Surge o primeiro levantamento completo das invasões de garimpeiros e madeireiros em áreas de povos não contatados na Amazônia. Atividades ampliam o vetor da covid e políticas de Bolsonaro estrangulam territórios. Alerta é máximo para Yanomamis
OUTRASMÍDIAS
por Repórter Brasil
Publicado 17/11/2021 às 14:56

Por Maria Fernanda Ribeiro, na Repórter Brasil
O assassinato de dois indígenas isolados por garimpeiros na Terra Indígena Yanomami, divulgado na semana passada pela Hutukara Associação Yanomami (HAY), é uma tragédia que vinha sendo anunciada de vários lados.
Meses antes, Davi Kopenawa Yanomami já alertava sobre a situação dos Moxihatëtëma. “Estou preocupado com os parentes isolados porque o perigo está chegando para eles. Estamos cercados pelo garimpo, e tem garimpeiro que gosta de matar índio”, disse o líder, reconhecido mundialmente como um grande defensor na luta pelos direitos da Terra Indígena (TI) Yanomami, em Roraima. “Eles são meus vizinhos, meus irmãos e estamos lutando para o garimpeiro não chegar até eles.”

Outro aviso do risco que corriam estava estampado com letras vermelhas no ranking Alerta Povos Indígenas Isolados Covid-19, do Opi (Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato). A ferramenta é como um termômetro que mede o grau das ameaças – agravadas com a pandemia – contra os isolados. No primeiro lugar da lista, está justamente a Serra da Estrutura, área da TI Yanomami onde vivem os Moxihatëtëma. O principal agravante? Garimpo.
Mas os garimpeiros são apenas uma das ameaças contra os isolados. O ranking do Opi e relatos desesperados de lideranças indígenas alertam para uma “tempestade perfeita” que põe em risco a sobrevivência desses povos. Primeiro, veio o desmonte das políticas sociambientais promovido por Jair Bolsonaro, que enfraqueceu a fiscalização dos territórios. Veio também o discurso anti-indígena do próprio presidente, que deu um salvo-conduto aos invasores. Em seguida, chegou a pandemia, que dificultou ainda mais a proteção das terras indígenas, deixando esses povos cada vez menos isolados.
Assim, as porteiras – que já estavam sendo abertas para garimpeiros, grileiros, madeireiros, missionários e até traficantes – foram escancaradas para a “boiada” passar. Caso do desmatamento em TIs com isolados, que cresceu quase 1.500% durante o governo atual, se comparado à década anterior. Ou seja, entre 2009 a 2018, a média registrada foi de 582 hectares por ano, marca que chegou a 9.271 hectares durante a gestão Bolsonaro, segundo cálculo do Instituto Socioambiental (ISA).
Vetores da destruição – e do vírus
Durante a atual “tempestade”, o desmatamento e o garimpo vão além de destruir os territórios dos povos originários, atuando também como vetores da covid-19. Ambas as atividades foram responsáveis por abrir caminho para que o vírus contaminasse ao menos 22% dos indígenas infectados, segundo uma pesquisa com dados até agosto do ano passado, do economista e especialista em políticas públicas Humberto Laudares.
“São justamente os indígenas, os maiores protetores da floresta, quem mais sofrem com essa dupla pandemia sanitária e ambiental. Infelizmente, as políticas vindas do governo estão a favor das pandemias e contra os indígenas”, afirma Laudares.
Para Angela Kaxuyana, liderança do movimento indígena da Coiab (Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira), é desesperador saber que a vida dos isolados, que dependem de um território preservado, está em risco: “Quando tem queimada ou desmatamento, eles são os primeiros que sofrem”.
“Sempre existiram ataques, invasões e tentativas de desaparecer com os povos isolados. Mas antes desse governo muito declarado contra os indígenas, as pessoas agiam de uma forma mais tímida, mais camuflada”, afirma Kaxuyana. “Só que hoje o que intensifica essa ameaça é que você tem o presidente declarando que tem como agenda oficial esse desmonte [de políticas pró-indígenas], além da pandemia, claro.”
Para ela, a Covid segue sendo uma ameaça aos indígenas em geral, mas especialmente aos isolados. “Se algum for contaminado, teria um genocídio em dois ou três dias”.

