Em um mundo onde os ataques contra os excluídos estão aumentando a cada dia, as alianças se tornam instrumentos decisivos para abordar estas questões. Este foi o motivo da convocação da Assembleia Mundial da Amazônia dois meses atrás, uma ideia que no primeiro momento surgiu da Coordenação das Organizações Indígenas da Bacia Amazônica – COICA, do Fórum Social Pan-Amazônico – FOSPA, e da Rede Eclesial Pan-Amazônica – REPAM, à qual se juntaram desde então milhares de pessoas e organizações.
A reportagem é de Luis Miguel Modino.
Em uma situação em que a vida está cada vez mais ameaçada, diante do descaso dos governos, é cada vez mais necessário articular o cuidado com a vida dos povos, algo que vai além do próprio evento da Assembleia Mundial pela Amazônia, que com a participação de milhares de pessoas foi realizada nos dias 18 e 19 de julho. Na realidade, é um processo que está começando, que conta com a presença dos espíritos da floresta e a memória dos antepassados, de tantos sábios que partiram nos últimos meses, vítimas da COVID-19.
Assembleia Mundial pela Amazônia. (Fonte: REPAM)
Como demonstrado desde o início da assembleia, a força do Espírito da Criação tem estado presente como uma força transformadora. Daí surge o chamado para “amazonizar-nos em defesa da casa comum“, como enfatizou Moema Miranda, sabendo que nesta dinâmica “os povos indígenas são os que nos guiam, mas eles precisam de nossa ajuda”. Segundo a assessora da REPAM-Brasil, trata-se de construir uma nova realidade diante de um sistema ecocida e etnocida. Segundo ela, este é o momento de deixar claro que a morte não terá a última palavra, que o projeto dos poderosos, que rouba o futuro, não terá a última palavra.
A Assembleia Mundial pela Amazônia é um chamado a “se encontrar por caminhos diferentes em busca de um presente e de um futuro comuns, que é a vida”, como afirmou Gregorio Díaz Mirabal. Sabendo que “não somos iguais, somos interculturais“, o coordenador da COICA vê este momento como uma oportunidade para “mostrar a riqueza da diversidade da floresta amazônica e seus povos”, que estão unidos pela “dor, a emergência, a esperança, a rebelião”. Diante de um modelo de desenvolvimento que está doente, ele vê a assembléia como uma oportunidade de “buscar o equilíbrio para que nosso presente e nosso destino sejam melhores”, sabendo que “não é fácil, mas é possível”.
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Gregorio Díaz Mirabal (Imagem: enviada por Luis Miguel Modino)
É hora de questionar “este modelo de desenvolvimento que prefere sangrar a Amazônia e seus povos, não queremos que nossa riqueza sirva ao bem-estar dos chamados países desenvolvidos, deixando poluição e doenças”, insiste Diaz Mirabal, que vê a necessidade de uma disposição para sentar-se e conversar. O líder indígena pede “despertar a consciência, promover a ação, precisamos de todos vocês, sem discriminação, a Amazônia precisa de nós juntos para começar uma luta e dizer que basta”. O objetivo é “que a consciência do Planeta comece a se mobilizar, que as ações comecem”, pois como ele denuncia, “este modelo está nos matando a todos, moralmente, espiritualmente e fisicamente”.
Em suas palavras, o Cardeal Barreto, vice-presidente da REPAM, que mostrou sua alegria por poder participar deste momento, disse “trazer a proximidade do Irmão Francisco como lhe dizem os povos indígenas, nós o amamos porque você também nos ama e nos convidou a participar do Sínodo“. O cardeal peruano quis ser “o portador desta presença de solidariedade da Igreja Católica com os povos originários da Amazônia, que estão neste ecossistema vivo, que toda a humanidade tem que cuidar”. Pedro Barreto denunciou a ganância, o extrativismo, a falta de respeito pela vida humana, como elementos que vêm destruindo a Amazônia e os povos originários.
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Cardeal Barreto (Imagem: enviada por Luis Miguel Modino)
Diante deste sistema tecnocrático que exclui e deixa as pessoas de lado, o vice-presidente da REPAM aponta que “os povos amazônicos, em sua diversidade, dão uma lição de unidade para o bem de todos, em uma ação conjunta diante dos grandes desafios que se apresentam hoje para a Amazônia, o que nos ajuda a sentir que da diversidade somos enriquecidos e que a diversidade cultural não é uma ameaça à unidade”. Barreto também denunciou “o etnocídio e o ecocídio, que continuam a ser vividos nesta época de pandemia, que não confina aqueles que querem destruir a beleza da Amazônia“.
