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A contínua interrupção nos serviços de saúde para as mulheres devido à covid-19 pode apagar mais de 20 anos de avanços na redução da mortalidade materna e acesso ao planejamento familiar, segundo a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS).
“Quero destacar as devastadoras repercussões sanitárias, sociais e econômicas que este vírus teve nas mulheres”, indicou Carissa Etienne, diretora da OPAS, durante sua conferência de imprensa na quarta-feira, 26 de maio.
A reportagem é publicada por IPS Notícias e Jesuítas da América Latina, 01-06-2021. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
De acordo com dados de 24 dos 34 países do hemisfério “mais de 200 mil mulheres grávidas foram infectadas pela covid-19 e ao menos mil morreram por complicações do vírus”, informou Etienne.
“Se isso continua, es espera que a pandemia faça desaparecer mais de 20 anos de avanços na ampliação do acesso das mulheres ao planejamento familiar e na luta contra a mortalidade materna”, observou a responsável.
Mesmo o retorno aos níveis de mortalidade materna anteriores à pandemia, que já eram altos, poderia consumir mais de uma década, sendo que quase todas as mortes maternas são evitáveis, lembrou Etienne, uma dominicana e médica de formação.
A taxa de mortalidade materna na América Latina e no Caribe caiu de 96 para 74 mortes maternas por 100 mil nascidos vivos entre 2000 e 2017, uma redução geral de 23,1%.
Agora, “segundo estimativas das Nações Unidas, até 20 milhões de mulheres na América – principalmente nos países da América Latina e do Caribe – terão seu controle de natalidade interrompido durante a pandemia”, disse Etienne.
Isso pode acontecer nos próximos anos porque os serviços não estão mais disponíveis ou porque as mulheres não terão mais como pagar pelos anticoncepcionais, afirmou.
Os cuidados à gravidez e ao recém-nascido também sofrem interrupções em quase metade dos países da região.
Ao mesmo tempo, as mulheres grávidas são mais vulneráveis a infecções respiratórias como covid-19 e, se ficarem doentes, tendem a desenvolver sintomas mais graves, muitas vezes exigindo intubação, o que pode colocar em risco a vida da mãe e do bebê.
Outro aspecto apontado por Etienne é que as mulheres, que representam mais de 70% nas equipes de saúde na América Latina e no Caribe, são as que mais pesam na resposta da covid.
Além disso, as mulheres sofrem um impacto econômico muito maior, pois já têm maior probabilidade de viver na pobreza e de ter perdido o emprego desde o início da pandemia.
“Devemos lembrar que os desafios e desigualdades que enfrentamos antes da covid-19 não desapareceram durante a pandemia, mas pioraram e não podem ser ignorados. Por isso, devemos fazer da proteção à vida das mulheres uma prioridade coletiva”, expôs a responsável.
Por ocasião do Dia Internacional de Ação pela Saúde da Mulher em 28 de maio, Etienne disse que os países deveriam “fazer exatamente isso: agir”.
“Podemos começar garantindo que as mulheres e meninas tenham acesso aos serviços de saúde de que precisam – como saúde sexual e reprodutiva, gravidez e cuidados com o recém-nascido – durante a resposta à covid-19”, concluiu.
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fonte: http://www.ihu.unisinos.br/609967-a-pandemia-e-seu-forte-impacto-na-mulher-latino-americana
Revista IHU On-Line lança número sobre as Mulheres na Pandemia e os desafios de sobreviver em meio ao caos
Em uma mão o medo e a desigualdade, na outra a força, a vontade e a necessidade de sobreviver em meio a um contexto de profunda desigualdade social e de gênero, mesmo que em muitos casos sejam o esteio da família. O desafio de ser mulher no Brasil ganhou contornos ainda mais dramáticos em meio à pandemia, com a intensificação das jornadas de trabalho, o aumento da violência doméstica e o imperativo de se manter “firme” diante do caos. Estes e outros temas são abordados na edição 548 da Revista IHU On-Line – Mulheres na pandemia. A complexa teia de desigualdades e o desafio de sobreviver ao caos.