Os riscos para essas populações são maiores por serem mais vulneráveis a doenças infectocontagiosas – uma simples gripe pode matar e deixar povos inteiros à beira da extinção. Foi o que aconteceu com os Nambikwara. Após o contato com não-indígenas, 90% da população foi morta por epidemias como as de sarampo e gripe. É justamente por contatos catastróficos como esses que alguns povos se isolaram.
Há atualmente 114 registros da presença de isolados na Amazônia Legal, sendo que são 28 povos isolados oficialmente confirmados, segundo a Funai. Confira abaixo como a pandemia e as decisões políticas da atual gestão federal vêm estrangulando os territórios, a sobrevivência e o modo de vida de alguns desses povos que entraram no ranking de alerta do OPI. Para se chegar ao nível de alerta, o levantamento considerou pontos como casos/mortes por covid, risco de invasões e planos de contingência caso haja contato.
TI Araribóia – ‘Perdemos o controle; nossa terra está toda invadida’
Na TI Yanomami, cujo risco de alerta é o mais grave, é o garimpo a principal ameaça, acompanhada de uma situação epidemiológica já fragilizada antes da pandemia, com problemas como desnutrição infantil severa. São mais de 2100 casos de covid e 22 mortos pelo vírus, de acordo com a Sesai (Secretaria Especial de Saúde Indígena).

No segundo lugar no ranking está a TI Araribóia, no Maranhão, onde os Guajajara dividem o território com os isolados Awá Guajá, que frequentam as mesmas regiões alvos de invasões de madeireiros ilegais. A área foi a que mais sofreu com o desmatamento ilegal, segundo o monitoramento do Sirad-Isolados de agosto. Foi quando os invasores derrubaram uma área de mata nativa equivalente a 85 campos de futebol – um aumento de 78% no desmatamento em relação a agosto de 2020. Focos de queimadas também aumentaram 100% este ano.
Edivan Guajajara conta que, em 2019, o primo Flay tinha saído para caçar quando se deparou pela primeira vez com os Awá (retratados nesse documentário). “Nossos anciãos diziam que havia outro povo convivendo no mesmo território, mas a gente não acreditava porque nunca tinha visto. Foi quando o Flay saiu para caçar e viu”.
As invasões cresceram nos últimos anos e os isolados têm de fugir diariamente da exploração ilegal de madeira, conforme relatam Edivan e Flay. Ambos são do grupo Guardiões da Floresta, uma organização de vigilantes indígenas voluntários que atuam na proteção do território – o que seria uma função do governo. Para eles, realizar o monitoramento em busca de vestígios de invasão é arriscar a própria vida. A morte de Paulo Paulino Guajajara, em 2019, também um guardião, é um exemplo. Ele sofreu uma emboscada e foi morto a tiros por invasores dentro da TI Arariboia.

“Perdemos o controle e nossa terra está toda invadida por madeireiros. Mas, continuaremos a proteger o nosso território e faremos o máximo possível para que nossos parentes isolados não tenham contato com a nossa sociedade porque nesse tempo de pandemia é muito arriscado para eles”, afirma Edivan.
Ele conta ainda que durante o período crítico da pandemia, os Guajajara evitaram ir caçar a longas distâncias para que não houvesse nenhuma possibilidade de contato com os Awá. No entanto, nessa redução de perímetro, o monitoramento foi prejudicado e o efeito colateral veio em forma de mais invasão. “Os madeireiros sabiam que a gente não estava mais fazendo monitoramento no entorno do território e aproveitaram para praticar a invasão.”
TI Kaxinawá – ‘Estamos preocupados com nossos parentes isolados’
Empatado no segundo lugar com a Araribóia no ranking de alerta do Opi, e também marcada em vermelho, está a Terra Indígena Kaxinawá, no Acre, onde vivem os Huni Kuin e indígenas isolados (de etnia desconhecida).
Era raro para o povo Huni Kuin encontrar pegadas, barreiras e tocaias deixadas na mata pelos isolados. Agora, eles encontram esses vestígios com mais frequência e até ouvem seus assobios e ruídos imitando animais.