Diante desta realidade, “é necessária uma ação conjunta para cuidar da vida e da natureza, na qual os povos amazônicos possam contribuir com um estilo de vida sóbrio que respeite a natureza e as pessoas”. O Cardeal lembrou que “Roma se Amazonizou no mês de outubro e foi deixado um sinal de que a Amazônia é importante para o mundo e aguarda uma resposta dos povos originários”. Além disso, ele deixou claro que “nosso irmão Francisco lançou este grito da Amazônia, que não é mais invisível, temos que agir juntos para tornar visível que a Amazônia é objeto de uma ação global conjunta”. Diante disso, ele pediu para ser concretizada em uma assembleia global de todos os povos originários do mundo. Mais uma vez ficou claro que “este é nosso compromisso como Igreja, aliada aos povos amazônicos, com vocês vivemos e também morremos, se necessário, mas Deus está do nosso lado”, concluiu o Cardeal.
Este tempo de pandemia é visto por Luz Mery Panche, representante do FOSPA, como um chamado para “parar um pouco nesta corrida louca que trazemos, para pensar como humanidade o que somos, se estamos dispostos a existir neste planeta ou se queremos destruí-lo”. Em um sistema capitalista que vem escravizando os povos amazônicos, a indígena colombiana vê a necessidade de “fazer uma revolução, este modelo de desenvolvimento não é o único que existe, devemos voltar à origem”, afirmando que “a economia não é a acumulação material, mas sim a recuperação do ser humano”. Esta situação está presente no atual modelo extrativista, incentivado pelos governos da região, em especial o brasileiro, como ressaltou Wemerson Santos, que apelou para uma ação comum que leve a ser construtores do bem viver.
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(Imagem: enviada por Luis Miguel Modino)
A Assembleia também serviu para mostrar a realidade da Amazônia e seus povos, as ameaças que sofrem com os incêndios, grandes projetos agrícolas e minerais, combustíveis fósseis e a falta de estruturas de saúde e educação, algo que Sonia Guajajara diz ser uma conseqüência da política genocida do governo Bolsonaro, que ela vê como um incentivo para a pandemia, acabando com a vida dos povos indígenas, o que requer estratégias de enfrentamento. São realidades que se repetem em todos os países da Pan-Amazônia, onde os povos indígenas continuam sendo vítimas de racismo e violência, vítimas de um abandono sempre presente, mas que apareceu ainda mais claramente neste tempo de pandemia.
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(Imagem: enviada por Luis Miguel Modino)
A assembleia, na qual estavam presentes as manifestações artísticas e culturais da região, contou com a contribuição do mundo científico, fazendo um chamado, nas palavras de Antonio Nobre, para despertar a “capacidade de observar a natureza com o coração, onde reside o amor, não apenas com a mente”. A primeira mulher indígena eleita como deputada federal no Brasil, Joenia Wapichana, definiu a Assembleia Mundial da Amazônia como um momento de reflexão e participação, algo urgente diante das indústrias extrativistas e do genocídio sofrido pela Amazônia no Brasil, com graves ataques aos povos originários, vítimas de um presidente que vetou um projeto de lei para atender aos povos originários e comunidades tradicionais, elaborado pelo deputada, negando o acesso à água potável, uma emergência em uma região onde os rios foram contaminados pelo garimpo, especialmente no território Yanomami, onde há uma estimativa de 20.000 garimpeiros ilegais, que levaram a COVID-19 para território indígena.
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Joenia Wapichana. (Imagem: enviada por Luis Miguel Modino)
A assembleia também tem sido um momento de discussão, de busca de caminhos futuros em torno de três eixos, a COVID e seu impacto sobre as populações indígenas e amazônicas, o boicote de produtos, empresas, indústrias extrativas, negócios e acordos comerciais e, finalmente, um grupo de mobilização para determinar o plano de ação para os próximos meses. Uma ampla discussão, para a qual se registraram mais de três mil participantes, o que mostra o interesse despertado por esta Assembleia Mundial pela Amazônia, que pode ser um forte impulso na conscientização para a defesa de uma região que gera o oxigênio vital para um mundo que está se afogando, especialmente nesta época de coronavírus.
