Lideranças da Federação Luterana Mundial (FLM) se encontraram com o Papa Francisco no Vaticano, pelo 500º aniversário da Confissão de Augsburg.
A reportagem é de P. Hitchen, publicada no sítio da Federação Luterana Mundial (FLM), 25-06-2021. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Ao se encontrar com o Papa Francisco no Vaticano no dia 25 de junho, o presidente da Federação Luterana Mundial (FLM), arcebispo Dr. Panti Filibus Musa e o Papa Francisco expressaram a esperança de que o 500º aniversário da Confissão de Augsburg em 2030 possa se tornar um terreno comum para fortalecer o compromisso entre luteranos e católicos com a unidade e a reconciliação.
O presidente da Federação Luterana Mundial (FLM), arcebispo Dr. Panti Filibus Musa, e o Papa Francisco (Foto: Vatican Media)
Durante a audiência papal, o presidente da FLM presenteou o Papa Francisco com um cálice e uma patena, elaborados para a ocasião pelos irmãos da comunidade ecumênica de Taizé. O esmalte para os vasos eucarísticos foi feito com areia retirada do campo de refugiados em Za’atari, na Jordânia, onde a FLM trabalha desde 2012 para apoiar os refugiados sírios, os deslocados internos e as comunidades anfitriãs. Esse presente, disse o presidente Musa ao papa, “representa o nosso chamado a sermos um”.
Em seu discurso, o papa agradeceu aos líderes luteranos pelos presentes que, segundo ele, “evocam a nossa participação na Paixão do Senhor”. Ele continuou: “Prossigamos, então, com paixão no nosso caminho do conflito à comunhão”.
Aniversário de Augsburg
O líder da FLM está chefiando uma delegação de representantes de todas as regiões da comunhão global de Igrejas em uma visita de dois dias a Roma. A viagem segue um marco importante de 2016 nas relações ecumênicas, quando o Papa Francisco se uniu aos líderes luteranos nas cidades suecas de Lund e Malmö para uma comemoração conjunta da Reforma.
Em suas palavras ao papa, o arcebispo Musa disse que o caminho é “irreversível” e leva os católicos e luteranos a olharem agora para a comemoração da Confissão de Augsburg, na “esperança de nos reconectarmos com a sua intenção ecumênica original”.
A Confissão de Augsburg é a principal confissão de fé das Igrejas luteranas em todo o mundo. Inicialmente, ela foi apresentada como uma confissão ecumênica na Dieta de Augsburg em 25 de junho de 1530, em um esforço para restaurar a unidade religiosa e política dentro da Igreja.
Em seu discurso, o Papa Francisco também observou que a Confissão originalmente “representou a tentativa de evitar a ameaça de uma cisão no cristianismo ocidental”, dizendo que esperava que a “reflexão comum” no período que antecede 2030 “possa beneficiar o nosso caminho ecumênico”.
Refletindo sobre essa jornada, ele afirmou: “O ecumenismo não é um exercício de diplomacia eclesial, mas um caminho de graça. Ele não se apoia em mediações e acordos humanos, mas na graça de Deus, que purifica a memória e o coração, vence a rigidez e orienta para uma comunhão renovada: não para acordos redutores ou sincretismos conciliatórios, mas para uma unidade reconciliada nas diferenças”.
Curando as memórias difíceis
Em seu discurso ao Papa Francisco, o líder da FLM observou que 2021 também marca uma das “memórias difíceis” do passado: o 500º aniversário da excomunhão de Martinho Lutero pelo Papa Leão X. Enfatizando que não é possível contar outra história, mas contar a história de outra forma, Musa disse que a participação do papa na Oração Comum em Lund foi “um símbolo poderoso daquilo que Deus realizou” no caminho para a reconciliação e o reconhecimento mútuo “como irmãs e irmãos”.
Um grupo de estudos de teólogos católicos e luteranos está pesquisando o contexto histórico e teológico da excomunhão, em preparação para a Assembleia da FLM em Cracóvia, Polônia, em 2023.
