Após pressão e racha político, Novo Código de Mineração emperra na Câmara

 Maurício Angelo
 16 de dezembro de 2021

O grupo de deputados da Frente Parlamentar da Mineração que pretendia entregar para o presidente da Câmara, Arthur Lira, um novo Código de Mineração totalmente favorável ao setor mineral, rachou.

“O espírito do Grupo de Trabalho quando foi formado era um, hoje é outro. Só me dei conta de que isso não é um GT ontem à noite. Esse grupo não existe mais“, disse a deputada Greyce Elias (Avante-MG), relatora do Novo Código, em reunião feita na quarta, 15.

O coordenador do GT, Evandro Roman (Patriota-PR), afirmou que “não foi chamado para participar do texto” por Elias e “apenas observou” as discussões. Segundo o deputado e ex-juiz de futebol, ele “poderia ter contribuído mais” e Greyce Elias o consultou apenas na noite de terça, 14 de dezembro, sobre qual seria o resultado da votação.

Com indicativo de derrota do texto atual, Greyce disse que a experiência do GT é “um aprendizado” para ela, que está no primeiro mandato, e que sai da situação aprendendo como realmente funciona a Câmara dos Deputados. Roman insiste em votar o relatório mesmo assim e a reunião marcada para a manhã de hoje foi cancelada.

A novela envolvendo o novo Código de Mineração incluiu uma sessão no fim da noite de terça, com quórum baixíssimo. O grupo, rachado, reconheceu que cada um está defendendo os seus interesses e Greyce Elias lamentou que, segundo ela, foi “uma das únicas” a pensar exclusivamente no setor produtivo, praticamente uma confissão.

A tendência é que, derrotado ou não o relatório atual, os desdobramentos concretos fiquem para 2022, ano eleitoral. O GT perdeu legitimidade, se dividiu e não conseguiu entregar o que Evandro Roman – cassado por infidelidade partidária, mas que recorre da decisão do TSE – prometeu tanto entregar.

Dificilmente o texto de Elias, com contribuição de todos os deputados do GT formado por Lira, será descartado. A tendência é que sirva de base para o trâmite futuro, seja por via expressa, como defendem os lobistas, seja na criação de uma Comissão Especial, o que seguiria o trâmite da Câmara e garantiria a participação proporcional de deputados de partidos com visões distintas (PT e PSOL, por exemplo), o que não aconteceu no GT.

Matérias tiveram influência direta

O GT passou meses se reunindo praticamente sem qualquer holofote. A partir das matérias publicadas aqui no Observatório da Mineração – republicadas pelo UOL Notícias e pelo El País – o cenário mudou.

Coluna da jornalista Cristina Serra na Folha de São Paulo em 26 de novembro lembrou os negócios de Pablo César de Souza, o Pablito, ex-vereador de BH e marido de Greyce Elias, na mineração. Pablito, que hoje é assessor direto do presidente do senado, o também mineiro Rodrigo Pacheco (MDB), consta como sócio de 3 empresas mineradoras.

No governo Temer, Pablito foi nomeado como superintendente do antigo DNPM, hoje Agência Nacional de Mineração (ANM), em Minas Gerais.  

A nomeação de Pablito na época provocou a demissão em massa de 21 servidores, em protesto contra a falta de capacidade técnica de Pablo César de Souza e por seu interesse econômico na exploração mineral.

À Folha, Pablito afirmou que deixou as empresas que consta como sócio “há seis meses” e Greyce Elias negou a influência do marido.

Em reunião do GT, porém, o fato foi questionado por outros deputados, incluindo Ricardo Izar (PP-SP), presidente da Frente Parlamentar da Mineração, que sugeriu “apuração” sobre os fatos para “evitar manchas” na decisão do GT.

Boa parte dos sub-relatores do atual texto foi financiado por mineradoras em 2014, como destaquei em matéria anteriorInvestigação do Brasil de Fato mostrou que também em 2018 pelo menos seis deputados do GT receberam cerca de R$ 200 mil no total em doações de executivos ligados a mineradoras.

