, mas isso me deu muito trabalho, mas eu vou escutar. Fato mais grave talvez suscita o exame da presente apelação, quando alguns réus trazem aos autos acusações referentes à tortura e sevícias das mais requintadas, inclusive provocando que uma das acusadas, Nádia Lúcia do Nascimento, abortasse após sofrer castigos físicos no Codi-Doi. Em síntese, os relatos são esses: José Roberto Monteiro, folha 419, quem tem uma única declaração a fazer, com pesar, no sentido de deixar claro perante este conselho que aqui negou muitas de suas afirmativas feitas durante a fase iniciária, porque naquela ocasião fora torturado, o mesmo ocorrendo com a sua mulher, a qual inclusive sofreu um aborto no próprio Codi-Doi em virtude de choques elétricos em seu aparelho genital, fato ocorrido no dia 8 de abril de 1974. De Nádia Lúcia do Nascimento, verso, folha 445. Na verdade, não participou de qualquer ação delituosa, nem mesmo estava ligada ao MR-8, e que se por acaso for considerada responsável por aquilo que disse, pede que seja tomado em consideração o fato, como salientou, não aguentava mais a pressão a qual fora submetida e até mesmo coação. Deseja ainda esclarecer sua atitude, pois estava grávida de três meses ao ser presa. Tinha o receio de perder o filho, o que veio a acontecer no dia 7 de abril nas dependências da Oban. Licia Lucia Duarte da Silveira, folhas 442, verso. Que desejava ainda acrescentar que quando esteve presa na Oban foi torturada apesar de grávida, física e psicologicamente, tendo inclusive que presenciar as torturas infligidas a [incompreensível, refere-se ao marido], razão porque se viu obrigada a assinar todo o interrogatório, sem reagir. Norma Sá Pereira, diz que foi seviciada no Doi durante um mês, tendo recebido ameaça de morte por parte de policiais. Flora Neide Pavanelli, testemunha, que sofreu maus-tratos físicos – testemunha, hein? -, tomando choques, com palmatória e também com ação moral ouvindo palavrões que ocorreram no Doi. Que Nádia Lucia do Nascimento também recebeu maus-tratos quando esteve presa, que foi constatada pela depoente, pois ambas estavam presas na mesma cela e que, segundo a depoente, na época Nádia estava grávida. Segundo a depoente, Nádia terminou perder o filho, abortar. Na defesa das salvaguardas dos direitos e garantias individuais, expresso no artigo 153, parágrafo 14 da emenda constitucional 69, como consequência não só de nossa evolução política, lastreada em secular vocação democrática e formação humanística, espírito cristão, com o compromisso assumido na Declaração Universal dos Direitos do Homem, aprovado pela Assembleia das Nações Unidas, tais acusações, a meu ver, devem ser devidamente apuradas através de competente inquérito, determinado com base no inciso 21 do artigo 40, da lei judiciária militar, Decreto Lei 1003 de 69. É preciso que se evidencie de maneira clara e insofismável que o governo, através das Forças Armadas e os órgãos de segurança, não podem responder pelo abuso e a ignorância e a maldade de irresponsáveis que usam torturas e sevícias para obtenção de pretensas provas comprometedoras na fase investigatória, pensando, em sua limitação cerebral, que estão bem servindo a estrutura política e jurídica vigente, quando na realidade concorrem apenas na prática desumana, ilegal em denegrir a revolução retratando a sua configuração jurídica do Estado de Direito e abalando a confiança nacional pelo crime de terror e insegurança criados na consecução honesta dos objetivos revolucionários.

General Rodrigo Octávio, em 24 de junho de 1977

Título: 'Não podemos admitir é que o homem, depois de preso, tenha a sua integridade física atingida por indivíduos covardes', diz Almirante Júlio de Sá Bierrenbach, durante sessão do STM em 19 de outubro de 1976

Título: ‘Não podemos admitir é que o homem, depois de preso, tenha a sua integridade física atingida por indivíduos covardes’, diz Almirante Júlio de Sá Bierrenbach, durante sessão do STM em 19 de outubro de 1976

  • ‘Integridade física atingida por indivíduos covardes’

 