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(Imagem: enviada por Luis Miguel Modino)
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Repam-Brasil participa da Assembleia Mundial pela Amazônia realizada virtualmente
De 18 a 19 de julho, aconteceu a Assembleia Mundial pela Amazônia em forma de webinars para contextualizar e discutir as campanhas que se pretende construir em conjunto. A Assembleia Mundial da Amazônia foi realizada de maneira virtual, por meio da plataforma Zoom, com painéis que duraram de duas horas e meia com tradução simultânea para o espanhol, português, inglês e francês.
O encontro teve o objetivo de pensar ações contra o etnocídio, o ecocídio e o extrativismo na Amazônia que se agrava com a pandemia da covid-19, movimentos, coletivos, redes, ativistas e organizações de povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos, seringueiros, caboclos, marrons, campesinos, artistas, religiosos, defensores da natureza, comunicadores, acadêmicos, mulheres, jovens e moradores das cidades amazônicas. Mais 300 organizações de diferentes países do mundo participaram.
Igreja aliada aos povos amazônicos
No Sínodo para a Amazônia, a Igreja Católica se comprometeu a ser aliada dos povos amazônicos, especialmente dos povos indígenas. Como resultado desta aliança, a Rede Eclesial Pan-Amazônica – REPAM, através de seu secretário executivo, Mauricio López, fez um convite para participar da Assembleia Mundial pela Amazônia. Ele definiu a situação atual como “um momento crucial na história, estamos enfrentando uma situação sem precedentes, esta pandemia nos colocou em uma situação de vulnerabilidade que nunca havíamos experimentado antes”. O que estamos vivendo, segundo Maurício, “põe a nu e revela todas as situações de exclusão, desigualdade e injustiça que temos vivido, especialmente nos povos originários e comunidades da Amazônia”.
Para uma Igreja que é aliada dos povos amazônicos, “é impossível não levantar a voz diante desta situação, onde estes territórios contribuíram para o suposto desenvolvimento de nossas sociedades e de nossos países, e vivem uma situação da magnitude que estamos vivendo agora”, insiste o secretário executivo da REPAM. De fato, como mostram os dados coletados pela própria REPAM, “estamos chegando a cerca de 600.000 pessoas.
O desmatamento na Amazônia brasileira aumentou 25% entre janeiro e junho, totalizando 3.069,61 km², um recorde desde o início dos registros em 2015, segundo dados oficiais divulgados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) no começo de julho.s infectadas e perto de 20.000 mortos, com mais de 170 povos originários afetados por esta pandemia”, afirma Mauricio López.
Momento de somar forças
Por esta razão, Mauricio não duvida em afirmar que “este é um momento para somar forças, como Rede Eclesial Pan-Amazônica – REPAM, queremos subscrever esta iniciativa, unir-nos aos irmãos e irmãs indígenas da COICA, ao Fórum Social Pan-Amazônico – FOSPA, e a todos aqueles que se unem a este chamado para levantar a voz, para buscar caminhos juntos e, sobretudo, para fazer propostas para um futuro possível”.
As palavras do Secretário Executivo da REPAM são um eco do que foi afirmado pelo Papa Francisco no Sínodo para a Amazônia, onde “ele nos convidou firmemente a buscar alternativas e formas que possam libertar a Amazônia de todos os males que a afetam”.
Os sonhos do Papa Francisco
Mauricio recorda em sua mensagem os quatro sonhos contidos na exortação pós-sinodal, Querida Amazônia. Em primeiro lugar, ele fala de “um sonho social, em defesa dos direitos dos povos originários, de seus territórios, de sua identidade”. Além disso, “um sonho cultural, em profundo respeito por suas culturas, sua história, suas visões de mundo, para um intercâmbio que nos enriqueça mutuamente e que permita ao mundo ter essa diversidade, essa pluriformidade que o enriquece.
Um terceiro sonho, ao qual Mauricio Lopez se refere, é o “sonho ecológico, que é ser capaz de proteger a vida, a beleza, o mistério da Amazônia, que é a fonte da vida para o mundo”. Finalmente, ele fala de “um sonho eclesial, com uma Igreja muito mais encarnada, que pode acompanhar e viver nesta realidade, para dar novas perspectivas para o futuro junto com todos aqueles que ali vivem”.