Na reunião de ontem Greyce Elias “repudiou a matéria” do BDF e disse que o valor basicamente é “irrisório” frente a outros valores recebidos em eleições anteriores por figuras distintas. Em 2014, mineradoras doaram mais de R$ 100 milhões para candidatos de todo o país.

O deputado Da Vitória (Cidadania-ES) completou a fala de Elias pedindo que jornalistas sejam presos por fazer o seu trabalho, como revelar o dinheiro recebido por deputados em doações legais.

Entidades criticam duramente o texto da relatora, CNI defende

A Confederação Nacional da Indústria (CNI), que tem assumido papel cada vez mais forte no lobby mineral, emitiu nota celebrando todas as mudanças feitas pelo texto de Greyce Elias.

“A CNI realizou processo de ampla consulta à base industrial do setor mineral e apoia a aprovação do relatório 2 apresentado pela Dep. Greyce Elias por entender que a proposta atende a demandas históricas do setor produtivo e soluciona gargalos que criam empecilhos ao desenvolvimento da mineração nacional”, diz o texto da CNI.

Já organizações da sociedade civil representadas pelo Observatório do Clima afirmaram que o texto que está na mesa é “inconsistente, irresponsável e inconstitucional”. O OC elencou diversos problemas graves no texto do GT (leia a lista completa na sequência).

“Não há condições mínimas de essa proposta tramitar como projeto de lei. Ela é uma releitura de um texto arcaico e autoritário do regime militar. Os ajustes realizados ignoram direitos fundamentais no campo socioambiental assegurados explicitamente pela Constituição de 1988. Meio ambiente, populações indígenas, patrimônio cultural e até mesmo o direito à cidade são colocados de forma subordinada aos interesses minerários”, disse Suely Araújo, especialista sênior em políticas públicas do Observatório do Clima.

Para Patrícia da Silva, assessora de políticas públicas do ISPN (Instituto Sociedade, População e Natureza), se for aprovado como está, “enfrentaremos uma crise humanitária, um genocídio, com certeza”. Para Silva, a exigência de oitiva do Ministério de Minas e Energia sobre demarcações é inconstitucional.

“O direito ao território indígena é anterior às minas e à energia. A criação de Unidades de Conservação também é dever do Estado, não depende e não tem que depender de aval do MME considerando interesse minerário”, afirmou.

Para Mariana Mota, coordenadora de políticas públicas do Greenpeace Brasil, “o atropelo do debate imposto na proposta em discussão só evidencia a falta de consenso a esse modelo de exploração desastroso que beneficia poucos e prejudica muitos”.

“O relatório contém retrocessos socioambientais inaceitáveis e inconstitucionais, como a liberação automática de empreendimentos de alto impacto por decurso de prazo. A proposta é irresponsável e colocará toda a coletividade em risco”, criticou Juliana de Paula Batista, advogada do Instituto Socioambiental (ISA).

Diversos deputados de oposição e dezenas de movimentos sociais e organizações da sociedade civil também publicaram uma carta “em defesa de um novo Código de Mineração popular e socioambientalmente sustentável”.

Evandro Roman, Ricardo Izar, Jair Bolsonaro e Nereu Crispim reunidos em 24 de novembro. “Reunião importante com o presidente da República, Jair Bolsonaro e deputados da Frente Parlamentar da Mineração. Também na pauta a questão dos combustíveis. Buscando soluções”, escreveu Roman, no Instagram.

Pontos críticos na proposta atual do GT

Leia na íntegra os pontos críticos do texto do Novo Código de Mineração segundo nota assinada por Observatório do Clima, Conectas Direitos Humanos, Greenpeace Brasil, Inesc, ISPN, ISA, NOSSAS, SOS Mata Atlântica e WWF-Brasil.