“Como ministro do STM, entretanto, nesta elevada instância, onde não temos contato com os indiciados, antes de julgarmos os homens, devemos julgar os papéis, isto é, a procedência dos autos do processo. E é esta é a nossa maior dificuldade. Muito se tem falado em direitos humanos. Com profunda tristeza tenho tomado conhecimento da repercussão no exterior de fatos que se passam no Brasil. Fatos esses que também ocorrem em todos os demais países civilizados do mundo. Quando aqui vem à baila um caso de sevícias, esse se constitui um verdadeiro prato para os inimigos do regime e para a oposição ao governo. Imediatamente as agências telegráficas e os correspondentes dos jornais estrangeiros, com a liberdade que aqui lhes é assegurada, disseminam a notícia e a imprensa internacional em poucas horas publicam os atos de crueldade e desumanidade que se passam no Brasil, generalizando e dando a entender que constituímos uma nação de selvagens. Evidentemente, essa não é a realidade. O brasileiro de um modo geral não admite a violência. Por isso mesmo, há tremenda exploração quando surge um desses lamentáveis casos. É possível que isso venha a ocorrer em torno da presente apelação em que sou revisor. Paciência. É o preço que pagaremos no esforço de pôr cobro aquilo que todos nós repudiamos. Devo lembrar, entretanto, para livrar qualquer mal-entendido que continuo intransigente no combate à subversão e a corrupção. Rendo minhas homenagens a todos os que participaram da Operação Bandeirantes em São Paulo ao fim da década de 60. Naquela oportunidade, tombaram em ação membros das Forças Armadas, da Polícia Civil e da Polícia Militar, mas a guerrilha urbana foi extinta. Morreram também subversivos, defendendo seus pontos de vista, mas também tombaram em ação. O que não podemos admitir é que o homem, depois de preso, tenha a sua integridade física atingida por indivíduos covardes, na maioria das vezes, de pior caráter que o encarcerado. Senhores ministros, já é tempo de acabarmos de uma vez por todas com os métodos adotados por certos setores policiais de fabricarem indiciados, extraindo-lhes depoimentos perversamente pelos meios mais torpes, fazendo com que eles declarem delitos que nunca cometeram, obrigando-os a assinar declarações que nunca prestaram e tudo isso é realizado por policiais sádicos, a fim de manterem elevadas as suas estatísticas de eficiência nos esclarecimentos de crimes. Longe de contribuírem para a elucidação dos delitos, invalidam processos, trazendo para os tribunais a incerteza sobre o crime e a certeza sobre a violência. A ação nefasta de uns tantos policiais estende a toda a classe, sem dúvida, na grande maioria, honesta, útil e laboriosa, um manto de suspeita no modo de proceder. Essa ação sinistra de poucos é que extravasa além de nossas fronteiras repercutindo no exterior como se todos nós fôssemos uns infratores dos direitos humanos. Sei o que pensa o nosso preclaro presidente da República sobre o assunto. Tenho contatos com os oficiais generais das três Forças Armadas que em sua totalidade deploram tais fatos. Diariamente vejo o cuidado com que vossas excelências examinam os processos em julgamento. É quase sistemática a pergunta: essas declarações foram prestadas em juízo ou na polícia? Também já se tornou um hábito das defesas apelarem, generalizando que as declarações prestadas na polícia foram feitas sob maus-tratos, dando a entender que nos organismos policiais não se salva mais ninguém. Se o Executivo e o Legislativo não se conformam com essas ocorrências, é claro que o Judiciário não as admite e nós, autoridades da organização judiciária militar, temos o dever de propugnar pela extinção desses cancros, as sevícias.”

Almirante Julio de Sá Bierrenbach, em 19 de outubro de 1976.

General Augusto Fragoso fala em 'constrangimento' após acusações contra o Exército e diz que instituição deveria se 'recolher' a 'afazeres profissionais', durante sessão do STM do dia 9 de junho de 1978

General Augusto Fragoso fala em ‘constrangimento’ após acusações contra o Exército e diz que instituição deveria se ‘recolher’ a ‘afazeres profissionais’, durante sessão do STM do dia 9 de junho de 1978

  • ‘Exército devia se recolher aos seus afazeres profissionais’

 