Unir-se a Assembleia
Movida por tudo isso, a REPAM afirma que “este é um momento em que defendemos a vida, na chave da justiça, do Reino, do Evangelho para a Igreja”, convidando a todos e pedindo aos membros da REPAM que se juntem a esta Assembléia Mundial pela Amazônia nos dias 18 e 19 de julho.
Trata-se de “marcar, da mesma forma que esta pandemia está marcando um antes e um depois, poder marcar também, juntos e juntas, um antes e um depois na resposta para defender a vida, para defender o futuro, para acompanhar os povos e comunidades mais ameaçados neste território”, enfatiza Mauricio López. Sem dúvida, esta é uma nova oportunidade para continuar avançando na construção de um futuro melhor para a Amazônia e seus povos.
“Os povos indígenas da Amazônia são os guardiões heroicos deste importante bioma para a humanidade”, afirma Cardeal Barreto
Neste final de semana, 18 e 19 de julho, está sendo realizada a Assembleia para a Amazônia, uma autoconvocação dos povos indígenas da Amazônia, que visa provocar uma reação que ajude a deter o etnocídio, o ecocídio e o extrativismo na Amazônia, que é agravado pela pandemia da COVID – 19. Como momento preparatório, nesta sexta-feira, 17 de julho, foi realizado o Evento Grito da Selva, organizado pela Coordenação das Organizações Indígenas da Bacia Amazônica – COICA, que quer ser um posicionamento dos povos indígenas diante do momento que estamos vivendo.
A reportagem é de Luiz Miguel Modino.
A questão básica do webinar foi: Por que os povos indígenas da Amazônia são altamente vulneráveis à COVID-19? As respostas podem ser encontradas nos povos do território, que exigem o cuidado e a defesa da floresta. São homens e mulheres que têm a capacidade de falar com a natureza e que de lá lançam um grito pela Amazônia, “descobrindo todo o poder que a natureza pode nos dar”, como disse Alberto Fiagama, indígena colombiano, um dos muitos sábios que tradicionalmente têm preservado e transmitido as cosmovisões dos diferentes povos de geração em geração.
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Foto: Luis Miguel Modino
A sabedoria dos avós é algo que Gregorio Díaz Mirabal, coordenador geral da COICA, apreciou, destacando a importância de seu trabalho de compartilhar a cultura ancestral, em códigos que só eles conhecem e que tornam possível preservar o conhecimento indígena. Em suas palavras, ele convidou a humanidade a “escutar nosso grito pela floresta, um grito de dor, de luto, mas também de esperança e resistência, queremos denunciar e propor soluções para a Amazônia e o Planeta, deter o etnocídio e o ecocídio”. Díaz Mirabal insiste na importância de uma selva viva e de pé, e é por isso que ele afirma que “não queremos a destruição de nossa Selva Mãe, não queremos mais invasões predatórias”.
O coordenador da COICA pede um remédio espiritual para que haja um diálogo, soluções globais e territoriais, que as leis sejam cumpridas, denunciando que os direitos dos povos indígenas da Amazônia não estão sendo respeitados. Portanto, o líder indígena vê a necessidade de um remédio espiritual contra o esquecimento, a xenofobia, a falta de solidariedade da humanidade com a Amazônia e seus povos. Ao mesmo tempo, ele exige um diálogo para acabar com a extrema pobreza gerada por este modelo de desenvolvimento que está destruindo a Amazônia. Este diálogo deve nascer da necessidade de “respeitar os direitos da Selva Mãe e dos povos que aqui vivem”, pedindo que todas as vozes da Amazônia e da humanidade sejam unidas.
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Foto: Luis Miguel Modino
A Igreja Católica também quis participar deste evento preparatório para a Assembleia Mundial da Amazônia, no qual está envolvida desde o momento em que a ideia nasceu. O Vice-presidente da Rede Eclesial Pan-Amazônica – REPAM, Cardeal Pedro Barreto, destacou a importância da COICA em seu trabalho de associação dos povos amazônicos. Neste sentido, o Cardeal enfatizou o carinho do Papa Francisco pela Amazônia, algo expresso na exortação Querida Amazônia, onde aparece uma atitude de defesa dos direitos humanos, assim como a decisão da Igreja de acompanhar todos os povos indígenas desde sua grande riqueza social, cultural e ecológica.
