Amazonas. “Unamos as nossas forças para ajudar tantas pessoas que estão morrendo”, pede Dom Edson Damian

A situação que vive Manaus nos últimos dias, que aos poucos está repercutindo nos municípios do interior do Estado do Amazonas, tem provocado situações angustiantes em muitas pessoas. Conseguir recursos, especialmente oxigênio, tem se convertido num desafio que está sendo enfrentado por muita gente. O Regional Norte 1 da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB, está sendo uma das instituições que está coordenando esse trabalho de captação de recursos.

A reportagem é de Luis Miguel Modino.

A Campanha “Amazonas e Roraima contam com sua solidariedade” está ajudando a captar recursos no Brasil todo, que devem chegar nas próximas horas. Num vídeo lançado nas redes sociais, se dirigindo a todos os “irmãos e irmãs de todo o Brasil”, o presidente do Regional afirmava que “nesta hora trágica que vive o Estado do Amazonas e Roraima, devido à situação do coronavírus, é necessário que unamos as nossas forças e os nossos esforços, para ajudar tantas pessoas que estão morrendo por falta de oxigênio e outros recursos básicos”.

Dom Edson Damian, seguindo as palavras do Papa Francisco, afirmava que “nós estamos todos no mesmo barco, ou juntos sobrevivemos ou juntos vamos morrer”. Em sua breve reflexão, o bispo de São Gabriel da Cachoeira, destacava que “a pandemia, ela nos iguala a todos na fragilidade e na vulnerabilidade”. Isso levava o bispo a afirmar que “oxalá, ela nos iguale também na fraternidade, na solidariedade, na partilha de recursos para ajudar a salvar tantas vidas que estão morrendo em Manaus”.

Como tem afirmado repetidas vezes nas últimas semanas a CNBB, uma ideia também defendida pelo Regional Norte 1, seu presidente insistia na urgência das vacinas, e que elas “cheguem antes a esta população, que os recursos sejam partilhados conforme à necessidade imensa deste povo”.

Em suas palavras, Dom Edson Damian destacava a emoção que muita gente sentiu diante da chegada em Manaus de “16 profissionais da saúde que foram de diversas partes do Brasil para ajudar a socorrer esse povo”. Esse gesto deve ser seguido, em palavras do bispo de São Gabriel da Cachoeira, “por muitos e muitas irmãs do nosso Brasil”.

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fonte: http://www.ihu.unisinos.br/606230-amazonas-unamos-as-nossas-forcas-para-ajudar-tantas-pessoas-que-estao-morrendo-pede-dom-edson-damian


Falta de oxigênio em Manaus: “É desumano pedir 6 mil reais num cilindro”

Na corrida contra o tempo para salvar familiares com Covid-19, manauaras relatam abuso nos preços e desespero para juntar dinheiro em meio ao colapso da saúde.

A reportagem é de Thiago Domenici, publicada por Agência Pública, 16-01-2021. 

Enquanto mais de 50 países já iniciaram a vacinação contra a Covid-19, o Brasil vê pacientes em Manaus perderem a vida asfixiados por falta do elemento mais essencial da sobrevivência humana, o oxigênio. 

Com a capacidade de atendimento hospitalar esgotada e sem leitos para tratamento na capital, Layla Mariana Batista, 27 anos, diz que desde o início da pandemia nunca viveu “o inferno” de agora.  Assim como centenas de moradores da capital do Amazonas, que chegam a enfrentar filas na zona industrial da cidade para levar o ar que falta a seus familiares, a vendedora de salgados e doces tem se desdobrado para conseguir oxigênio para o tio Rosivaldo Azevedo Marinho, 57 anos, e a tia Maria Madalena Santos de Araújo, 43 anos. 

A tia conseguiu ser internada depois de algumas tentativas mas o tio não conseguiu internação e está em casa sob seus cuidados. 

“A gente conseguiu para ele, a princípio, um cilindro alugado de R$2500, quando a gente foi fechar com o cara ele simplesmente disse que tava 5 mil reais. No final do dia esses 5 mil reais passaram para 7 mil reais. E a gente tem milhões de números que a gente liga, liga e as pessoas não atendem, não tem mais nada”, desabafa. 