““Eu queria fazer uma ponderação, uma referência, que já tinha escrito aqui no início da sessão quando estava ausente o ministro Reinaldo e os primeiros advogados que começaram a falar no Doi-Codi, Doi-Codi, Doi-Codi. De maneira que eu, como único representante do Exército na hora aqui presente, eu experimentei um grande constrangimento em ver essas organizações do Exército tão acusadas e, como mostrou o relator, elas não foram apuradas devidamente. De maneira que, como foi um pronunciamento público, não vou ler agora pelo adiantar da hora, mas vou inserir na ata publicamente esta ponderação sobre essas acusações, assim, ao Doi-Codi que vêm se repetindo. E eu, nesses 50 e tantos anos de serviço, vivendo crises militares de 30, 32 e 35, nunca vi, nunca ouvi acusações desse jaez feitas a órgãos do Exército. Eu acho que o nosso Exército, seguindo o exemplo das forças irmãs, devia rapidamente se recolher aos seus afazeres profissionais, como em tão boa hora, em discurso de 31 de março, recomendou o presidente da República. De maneira que eu não posso deixar passar assim em brancas nuvens essas acusações que foram feitas na tribuna contra esses órgãos do Exército. E nós sabemos que muitas delas são destituídas completamente de fundamento, mas algumas delas têm aparência de veracidade. Pelo menos aparência de veracidade. De maneira que vou fazer constar na ata relativamente a esse processo essa declaração. Depois eu darei por escrito.”

General Augusto Fragoso, em 9 de junho de 1978.

Brigadeiro diz, em áudio, que vítimas deveriam provar tortura

Brigadeiro diz, em áudio, que vítimas deveriam provar tortura

  • ‘Coações morais e físicas’

 

“As lesões sofridas, caso acontecessem, seriam facilmente constatadas através do exame de corpo e delito ou mesmo laudo médico particular, posto que nenhum dos acusados foi mantido preso por prazo superior ao previsto em lei. As alegações dos acusados em juízo, no sentido de que sofreram coações morais e físicas, não podem ser consideradas, pois desprovidas de qualquer elemento probatório por mais simplório que fosse por exemplo um laudo médico particular que à época constatasse qualquer lesão, mesmo superficial do acusado.”

Brigadeiro Faber Cintra, em 15 de fevereiro de 1978.

'Eles apanham mesmo', diz voz não identificada sobre presos da ditadura

‘Eles apanham mesmo’, diz voz não identificada sobre presos da ditadura

  • ‘Eles apanham mesmo’

 

“Sou revisor de processo um processo que aparece [inaudível]. Que eram quatro indiciados no inquérito, todos eles confessaram direitinho na polícia que tinham tomado parte, uns acusaram os outros, tudo tranquilo. Mas na ocasião do sumário ficou provado que um deles não tinha nada com a história. Esse cabra trabalhava direitinho. Por que razão ele havia confessado? E ele disse: ‘Ou a gente confessa ou entra no pau’. E é o que está acontecendo. Entrou dessa vez e muita gente tem entrado, por isso que muitas vezes a gente acha que o inquérito na polícia não tem valor é por causa desses fatos, é desses fatos. Eles apanham mesmo. Quando vejo um inquérito na polícia eu fico logo com um pé atrás. Como sou revisor, eu tomo muito cuidado, examinando isso, porque o que se sente é que na polícia, no Dops, eles entram no pau. Ou confessam ou então apanham. Então não tem valor quase esse inquérito policial, a não ser um inquérito policial militar. Então estou de pleno acordo que é preciso acabar com isso.”

Voz não identificada, em 16 de junho de 1976.

‘Há a prova documental da tortura’, disse advogado a Superior Tribunal Militar em 1977

‘Há a prova documental da tortura’, disse advogado a Superior Tribunal Militar em 1977

  • ‘Tortura se realiza permanentemente’

 

“Os senhores ministros não acreditam na tortura. É pena que não possam acompanhar os processos como um advogado da minha categoria acompanha para ver como essa tortura se realiza permanentemente. E nesse processo, senhores juízes, há prova documental da tortura que sofreu Marco Antônio. Há um laudo firmado por médicos militares atestando essa tortura. O ilustre eminente advogado de Marco Antônio, doutor Mario Simas, vai mostrar aos senhores ministros esse documento.

Advogado Sobral Pinto, em 20 de junho de 1977.