Uma prova de como os “parentes” em isolamento vêm se aproximando – inclusive fizeram contato no ano passado. Mas não é por vontade própria, mas sim porque a área onde conseguiam viver afastados está sendo estrangulada por queimadas e abertura de estradas, o que os obriga a chegar mais perto dos Huni Kuin, talvez para caçar, ter acesso a ferramentas ou até para pedir ajuda.

“Compartilhamos nossa terra com os isolados há várias gerações e estamos preocupados, pois passamos por uma situação delicada com as queimadas, a abertura de estradas e a pandemia”, afirma Ame Hunikui, líder espiritual do grupo, que é responsável pelo monitoramento e proteção dos isolados. Os parentes cabeludos, como ele se refere aos isolados, estão cada vez mais próximos.
“Antes, eles andavam longe da aldeia e só se aproximavam na época da seca. Agora andam por perto também no inverno, que é quando chove muito. Mudou a dinâmica do contato. Eles são altos, fortes e o chefe deles fica todo pintado de jenipapo, e os demais membros são pintados de urucum. Todos nus.”
TI Piripkura – O risco da extinção de um povo
Sob o risco de serem mortos e, assim, vermos a extinção de um povo. Essa é a situação dos isolados Piripkura, que habitam uma terra indígena no Mato Grosso, e tentam se refugiar na floresta nos poucos espaços que ainda restam longe dos grileiros e ruralistas. Sob desmatamento recorde em 2021, a Terra Indígena Piripkura, onde vivem Tamandua e Baita – dois remanescentes de um grupo quase todo dizimado por invasores – ocupa o quarto lugar no ranking de alerta do Opi. Uma outra sobrevivente Piripkura, Rita, atualmente vive com os Karipuna, em Rondônia.
Para agravar a situação, os Piripkura correm o risco de perder o direito ao território onde vivem. Eles estão legalmente protegidos apenas até março de 2022, quando vence uma portaria de restrição de uso da terra, que foi renovada por apenas seis meses, o que não é suficiente para a proteção do território. Caso a Funai não renove esse instrumento, é como se a invasão ao território deles ficasse liberada legalmente.
Os Piripkura também correm o risco de perder o direito ao território por conta de uma portaria, como retratado na campanha Isolados ou Dizimados.

Entre outras atribuições, essas portarias vedam a exploração de recursos naturais em TIs, a expansão das propriedades rurais já existentes e o surgimento de novos latifúndios. O fato de o governo ter colocado essa proteção na berlinda amplia o risco os Piripkura (cuja a história é retratada neste documentário) e outros isolados e preocupa organizações indígenas como o próprio Opi e a Coiab (Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira). Ambos lançaram a campanha Isolados ou Dizimados para alertar sobre a urgência dessa questão.
As invasões à TI Piripkura aumentaram de maneira considerável nos últimos dois anos, avançando até 10 quilômetros para dentro do território, chegando muito perto da área utilizada pelos já acuados Baita e Tamanduá como refúgio. Esse panorama é feito por Elias Bigio, especialista em povos indígenas isolados, ex-coordenador-geral de Índios Isolados e de Recente Contato na Funai.
De acordo com o sistema de monitoramento do ISA, foi detectado no período entre agosto de 2020 e abril de 2021 um desmatamento de 2.132 hectares, um dos maiores dentro de territórios com presença de povos indígenas isolados.
TI Vale do Javari – ‘Um contexto de genocídio’
A presença de balsas de garimpo na região do rio Curuena da TI Vale do Javari é um dos motivos que faz o território estar no quinto lugar do ranking do OPI.
Beto Marubo, representante da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja), afirma que além do garimpo, há em outras áreas do território a presença de grandes quadrilhas de pescadores e caçadores ilegais, que frequentam os mesmos lugares por onde circulam os isolados e podem levar o vírus. “Se os isolados se contaminarem, eles vão morrer na aldeia. Então quando a gente fala em genocídio e o governo fala que é alarde demais, é nesse contexto.”