De acordo com as entidades, o texto da relatora Greyce Elias:

  • Centraliza atribuições excessivas no governo federal e restringe a fiscalização das atividades minerárias à Agência Nacional de Mineração (ANM) e a seus delegados, esquecendo que é competência comum da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios “registrar, acompanhar e fiscalizar as concessões de direitos de pesquisa e exploração de recursos hídricos e minerais em seus territórios”, segundo o art. 23, inciso XI, da Constituição (arts. 1º e 13 da 2ª versão da minuta);
  • Posiciona os interesses minerários acima dos direitos relativos ao desenvolvimento urbano (art. 1º, § 3º, da 2ª versão da minuta), conflitando com o disposto no art. 182, § 1º, da Constituição;
  • Exclui do controle do poder público a extração de substâncias minerais para uso em obras públicas, inclusive quando realizadas por empresas contratadas (art. 2º, parágrafo único, da 2ª versão da minuta);
  • Prevê dispensa de licenciamento ambiental para a pesquisa mineral em todos os casos em que não estiver presente potencial de significativo impacto, ou seja, nas situações em que não se exige Estudo Prévio de Impacto Ambiental (EIA), o que abrange praticamente a totalidade das pesquisas nesse campo (art. 14, § 5º, da 2ª versão da minuta);
  • Não inclui expressamente os danos ambientais nas responsabilidades do titular da autorização de pesquisa, limitando-se a falar em danos a terceiros (art. 22, inciso IV, da 2ª versão da minuta);
  • Inclui limitações de valor à indenização por danos causados pela pesquisa minerária, inclusive em terrenos de domínio público (art. 27 da 2ª versão da minuta);
  • Inclui licenças e autorizações por decurso de prazo, absolutamente questionáveis na atividade de mineração (art. 30, § 7º; art. 88-A, § 4º; art. 97, § 2º), o que permitirá a liberação de atividades de alto impacto sem análise da ANM e das autoridades locais;
  • Substitui por mera declaração a prova de disponibilidade de fundos ou da existência de compromissos de financiamento, necessários para execução do plano de aproveitamento econômico e operação da mina (art. 38, inciso VII, da 2ª versão da minuta), o que, entre outros problemas, elimina a garantia de que haverá recursos para as condicionantes da licença ambiental e a recuperação ambiental após a finalização das atividades minerárias;
  • Restringe os elementos de análise do plano de aproveitamento econômico pela própria ANM às questões de salubridade e segurança do empreendimento (art. 39, § 2º, da 2ª versão da minuta);
  • Contempla disposições genéricas, insuficientes, em relação às barragens de mineração (art. 40 da 2ª versão da minuta);
  • Não faz conexão formal dos processos junto à ANM com o licenciamento ambiental, tratando de forma autônoma os dois processos, o que levará a conflitos e pressão política para a concessão da licença pelos órgãos do Sisnama (art. 41, § 6º da 2ª versão da minuta).
  • Exige oitiva do Ministério das Minas e Energia e dos titulares de direitos minerários na criação de Unidades de Conservação, no tombamento de bens e também em “outras demarcações” (o que inclui terras indígenas, territórios quilombolas e de outras comunidades tradicionais), bem como a elaboração de análise de impacto econômico, subordinando a proteção dos direitos socioambientais, dos direitos fundamentais dos povos indígenas e do patrimônio cultural aos interesses minerários (art. 42-B da 2ª versão da minuta);
  • Não detalha de forma suficiente a questão ambiental nas responsabilidades estabelecidas para o titular da concessão, inclusive no que se refere à prevenção de desastres ambientais (art. 47 da 2ª versão da minuta);
  • Permite à ANM declarar utilidade pública para efeitos de desapropriação ou de instituição de servidão, o que tende a gerar conflito com a proteção ambiental e com os direitos de indígenas e de outras populações tradicionais (art. 58-A da 2ª versão da minuta);
  • Centraliza a aplicação das penalidades na ANM (art. 63, parágrafo único), o que restringe a atuação do Ibama e outros órgãos ambientais, das autoridades policiais e outros agentes públicos;
  • Restringe a declaração de caducidade da concessão por dano ambiental aos casos de culpa ou dolo do empreendedor, quando o Direito Ambiental brasileiro trabalha com a responsabilidade objetiva como um de seus fundamentos (art. 65, § 4º, da 2ª versão da minuta);
  • Abre a possibilidade de oferta dos direitos minerários, em qualquer de suas fases, mesmo as muito iniciais, como garantia em operações de financiamento (art. 92-A), criando insegurança jurídica.

