As diaconisas da Igreja Ortodoxa

Enquanto os católicos formam grupos para discutir a questão, algumas igrejas-irmãs do Oriente reativam o instituto das diaconisas

O patriarca de Alexandria e toda a África, Theodoros II, consagra 'diaconisa das missões' em República Democrática do Congo

O patriarca de Alexandria e toda a África, Theodoros II, consagra ‘diaconisa das missões’ em República Democrática do Congo (Agenzia Fides)

Mirticeli Medeiros*

Em 12 de maio de 2019, o papa Francisco, ao desfazer a primeira comissão de estudos sobre o diaconato feminino, foi enfático: “Se o Senhor não quis o ministério sacerdotal às mulheres, não adianta”. E completou dizendo que sem um fundamento teológico ou histórico não poderia levar a proposta adiante.

Naquele mesmo dia, diante de 850 religiosas de todo o mundo, que participavam da Assembleia Geral da União das Superioras Religiosas (UISG), Francisco admitiu não ser um perito na matéria, mas confiava no dossiê apresentado pelos pesquisadores. Eles concluíram que, na igreja primitiva, as diaconisas, de fato, existiram, mas não eram ordenadas como os homens.

Após o Sínodo para a Amazônia, de outubro de 2019, Francisco optou por reativar a comissão, contando com outro grupo de especialistas. Não há um prazo para a conclusão da pesquisa, mas certamente o resultado preliminar será entregue ao papa o quanto antes. Muito provável que no Sínodo sobre a sinodalidade, marcado para 2022, o tema volte a ser debatido.

Enquanto na igreja romana os estudiosos quebram a cabeça em busca de respostas para a questão, os ortodoxos já estão há tempos se debruçando sobre as fontes históricas e patrísticas que citam as diaconisas.

Em 1907, a Igreja ortodoxa russa foi a primeira a solicitar que o ministério das diaconisas fosse reativado, alegando que, na verdade, elas nunca deixaram de existir no Oriente cristão. Foram citados o caso da Geórgia e de outros países que continuaram concedendo esse título às mulheres em épocas distintas.

Oficialmente, o ministério das diaconisas caiu em desuso, no seio da cristandade, a partir do século 10. Porém, o rito de consagração das diaconisas, de fato, nunca foi retirado do rito bizantino.

Um santo popular do século 20, chamado Nekário, chegou a ordenar duas diaconisas nos idos de 1911. Nas décadas de 1940 e 50, o teólogo Evangelos Theodorou, da Universidade de Atenas, lançou dois livros chamados Heroines of love: Deaconesses through the ages (Heroínas do amor: diaconisas através dos tempos, em tradução literal) (1949) e The ‘ordination’ or ‘appointment’ of Deaconesses (A ‘ordenação’ ou ‘nomeação’ de diaconisas) (1954), nos quais defende, através de uma vasta documentação, que as mulheres eram consagradas diaconisas diante da iconostasis, a divisória que separa o santuário da assembleia nos templos orientais.

Nas décadas de 1970 e 80, outras aberturas também aconteceram em âmbito ortodoxo.

Em 2004, sob a direção do arcebispo de Atenas, Christodoulos, a Igreja autocéfala da Grécia aprovou, através de um sínodo que contou com a participação de 125 bispos e metropolitas, a restauração do diaconato feminino aos moldes da igreja primitiva. Após uma série de embates entre os participantes da assembleia, os gregos decidiram conceder o diaconato às monjas anciãs. O documento de aprovação da prática não usa a palavra ordenação, mas adota o termo grego kathosiosi, que significa ungir/abençoar.

O que ocorria em Constantinopla no século VI, a então capital do Império Romano do Oriente, e na Síria, principalmente, saltou aos olhos dos pesquisadores da comissão católica. À época do imperador Justiniano, por exemplo, os registros apontam que, na catedral de Santa Sofia, “100 diáconos e 40 diaconisas exerciam os mais variados serviços”. Elas eram responsáveis pela catequese das mulheres pagãs, levavam a comunhão aos doentes, assistiam os indigentes e eram as intermediárias entre o bispo e as outras mulheres da comunidade.

Contudo, é importante salientar que, no passado, qualquer ministério da igreja (leitor, cantor, porteiro, etc) era abençoado pelo bispo através de um gesto solene chamado quirotesia (do grego, o ato de impor as mãos) feito pela autoridade eclesiástica. O momento não era considerado, em todos os casos, uma fórmula sacramental, mas uma espécie de “unção” para a missão que aquele leigo ou leiga, em particular, deveria desempenhar.

Tanto os estudiosos católicos quanto os ortodoxos acreditam que era justamente isso que ocorria durante a nomeação das diaconisas, embora a questão siga em aberto. A própria Comissão Teológica Internacional, ligada ao Vaticano, em documento publicado em 2003, não lançou nenhum veredito sobre a questão.

Ao contrário do alarde feito por grupos conservadores católicos que, pelo jeito, são avessos até ao estudo em questão, ninguém, por enquanto, ao menos na Igreja Católica, contra-argumenta que as mulheres não eram ordenadas sacramentalmente. A questão é saber se é possível reintroduzir o diaconato feminino, criando uma espécie de instituto, em conformidade com a práxis da igreja primitiva, diferenciando-o, justamente, do diaconato masculino. É o que defende, inclusive, o cardeal alemão Walter Kasper.

O caso da Igreja Apostólica Armênia – também ortodoxa – é ainda mais curioso. Enquanto os gregos foram mais cautelosos ao escolher, a dedo, quais mulheres poderiam se candidatar ao diaconato, os ortodoxos armênios resolveram aplicá-lo às leigas comuns. Justificaram que se respaldam na mais antiga tradição da Igreja. Em 2018, na cidade de Teerã, capital do Irã, a anestesista Ani-Kristi Manvelian, de 24 anos, foi consagrada diaconisa em cerimônia solene na catedral de São Gregório.

Em 2006, o patriarca da Igreja Greco-Ortodoxa de Alexandria, Theodoros II, consagrou como “diaconisa das missões” a catequista Theano, da República Democrática do Congo.

*Mirticeli Medeiros é jornalista e mestre em História da Igreja pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma. Desde 2009, cobre o Vaticano para meios de comunicação no Brasil e na Itália e é colunista do Dom Total, onde publica às sextas-feiras

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