Foi justamente para evitar tragédias como essa que a plataforma do Opi foi criada, explica Fabrício Amorim, membro do observatório. Segundo ele, além de monitorar o avanço do coronavírus nas terras indígenas com isolados, a ideia da ferramenta era subsidiar estratégias para a proteção desses povos, principalmente com o surgimento da ADPF 709 (Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental).
A ação foi apresentada em julho de 2020 pela Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil) para combater a omissão do governo federal em termos de pandemia e cobrar providências. Entre as medidas exigidas, estava a criação de barreiras sanitárias em 30 territórios onde vivem indígenas em isolamento ou de recente contato. No entanto, os resultados foram pífios. Mesmo em TIs que receberam alerta vermelho do Opi, o governo não providenciou barreiras – em algumas, os próprios indígenas assumiram essa função.
Durante a CPI, foi apresentado um dossiê mostrando como o governo Bolsonaro praticou o crime de genocídio indígena na pandemia, que acabou sendo ignorado pela comissão.A Funai foi procurada, mas não respondeu às perguntas da reportagem.
Colaboraram Edivan e Flay Guajajara
Essa reportagem foi produzida com o apoio do Pulitzer Center em parceria com o Rainforest Journalism Fund.
fonte: https://outraspalavras.net/outrasmidias/em-mapa-a-ameaca-aos-indigenas-isolados/
PM e Bope invadem e atacam Terra Indígena Raposa Serra do Sol

Policiais abrem fogo contra os indígenas – reproducao
Redação do DCO
Na madrugada desta última terça-feira ,a aldeia indigena Tabatinga da região Serras,dentro das terras indígenas da Reserva Raposa Serra do Sol em Roraima, onde vivem indígenas dos povos Macuxi, Wapichana e Ingaricó, foi atacada pela Polícia Militar e o Batalhão de Operações Policiais Especiais (BOPE).
A ação truculenta e completamente covarde das forças policiais aconteceu durante uma ação de desbloqueio de um posto de monitoramento contra garimpos ilegais ,adentrou a madrugada da quarta feira e foi denunciada pelo conselho Indigenista Missionário e pela Pastoral Indigenista de Roraima.Em imagens divulgadas pelas redes sociais foi possível ver policiais do BOPE invadindo as terras atirando com armas de fogo , borracha e bombas de gás lacrimogêneo contra indígenas do povo Macuxi.
Os indígenas tentaram desesperadamente se proteger e dentre eles muitas crianças,“Eles atacaram. Foi muito tiro que dispararam contra nós indígenas. Saíram atirando na comunidade toda. Todo mundo ficou desesperado. As crianças chorando, os idosos correndo pra se esconder. Em nenhum momento nós atacamos eles. Nós ficamos procurando nos esconder para não ser atacado, mas eu ainda levei uma bala no braço”, disse um indígena.
O posto de vigilância que foi desativado pelos PMs servia para controlar o acesso de não indígenas na TI Raposa Serra do Sol e segundo a polícia os indígenas atacaram primeiro…”Antes que os policiais pudessem iniciar a nova mediação, os indígenas os atacaram arremessando suas flechas e pedras. Os policiais se defenderam com escudos e revidaram a injusta agressão com armamento menos letal e material químico de controle de distúrbio civil”, informou a polícia em nota.
É Preciso Organizar a População Indigena
A Terra Indígena Raposa Serra do Sol é uma terra demarcada e homologada pela luta incansável dos povos indígenas durante décadas. Com o golpe de Estado e o governo Bolsonaro, grileiros e latifundiários se viram incentivados e motivados a arquitetar ataques como esse.
É preciso organizar os indígenas em comitês de autodefesa com armas potentes, que façam frente aos ataques covardes pela polícia a mando dos poderosos latifundiários de terras da região.Bem como exigir a demarcação definitiva e justa de todas as terras indígenas.