A reportagem da Agência Pública entrou em contato com um dos números fornecidos por Layla, que teria sido publicado num anúncio no site da OLX. Pelo whatsapp, o vendedor que não se identifica pelo nome mas como Medic Center, em Manaus, oferece duas opções de “kit oxigênio completo para uso, cilindro de 3 litros e 5 litros, já *carregado.(cheio)”. 

O kit com três litros tem o valor de R$3.800 e o de cinco litros R$5.990. A suposta empresa diz que não faz locação e que aceita crédito à vista ou parcelado em três vezes, débito, PIX ou dinheiro. Sobre a entrega, afirma que não faz porque “está muito corrido” e que seria preciso “ir na loja e deixar pago”. No entanto, não forneceu o endereço até a publicação da reportagem.  

Ao ser questionado sobre a disponibilidade de cinco cilindros — ao valor de quase R$30 mil — o vendedor informou que consultaria “o dono”. Segundo ele, porque “tem muita gente me pedindo urgente”. No valor estariam inclusos impostos e frete.  

A reportagem apurou que o mesmo kit de 5 litros vendido a R$5.990 pela Medic Center é vendido por três vezes menos nas lojas de São Paulo, que cobram, aproximadamente, R$1500 pelo kit carregado. Vendedores de São Paulo que preferem não se identificar afirmaram que o valor cobrado pela suposta empresa é “exorbitante”. 

Questionado se o valor não é abusivo, o vendedor da Medic Center informou que “acredita que não”. “Não meu amigo. Foi comprado em São Paulo uma quantidade e está sendo vendido em Manaus. Só dão 35 unidades. Só!”, respondeu. 

Código de Defesa do Consumidor assevera que é abusiva a obrigação que coloque o consumidor em desvantagem exagerada. “O aumento arbitrário dos lucros constitui infração contra a ordem econômica (art. 36, III, da Lei n. 12.529/11) e crime contra a economia popular (art. 3º, VI, da Lei n. 1.521/51)”, segundo o Ministério Público de São Paulo

Indignação, vaquinha e desespero para salvar parentes

“É desumano você ouvir alguém te pedir R$6 mil num cilindro e tu não ter da onde tirar para salvar o teu parente”, diz Layla.  “Dá nojo de ouvir a pessoa te falar que tá cobrando tudo isso”, reclama. No final da tarde de ontem (15), Layla conseguiu alugar um kit no valor de R$2000 por três dias para o tio. “A gente tá fazendo uma vaquinha porque ninguém está preparado pra dar 2 mil a cada três dias para um parente teu sobreviver. E assim a gente tá seguindo aqui”.

Layla informou à reportagem na tarde deste sábado que o oxigênio do tio acabou durante a última madrugada e que aguarda uma recarga da empresa na qual alugou o equipamento mas “que não tem hora para chegar”, segundo ela. 

No Twitter, o youtuber Felipe Neto, que está mobilizando recursos para levar oxigênio para Manaus, afirmou que “alguns dos fornecedores de oxigênio aumentaram vertiginosamente o preço ontem [15 de janeiro] e hoje, porque sabiam que teríamos que comprar pra salvar vidas. Gente podre, nojenta. Em crises a gente vê o melhor e o pior do ser humano”, escreveu.

Isac Neto, 46 anos, dono de uma empresa de gás em Manaus, explica que a demanda aumentou o preço para a recarga do oxigênio. A recarga de 10 m³ que em dezembro custaria R$350 hoje custa R$800. “Eu não tenho mais como atender porque eu não tenho mais produto e as pessoas me ligando. Eu tô falando contigo e o telefone está tocando”, disse. 

Segundo Isac, a procura começou no dia 26 de dezembro. “Nesse dia, eu cheguei aqui em Manaus, e em uma semana vendi mais de 2 mil m³ de gás que eu trouxe de São Paulo. Todo o produto acabou dia 7 de janeiro, algo que duraria em tempos normais, uns seis meses”. 

