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Por Chico Alencar
Apesar do patriarcalismo que impera em muitas religiões, a leitura da Bíblia – sem fanatismo nem fundamentalismo – é reveladora da força das mulheres na história humana.
O feminino prepondera na mitologia da Criação, no protagonismo de muitas mulheres fortes das tribos de Israel (Ruth, Dalila, Suzana e Isabel, entre outras), no anúncio do nascimento de Jesus e em muitas passagens de sua vida (a samaritana, Marta e Maria, Madalena e tantas outras). São elas também as primeiras a verem o Ressuscitado, acontecimento central do cristianismo.
Hoje, no domingo que antecede o Natal, o relato (Lc 1, 26-38) é o da Anunciação: o anjo Gabriel – do hebraico ‘gébher’, homem forte, e ‘El’, Deus: “homem forte, mensageiro de Deus” – fala à jovem Maria de Nazaré da grande alegria de que ela será portadora, gerando o Emanuel – que quer dizer “Deus conosco”.
Os anjos simbolizam a ligação do céu e da terra, do natural com o sobrenatural. Representam a nossa possibilidade de transcendência, de ir além. Não somos condenados à morte, mas a um permanente renascimento.
Maria, diante daquela visão de intensa luz, acolhe o Mistério. Com grandeza revolucionária: “Faça-se em mim segundo a tua palavra”. Ela cantou em seguida, em visita à prima Isabel: “O Senhor realiza proezas com seu braço: dispersa os soberbos de coração, derruba os poderosos de seus tronos e eleva os humildes, aos famintos enche de bens e despede os ricos de mãos vazias!”.
Este o sentido profundo do Natal: a força dos pequenos, a riqueza da simplicidade, a comunhão com todas as criaturas – o boi, o burro, o galo que anuncia a aurora por vir na noite escura e fria. Os poucos que chegam em torno de Maria e José, os pastores, tidos como a “ralé” da época. E o Menino, a Eterna Criança: “um Deus que brinca e sorri, tão humano que é divino” (Fernando Pessoa).
Temos percebido e acolhido, como Maria, os anúncios de fertilidade e alegria, mesmo caminhando no deserto, em meio às tristezas da hora? Ainda há, em nós, lugar para a esperança, para a fraternidade, para a percepção do outro como meu igual?
Boas indagações às vésperas do Natal…