fonte: https://www.causaoperaria.org.br/rede/dco/moradia-e-terra/indigenas-e-quilombolas/pm-e-bope-invadem-e-atacam-terra-indigena-raposa-serra-do-sol/
Policia Militar e BOPE agem com truculência na Terra Indígena Raposa Serrado Sol
A Polícia Militar e o Batalhão de Operações Policiais Especiais atacaram a aldeia indígena Tabatinga, da Região Serras, em Roraima, na tarde desta terça feira, 16; os ataques continuaram na madrugada do dia 17
Policiais Militares e BOPE atacam, com truculência, comunidade indígena de Tabatinga, na Região Serras, na TI Raposa Serra do Sol. Foto: Comunidade Tabatinga, Região Serras, TI Raposa Serra do Sol.POR CIMI REGIONAL NORTE I E PASTORAL INDIGENISTA DA DIOCESE DE RORAIMA
O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e a Pastoral Indigenista de Roraima vem a público para denunciar a ação truculenta e violenta dos batalhões da Polícia Militar e do BOPE contra a comunidade indígena de Tabatinga, na Região Serras, dentro da Terra Indígena Raposa Serra do Sol.
Conforme relatos dos moradores, policiais militares desativaram à força, na tarde da terça-feira 16, o posto de monitoramento da comunidade que servia para prevenção de atividades ilícitas e controle da invasão garimpeira. Os policiais lançaram bombas lacrimogêneas e atiraram com armas de fogo e também com balas de borracha.
“Policiais militares desativaram à força, na tarde da terça-feira 16, o posto de monitoramento da comunidade que servia para prevenção de atividades ilícitas e controle da invasão garimpeira”
Seis indígenas foram feridos e dois deles tiveram que ser transferidos para o Hospital Geral de Roraima na capital, Boa Vista, onde a equipe médica extraiu ainda uma bala do peito de um dos feridos. Os policiais também levaram consigo o equipamento de radiofonia da comunidade com o objetivo claro de impedir que as informações fossem divulgadas de forma imediata. Depois do ataque, duas viaturas policiais seguiram para Boa Vista, e outras duas continuaram em direção à sede do município de Uiramutã, sem verificar antes o estado dos feridos.
Mais tarde, outro grupo de indígenas, da aldeia de Willimon, na mesma região de Serras, que se deslocava para prestar auxílio e apoio aos moradores de Tabatinga, foi também abordado violentamente por policiais militares, e dois indígenas tiveram que ser hospitalizados na sede do município de Uiramutã. Na manhã de quarta-feira, 17, os indígenas relataram que novas viaturas da PM e do BOPE estão dirigindo-se para o local, mantendo dessa forma o clima de tensão e de ameaças.
“Outro grupo de indígenas, da aldeia de Willimon, que se deslocava para prestar auxílio foi abordado violentamente por policiais militares, e dois indígenas tiveram que ser hospitalizados”
Comunidade de Tabatinga reunida após os ataques feitos pela Polícia Militar e BOPE. Foto: Comunidade Tabatinga, Região Serras, TI Raposa Serra do Sol
Desde o dia 12 de novembro, as comunidades indígenas da região retomaram uma ação de controle e de vigilância de seu território no local estratégico onde se encontra a comunidade de Tabatinga. Em nota dirigida ao Ministério Público Federal, à FUNAI e à Polícia Federal, as lideranças indígenas afirmam que “preocupados com o aumento das invasões, principalmente de garimpeiros no entorno de nossas comunidades, tráfico de drogas, entrada e venda de bebida alcoólica, aumento da malária por causa do garimpo (…) decidimos retomar a vigilância de nossa terra indígena, na comunidade de Tabatinga”.
Em nota, as lideranças indígenas alegam que retomaram estes trabalhos de proteção e monitoramento devido à omissão do poder público federal e esclarecem que o Posto de Vigilância não impede, de forma alguma, o direito de ir e vir dos moradores das comunidades indígenas próximas. O local onde ocorreu o ataque é próximo da região onde o presidente Bolsonaro pousou, recentemente, sem consentimento das comunidades, para defender publicamente atividades ilegais e criminosas como o garimpo dentro das terras indígenas.
“As lideranças indígenas alegam que retomaram estes trabalhos de proteção e monitoramento devido à omissão do poder público federal”
Após ataques, moradores da comunidade de Tabatinga juntaram as balas que foram atiradas contra eles na ação policial. Foto: Comunidade Tabatinga, Região Serras, TI Raposa Serra do Sol
Esta ação policial escancara a verdadeira face do atual governo estadual de Roraima e do governo federal, que agem violentamente contra a vida dos povos indígenas enquanto defendem, acobertam e premiam o crime e as atividades ilícitas como o garimpo e outras invasões. É o Estado da morte e da violência, da desordem e do crime, que coloca a força policial a serviço dos interesses de invasores, da depredação dos territórios e do atentado contra a vida dos povos indígenas.