Em face do quadro apresentado acima, afirmam, “fica evidente que a minuta elaborada no âmbito do Grupo de Trabalho não reúne condições de ter seu trâmite levado adiante. A proposta não só não conta com a consistência técnica ou jurídica necessária, como representa mais um perigoso risco ao meio ambiente e a toda sociedade brasileira, na medida em que busca, na sua essência, facilitar o acesso aos recursos minerais, flexibilizando de forma equivocada e perigosa normas e procedimentos para o controle de impactos e de danos ambientais e sociais”.

A proposta necessita de debate qualificado “não apenas no âmbito do GT, mas com toda a sociedade”, finalizam.

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Sobre o autor

Maurício Angelo

Fundador do Observatório da Mineração, centro de jornalismo investigativo focado no setor extrativo criado em 2015. Repórter com centenas de matérias publicadas na mídia brasileira e internacional (Mongabay, Reuters, UOL Notícias, El País, Repórter Brasil, Intercept, Pulitzer Center, OCCRP, Folha de S. Paulo e outros). Eleito um dos três jornalistas mais relevantes do Brasil no setor de Mineração, Metalurgia e Siderurgia pelo Prêmio Especialistas de 2021, em votação espontânea. Vencedor do Prêmio de Excelência Jornalística da Sociedade Interamericana de Imprensa (2019). Especializado em Mineração, Amazônia, Cerrado, Direitos Humanos, Justiça, Lobby e Crise Climática.

Maurício Angelo is an award-winning international freelance investigative journalist and the founder of The Mining Observatory, a Brazilian based investigative journalism Centre established in 2015. He publishes in many media outlets in Brazil and around the world and was the winner of the Excellence in Journalism Award (2019) by Inter American Press Association. Considered one of the Top 3 journalist experts in Extractive Sector in Brazil in 2021.

fonte: https://observatoriodamineracao.com.br/apos-pressao-e-racha-politico-novo-codigo-de-mineracao-emperra-na-camara/

Proposta de Novo Código de Mineração já nasce arcaica

Novo Código de Mineração – Proposta em análise na Câmara afronta a Constituição de 1988, além de acabar com mecanismos de controle e fiscalização.

Por Solange A. Barreira, Observatório do Clima

Inconsistente, irresponsável e inconstitucional: é assim que organizações da sociedade civil se referem à base do novo Código de Mineração, elaborada por um Grupo de Trabalho da Câmara dos Deputados. Especialistas analisaram o relatório final da deputada Greyce Elias (Avante-MG) em vias de ser votado, e emitiram nesta terça-feira (15/12) uma nota com as principais arbitrariedades do texto. Se aprovado no GT, ele abrirá caminho para a tramitação da nova legislação na Casa.

A proposta — defendida pelo governo Bolsonaro — bebeu na fonte do código em vigor, um decreto-lei editado pelo ditador Artur da Costa e Silva 21 anos antes da Constituição de 1988. Mais de meio século depois, o “remake” da lei não disciplina o licenciamento dos empreendimentos perante o órgão competente do Sisnama (Sistema Nacional do Meio Ambiente) mas, contraditoriamente, prevê dispensa da licença ambiental nas situações em que não se exige Estudo Prévio de Impacto Ambiental (EIA), ou seja, praticamente a totalidade das pesquisas minerais, fase que antecede a exploração.

Além disso, o texto garante direito de exploração mesmo que o requerente não demonstre capacidade financeira de realizar o empreendimento — o que afetará a implementação das condicionantes das licenças ambientais, entre outros problemas. Também não menciona expressamente os danos ambientais entre as responsabilidades do titular da autorização de pesquisa, limitando-se a citar danos a terceiros.

Entre os conflitos constitucionais está o fato de não haver restrições à pesquisa minerária em Terra Indígena ou Unidade de Conservação, colocando em risco direitos socioambientais importantes assegurados expressamente pela Carta de 1988.

Assinam a nota: Observatório do Clima, Conectas Direitos Humanos, Greenpeace Brasil, Inesc, ISPN, ISA, NOSSAS, SOS Mata Atlântica e WWF-Brasil. Leia a íntegra aqui.

