Caupé Lopes
A primeira vez que fiquei menstruada eu tinha 13 anos e brincava junto com amigos e amigas num balanço de rua em frente à minha casa. Alguém gritou: Você está machucada! Aquilo foi aterrorizante, pois não tinha muito conhecimento sobre o que fazer na hora em que fosse acontecer. Eu e minha mãe não falávamos sobre isso. Na escola, os ensinamentos eram mais voltados ao funcionamento dos órgãos humanos, sem mencionar o que sentimos, o que fazer… Afinal, era como se fosse proibido falar de como se dava a reprodução e os métodos contraceptivos para adolescentes, e menstruação era assunto de meninas mais velhas, de 15 anos, e que raramente aceitavam as mais novas nos grupos de conversas na escola e rodas de amigos
Não me recordo de qualquer professor ou professora que tenha nos ensinado aos 13 anos que menstruar era uma coisa natural. Desta forma, eu acreditava que se beijasse um garoto eu engravidaria. Pode isso? Pois bem, menstruei e não disse nada para ninguém. Tinha medo e vergonha daquele sangue que não parava de jorrar entre minhas pernas. Estaria eu doente, haveria me cortado? Pensava eu. E foi assim que comecei a enxergar meu corpo e suas transformações. Usava retalhos que minha mãe costureira costuma guardar e as vezes até papel higiênico como absorvente. Somente uns seis meses após a primeira menstruação minha mãe descobriu que eu havia ficado “mocinha”. Então, meu pai e minha mãe passaram a incluir nos itens de supermercado um pacote de absorvente. Quase sempre era meu pai quem fazia as compras e trazia o pacotinho de absorvente que minha mãe entregava mais constrangida que eu em receber. E lá vem dúvidas… Como será que ela fazia também? Pois não havia absorventes antes na lista do supermercado. Então, a resposta seria os retalhos guardados de que também por tempo me valeram? Nunca descobri, assim como nunca entendi o porquê do pacto de silêncio sobre a menstruação.
Anos mais tarde, descobri que o “ficar mocinha” é o mesmo que: “você já engravida”. Mas, políticas de prevenção só vieram mais tarde, com o índice de adolescentes grávidas aumentando nas cidades periféricas. Tal negligência, me faz lembrar que falar de perspectiva de gênero hoje nas escolas, não é muito diferente daquele tempo de silêncios sobre violências contra meninas e mulheres.
Acontecia que as amigas na minha faixa etária costumavam também faltar muito as aulas em determinados períodos do mês. Ou por estarem menstruadas, ou em decorrência das cólicas menstruais. Foi quando descobri que cólica menstrual também existe e que o período da menstruação também poderia vir acompanhado de outros sintomas desconfortantes como dores de cabeça, irritabilidade, cólicas, e maior sensibilidade nas mamas.
Pois bem, o tempo passou e foi somente quando comecei a trabalhar que descobri um mundo de diversas marcas, formatos, tamanhos e preços de absorventes. E, finalmente eu poderia escolher o que usar no meu corpo.
É lamentável constatar que ainda hoje, o universo das meninas, e mais especificamente de meninas pobres é do da precariedade de acesso a saúde do próprio corpo. Se crime ou castigo, no quesito menstruação, permanece um silêncio ou o olhar inquisidor de que nós mulheres menstruamos.
Quantas meninas não se sentem pouco confortáveis ao estar menstruadas não é mesmo? O medo de que a marca do absorvente apareça, ou que o absorvente não seja suficiente para absorver o fluxo e vase, provocando ainda maior constrangimento? E os “nojinhos” e tabus relacionados ao poder ou não fazer sexo quando se está menstruada? Esses também são muitos ainda.
Verdade seja dita é que a invisibilidade de milhares e milhões de meninas que passam pela situação da pobreza menstrual e a negação de uma política pública que contribua para o acesso a simples absorventes, é também parte de uma cultura arcaica, machista e conservadora que atribui às meninas e mulheres o controle e silêncio sobre seus corpos.
Eu menstruo, ela menstrua, nós menstruamos. Sim, sangramos todo mês e queremos e podemos falar disso hoje e sempre. Sangramos pela força de nossa constituição biológica e hormonal, mas principalmente sangramos por dentro, quando nossos direitos nos sãos negados, negligenciados, violados, silenciados…. Não morremos porque menstruamos, morremos porque nos matam, controlam e silenciam de todas as formas. Até quando?
#Silenciadasnuncamais