A Terra Indígena Raposa Serra do Sol é uma terra demarcada e homologada pela luta incansável dos povos indígenas durante décadas; uma terra que custou o sangue de mais de 20 lideranças indígenas e o sofrimento de muitos outros que foram ameaçados, golpeados e perseguidos. O direito finalmente prevaleceu, a terra foi demarcada e as comunidades indígenas organizam sua vida com liberdade e paz, com autonomia. O novo contexto político, que o Brasil vive desde 2018, incentivou o retorno da invasão garimpeira e a ação impune de forças policiais do estado.
“Esta ação policial escancara a verdadeira face do atual governo estadual de Roraima e do governo federal, que agem violentamente contra a vida dos povos indígenas”
Foto: Comunidade Tabatinga, Região Serras, TI Raposa Serra do Sol
Exigimos e esperamos que as autoridades competentes apurem os fatos e encontrem e punam os responsáveis do ataque, aqueles que o executaram e aqueles que deram a ordem. A responsabilidade política sabemos onde reside; ela está diretamente no Palácio do Planalto e no Palácio do Governo do estado de Roraima. Chamamos toda a sociedade civil, meios de comunicação, organizações sociais, universidades, instituições religiosas e todas as pessoas em geral a somar esforços para superar esta escalada de violência e de agressão a direitos fundamentais e para não aceitar um Estado embrutecido, violento e repressor.
Chega de violência, chega de garimpo, chega de mortes e de feridos!
fonte: https://cimi.org.br/2021/11/policia-militar-e-bope-agem-com-truculencia-na-ti-raposa-serrado-sol/
A triste trajetória de Karapiru, o indígena que ‘morreu duas vezes’
- Letícia Mori
- Da BBC News Brasil em São Paulo
16 novembro 2021

O indígena Karapiru, do povo Awá Guajá, vivia relativamente isolado na região oeste do Maranhão quando um massacre promovido por invasores não-indígenas dizimou o grupo com quem ele vivia e matou sua família, em 1978.
Seu pequeno grupo estava acampado na floresta – mulheres amamentando, crianças brincando, redes nas árvores – quando ouviram sons de tiros e começaram a correr. Homens armados saíram em perseguição a todos, atirando até nas crianças e colocando fogo nos pertencentes que os Awás deixaram para trás. Em meio ao caos, Karapiru conseguiu carregar uma criança consigo.
Ele sobreviveu, mas a criança acabou morrendo de diarreia pouco tempo depois. Sem encontrar sobreviventes e com a ameaça dos invasores ainda presente, Karapiru não pode ficar na sua terra. Fugindo, perambulou totalmente sozinho por regiões desconhecidas por dez anos, caçando com seu arco e flecha, dormindo do alto de árvores e sem falar com nenhum outro ser humano.
O sobrevivente andou tanto que acabou indo parar na Bahia, onde foi resgatado pela Funai (Fundação Nacional do Índio) na década seguinte. Levado de volta ao território do seu povo, ele viveu com os Awá Guajá por 30 anos até morrer de covid-19, sozinho no hospital, em 16 de julho de 2021.
“Fiquei comovida porque ele não é único. As pessoas não têm ideia, mas essas histórias são muito comuns, vários outros indígenas passam por processos parecidos: invasões, massacres, fugas, morte por covid. Pode variar o trajeto, eles podem não ser conhecidos, como o Karapiru ficou ao ser resgatado, mas a tragédia é a mesma”, diz Vilaça à BBC News Brasil.
“A história dele reflete os destinos dos povos originários do Brasil.”
Mas diferentemente da maioria dos indígenas que passam por situações parecidas sem que quase ninguém fique sabendo, história de Karapiru foi amplamente divulgada nos jornais nos anos 1980, quando ele foi resgatado. No entanto, como mostra a pesquisa de Vilaça, ele foi tratado mais como uma “curiosidade” do que como uma pessoa que havia passado por uma situação extremamente traumática.
