“Resgatar a memória e o exemplo dos que lutaram contra a ditadura é imperativo moral, em especial nesses tempos sombrios em que o Brasil é governado por um ex-militar neofascista, amigo de milicianos, defensor público da tortura e de torturadores, e que ambiciona se perpetuar no poder”, escreve Frei Betto, escritor, autor de “Diário de Fernando – nos cárceres da ditadura militar brasileira” (Rocco), entre outros livros.
Eis o artigo.
O nome do mais notório torturador civil da ditadura militar, Sérgio Paranhos Fleury, que faz par, na história das atrocidades brasileiras, com o carrasco, coronel Brilhante Ustra, tão exaltado por Bolsonaro, foi banido de uma rua da capital paulista neste mês de setembro de 2021.
Agora, a rua na Vila Leopoldina se chama Frei Tito de Alencar Lima, meu confrade na Ordem Dominicana, um dos presos políticos mais torturados sob a regime militar, em novembro de 1969, no DEOPS de São Paulo, por ordem de Fleury e, em fevereiro de 1970, na OBAN (DOI-CODI), comandada por Ustra.
O decreto, assinado pelo prefeito da capital paulista, Ricardo Nunes, resultou de proposta, na Câmara Municipal, dos vereadores do PT Antonio Donato, Antônio Doria, Arselino Tatto, Juliana Cardoso e Paulo Reis; do PSOL, Toninho Vespoli; e do PCdoB, Jamil Murad.
Na justificativa, os vereadores frisam que “vivemos tempos difíceis e sombrios, há um movimento de negação da existência da ditadura militar em nosso país, e Frei Tito é prova de que o regime ditatorial não só existiu como a tortura cometida naquele período o levou ao suicídio”.
Em meu livro “Batismo de sangue” (Rocco), levado às telas de cinema pelo diretor Helvécio Ratton, incluo a descrição, feita pelo próprio Tito, das torturas sofridas e de sua heroica resistência, que resultou no desequilíbrio psíquico que, aos 28 anos, o induziu a suprimir a própria vida em agosto de 1974. Ele vivia na França, banido do Brasil.
Em São Bernardo do Campo, o nome de Tito é homenageado em rua e praça. Também há rua com o nome dele no Recife e uma avenida em Ribeirão Preto (SP).
Conceder nomes de criminosos e assassinos a logradouros públicos é um acinte à dignidade e à memória nacionais. Em 2016, o Elevado Costa Silva, mais conhecido como Minhocão, no centro da capital paulista, passou a se chamar Elevado Presidente João Goulart. Infelizmente outros logradouros, Brasil afora, ainda conservam nomes abomináveis, como a ponte Rio-Niterói, batizada de Ponte Presidente Costa e Silva, o marechal-ditador que decretou o AI-5.
É preciso, agora, que os vereadores de São Paulo anulem o nome do marechal-ditador Castelo Branco, concedido a um trecho do complexo viário da Marginal Tietê e, paradoxalmente, localizado próximo à rua Vladimir Herzog, que homenageia o jornalista “suicidado” no DOI-CODI paulista pelos militares comandados por Ustra.
Frei Tito, eu e outros frades dominicanos atuamos na resistência ao regime militar sob a liderança de Carlos Marighella. Considerado pela ditadura “Inimigo público n°.1”, felizmente hoje é nome de ruas na capital paulista; em São Bernardo do Campo (SP); no bairro carioca de Santa Cruz; em Salvador (BA); em Vitória da Conquista (BA); e de avenida em Maricá (RJ).
Resgatar a memória e o exemplo dos que lutaram contra a ditadura é imperativo moral, em especial nesses tempos sombrios em que o Brasil é governado por um ex-militar neofascista, amigo de milicianos, defensor público da tortura e de torturadores, e que ambiciona se perpetuar no poder.
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fonte: http://www.ihu.unisinos.br/613447-banido-o-torturador-incluido-o-torturado