O Cardeal peruano lembrou em suas palavras que o Irmão Francisco, como os povos originários da Amazônia se referem a ele, “escutou o grito dos povos amazônicos”. Barreto reconhece a riqueza cultural dos povos amazônicos, que ele vê como “povos gratos pela sabedoria de seus avós, que enriquecem este momento difícil que estamos vivendo na Amazônia e no mundo”. O vice-presidente da REPAM critica a fragilidade deste sistema tecnocrático que não tem rosto humano, bem como as torturas sofridas ao longo dos séculos pelas populações amazônicas. É por isso que ele insiste que “não podemos permitir o atual genocídio e ecocídio, temos que nos unir, para criar consciência de unidade na diversidade”.
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Foto: Luis Miguel Modino
A Igreja Católica é aliada dos povos indígenas, enfatizou Pedro Barreto, algo solicitado no Sínodo, onde estiveram presentes representantes destes povos, entre eles Gregorio Díaz Mirabal, presidente da COICA. Diante desta realidade, o cardeal insistiu que queremos servir, algo demonstrado pelo Papa Francisco, que apontou para a Igreja e para a humanidade uma experiência de denúncia de um sistema que exclui, no qual alguns aproveitam o sofrimento destes povos, apaziguando a necessidade de levantar a voz com este remédio espiritual de que Díaz Mirabal falou.
O Cardeal Barreto destaca a importância da Assembleia para a Amazônia como “uma expressão genuína do fato de que os povos amazônicos estão trabalhando juntos para defender, como guardiões heroicos deste bioma que é importante para a humanidade”. Neste sentido, ele afirma que a sabedoria e a cultura dos povos amazônicos é importante para a humanidade, sua vida sóbria, deixando clara a necessidade de que a tecnologia esteja a serviço da vida e das culturas. O Cardeal deixa claro aos povos indígenas que “a Igreja Católica está muito atenta e os acompanha neste processo de reivindicação e em sua firme atitude de defesa de nossa casa comum”. Finalmente, ele lançou um desafio à COICA, a convocação de uma assembleia mundial de povos originários de toda a humanidade, como um passo decisivo na defesa da vida e que os povos nativos sejam os protagonistas de uma nova visão que respeite a vida humana.
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Foto: Luis Miguel Modino
Representantes dos povos indígenas dos países amazônicos mostraram a realidade de que seus povos estão vivendo nesta época de pandemia, uma realidade que agrava as situações de esquecimento histórico e exclusão vividas ao longo dos séculos, algo acentuado nos últimos anos pelos efeitos das atividades extrativistas dos recursos naturais. Em geral, a situação é crítica, algo em que Lisardo Cauper, do povo Siphibo, insistiu, denunciando a falta de assistência médica e o abandono total dos povos indígenas, resultado de um sistema excludente e racialmente discriminatório que a cada dia causa a morte dos povos indígenas. Diante do desejo do Estado de reativar a economia, ele exigiu o fim dos sistemas de exclusão, insistindo que “precisamos da atenção e solidariedade do mundo, porque estamos morrendo”.
A Amazônia é uma região onde muitos chegam para levar seus recursos com eles, deixando para trás doenças, como denunciou Sirito-Yana Aloema, do Suriname. O líder indígena, diante da falta de direitos indígenas, chega ao ponto de dizer que o governo quer que desapareçamos da Mãe Terra. Ele insistiu que “não precisamos de dinheiro, o que precisamos é de harmonia, amor e respeito”. Além disso, a necessidade de rezar todos os dias, “se rezamos para que a Mãe Terra nos salve, é por isso que temos que protegê-la e proteger as pessoas que estão cuidando de nossos pulmões”.