O povo de Karapiru, os Awá Guajá, está entre os povos mais ameaçados do mundo – hoje é composto por apenas 420 pessoas. Vilaça diz que queria reconstruir os passos de Karapiru não só como uma homenagem a ele, mas para destacar seu papel de símbolo da resistência de seu povo e dos sofrimentos vividos pelos indígenas no Brasil.
Ao longo de meses, a pesquisadora conversou com antropólogos e outras pessoas que conviveram com Karapiru e fez uma grande pesquisa de documentos e jornais antigos para reconstruir a saga do indígena – que ela conta em um ensaio que será publicado na 39ª edição da revista serrote, do IMS (Instituto Moreira Salles), lançada em 18 de novembro.
Vilaça explica como a solidão extrema – terrível para qualquer pessoa – é ainda mais devastadora para membros de povos que vivem uma sociabilidade e uma proximidade física muito intensa.
“Assim como outros povos originários, os Awá Guajá não têm a mesma noção de individualidade que nós temos. Eles se enxergam como parte de um todo, estão sempre juntos. A ideia de estar sozinho é muito terrível”, explica a antropóloga.
“Eles vivem em constante troca – de comida, de coisas, de experiências. É como se o seu corpo e das outras pessoas, da sua família, ficassem misturados. Para eles a cura, por exemplo, pode vir de estar perto de um parente saudável”, diz Vilaça.

Duas mortes
A história de Karapiru é peculiar, explica ela, porque de alguma forma ele conseguiu sobreviver a dez anos de total solidão, longe de casa, em uma terra desconhecida. Mas depois de tudo – do massacre, da perda da família, da solidão – ele nunca conseguiu se recuperar totalmente.
Sem conversar com ninguém por dez anos, longe dos seus, foi esquecendo até mesmo sua língua. Como relatou depois, “dormia no alto das árvores e esqueceu o nome das coisas”.
Na solidão, perdeu uma das habilidades mais centrais para o seu povo – a de cantar. “Todos os homem adultos do povo Awá-Guajá sabem cantar, é uma característica deles”, explica Vilaça. “Cantar é essencial para vida, para os rituais”, diz ela.
Vilaça conta em seu ensaio que, muitos anos depois de ter sido resgatado, Karapiru disse que havia desaprendido a cantar ao antropólogo Uirá Garcia – principal estudioso do povo Awá-Guajá.
Garcia gravava cantos do povo para sua pesquisa quando Karapiru contou o que aconteceu.
“Eu respondi que ele podia cantar o que quisesse”, escreveu Garcia em um registro encontrado por Vilaça. “Ele então voltou a repetir que realmente não sabia cantar e que havia ‘morrido um pouco’ depois dos dez anos que viveu afastado de pessoas iguais a ele.”
“Outras pessoas que estavam conversando conosco perceberam o meu espanto ao encontrar um velho que não sabia cantar”, escreve Uirá. “Trataram de confirmar o que Karapiru havia dito: ‘Sim, ele morreu um pouco e, por isso, não sabe mais cantar'”.
Quando morreu de covid-19 em 2021, Karapiru morreu “pela segunda vez”.
“A morte, sabem bem os indígenas, não é sempre um evento único e pontual, pode acontecer várias vezes durante a vida, deixando marcas que silenciam os cantos”, reflete Vilaça em seu ensaio.
“Assim como Karapiru, grande parte dos indígenas do Brasil experimenta – desde o século 16, e hoje particularmente – novas e múltiplas experiências de morte: a sua própria, por tiros, intoxicação, covid-19 e outras doenças trazidas pelos brancos, ou aquela vivida no luto pela perda de um parente ou das terras ancestrais, invadidas e destruídas por fogo, desmate e buracos de mineração”, escreve ela. “Em tentativas desesperadas de escapar, saem em pequenos grupos ou sozinhos à procura de um lugar protegido, cada vez mais difícil de encontrar.”