Começo a acreditar nessas torturas', diz ministro do STM Waldemar Costa em 1976

Começo a acreditar nessas torturas’, diz ministro do STM Waldemar Costa em 1976

  • ‘Começo a acreditar nessas torturas, porque já há precedente’

 

“Eu não ponho em dúvidas, senhores ministros, e aqui eu começo a pedir a atenção dos meus eminentes pares para as apurações que estão realizadas por oficiais das Forças Armadas. Quando as torturas são alegadas e às vezes impossíveis de ser provadas, mas atribuídas a autoridades policiais, eu confesso que começo a acreditar nessas torturas porque já há precedente. Mas eu fico nessa preocupação de atribuir o que constituiria uma desmoralização à prática de tortura por oficiais do Exército que estão apurando crimes contra a segurança nacional. Eu não me recuso a me convencer dessas torturas, mas eu exijo que essas torturas tragam uma prova e não fiquem apenas no terreno da alegação. Reconheço, senhores ministros, que também é difícil o indivíduo provar as torturas pela maneira como é feita. Ele próprio não conhece, não tem elementos para a individualizar e ele sofre, presume-se que sofre as torturas. Mas como juiz a proferir um voto no tribunal e com responsabilidade de afirmar através de um acórdão que houve torturas, criando-se a obrigação de propor aos meus pares apurar essas violências. Porque como juiz eu não posso reconhecer torturas individualizadas e comprovadas sem que consequentemente eu determine, eu vote, no sentido de ser apurado, porque isso é crime também. Então, nesse inquérito que ensejam que eu examine em primeira mão a acusação do Dalton Godinho, cujas declarações são longas, me parece que com 14 folhas relatando com pormenores. E é por causa desses pormenores, essas particulares, é que me custa a acreditar que tenha sido um trabalho, uma farsa, da autoridade investigante. Porque dentro da lógica, todos nós lemos uma determinada confissão no inquérito, e encontramos dentro da lógica a aceitação ou não de tais declarações.”

Ministro togado Waldemar Torres da Costa, em 13 de outubro de 1976

Relator  Amarílio Lopes Salgado relata, durante sessão do STM em 15 de junho de 1976, que um preso disse ter sido martelado por duas pessoas. 'Esse moço apanhou um bocado', afirmou o magistrado

Relator Amarílio Lopes Salgado relata, durante sessão do STM em 15 de junho de 1976, que um preso disse ter sido martelado por duas pessoas. ‘Esse moço apanhou um bocado’, afirmou o magistrado

  • ‘Martelaram esse moço, daí a confissão dele’

 

“Senhor presidente, recapitulando rapidamente, documento de Folha 192. É um ofício firmado pelo diretor do presídio, e de folha 203, é assinado pelo diretor da divisão jurídica. Abri inquérito contra esses dois, acho uma barbaridade. Apenas no meu acórdão, se vossas excelências tiverem de acordo, e o ministro revisor também, é o seguinte. É que ele alega que para fazer essa confissão na polícia, ele assaltou dois bancos, citou o nome dos bancos, o dia, o dinheiro, mas que esse ele não podia porque estava preso. ‘Eu tô preso, estava preso na Ilha Grande’. Faz uma diligência e vem isso aí. Vou dar uma cópia para o procurador geral porque esse moço apanhou um bocado, baixou hospital, e citou o nome das duas pessoas que martelaram ele. Estou inteiramente com o ministro Rodrigo Octávio, às vezes discordo de sua excelência quando é difícil apurar. Eles podem negar, mas que os nomes dos dois estão aí, estão. É fulano e beltrano. Martelaram esse moço, daí a confissão dele. Em juízo, ele confessa que não podia, ‘eu estou preso na Ilha Grande’, estava lá no dia 26. No dia 30 eu fugi e assaltei o banco tal no dia 31 e no dia 4 assaltei outro banco, mas no dia 26, não. As declarações dele são longas. Acho que se deva, no acórdão, fazer menção a isso.”

Amarílio Lopes Salgado relata, em 15 de junho de 1976

'Não podemos receber qualquer suspeita de maus-tratos', diz brigadeiro em 1977

‘Não podemos receber qualquer suspeita de maus-tratos’, diz brigadeiro em 1977

  • ‘Não podemos receber qualquer suspeita’ de maus-tratos

 

“Senhor presidente, senhores ministros. Nós estamos discutindo o voto da turma. E eu desejava dar a minha opinião com relação a esse voto e sobre uma dúvida que eu tenho. Me impressionou muito os fundamentos do voto do relator, sobretudo na parte em que ele se refere ao fato de que nós não podemos receber aqui indiscriminadamente toda e qualquer suspeita de sevícia, sob pena de nós podermos comprometer aqueles que, de boa-fé, com idealismo e patriotismo, se contrapõem à subversão e, com isso, matarmos e até esmorecer o entusiasmo com que essas forças anti-subversivas têm agido no Brasil. No anonimato, no sacrifício, nas perdas de vida e em outras contribuições extraordinárias que não se reconhecem em determinadas horas.”

