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ARQUIDIOCESE DE VITÓRIA – ES
VICARIATO PARA AÇÃO SOCIAL, ECUMÊNICA E POLÍTICA
COMISSÃO DE PROMOÇÃO DA DIGNIDADE HUMANA – CPDH
CARTA ABERTA ÀS AUTORIDADES SOBRE SEGURANÇA PÚBLICA NO
ESPIRITO SANTO
O culto sincero e humilde a Deus “leva, não à discriminação,
ao ódio e à violência, mas ao respeito pela sacralidade da
vida, ao respeito pela dignidade e pela liberdade dos outros e
a um solicito compromisso em prol do bem-estar de todos”.
Papa Francisco
A nota emitida pelo Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH-ES) em 28/05/2021 manifesta repúdio à ação da Polícia Militar, ocorrida na referida data, que ceifou a vida de um trabalhador em Central Carapina (Serra/ES) e, por consequência, semeou atos de violência pela comunidade, o que nos coloca, de imediato, em solidariedade com todas as pessoas que se encontravam nesse contexto violento, e, em especial, em solidariedade à família que perdeu o seu ente querido.
Em nossa missão de promover a dignidade humana e a sacralidade da vida, opomo-nos a todas as formas de discriminação, ódio e violência, e afirmamos que a segurança pública é dever do Estado, além de direito e responsabilidade de todas as pessoas.
Os relatos que chegam à nossa Comissão sobre as ações policiais que ocorrem, especialmente nos morros e nas comunidades mais pobres do Estado do Espirito Santo, levam, inevitavelmente, a questionamentos sobre se não estariam sendo violadas as diversas normas estabelecidas no ordenamento jurídico pátrio e, particularmente, no Código de Conduta para os Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei, adotado pela Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU) em 17/12/ 1979, por meio da
Resolução no 34/169.
No sentido de contribuir com esses questionamentos, lembramos alguns dos dispositivos desse documento:
O artigo 2º afirma: “No cumprimento do seu dever, os funcionários responsáveis pela aplicação da lei devem respeitar e proteger a dignidade humana, manter e apoiar os
direitos fundamentais de todas as pessoas”.
Já o art. 3º, por seu turno, versa sobre o uso da força, nos seguintes termos: “Os funcionários responsáveis pela aplicação da lei só podem empregar a força quando tal se afigure estritamente necessário e na medida exigida para o cumprimento do seu dever”. Em outras palavras, destaca-se que o uso da força é um recurso excepcional, que demanda que os policiais usem a força apenas na medida necessária – nada além disso, levando em conta as circunstâncias concretas, tendo sempre como objetivo a prevenção de um crime ou colaborar na detenção legal de pessoas que os estejam cometendo ou suspeitas.
Ademais, enfatizamos que o uso de armas de fogo é uma medida extrema, que, geralmente, não pode ser utilizada, exceto quando o cidadão ou cidadã que estejam em atitude suspeita ofereça resistência armada, ou quando coloque em perigo vidas alheias concretamente e não haja suficientes medidas menos extremas para dominá-lo ou detê- lo.
Por sua vez, o art. 5º do mesmo normativo declara que é vedado aos funcionários encarregados de aplicar a lei submeter pessoas à tortura, nos seguintes termos: “Nenhum funcionário responsável pela aplicação da lei pode infligir, instigar ou tolerar qualquer ato de tortura ou qualquer outra pena ou tratamento cruel, desumano ou degradante, nem invocar ordens superiores ou circunstâncias excepcionais […]”.
Pelo exposto, conclamamos o Governo do Estado do Espirito Santo, os Comandos das Policiais do Espirito Santo e o Ministério Público do Estado – este último, responsável por exercer o controle externo da atividade policial –, a adotarem as providências cabíveis no sentido de apurar os fatos e, especificamente, a se debruçarem sobre as seguintes questões:
1. A atuação policial tem zelado pela implementação efetiva do Código de conduta dos funcionários encarregados da aplicação da Lei aprovado pela ONU?
2. A formação policial contempla a formação em direitos humanos e o estudo dos pactos nacionais e internacionais, dos quais o Brasil é signatário, como pressuposto para a efetivação aplicação do Código?
3. As normas de abordagens policiais adotadas pelo Estado do Espírito Santo têm sido observadas, na prática, por seus agentes?
4. Não estaria incorrendo abuso da força e de poder o agente policial que se julgasse no direito de agredir fisicamente a pessoa que se encontra algemada sob a sua guarda?
5. Quais são as ações que o Estado do Espírito Santo tem efetivado visando à redução da violência e da letalidade policial?
6. Nos eventos em que ocorrem homicídios/feminicídios, os locais dos crimes têm sido preservados até a chegada da policia técnica para a devida perícia?
7. Além da devida responsabilização dos servidores que eventualmente excedam no uso da força, quais são as medidas de cuidado e de atenção à saúde desses profissionais, tendo em vista que os estudos indicam que as atividades profissionais são estressantes e geram diversos agravos a saúde física e mental desses servidores?
8. Qual a periodicidade adotada pelo Estado do Espirito Santo para atualização/formação continuada das forças policiais do Estado?
Vitória – ES, 07 de junho de 2021.
CDPH