O arcebispo agradeceu ao Papa Francisco pela sua forte liderança durante a pandemia da Covid-19, “lembrando-nos do nosso profundo vínculo como família humana”. Ele também observou o fortalecimento da cooperação com a qual o Serviço Mundial da FLM e a rede católica de agências de ajuda e desenvolvimento Caritas Internationalis estão se comprometendo durante esta visita.
“Que o Espírito Santo continue nos guiando para que um dia nos reunamos à mesa onde Deus, pelo dom de Cristo, já nos fez um”, disse o arcebispo Musa.
O presidente da FLM também apresentou ao papa uma tradução italiana da Declaração Conjunta sobre a Doutrina da Justificação, assinada por católicos e luteranos em Augsburg, em 1999. O presidente Musa o descreveu como a “pedra angular” que agora “une católicos, luteranos, metodistas, anglicanos e reformados na proclamação e serviço conjuntos”.
“Com a oração (de Taizé), o serviço (em Za’atari) e o diálogo”, concluiu Musa, “que o Espírito Santo continue nos guiando para que um dia nos reunamos à mesa onde Deus, pelo dom de Cristo, nos fez já um.”
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Mensagem do Papa aos Luteranos: “Jesus nos acompanha no caminho do conflito à comunhão”
Papa Francisco recebeu um grupo de representantes da Federação Luterana Mundial, no Vaticano, na sexta-feira, 25-06-2021. Neste dia, celebra-se 491 anos da Confessio Augustana, uma tentativa de manter a harmonia entre as igrejas depois da Reforma Luterana. Francisco expressou em mensagem esperar que uma “compreensão comum da Confessio Augustana beneficie a jornada ecumênica”.
Dirigindo-se ao atual secretário-geral, Martin Junge, e estendendo os desejos a todos os luteranos, Francisco convidou a “rezar juntos pela plena unidade entre os cristãos”.
Francisco recordou também que Junge deixará o cargo de secretário-geral em 31 de outubro deste ano, sendo substituído pela pastora estoniana Anne Burghardt.
O discurso é publicado pela Sala de Imprensa do Vaticano, 25-06-2021. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Eis a carta.
Queridos irmãos e irmãs,
“Graça e paz de Deus, nosso Pai, e do Senhor Jesus Cristo” (Rm 1, 7). Com estas palavras que o apóstolo Paulo dirigiu aos cristãos que se encontravam em Roma, desejo dar-lhes as boas-vindas e saúda-los, representantes da Federação Luterana Mundial, em particular ao presidente, o arcebispo Musa, a quem agradeço suas palavras, e ao secretário-geral Martin Junge. Recordo com muito agrado minha visita a Lund – lembram-se? –, a cidade onde vossa fundação foi fundada. Nessa inesquecível etapa ecumênica, experimentamos a força evangélica da reconciliação, testemunhando que “através do diálogo e do testemunho compartilhado já não somos estranhos” (Declaração conjunta, 31 de outubro de 2016). Já não somos estranhos, mas sim irmãos.
Queridos irmãos e irmãs, no caminho do conflito à comunhão, no dia da comemoração da Confessio Augustana vieram a Roma para que cresça a unidade entre nós. Dou-lhes graças por isso e expresso minha esperança de que uma reflexão comum sobre a Confessio Augustana, em vista do 500º aniversário de sua leitura em 25 de junho de 2030, beneficie nosso caminho ecumênico. Eu disse “em caminho do conflito à comunhão” e este caminho se recorre somente em crise: a crise nos ajuda a amadurecer o que buscamos. Do conflito que vivemos durante séculos e séculos, à comunhão que queremos, e para fazê-lo entramos em crise. Uma crise que é uma benção do Senhor. Por sua vez, a Confessio Augustana representou uma tentativa de evitar a ameaça de uma ruptura na cristandade ocidental, pensada originalmente como um documento de reconciliação intracatólica, adquiriu somente mais tarde o caráter de um texto confessional luterano. Já em 1980, em razão do seu 450º aniversário, luteranos e católicos afirmaram: “o que reconhecemos na Confessio Augustana como uma fé comum pode nos ajudar a confessar esta fé juntos de uma maneira nova também em nosso tempo” (Declaração conjunta, “Todos sob um mesmo Cristo”, n. 27). Confessar juntos o que nos une na fé. Me vem à mente as palavras do apóstolo Paulo quandro escreveu: “Um só corpo… um só batismo. Um só Deus” (Ef 4, 5-6).