Brigadeiro Deoclécio Lima de Siqueira, em 19 de outubro de 1977

Ao julgar caso de deputado durante sessão do STM do dia 15 de dezembro de 1976, general Rodrigo Octávio diz que tribunal está 'deixando de lado a lei' para condenar parlamentar; general Augusto Fragoso diz que questão é 'controvertida'

Ao julgar caso de deputado durante sessão do STM do dia 15 de dezembro de 1976, general Rodrigo Octávio diz que tribunal está ‘deixando de lado a lei’ para condenar parlamentar; general Augusto Fragoso diz que questão é ‘controvertida’

  • ‘Decisão revolucionária deixando de lado a lei, porque pela lei não se pode condená-lo’

 

General Rodrigo Octávio: “Acredito que devíamos ter feito juridicamente era ter feito de acordo com o artigo 5º da Lei de Segurança Nacional, feito um novo processo desse moço, tendo em vista as publicações que ele fez no estrangeiro. Um desserviço que ele está prestando à pátria. Agora, condená-lo em bases jurídicas é completamente inexequível. Agora nós vamos tomar e eu vou tomar também uma decisão revolucionária. Porque em 1968, solicitei ao ministro do Exército de então que se tomasse uma providência drástica contra ele, inclusive a cassação [incompreensível]. De maneira, eu vou tomar uma decisão revolucionária deixando de lado a lei, porque pela lei não se pode condená-lo de maneira nenhuma, porque ele é inviolável. E só se pode condenar algum deputado, pela Constituição de 1967, se a Câmara tivesse dado licença. E ela não deu e desencadeou esse processo. […] De maneira que hoje estamos preservando o regime revolucionário, a irreversibilidade dos objetivos revolucionários, não podemos deixar de maneira nenhuma deixar de fazer isso. Então não estamos julgando aqui como verdadeiro Tribunal da Justiça, estamos julgando como tribunal de segurança. Essa é a realidade dos fatos. Tudo que a procuradora disse é uma inverdade dentro dos fatos e realidades jurídicas apontada pelos mestres de Pontes de Miranda e outros e no interessante parecer do doutor Djalma Marinho, que explicita isso muito bem. Tanto que pediu imediatamente a demissão da Comissão de Constituição e Justiça, que foi toda substituída para poder conseguir a licença. Agora a licença é um ato técnico, um ato jurídico, da Comissão de Constituição e Justiça. Não tendo aprovado, eu, representando, o Amazonas e todos os meus comandados, passei um rádio para o ministro do Exército pedindo uma providência enérgica dos fatos, que não era possível proceder dessa forma. Compete às Forças Armadas a preservação da política nacional, da organização nacional, enfim, da sobrevivência do país. Por isso proclamou o AI-5. Agora, querer julgar no Tribunal de Justiça baseado em lei e fatos, na minha opinião, é um completo absurdo. Vamos condená-lo nas mesmas penas. Mais ainda: proponho que se faça outro processo tendo em vista estes sucessivos livros que ele mandou publicar no estrangeiro.”