Emilly de Araújo Carmo, 28 anos, que perdeu o avô Naivo Ferreira de Araújo, 81 anos, no dia 1 de janeiro, reforça o aumento abusivo de valores. Ela conta que ainda em 15 de dezembro, já diagnosticado com coronavírus, conseguiu alugar para o avô um cilindro de 40 litros por R$600 — valor que, neste momento, pode chegar a R$2000, segundo ela. 

“No nosso último contato, meu avô me disse que ia ficar bem e que nos amava, foi quando eu tive a oportunidade de dizer pela última vez para que eu também o amava. Queríamos ter tido a oportunidade de um outro desfecho para essa história”.

“Manaus está em guerra por oxigênio”

O mesmo desespero vive Grace Sá, 34 anos, que está com a mãe, Maria das Graças, 64 anos, em casa com Covid-19. “Nossa situação aqui em Manaus é a guerra por oxigênio. A minha mãe está em casa. Foi uma alternativa que nós encontramos, pois o hospital 28 de Agosto não tem condições. Além de não ter leito é uma tortura psicologica você estar lá”, revela.

Ela conta que ao internar a mãe há alguns dias, levou um pequeno cilindro de oxigênio. “E a enfermeira falou bem assim: ‘ainda bem que vocês trouxeram porque não tem e quando acabar esse aí não tem mais’”.  Foi quando,  segundo ela, começou a sua luta e do irmão para conseguir o produto. “O meu irmão gravou um vídeo nas redes sociais que viralizou na cidade… aí conseguimos ajuda até ela terminar o atendimento lá no hospital”. 

 

No momento, ela e o irmão tratam a mãe em casa. “Aí a gente decidiu tirar ela de lá quando nós conseguimos um outro cilindro grande para trazê-la. Foi desesperador. Essa cena vai ser eterna na minha vida”, conta. “Todo dia é angustiante. Ninguém mais dorme aqui pensando em como conseguir oxigênio para o outro dia. Hoje nós temos. E amanhã, nós vamos ter? Essa é a pergunta que fica todos os dias na nossa mente. É orar e ter muita fé. Não quero nem pensar na possibilidade de não ter”. 

Na tarde deste sábado, Grace disse que passaram a mãe para “um condensador que produz oxigênio”. Segundo ela, não supre a necessidade, mas é uma alternativa para economizar.  “É uma escolha difícil mas sem nenhum oxigênio ela não aguenta”, disse. 

aumento de novos casos da Covid-19 fez com que a demanda por oxigênio chegasse a 76 mil m³ diários no Amazonas.  Em meio a falta de oxigênio, a polícia já apreendeu 45 cilindros de um barco em Manaus e 33 cilindros escondidos numa empresa.

*Colaborou Rute Pina, Anna Beatriz Anjos, Bruno Fonseca.

fonte: http://www.ihu.unisinos.br/606234-falta-de-oxigenio-em-manaus-e-desumano-pedir-6-mil-reais-num-cilindro


 

Repórter narra luta de meses contra a covid em Manaus

Como as mortes por falta de oxigênio em UTIs trouxeram indiferença e sofrimento aos moradores da capital do Amazonas

João Bosco Cyrino
Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

 

Nas portas dos hospitais muitos recorrem à fé na esperança desta ser mais forte que a falta de ar de seus entes queridos – João Bosco Cyrino

 

Em Manaus, a covid-19 não é mais doença, mas o cotidiano — a tragédia humana deixa de ser notícia e vira rotina que tira meses de vida de quem é contaminado enquanto ataca todos à seu redor num ciclo vicioso que, quando parece que acabará, recomeça.

“A impressão que dá é que muita gente além de nós tá se acostumando com a morte” diz o coveiro do cemitério São João Batista, Antônio Costa, localizado em frente ao Hospital Universitário Getúlio Vargas (HUGV), onde quatro pacientes morreram sufocados por falta de oxigênio na última quinta-feira. Com 493 mortos por covid e recorde de sepultamentos só na última semana, o município passa pela maior calamidade da saúde pública de sua história.