Declarações
“É uma tentativa explícita de flexibilizar o atual Código de Mineração, colocando os interesses privados do setor mineral e dos garimpeiros acima dos interesses de toda a sociedade brasileira. Trata-se de um setor estratégico, de alto impacto ambiental e social. A reforma do código de 1967 não pode ser feita assim, no apagar das luzes das atividades do Congresso Nacional e por um grupo de parlamentares que representa de forma acintosa os interesses do setor.” Alessandra Cardoso, assessora política do Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos).

“O relatório não se compromete com avanços na legislação, muito pelo contrário: recua e fere a Constituição Federal. Os territórios a serem minerados, o meio ambiente, as comunidades de entorno e toda a sociedade brasileira pagarão um preço alto pela irresponsabilidade do texto apresentado. Contamos com a mobilização da sociedade civil e o compromisso dos parlamentares com o desenvolvimento sustentável para barrar mais este retrocesso.” Cledisson Junior, estrategista do NOSSAS.

“O relatório contém retrocessos socioambientais inaceitáveis e inconstitucionais, como a liberação automática de empreendimentos de alto impacto por decurso de prazo. Depois de Mariana e Brumadinho o Congresso deveria estar preocupado em fortalecer os instrumentos de controle e segurança das mineradoras. Não é o caso. A proposta é irresponsável e colocará toda a coletividade em risco.” Juliana de Paula Batista, advogada do Instituto Socioambiental (ISA).

“O texto desrespeita princípios constitucionais, ameaça a gestão da água, potencializa riscos de danos ambientais e não leva em consideração as tragédias decorrentes de atividades minerarias, que afetaram bacias hidrográficas inteiras, ceifaram vidas, deixaram sequelas de saúde irreversíveis e contaminação. A proposta afeta áreas protegidas e desrespeita políticas públicas vigentes. Esse é um tema que requer debate com a sociedade e transparência.” Malu Ribeiro, diretora de Políticas Públicas da Fundação SOS Mata Atlântica.

“É urgente que o Brasil lide melhor com o seu patrimônio ambiental, mas Governo e Congresso têm pressa em avançar medidas que incentivam um modelo minerário que destrói florestas e a saúde das pessoas. O atropelo do debate imposto na proposta em discussão só evidencia a falta de consenso a esse modelo de exploração desastroso que beneficia poucos e prejudica muitos.” Mariana Mota, coordenadora de políticas públicas do Greenpeace Brasil.

“A exigência de oitiva do Ministério de Minas e Energia sobre demarcações é inconstitucional. O direito ao território indígena é anterior às minas e à energia. A criação de Unidades de Conservação também é dever do Estado, não depende e não tem que depender de aval do MME considerando interesse minerário. Em resumo, o texto da minuta do novo Código de Mineração representa risco aos modos de vida dos povos indígenas e das demais comunidades tradicionais. Se for aprovado, enfrentaremos uma crise humanitária, um genocídio, com certeza. É muita gente que morre com a entrada do garimpo.” Patrícia da Silva, assessora de políticas públicas do ISPN (Instituto Sociedade, População e Natureza).

“Não há condições mínimas de essa proposta tramitar como projeto de lei. Ela é uma releitura de um texto arcaico e autoritário do regime militar. Os ajustes realizados mantêm o centralismo excessivo no governo federal, inclusive nas atividades de fiscalização e aplicação de sanções e, mais importante, ignoram direitos fundamentais no campo socioambiental assegurados explicitamente pela Constituição de 1988. Meio ambiente, populações indígenas, patrimônio cultural e até mesmo o direito à cidade são colocados de forma subordinada aos interesses minerários. Se é que precisamos aprovar um novo Código de Mineração, ainda falta muito para termos uma base consistente para tanto”. Suely Araújo, especialista sênior em políticas públicas do Observatório do Clima.