General Augusto Fragoso: “Eu também queria acrescentar algum comentário, sobretudo depois das declarações do ministro Rodrigo Octavio. Os relatórios que se ouviram aqui foram minuciosos, eu diria até com devida vênia, minuciosos demais. E ficou uma certa difusão sobre o que nós estamos julgando. Estamos julgando, segundo os estudos feitos à margem desse processo, a incitação talvez contida em muitos pronunciamentos do acusado, visando despertar animosidade entre as Forças Armadas, como diz o 33 paragrafo 3º, mas no exercício do mandato de deputado.  Porque, negada a licença para o processo, ele foi imediatamente cassado e saiu do Brasil. A denúncia diz respeito apenas aos pronunciamentos dele como deputado. E a Constituição de 67, repetindo ipsis litteris o texto da Constituição de 46, não deixava dúvidas: os deputados e senadores são invioláveis no exercício do mandato por suas opiniões, palavras e votos.  Ouviu-se aqui também certas invocações do processo do deputado Francisco Pinto. Mas é um processo completamente diferente. Porque a Emenda Constitucional 69 alterou esse dispositivo da Constituição de 67.  Manteve aquela redação e acrescentou ‘salvo nos casos de injúria, difamação ou calúnia ou nos previstos na Lei de Segurança’. Então, a primeira conclusão que se tira: nós estamos analisando os pronunciamentos, a atitude deste deputado nos pronunciamentos que ele fez no exercício do mandato, e a Constituição não diz no recinto da Câmara e no exercício do mandato, onde quer que seja. E figuras insuspeitas da revolução como Cordeiro de Farias e Daniel Krieger, eles mostraram que havia nesta representação do ministro da Justiça injuridicidade. Isso é claro. Agora, é como diz o eminente ministro Rodrigo Octávio: nós temos que encaminhar num outro sentido. Mas daí eu discordo do eminente companheiro em considerar que o tribunal, nessa votação, iria funcionar como tribunal de segurança e não como Tribunal de Justiça. Eu não acho. Se ele for condenado, estaremos agindo como um Tribunal de Justiça. Porque a questão é muito controversa. Basta ler a mensagem que o presidente Costa e Silva respondendo a carta do Daniel Krieger e que cita os argumentos dele, baseado no parecer do ministro de então, o veemente, o radical Gama e Silva. Não vou ler isso porque estamos cansados de ouvir tanta coisa, mas para mostrar que podemos agir, qualquer que seja a solução, como um tribunal de Justiça, basta dizer o seguinte: houve controvérsia na questão. A própria Câmara dos Deputados, através do parecer da Comissão de Justiça, toda ela reformulada, mas afinal de contas funcionou como Comissão de Justiça. A Comissão de Justiça diz que ele podia ser processado pelos discursos que fez. E no plenário, embora a maioria de 216 votos negasse a licença, 141 congressistas, 34% dos que votaram acharam que ele podia ser processado. Eu não quero discutir o mérito desses homens. Então eu acho que nós podemos também achar que, pelo que ele fez, ele pode ser processado. E, podendo ser processado, pode ser condenado. Tudo que ele fez, ele fez como deputado. E às vezes não retroage, não pode retroagir. Ele fez como deputado. Que se processe, como lembrou muito bem o ministro Rodrigo Octávio, o cidadão Márcio Moreira Alves, pelas outras, inclusive pelos livros, como esse outro que o general Reinaldo me cedeu por empréstimo há pouco, ‘O despertar da revolução brasileira’, em que ele é veemente. A gente analisando o caso vê que a própria representação que deu origem a isso, assinada pelo general Lira Tavares, apenas dizia que o Exército estava sentido com aquilo e pedia ao presidente as providências que ele julgasse necessárias.  Sabemos que o Congresso ofereceu suspender o mandato do deputado. E que o governo, naturalmente alimentado pelos radicais do tempo, não aceitou, disse que é tarde. E há um depoimento do general Cordeiro de Farias, que foi ministro do Castelo, mostrando que o governo não se conduziu ali com, ao juízo dele, com o equilíbrio e com a habilidade que era necessária. Estamos julgando o acusado pelo discurso que ele pronunciou como deputado. Como diz a sentença mesmo, ‘amparado pelas imunidades parlamentares agasalhadas no artigo 34’. Não há dúvida. Agora é uma questão controvertida e ele pode ser processado ou não? Uns acham que pode. Outros acham que não pode. Nós podemos achar que pode e condená-lo. Acho que deve ficar bem claro isso, porque  houve muita difusão, muita coisa que nem precisava ouvir. E nós todos somos alfabetizados, nós todos lemos, esses pareceres forçam um pouco.  Ele foi absolvido por prescrição, passou em julgado nas acusações do artigo 14. Estamos julgando o 33, parágrafo 3º e, como sabemos, o decreto de lei 314 dizia ‘incitar publicamente’. O item terceiro diz ‘a animosidade entre Forças Armadas ou contra estas e as classes sociais’. O decreto de lei 510 alterou esse artigo, tirou o advérbio publicamente, ficou só incitando a administração, detenção de um a três anos. Isso que estamos julgando. A sentença absolveu por maioria contra o voto de um capitão, que condenava a um ano, absolveu por maioria o acusado por entender que os fatos foram praticados no exercício do mandato de deputado federal e, por conseguinte, amparado pelas imunidades parlamentares. Eram essas observações que eu gostaria de fazer até mesmo por desencargo de consciência. Estamos julgando pelos pronunciamentos dele como deputado.  Agora, podemos agir não com o Tribunal de Segurança, longe disso, como um tribunal de justiça.”

Generais Rodrigo Octávio e Augusto Fragoso, em 15 de dezembro de 1976

fonte: https://g1.globo.com/politica/noticia/2022/04/17/audios-do-superior-tribunal-militar-sobre-tortura-ouca-os-relatos-e-leia-as-transcricoes.ghtml

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