O aumento dos casos de infecção gerou efeito cascata que levou ao colapso de todo o atendimento — tornando uma doença, que menosprezada pelos manauaras havia poucos meses, em drama nacional. Desde o meio de dezembro hospitais e policlínicas limitam o atendimento e as filas de espera chegam a 500 pessoas, enquanto o governo remaneja médicos e enfermeiros para render colegas que adoecem ou estão esgotados. A falta de oxigênio em 14/01 é vista por muitos profissionais como fracasso evitável após meses de falta de preparo do poder público e indiferença dos manauaras às medidas de distanciamento social.

Neste dia, em UPAs de bairro há relatos de funcionários que entregaram cilindros de oxigênio vazios para que populares tentassem enchê-los. Enfermeiros fizeram rodízio para realizar ventilação manual em pacientes dos hospitais HUGV, HPS 28 de Agosto e Delphina Aziz. Na Fundação de Medicina Tropical, um pai sem equipamento de proteção atravessou em desespero os corredores da UTI para levar um cilindro de oxigênio para seu filho de 35 anos.


A recepção principal do HUGV, atualmente fechada, reflete os muros do cemitério do outro lado da rua / João Bosco Cyrino

 

Vítimas de acidentes, pacientes com cirurgias de emergência e bebês prematuros estão entre as vítimas colaterais da implosão da saúde pública da maior cidade da região Amazônica. Agora, enquanto celebridades brasileiras e até o governo da Venezuela se mobilizam para apoiar Manaus, a população quer respostas a duas perguntas críticas: quem deixou esse colapso acontecer e como evitar que se repita?

 Vida encurtada

“Não foram vidas perdidas, mas encurtadas por esse vírus”, afirma categórica a assistente social Beatriz de Souza, “encurtadas por incompetência das lideranças e falta de empatia com o próximo por parte da população”. Desde setembro, quando os casos de covid voltaram a subir, pesquisadores e médicos alertavam para a necessidade de melhores práticas de distanciamento social e aumento dos estoques para os hospitais. Na época o Ministério da Saúde se limitou a repassar R$ 516,6 milhões ao Governo Estadual em vez de propor um plano de logística emergencial para um estado historicamente conhecido pela dificuldade de acesso por vias terrestre e fluvial.

Tal política falhou em menos de três meses quando, em dezembro, o governo do estado  se viu obrigado a decretar o fechamento de atividades não essenciais após o natal. Este decreto foi revogado em 27/12 após protestos da população que contaram com o apoio e elogios dos deputados federais Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) e Bia Kicis (PSL-SP). Foi preciso a situação piorar antes que o Ministério Público (MP) conseguisse na Justiça implantar um lockdown até 18/01.


A lotação dos hospitais pelo aumento nos casos de covid fez o número diário de mortos em Manaus bater novos recordes / Arte: Paloma Guimarães Fonte: Semulsp

 

Hoje, Manaus está com todos os serviços não essenciais fechados, toque de recolher das 19:00 às 6:00 e as provas do Enem foram adiadas em todo o Estado dado o alto risco de contágio da covid. Acima de tudo, os manauaras vivem neste começo de ano o pavor de enfrentar uma doença que não faz distinção de classe e afeta todos os aspectos da vida em sociedade. Em menos de um mês os sentimentos de antipatia e protesto se transformaram em receio pela covid 19, apoio aos profissionais de saúde e distanciamento social bem como repúdio às autoridades que, por omissão ou corrupção, deixaram a situação chegar ao caos.

Muitos questionam que tal cuidado veio tarde demais e o sentimento de revolta deixa uma cicatriz profunda em um povo que anseia por regressar a um “normal” que não existe mais. A principal lição desse caos amazônico é a sensação de que, caso não se tomem as devidas precauções, a Manaus de hoje é o Brasil de amanhã.

“Perdi meu pai e uma tia bem como dezenas de amigos e conhecidos”, diz a professora do Instituto Federal do Amazonas, Ana Claudia de Souza, “Não ter feito o isolamento na segunda quinzena de dezembro nos levou a situação de hoje enterrarmos colegas jovens e saudáveis, de pais enterrando filhos. Isso não era para ter acontecido”.