Um só Deus.
No primeiro artigo, a Confessio Augustana professa a fé no Deus Uno e Trino, referindo-se especificamente ao Concílio de Niceia. O Credo de Niceia é uma expressão vinculativa de fé não apenas para católicos e luteranos, mas também para nossos irmãos ortodoxos e para muitas outras comunidades cristãs. É um tesouro comum: esforcemo-nos para que o 1700º aniversário daquele grande Concílio, que se realizará em 2025, dê um novo impulso ao caminho ecumênico, que é um dom de Deus e para nós um caminho irreversível.
Um único batismo.
Queridos irmãos e irmãs, tudo o que a graça de Deus nos dá a alegria de experimentar e partilhar — a superação crescente das divisões, a cura progressiva da memória, a colaboração reconciliada e fraterna entre nós – encontra o seu fundamento precisamente no “único batismo para a remissão dos pecados” (Credo Niceno-Constantinopolitano). O santo batismo é o dom divino original, que está na base de todos os nossos esforços religiosos e de todo o empenho para alcançar a plena unidade. Sim, porque o ecumenismo não é um exercício de diplomacia eclesial, mas um caminho de graça. Não depende de mediações e acordos humanos, mas da graça de Deus, que purifica a memória e o coração, supera as rigidezes e nos guia para uma comunhão renovada: não para acordos descendentes ou sincretismos conciliatórios, mas para uma unidade reconciliada em suas diferenças. Diante disso, desejo encorajar todos os que estão engajados no diálogo católico-luterano a prosseguir com confiança na oração incessante, no exercício da caridade compartilhada e na paixão pela busca de uma maior unidade entre os diversos membros do Corpo de Cristo.
Um corpo.
A este respeito, a Regra de Taizé contém uma bela exortação: “Tende paixão pela unidade do Corpo de Cristo”. A paixão pela unidade amadurece no sofrimento que sentimos diante das feridas que infligimos ao Corpo de Cristo. Quando sentimos dor pela divisão dos cristãos, aproximamo-nos do que Jesus viveu, que continuou a ver os seus discípulos desunidos, as suas vestes rasgadas (cf. Jo 19,23). Hoje me presentearam com uma pátena e um cálice que vêm precisamente das oficinas de Taizé. Agradeço-vos estes presentes, que evocam a nossa participação na Paixão do Senhor. Na verdade, também nós vivemos uma espécie de paixão, no seu duplo sentido: por um lado, o sofrimento, porque ainda não é possível reunir em torno do mesmo altar, o mesmo cálice; de outro, o ardor a serviço da causa da unidade, pela qual o Senhor orou e ofereceu a sua vida.
Vamos, portanto, prosseguir com paixão o nosso caminho do conflito à comunhão pelo caminho da crise. A próxima etapa será compreender os vínculos estreitos entre a Igreja, o ministério e a Eucaristia. Será importante olhar com humildade espiritual e teológica para as circunstâncias que levaram às divisões, confiando que embora os tristes acontecimentos do passado não possam ser desfeitos, eles podem ser relidos dentro de uma história reconciliada. A sua Assembleia Geral de 2023 pode ser um passo importante para purificar a memória e aumentar os muitos tesouros espirituais que o Senhor colocou à disposição ao longo dos séculos.