‘Meu lugar’
Os relatos das pessoas que conviveram com ele, conta Vilaça, são de que, apesar de tudo o que sofreu, Karapiru era uma pessoa “doce” e pacífica, com um constante sorriso.
No entanto, as marcas da tragédia que viveu não se resumiam aos traços de chumbo das balas que foram encontrados em suas costas muito tempo depois. Ficar sozinho e estar perdido em uma floresta desconhecida, deslocado de seu território, afetou Karapiru profundamente.
“As relações estão imbricadas no território. É o lugar que constrói a memória, o seu corpo, as pessoas, os espíritos”, explica Vilaça.
Os Awá vivem da caça e da coleta e são excelentes caçadores. Embora não criassem roçados e não se assentassem em um local só, o povo tinha um local delimitado para suas parambulações – uma grande extensão de terras entre os rios entre os rios Turiaçu, Caru, Gurupi e Pindaré, no Maranhão.
Segundo o trabalho do antropólogo Uirá Garcia, os Awá chamam esse seu território de harakwaha, ou “meu lugar”, que na verdade é um “conjunto de lugares com a memória do povo: aldeias antigas, vestígios de animais caçados, árvores desconhecidas”.
“Quando Karapiru foi abruptamente retirado desse lugar, ele se tornou um refugiado”, diz Vilaça.
Mesmo depois de ser resgatado pela Funai, ao longo dos 30 anos que viveu com os Awá Guajá Karapiru nunca conseguiu se reintegrar totalmente, como contou à Vilaça o antropólogo Sidney Possuelo, sertanista que ajudou a levar Karapiru de volta para o território de seu povo.
Karapiru descobriu que seu filho havia sobrevivido, mas ele não conhecia mais ninguém. “Seus parentes não estavam lá, ele não tinha mais redes de parentesco, seu grupo foi dizimado. Embora estivesse com seu povo e tenha se tornado um membro querido da comunidade, continuou, num certo nível, estrangeiro”, conta Vilaça.
“É como se eu estivesse perdida e, quando me resgatassem, eu fosse levada não pro Rio de Janeiro onde estão minha família e meus amigos, mas para algum lugar onde não conheço ninguém, me deixassem no interior do Paraná, por exemplo”, diz Vilaça à BBC News Brasil.
“Assim que ele voltou ao Maranhão, ofereceram-lhe uma casa e uma mulher como esposa, mas volta e meia ele fugia – como é comum entre os homens Awá-Guajá em situação de raiva, medo ou tristeza”, relata Vilaça no ensaio da serrote. “De acordo com o que disseram a Sydney, ele acabou por construir para si um tapiri (uma espécie de abrigo) fora da aldeia, onde permanecia por dias, isolado.”
Quando adoeceu em 2020, Karapiru foi internado longe de sua comunidade. Como muitos dos pacientes internados com covid, não pôde se despedir de ninguém. Morreu sozinho, assim como viveu durante tantos anos.

Perseguição brutal
Além de relatos da vida e da morte de Karapiru, Vilaça recuperou também, em seu ensaio na revista serrote, o contexto do massacre ao qual ele sobreviveu.
Durante a ditadura militar, nos anos 1960, a descoberta de reservas minerais na região do Maranhão onde o povo vivia levou a uma intensa pressão sobre o território. Foi nessa época que foi criada a ferrovia Carajás-Ponta da Madeira, levando ao aumento populacional na região.
“Naquele período inicial, dezenas de indígenas morreram vitimados por doenças e assassinatos que, embora amplamente registrados pela imprensa, permaneceram sem punição”, escreve Vilaça.
A pesquisadora destaca que hoje, meio século depois, os povos indígenas estão novamente sob uma grande ameaça por causa do recente avanço de garimpos ilegais, de grileiros e do desmatamento.
Vilaça diz que é preciso chamar atenção para a dos muitos outros “que não tiveram a mesma resistência física, a mesma ‘sorte’ de cair em mãos benevolentes, e acabaram mortos, levando consigo lembranças e conhecimentos que jamais serão passados adiante.”. E para a tragédia das centenas que, assim como Karapiru, sobreviveram a todas essas ameaças mas morreram de covid-19, que afetou os povos indígenas desproporcionalmente.
fonte: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-59242362