Uma narrativa de todos

Fora das estatísticas, uma das piores consequências da tragédia coletiva em Manaus está na banalização do sofrimento individual. Sentimentos de perda, angústia e impotência viraram lugar comum no imaginário local — alguém sempre conhece um morto pela covid. Até este repórter, que aqui narra essas histórias, enfrenta os dramas pessoais causados pela doença.

Desde contaminado e com falta de ar, esperar horas para internar a mãe e o avô na UTI enquanto uma dúzia de parentes e amigos testavam positivo para covid. E, menos de um mês depois, ainda com a mãe a se recuperar das sequelas, sepultar o avô que faleceu aos 78 anos por complicações causadas pela covid-19. Antes mesmo de pegar as cinzas do morto — quando o ciclo de dor finalmente parecia cessar — ser informado que o outro avô também está contaminado pelo vírus e precisa de apoio.

Ou seja, mesmo para os que “vencem” essa doença em Manaus, a covid não é mais uma probabilidade, mas realidade e uma certeza de que essa espiral de contaminação, eventualmente, atingirá um parente ou amigo próximo. A letalidade do vírus não é mais um “se” no vocabulário local, mas uma questão de “quem será o próximo e vão sobreviver ou virar estatística?”.

Como tantos manauaras, meu 2021 não começou entre abraços e votos de felicidade, mas à cabeceira da cama do avô de 91 anos com dificuldades para respirar. Enquanto os fogos marcavam o final de 2020 e o colapso da saúde do Amazonas, os únicos votos de ano novo que importavam eram as promessas vazias ao parente querido de que, esse ano, “vai ficar tudo bem”.

Edição: Rodrigo Durão Coelho

fonte: https://www.brasildefato.com.br/2021/01/16/reporter-narra-luta-de-meses-contra-a-covid-em-manaus


Mensagem de Jesus a religiosos intolerantes

Ou a religião torna vocês pessoas mais humanas e amorosas, ou essa religião é falsa e vazia

No fundo da Igreja, dona Salomé recebia a comunicação de uma profecia

No fundo da Igreja, dona Salomé recebia a comunicação de uma profecia (Unsplash/Geron Dison)

Marcelo Barros

Há poucos dias, na reunião de oração de uma conhecida Igreja neopentecostal, aconteceu um fato surpreendente. O pastor invocou o Espírito Santo e a comunidade entrou em êxtase. Os irmãos e irmãs começaram a receber os diversos dons pelos quais o Espírito se manifesta. Uns falavam línguas. Outros cantavam e alguns impunham as mãos sobre doentes para curá-los. E no fundo da Igreja, dona Salomé recebia a comunicação de uma profecia. O Espírito a fazia falar:

— Eis o que diz o Senhor Jesus:

“Estou muito triste e envergonhado com vocês. Se vocês não querem aceitar o meu evangelho do amor e da salvação universal ao menos não usem o meu nome para propagar ódio e violência. Como se sentem no direito de usar o meu nome para discriminar pessoas e atacar a religião dos que praticam cultos afrodescendentes? Nunca autorizei ninguém a usar meu nome para fazer maldades. Quando eu estava atuando na Galileia e tinha de passar pela Samaria, os samaritanos de uma cidade negaram que eu pudesse passar por ali. Tiago e João, dois dos discípulos, quiseram invocar o Espírito para acabar com aquelas pessoas. Imediatamente, os repreendi e disse claramente o que, com tristeza, digo agora a vocês: ‘Não sabeis de que espírito sois’ (Lc 9, 55). Em outra ocasião, um homem estava expulsando demônios e não era do nosso grupo. Meus discípulos quiseram proibi-lo de fazer isso. De novo, os repreendi dizendo: ‘Não o proibais porque quem não é contra nós, está do nosso lado’ (Lc 9, 50).

Não é justo confundir cultos afro com a idolatria que os profetas da Bíblia condenaram. Na Bíblia, Deus tem muitos nomes. A tradição bíblica aceitou que Deus fosse chamado de Elohim, de El Shaddai, El Shabbaot e outros, que eram como atualmente são os nomes de Orixás. Eram nomes de Deus ligados ao amor, à vida e à paz. No entanto, havia também nomes ligados à morte e à violência. Moloc era um deus que exigia sacrifícios humanos. Os pais deviam sacrificar os filhos na fornalha em honra de Moloc. Baal era o deus do comércio que privilegiava ricos e discriminava os pobres. Então, os profetas ensinaram que esses nomes de Deus são idolátricos. Eu mesmo no evangelho insisti que ‘ninguém pode servir a Deus e, ao mesmo tempo, ao dinheiro’ (Mt 6, 24).