Queridos irmãos e irmãs, o caminho do conflito à comunhão no caminho da crise não é fácil, mas não estamos sós: Cristo nos acompanha. O Senhor crucificado e ressuscitado abençoe a todos nós, e em particular a você, querido reverendo Junge, querido amigo Martin, que encerrará seu serviço como secretário-geral no dia 31 de outubro. Agradeço-vos de todo o coração mais uma vez pela vossa visita e convido-vos a rezar juntos, cada um na sua língua, o Pai-Nosso pelo restabelecimento da plena unidade entre os cristãos. E a forma de o fazer, deixamos ao Espírito Santo que é criativo, muito criativo e também poeta.
Oremos ao Pai Nosso. “Pai Nosso…”.
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500 anos após sua excomunhão, a Igreja Católica pode reabilitar Lutero?
No dia 25 de junho do corrente ano, acontecerá, no Vaticano, um encontro que girará em torno de Martinho Lutero: católicos e luteranos procuram (re)conciliar suas visões sobre esta figura do cristianismo. Nós pedimos a dois especialistas, Michel Deneken e David Gilbert, para que nos apresentassem suas análises.
A reportagem é de Sixtine Chartier e Sophie Lebrun, publicada por La Vie, 24-06-2021. A tradução é de André Langer.
Há 500 anos, em 1521, Martinho Lutero era excomungado. O frade, fundador do protestantismo, é hoje uma figura que os dois ramos do cristianismo percebem de forma diferente. No final de maio de 2021, um grupo de teólogos católicos e luteranos alemães pediu ao Papa Francisco que suspendesse essa excomunhão. Ao mesmo tempo, um pedido foi feito à Federação Luterana Mundial para que retire o termo “Anticristo” usado para designar os papas desde a Reforma.
No dia 25 de junho de 2021, será realizado, em Roma, um encontro entre a Santa Sé e a Federação Luterana Mundial. Nesta ocasião, o Vaticano poderá reabilitar Lutero? Segue a análise de dois especialistas: o teólogo Michel Deneken, sacerdote, especialista nas relações entre a Igreja Católica e as Igrejas da Reforma e presidente da Universidade de Estrasburgo; e David Gilbert, professor do Instituto Católico de Paris e especialista na Reforma.
Michel Deneken: “O julgamento de bruxaria contra Lutero acabou”
“Na tradição católica, Martinho Lutero era visto como um rebelde que queimou a bula papal e rompeu conscientemente com a Igreja Católica. Hoje, alguns, mais conservadores entre os católicos, ainda lamentam o fato de que a instituição se aproxime das suas teses e as integre ao patrimônio romano. Mas o julgamento de bruxaria acabou. Nos últimos anos, uma outra imagem de Lutero se impôs, a de um teólogo e testemunha do Evangelho. Em vários textos oficiais escritos por bispos, destaca-se o caráter evangélico de Lutero.
A questão da reabilitação de Martinho Lutero tornou-se lancinante no período recente do cristianismo moderno. Já em 2000, o teólogo Hans Küng havia embarcado na batalha nessa direção porque, para muitos católicos pós-Vaticano II, a Igreja Católica finalmente reconheceu tudo o que Lutero denunciou na época e iniciou reformas nesse sentido.
Devemos ir tão longe a ponto de reabilitá-lo? É mais complicado do que parece… A história mostra que é viável: Galileu foi reabilitado por João Paulo II, mas, neste caso, estamos diante de um processo contra um homem que ia contra a doutrina oficial de sua época, e não diante de um cisma da Igreja.
É possível suspender a excomunhão contra ele? Lutero voltaria então a ser um católico que tinha uma opinião sobre a organização de sua Igreja: menos Papa e mais Evangelho. Na década de 1980, uma comissão luterana-católica trabalhou sobre as excomunhões recíprocas e os anátemas que marcaram a história da separação depois de Lutero: a conclusão foi que ninguém queria um levantamento. Nas suas explicações, os membros sublinharam que o que era condenável no século XVI continua a ser ainda hoje, mas manifestaram o desejo de continuar a trabalhar juntos, para o bem da vida concreta das Igrejas de hoje.
