Brasil, uma história de genocídios

Genocídio que criou Blumenau e região
 
 
“Teu crime branco, Blumenau, limpo quando lavadas tuas mãos, conheci primeiro nos versos de Lindolf Bell. E me pergunto, quantos corpos subjazem sob a tua história? Há, claro, aqueles que preferem não ver. São a maioria, e compreendo. Melhor sentir o perfume das flores. Mas não há flores sem estrume, a morte adubando a vida. Ou duvidas, minha cidade jardim?
 
Martinho Bugreiro invadia os matos com seus caboclos, bravos a decepar xoklengs, porque “corpo é que nem bananeira, corta macio”, escreveu Ireno Pinheiro, também caçador de índios. A mata, o inimigo a vencer! Retornavam às ruas varridas exibindo os pares de orelhas, prova da chacina, garantia do pagamento. Os colonos festejavam e agradeciam a Deus o sucesso da caçada. Claro, outros tempos. Hoje permitimos que morram afogados nas parcas terras que lhes sobramos, lá nos cantos de José Boiteux.
 
Karl Kleine foi um imigrante que trabalhou como ajudante na demarcação de terras da colônia Blumenau. O ofício levou-o a explorar as matas mais densas do Vale do Itajaí e, em um trecho das suas memórias, escreveu: “havia um vulto na margem, parecia estar bebendo água na mão. Estava protegido pelos arbustos, tanto que não dava para reconhecer se era um dos nossos ou um bugre. Era possível percebê-lo somente quando se agachava para chegar até a água. Lohmeier levantou a espingarda. O disparo atravessou o rio com estrondo e, em seguida, ouvimos um berreiro. No mesmo momento, o segundo disparo. O berreiro passou a lamento. Lohmeier pegou sua pistola e gritou: ‘– encosta, encosta! É um bugre!’”
 
Não era um bugre (xokleng), mas um macaco bugio. Ainda segundo Karl Kleine, depois de alvejado, o bugio “passou a mão no peito e a estendeu toda ensanguentada. Ele gemia como uma pessoa agonizante. Seus gemidos nos atingiram profundamente. Percebemos nitidamente que ele chorava como gente.” No trecho podemos perceber que um bugio agonizante era capaz de suscitar nos mateiros mais humanidade do que um indígena. Por que não contaram esta história no desfile de 2 de setembro? As incontáveis orelhas cortadas, o pé mutilado de Ana Bugra, as aldeias incendiadas não cabem em nossa história tão repleta de virtudes e heróis?
 
E se acreditas, Blumenau, que exagero, e já escolhes tuas palavras para lançá-las como pedras na seção de comentários, respondo-te novamente com a poesia de Bell quando este diz: “veste a carapuça / e ensina teu filho / mais que a verdade camuflada / nos livros de história”.
 
Ou preferes continuar lavando tuas mãos, sujas deste teu crime branco?”
 
(Viegas Fernandes da Costa)
Imagem:
Bugreiros e suas vítimas. Acervo Sílvio Coelho dos Santos
 
fonte: Facebook
 


Memória Digital: os bugreiros
Ocupação europeia e “conflitos” com os índios no território catarinense.

 

 

 

Quando da chegada dos primeiros europeus, a distribuição de grupos indígenas no que é o atual Estado de Santa Catarina, era a seguinte: os Carijó, que ocupavam estreita faixa ao longo do Litoral; os Xokleng, que viviam na região dos vales até o Planalto, formado por grupos nômades que circulavam por um território que ia das proximidades de Curitiba até Porto Alegre; os Caingang, ocupantes mais para o interior do Planalto e Oeste e, finalmente, muito provavelmente em partes do extremo Oeste, os Guarani, ocupantes da região do atual Paraguai. Os indígenas que os primeiros europeus encontraram na região de Blumenau foram, portanto, os Xokleng. Ao contrário dos Guarani do Litoral, mais amistosos e até bons anfitriões e que rapidamente foram caçados como escravos e dizimados totalmente até fins do século XVII, os Xokleng logo ofereceram resistência e lutaram bravamente, ao perceberem o rápido avanço daqueles estranhos homens e mulheres não nus como eles, mas que usavam roupas e calçados e que, com uma eficiente tecnologia, causavam uma veloz supressão do habitat. Na imagem, os bugreiros e os índios capturados em processo de pacificação.

 

Fonte: Fundação Cultural de Blumenau / Arquivo Histórico José Ferreira da Silva / Bacca, Lauro Eduardo: Meio ambiente em Blumenau: da Pré-história à História p. 19-56. Revista Blumenau em Cadernos – Edição Especial 1957-2007. Tomo XLVIII. Número 11/12

fonte: https://www.blumenau.sc.gov.br/secretarias/fundacao-cultural/fcblu/memaoria-digital-os-bugreiros59 


Ação dos Bugreiros
 
 
No início do último quartel do século XIX, na região localizada entre o litoral e o planalto no estado de Santa Catarina, na medida em que as frentes de colonização compostas principalmente de imigrantes alemães foram avançando para o interior, encurralando os indígenas, o confronto tornou-se inevitável. Surgiu assim a figura do bugreiro, indivíduo especializado em atacar e exterminar indígenas, contratado pelos colonos imigrantes e pelo governo provincial. Os bugreiros especializaram-se em ataques de surpresa, arrasavam as aldeias não dando chance de resistência aos indígenas. O termo bugreiro vem da palavra “bugre”, designação pejorativa dada aos indígenas da região.
 

As tropas de bugreiros compunham-se, em regra, de oito a quinze homens. A maioria era aparentada entre si. Atuavam sob a ação constante de um líder, que tinha sobre o grupo pleno poder decisão. As referências que logramos obter sobre essas tropas indicam que a quase totalidade era formada por caboclos, conhecedores profundos da vida do sertão. Ao formar um grupo, o líder não tratava apenas de prestar serviços às colônias e seus habitantes. Também viajantes, tropeiros e agrimensores utilizavam-se constantemente dessas tropas para sua proteção quando necessitavam atravessar ou permanecer em territórios onde a presença indígena era freqüente.

Quando os bugreiros eram chamados por colonos, pelos administradores das colônias ou pelo governo para realizarem expedições de afugentamento do selvagem, eles se preparavam verdadeiramente para uma expedição de guerra. Eduardo Hoernhan, em relatório apresentado ao Serviço de Proteção aos Índios, assim os descreve:

Infinitas precauções tomam, pois é preciso surpreender os índios nos seus ranchos quando entregues ao sono. Não levam cães. Seguem a picado dos índios, descobrem os ranchos e, sem conversarem, sem fumarem, aguardam a hora propícia. É quando o dia está para nascer que dão o assalto. O primeiro cuidado é cortar as cordas dos arcos. Depois praticam o morticínio. Compreende-se que os índios acordados a tiros e a facão nem procuram defender-se, e toda heroicidade dos assaltantes consiste em cortar carne inerme de homens acobardados pela surpresa. Depois das batidas dividem-se os despojos, que são vendidos a quem der mais, entre eles os troféus de combate e as crianças apresadas”.

(Santos, Sílvio Coelho dos. Índios e brancos no sul do Brasil – a dramática experiência dos Xokleng. Florianópolis: Edeme, 1973. p. 83-4.)

 

fonte: 

 

 

Fonte : Brasil Indígena: 500 anos de resistência / Benedito Prezia, Eduardo Hoomaert. – São Paulo: FTD, 2000

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