“O conteúdo apresentado coloca os interesses do setor privado e dos pequenos garimpeiros ilegais acima das necessidades e interesses da sociedade como um todo. Sem debates públicos, viola direitos fundamentais de povos indígenas e comunidades tradicionais, viabiliza o avanço do trabalho escravo e precarizado e retira o papel já deficitário do Estado de regular e fiscalizar essas atividades de alto impacto. Tal estratégia acaba por potencializar riscos de danos socioambientais catastróficos como os de Mariana e Brumadinho, até hoje sem a devida responsabilização e reparação às populações atingidas. Ou seja, temos um parlamento desconectado das realidades dos territórios do país.” Julia Mello Neiva, coordenadora do programa de Defesa dos Direitos Socioambientais da Conectas Direitos Humanos.

fonte: https://www.ecodebate.com.br/2021/12/15/proposta-de-novo-codigo-de-mineracao-ja-nasce-arcaica/

Novo Código de Mineração deve enfrentar resistência no Congresso

Apresentado no final do mês passado, a proposta tem sido criticada por municípios mineradores e também por parlamentares

Por THAÍS MOTA16/12/21 – 04h00 – O Tempo

Municípios mineradores reclamam da falta de autonomia prevista no novo Código de Mineração

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A proposta para um novo Código de Mineração foi apresentada pela deputada Greyce Elias (Avante-MG) no final do mês passado e já tem enfrentado resistência de municípios mineradores e também de partidos de esquerda na Câmara. Greyce foi relatora de um grupo de trabalho criado no meio do ano para debater a atualização da legislação que versa sobre a mineração no Brasil, que data de 1967. O tema tem grande impacto sobre Minas, que tem na atividade uma das suas principais fontes de receita. 

No relatório mais recente, a deputada afirma que uma das demandas do setor durante as audiências públicas realizadas foi que a “legislação possibilitasse maior agilidade ao processo minerário”, além da queixa de que a “burocracia no setor mineral custa muito caro para o país”. Procurada, ela não respondeu aos pedidos de entrevista da reportagem.

Apesar da tentativa de desburocratizar o setor, algumas mudanças não foram bem recebidas pelos municípios mineradores. Em documento enviado ao grupo de trabalho, a Associação dos Municípios Mineradores de Minas Gerais e do Brasil (Amig) defende a maior participação de Estados e municípios “no registro, no acompanhamento e na fiscalização das concessões de direitos de pesquisa e exploração de recursos hídricos e minerais em seus territórios”, que não teria sido assegurado no novo Código de Mineração.

“É inaceitável a diminuição da presença dos municípios na gestão de seus próprios territórios”, disse o presidente da Amig e prefeito de Conceição do Mato Dentro (MG), José Fernando Aparecido de Oliveira (MDB). Após a reação dos municípios, a relatora alterou o ponto em questão, mas, na avaliação da Amig, ainda está aquém do que defendem as cidades mineradoras.

Além disso, Oliveira lembra as tragédias de Brumadinho e Mariana como impulsionadoras de uma mudança mais profunda do Código de Mineração. Também com um olhar sobre a queda de duas barragens em Minas, parlamentares de esquerda reagiram à proposta do grupo de trabalho. A bancada do PT, inclusive, elaborou uma nota técnica em que critica o fato de que o relatório não incorpora os projetos de lei que resultaram da Comissão de Brumadinho e “que tipificam o crime de ecocídio e aperfeiçoam a legislação da mineração para evitar que novas tragédias ocorram, em especial, impedir a impunidade dos responsáveis pelos crimes”.

A deputada Áurea Carolina (PSOL-MG) também é crítica ao texto. “É inadmissível, depois dos crimes em Mariana e Brumadinho, que o Congresso permita uma legislação que enfraqueça o controle do Estado sobre a mineração”, avalia. Ela criticou também a forma como o debate foi conduzido. “Além do conteúdo do relatório, o processo também é questionável: a proposta está sendo debatida em um Grupo de Trabalho, uma instância informal da Câmara dos Deputados. A intenção do GT é levar a proposta diretamente para o Plenário, para ser votada em caráter de urgência. Isso não é legítimo”, classificou.
 
Outro ponto criticado tanto pela deputada quanto pelo PT é que o relatório traz “propostas que privilegiam majoritariamente os interesses das mineradoras”, conforme destacado na nota do Partido dos Trabalhadores. Entre elas, o partido destaca que o texto “define qualquer atividade mineração como de utilidade pública, interesse nacional e essencial à vida humana, observada a rigidez locacional das jazidas, o que, na prática, permite sobrepor o interesse econômico da mineração sobre outros interesses públicos”.

