Bolsonaristas usam escolas paramilitares para doutrinar crianças

01.06.2022 10:54  2

Na Berlim de 1931, a doce voz de um jovem alemão, adolescente ainda, irrompe entoando a canção “O amanhã pertence a mim” cujos versos dizem “o sol no prado é quente de verão | O cervo na floresta corre livre | Mas reúnam-se para saudar a tempestade | O amanhã pertence a mim”. A câmera desce lentamente do rosto pueril em direção ao braço do rapaz que enverga uma braçadeira onde, subitamente, surge a suástica. A partir de então, a canção evolui, tornando-se vigorosa, furiosa, com outros jovens e adultos se juntando ao, outrora, adorável adolescente que ergue o braço adiante em saudação nazista.

A cena acima, parte do musical Cabaret, de 1973, dirigido por Bob Fosse, retrata como o nazismo aliciou o espírito inocente de jovens alemães e perverteu-os, através do Deutsches Jungvolk e da Juventude Hitlerista, em soldados assassinos cujas almas foram arrebatadas por Hitler. O ultranacionalismo deveria ter seu futuro assegurado através da doutrinação de crianças e adolescentes, afinal, o amanhã pertence aos jovens. “Agora pátria, pátria, mostre-nos o sinal, seus filhos esperaram para ver.”

Brasília, tarde de domingo, 29 de maio de 2022. Em uma sala de aula da Faculdade LS, no Pistão Sul, em Taguatinga, duas simpáticas jovens fardadas, ao lado de um poster no qual se lê Academia Militar Mirim, recepcionam pais selecionados via Whatsapp para conhecer o curso. A imagem no cartaz mostra uma menina, por volta dos seus seis anos, trajando um uniforme militar verde oliva e um boné camuflado. A tal academia promete ensinar às crianças de cinco a 15 anos valores como hierarquia, disciplina, respeito a símbolos nacionais, valorização da família, ordem unida, ética e civismo. Entre as aulas de cunho conservador e nacionalista, também promete-se abordar português e matemática, boas maneiras, palestras sobre trânsito, dentre outros tópicos. Tudo distribuído em aulas semanais aos sábados, com duração de duas horas, ao longo de seis meses pelo valor de R$ 150 de mensalidade e R$ 105 pelo uniforme.

Desde a ascensão de Bolsonaro à presidência da República, cursos militares e paramilitares para crianças e adolescentes, com foco no ultranacionalismo, travestidos de escolas preparatórias para o ingresso no Exército, Marinha e Aeronáutica, têm pipocado em todo o país. Mais recentemente a Força Pré-Militar Brasileira, conhecida como Fope, e a Academia Militar Mirim, têm expandido a sua atuação por vários estados, onde realizam seletivas para arregimentar novos alunos. Curiosamente, as “escolas” são dirigidas por pessoas sem formação militar, porém próximas a militares da reserva e políticos bolsonaristas, que não escondem seu alinhamento com o atual governo. Em uma delas, inclusive, crianças e jovens aparecem em treinamentos portando simulacros de armas de fogo.

Publicadade da Academia Militar Mirim

Publicidade da Academia Militar Mirim para “alistamento” em Goiânia

A Academia Militar Mirim afirma não ter nenhum vínculo político-partidário em entrevista ao Congresso em Foco. “A iniciativa é 100% privada e também não temos nenhuma ideologia política que seja aplicada durante o curso”, afirma Maurício Almeida, que aparece como o dono do CNPJ da Pem Cursos e Treinamentos, responsável pelo curso paramilitar voltado às crianças.

Em vídeos disponibilizados na internet, porém, é possível assistir às crianças, alunas da Academia Militar Mirim, encerrando suas atividades com o brado nacionalista “Brasil Acima de Tudo”, usado pelo presidente Jair Bolsonaro e seus simpatizantes. “Esse é um grito originalmente do meio militar. Nossos professores são militares da reserva”, apressou-se em explicar Maurício. “Não foi ele [Bolsonaro] quem inventou o lema. Ele apenas usou na campanha.”