Agora, muitos cristãos aceitam tranquilamente pastores que, em nome de Deus, enriquecem, defendem injustiças sociais, promovem violências e destroem a Amazônia. E vocês aceitam isso e, ao mesmo tempo, consideram os cultos afro como sendo do diabo. Não veem que o ídolo é o Deus cruel e mesquinho que vocês pregam e que ensina a discriminar pessoas e dividir a humanidade em crentes e não crentes. Quem conhece o meu Evangelho sabe que o nosso Deus é Pai misericordioso que faz nascer  o sol sobre maus e bons e faz descer a chuva sobre justos e injustos (Mt 5, 45).

Antigamente, os poderosos de cada região impunham a sua religião a todos os habitantes do território que dominavam. Hoje, graças a Deus, o mundo inteiro é uma grande sinfonia de diferentes culturas e religiões. Isso é inspirado pelo Espírito do meu Pai.

A lei brasileira defende a liberdade religiosa e de culto e isso é correto. Mas, é preciso mais do que isso: é preciso que as pessoas se convençam de que não existe fé na intolerância e no desamor. Ou a religião torna vocês pessoas mais humanas e amorosas, ou essa religião é falsa e vazia. A fé deve ser um processo permanente de abertura interior para descobrir no outro ser humano e na natureza a presença divina.

Atualmente, a diversidade religiosa no mundo é, não somente um fato atual que, queiramos ou não, se impõe à humanidade. Ela se constitui como graça divina e uma bênção para as tradições religiosas que, assim, podem se complementar e mutuamente se enriquecer. Para que esse diálogo seja verdadeiro e profundo, cada grupo religioso tem de reconhecer o elemento de verdade que existe no outro.

Como pessoas cristãs, vocês devem ser testemunhas do amor universal do meu Pai que eu quis testemunhar ‘a todo ser humano que vive nesse mundo’. No evangelho, na hora de me despedir dos discípulos, afirmei: ‘Na casa do meu Pai, há muitas moradas’ (Jo 14, 1). Com isso, não quis dizer que, no céu, há muitas casas preparadas para vocês, quando morrerem. O sentido profundo da minha palavra é que vocês precisam ver ‘a casa do Pai’ nesse mundo mesmo. E as muitas moradas de Deus são as diversas formas de caminhar para o seu reino. O meu Espírito peregrina com todos e todas das mais diversas religiões e tradições espirituais. As religiões são tendas armadas no caminho para ajudar as pessoas a avançarem na direção do Amor. Só isso”.

A pobre irmã que teve de proclamar essa profecia que tinha acabado de receber viu as pessoas virarem para o outro lado e ficou com medo de que a expulsassem da Igreja.

 

Marcelo Barros
Marcelo Barros é monge beneditino e teólogo especializado em Bíblia. Atualmente, é coordenador latino-americano da Associação Ecumênica de Teólogos/as do Terceiro Mundo (ASETT). Assessora as comunidades eclesiais de base e movimentos sociais como o Movimento de Trabalhadores sem Terra (MST). Tem 45 livros publicados dos quais está no prelo: “O Evangelho e a Instituição”, Ed. Paulus, 2014. Colabora com várias revistas teológicas do Brasil, como REB, Diálogo, Convergência e outras. Colabora com revistas internacionais de teologia, como Concilium e Voices e com revistas italianas como En diálogo e Missione Oggi. Escreve mensalmente para um jornal de Madrid (Alandar) e semanalmente para jornais brasileiros (O Popular de Goiânia e Jornal do Commercio de Recife, além de um jornal de Caracas (Correo del Orinoco) e de San Juan de Puerto Rico (Claridad).
 

 fonte: https://domtotal.com/artigo/9231/2021/01/mensagem-de-jesus-a-religiosos-intolerantes/

 

 

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