Esse é um dos pontos mais criticados também pelo deputado Rogério Correia (PT-MG). “É aquele primeiro item que considera utilidade pública, de caráter nacional – o que significa que foi retirado dos prefeitos e governadores a possibilidade de barrar qualquer coisa, e coloca como as jazidas são fixas e não podem ser alteradas de local elas têm prevalência sobre outras atividades”, explica.
 

Plano precisa ser votado no colegiado

O relatório da deputada Greyce Elias (Avante-MG) ainda precisa ser aprovado no grupo de trabalho (GT) que discutiu ao longo dos últimos seis meses a atualização do Código de Mineração para, posteriormente, ser transformado em uma minuta de projeto de lei que tramitará na Câmara. Nesta semana já houve duas reuniões e hoje está agendada mais um encontro para tentar colocar o texto em votação.

 A expectativa do deputado Airton Faleiro (PT-PA), que integra o grupo, é que as mudanças propostas ainda sejam acatadas pela relatora ou que o texto seja derrotado e as discussões retomadas.

“Nós enviamos para a deputada os nossos pontos que a gente considera que não foram incluídos no relatório. E esse não é um acúmulo só da bancada do PT, esse é um acúmulo que eu trabalhei aqui junto com a liderança da minoria, a liderança da oposição e também muitas organizações ligadas ao setor, principalmente organizações socioambientais e sindicais que nos subsidiaram para apresentarmos essas alterações” disse.

Mudanças foram debatidas há dez anos

Há dez anos, a Câmara iniciou a discussão sobre uma mudança no Decreto-Lei 227/1967, que trata do Código de Mineração. Em 2013, uma comissão especial foi criada para avaliar o projeto que instituía novo código e criava a Agência Nacional de Mineração. 

A comissão era presidida pelo ex-deputado mineiro Gabriel Guimarães (PT), e o relator do texto era o ex-deputado Leonardo Quintão (MDB). À época, Quintão elaborou mais de um relatório – o último foi após o desastre de Mariana, mas o tema não foi levado a votação.

fonte: https://www.otempo.com.br/politica/novo-codigo-de-mineracao-deve-enfrentar-resistencia-no-congresso-1.2584724

Falta de consenso dificulta votação de relatório final sobre novo Código de Mineração

15/12/2021 – 19:55  

O grupo de parlamentares formado para propor a modernização do Código de Mineração tem enfrentado divergências internas na reta final dos trabalhos. Em busca de consenso, a relatora, deputada Greyce Elias (Avante-MG), já apresentou duas versões de parecer, enquanto outros parlamentares manifestaram a intenção de formalizar votos em separado, por discordarem do texto.

Na reunião desta quarta-feira (15), Greyce chegou a pedir mais tempo para aperfeiçoar seu relatório, mas o coordenador do grupo de trabalho (GT), deputado Roman (Patriota-PR), manteve marcada para a manhã desta quinta-feira (16) uma nova tentativa de votação da proposta.Marina Ramos/Câmara dos Deputados

Discussão e Votação do Relatório da Relatora-Geral. Dep. Greyce Elias AVANTE-MG

Greyce Elias refutou acusações de que relatório beneficia grandes mineradoras

“Eu tinha gerado compromisso olho no olho com todos de que votaríamos neste ano. A maioria que está aqui quer que vote, dê o resultado que der. Existem artifícios regimentais que a senhora [relatora] pode usar e pode não sair [a votação]”, disse Roman.

Relatório
O atual Código de Mineração está em vigor desde 1967. Nas duas versões de seu parecer, Greyce Elias procurou não tocar em temas muito polêmicos, como mineração em terras indígenas e alterações na Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (Cfem), que funciona como royalties pela atividade.

“Esse grupo tem o objetivo de atualizar a legislação mineral para se adequar às novas práticas realizadas pelo setor, trazendo mais segurança jurídica aos investidores e desenvolvimento para o setor, além de melhorar a sustentabilidade das ações minerais do País, beneficiando o empreendedor e a sociedade”, afirmou Greyce. “A revisão do código que apresentamos aqui apenas pontuou os novos procedimentos para a obtenção do título minerário, com maior agilidade por parte do órgão, colocando prazos, definindo novos ritos por parte da Agência Nacional de Mineração (ANM) e aumentando a responsabilidade por parte do minerador”, acrescentou.