Ainda vemos tibieza entre as autoridades católicas para falar em reabilitação. Em 2017, nos 500 anos da Reforma, assim como no ano anterior, quando o Papa Francisco visitou Lund, na Suécia, nada foi dito especificamente sobre Lutero. O contexto católico também pode explicá-lo: a Igreja Católica vive uma profunda crise de identidade, na qual as questões ecumênicas não são prioritárias, inclusive para o Papa Francisco.
Mas Martinho Lutero não é mais uma figura tão bem definida e reconhecida por todas as correntes do protestantismo como no passado. Uma parte dos luteranos de cultura germânica, mais conservadores, continua a se agarrar a ele, mas no lado evangélico, principalmente na França, onde essa corrente está em plena expansão, não há referências a ele. Certos aspectos de seus discursos são questionados em uma perspectiva histórica, como sua atitude em relação às mulheres ou aos judeus.”
David Gilbert: “Os católicos podem aprender com Lutero”
“Hoje, fala-se de uma ‘reabilitação’ de Lutero. Mas o que se quer dizer com essa expressão? Martinho Lutero, batizado e ordenado na Igreja Católica, não foi excluído da Igreja por sua excomunhão. Na época, como agora, a sanção da excomunhão não pretendia ‘afastar manu militari da Igreja’ um fiel, mas induzi-lo a se retratar! Mas Lutero não podia, explicou na época: ele estimava que teria pecado contra Deus e sua consciência. Lutero nunca considerou seu gesto como uma falta, nem sentiu que devia se arrepender: portanto, não se pode imaginar o levantamento da sua excomunhão, o que aliás não teria sentido, uma vez que está morto.
Também não se pode esconder certas palavras de Lutero: suas invectivas contra o papado de Roma ‘inventado pelo Diabo’, seus comentários inflamados contra outros protestantes, seus escritos sobre os judeus…
Mas, em ambos os lados, católicos e protestantes buscam uma convergência em uma apreciação matizada do personagem e de sua obra. O julgamento de Lutero, do lado católico, amenizou-se no século XX, particularmente graças a Yves Congar, teólogo dominicano, excelente conhecedor da história das Igrejas na Alemanha.
Após a Segunda Guerra Mundial, os pesquisadores protestantes se debruçam de maneira nova sobre esta figura, propondo uma abordagem menos hagiográfica do que no passado, especialmente porque o regime nacional-socialista tinha se apoiado sobre uma visão heroica de Lutero, “profeta para os alemães”, segundo o título que deu a si mesmo, bem como seu antijudaísmo teológico.
O documento mais marcante dos últimos anos é o texto Do Conflito à Comunhão, da Comissão Luterana-Católica Romana (2013): ele apresenta uma interpretação histórica e teológica da Reforma que integra os aspectos positivos e negativos do processo de Lutero. Escrevê-lo juntos foi em si um ato poderoso.
No entanto, a relação que protestantes e católicos têm com Lutero permanece divergente, mesmo entre os mais comprometidos com o ecumenismo: os católicos podem se sentir mais livres em relação a ele, enquanto os protestantes podem ser sobrecarregados por certos aspectos do seu ensino ou de sua personalidade, por exemplo, a sua tendência em ver o Anticristo em ação entre os papistas, entre outros protestantes, entre os judeus, entre os turcos…
O que os católicos podem aprender com Lutero? Talvez a sua insistência no primado absoluto da graça, que hoje faz eco à importância dada à misericórdia pelo Papa Francisco. Os papas recentes, especialmente Bento XVI e Francisco, voltaram às intuições espirituais de Lutero. Em 2011, em um discurso em Erfurt, na Alemanha, o primeiro enfatizou sua contribuição para a importância vital da graça e da misericórdia. O segundo fez um gesto forte ao ir à Suécia em 2016 para preparar a comemoração comum da Reforma Luterana.”
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