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Foto: Luis Miguel Modino
Diante da situação que estamos vivendo, Eligio da Costa Evaristo, destaca a importância do trabalho de prevenção nas comunidades, bem como fazer com que os Estados vejam que temos nossos direitos. No caso da Venezuela, onde vive, a grande ameaça é o Arco Mineiro do Orinoco. Estas situações não são novas, pois existem doenças estruturais na Amazônia, resultado da pressão de empresas vindas de fora, como denunciou Julio Cesar Lopez, da Colômbia. Entre elas estão a contaminação, a colonização, famílias que são pagas por grandes empresários para ir e viver na Amazônia, madeireiros, pecuária extensiva, infra-estrutura, sobretudo estradas, incluindo algumas ilegais, caça furtiva, violência de diferentes grupos armados, tráfico de drogas, barragens, racismo com os indígenas, que ele define como pandemias estruturais. Ele exige poder viver na Amazônia, onde não chegamos por interesse econômico. Não é tolerável que pessoas de fora queiram impor o que tem que ser feito na Amazônia, elas têm que falar com os atores nos territórios amazônicos.
A falta de registro dos casos COVID-19 é algo que tem estado presente na Amazônia desde o início, algo que se tornou ainda mais visível no Brasil, como apontou Valeria Payer Kaxuyana. As organizações indígenas denunciaram desde o início que a COVID-19 atacaria seriamente os povos indígenas, o que foi comprovado pelo alto índice de infectados e mortos, muito mais alto do que a média geral. Isto é agravado pelo discurso de um governo que legaliza incêndios e invasões de territórios, que promove a xenofobia, ao ponto de denunciar que “este governo não nos quer vivos, ele faz tudo para nos matar”. Diante desta situação, ele afirma que “vamos continuar lutando contra esta política genocida que foi instalada no governo brasileiro”.
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Foto: Luis Miguel Modino
A mesma situação é vivida na Bolívia, onde Tomás Candia denuncia que “o governo não escuta, não está fazendo nada pelos povos indígenas, ninguém nos escuta”. Neste tempo de pandemia, “a mineração não para e está destruindo nosso território, também as estradas, os cultivadores de coca e o tráfico de drogas”. Combater isso não é fácil na Bolívia, porque, como afirma o líder indígena, “em nosso país qualquer pessoa que saia para defender direitos ou a natureza é perseguida e encarcerada”.
Para enfrentar este momento de pandemia, os povos originários da Amazônia estão realizando práticas tradicionais de autoproteção, de uso da medicina tradicional, de mecanismos espirituais de cura, como afirmou Robinson Lopez, que do Peru enfatizou a importância das plantas sagradas ao longo da história na cura de doenças, algo que também está se tornando evidente neste momento. A partir daí ele destaca a necessidade de entender que “a natureza é nossa Mãe, onde está a vida de todos, é para todos e pertence a todos”.
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Foto: Luis Miguel Modino
Neste trabalho de prevenção, a importância da mulher é fundamental, como disse Tabea Casique Coronado, especialmente com o uso de plantas medicinais. A coordenadora da área de educação da COICA denuncia que no Peru, onde ela estava falando, as crianças indígenas estão ficando sem educação, já que o Estado não aloca recursos. Esta é também a situação no Suriname, denuncia Irvin Harvey, em vista do que as comunidades são forçadas a se virar para enfrentar a COVID, muitas vezes através da medicina natural.
A COICA viu na autogestão dos recursos o caminho a seguir, demonstrando que os povos e organizações indígenas têm a capacidade de responder. Nesse sentido, Michael Jhon McGarrell, um indígena da Guiana, pediu uma maior coordenação com os governos para ajudar a garantir os recursos básicos. Este fundo de emergência criado pela COICA está respondendo a muitos pedidos das comunidades amazônicas, como lembra Adolfo Chávez, que da Bolívia denunciou a falta de vontade política dos governos em diferentes níveis, que mostram pouca sensibilidade em relação aos povos indígenas. Neste sentido, o fundo COICA permite a gestão transparente dos recursos recebidos.
No Brasil, à luta dos povos indígenas contra a COVID se une o confronto com a política de Estado, que é genocida, como afirmou Elcio Manchineri. O indígena brasileiro destaca que nesta situação o fundo de emergência da Amazônia é fundamental, o que ajuda a combater a falta de alimentos, assim como na aquisição de equipamentos para prestar primeiros socorros nas comunidades, o que pode salvar mais vidas, já que muitos pacientes levam vários dias para chegar aos hospitais de barco. Olhando para o futuro, ele insistiu na necessidade de pensar no período pós-pandêmico e nas consequências que ele terá sobre os povos indígenas, para os quais será decisivo garantir o investimento de todos os recursos em favor desses povos.