Em busca de consenso, a relatora disse ter incluído no texto a responsabilidade do minerador por eventuais impactos dos rejeitos e estéreis descartados e o fortalecimento do princípio do poluidor pagador, que estabelece que os custos decorrentes da reparação dos danos ambientais não evitados sejam suportados integralmente pelo condutor da atividade econômica.

Também há previsão de “leilão social” exclusivo para permissões de lavra garimpeira (PLG) com foco nas pequenas cooperativas; indenização trabalhista entre as obrigações do titular de direito minerário extinto; e utilização de direitos minerários como garantia para a obtenção de crédito.

Críticas
Os ajustes, no entanto, não reduziram as críticas ao texto. O deputado Airton Faleiro (PT-PA) foi o primeiro a apresentar formalmente um voto em separado. “Não há discordância de que temos que alterar o código, que tem muita coisa burocratizada e defasada. Temos divergência sobre o conteúdo do relatório da deputada Greyce”, afirmou. “O nosso voto em separado faz uma análise crítica do texto e indica proposições para a continuidade – ou por meio de uma comissão especial – de construção do projeto de lei.”

Líderes partidários (PSB, PT, PV, Rede, PCdoB, Psol e PDT), coordenadores de oito frentes parlamentares ligadas a meio ambiente, direitos humanos e comunidades tradicionais, além de várias entidades da sociedade civil já haviam divulgado uma carta aberta “em defesa de um novo Código de Mineração popular e socioambientamente sustentável”.Marina Ramos/Câmara dos Deputados

Discussão e Votação do Relatório da Relatora-Geral. Dep. Ivan Valente PSOL-SP

Ivan Valente quer que tema seja discutido em comissão especial

O documento diz que o relatório final traz medidas que “liberam a atividade minerária de forma automática e sem o devido controle da Agência Nacional de Mineração; conferem primazia à exploração mineral e garimpeira, atribuindo a ela prioridade em relação à proteção ambiental, aos direitos territoriais e a outras formas e modalidades de uso do solo e destinação de terras”.

Parte dessas críticas foram reproduzidas pela Associação dos Municípios Mineradores de Minas Gerais e do Brasil (Amig), inclusive quanto à ligação de alguns parlamentares do GT a grandes grupos de mineradores. Nesta quarta, Greyce Elias leu uma “nota de repúdio” para rebater as críticas e assegurar que as doações para as campanhas eleitorais foram legais e referendadas pela Justiça Eleitoral.

“Causa-nos estranheza que uma instituição como a Amig venha dar conotação de irregularidade a uma ação estritamente legal. Dirigentes valeram-se desse mesmo instrumento e fazem parte hoje da diretoria da associação. Os municípios mineradores tiveram muitos de seus pleitos incluídos no relatório, como, por exemplo, o de dar anuência na licença ambiental”, declarou a relatora.

Comissão especial
Diante das polêmicas, o deputado Ivan Valente (Psol-SP) prevê o encerramento do grupo de trabalho neste ano e a retomada dos debates por meio de comissão especial em 2022, com representação regimental de todos os partidos, diferentemente do que ocorreu no GT.

“Devemos votar esse relatório e derrotá-lo. E aí, sim, vamos criar uma comissão especial no ano que vem para debater essa questão amplamente porque não houve consenso”, disse. “O que não pode acontecer é que um relatório aprovado vire substitutivo ou projeto de lei que, de repente, ganhe regime de urgência (no Plenário) em um tema de impacto monumental”, acrescentou.

O grupo de trabalho da mineração foi criado em junho, realizou 17 audiências públicas e ouviu cerca de 70 especialistas e representantes das entidades envolvidas.

Reportagem – José Carlos Oliveira
Edição – Marcelo Oliveira

Fonte: Agência Câmara de Notícias – https://www.camara.leg.br/noticias/839544-falta-de-consenso-dificulta-votacao-de-relatorio-final-sobre-novo-codigo-de-mineracao/