Quando a crise desponta, o machismo mostra-se com mais evidência, o que pode ser observado na intensificação do trabalho das mulheres, como lembram os pesquisadores Sandra Bezerra, Flavia Lima e Gustavo Bergström. “Por conta da não separação entre vida e trabalho, que ficou mais evidente e se agravou no contexto da pandemia, não se trata mais de chamarmos de jornada (mesmo que seja tripla), mas de fluxo contínuo de atividades que se sobrepõem e concorrem entre si”, sustentam.
Outro ponto que se mostrou importante, no contexto pandêmico, foi o Auxílio Emergencial, que, apesar de ter beneficiado de forma evidente as famílias mais pobres, se tratou de uma política, infelizmente, descontinuada. “Acredito que programas de renda básica universal sejam de grande importância, principalmente em contextos de desigualdade social e econômica tão grandes como o brasileiro”, frisa Fernanda Vasconcellos.
Imagem: Callar duele más – Grafite contra a violência de Gênero (El Llanito Gto)
Ao se falar sobre a violência a que mulheres são submetidas, a primeira imagem que vem à cabeça são homens autoritários e agressivos, que se comportam como verdadeiros “coronéis”, no sentido mais caricatural do termo. A realidade, contudo, não tem nada de caricatural e o Norte do Brasil testemunha, justamente, esta convergência entre militarização e violência contra mulheres. “Há conjuntos de informações que nos mostram como é importante olhar para a relação entre a militarização da Amazônia e a violência contra mulheres indígenas, mas não apenas”, sublinha Flávia Melo.
Tudo isso converge para um contexto em que a participação política das mulheres, especialmente as mais pobres, seja cada vez mais constrangida e dificultada pela necessidade, simplesmente, de sobreviver. Pois, como salienta Luana Pinheiro, a desigualdade de gênero afeta a possibilidade de “participação na vida política, em particular na política institucional, bem como menores possibilidades de acesso a bens e serviços de lazer, educação e cultura”.
Em suma, ser mulher no Brasil e viver em meio ao descontrole da pandemia de coronavírus, que matou quase meio milhão de brasileiros, implica ser uma das “principais vítimas do que tem sido descrito como múltiplas crises, colocando em destaque o caráter de gênero e seus efeitos”, como propõe Flávia Biroli.
A revista IHU On-Line, recém lançada pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, traz ainda seis depoimentos de mulheres com diferentes perfis, relatando sobre como têm sobrevivido à crise sanitária da Covid-19. O material conta ainda com reportagens, um breve relato sobre uma pesquisa com indígenas Pataxó do Sul da Bahia e um rápido resumo de três das recentes publicações dos Cadernos Teologia Pública e IHU ideias.
Leia mais
- Mulheres na pandemia. A complexa teia de desigualdades e o desafio de sobreviver ao caos. Revista IHU On-Line nº 548
- A luta das mulheres contra as duas pandemias, da Covid-19 e da violência de gênero. Entrevista especial com Flávia Melo
- As mulheres sofrem com elevados níveis de pobreza de tempo. Entrevista especial com Luana Simões Pinheiro
- Conhecimento científico e compromisso com a justiça social: propostas para melhorar a vida das mulheres na pandemia
- Pesquisa revela uma década de violência contra mulheres indígenas em São Gabriel da Cachoeira
- As mulheres na pandemia. A violência doméstica, o sofrimento e a necessidade de repensar o cuidado. Entrevista especial com Renata Moreno
- Pandemia e violência doméstica: um beco sem saída se não houver políticas públicas efetivas de proteção às mulheres. Entrevista especial com Fernanda Vasconcellos
- Isolamento social em tempos de pandemia torna a casa ainda mais perigosa para a mulher. Entrevista especial com Jacqueline Pitanguy
- Violência contra mulher cresce no período de quarentena
- São as mulheres as grandes perdedoras da pandemia?
- Para as mulheres, a pandemia é sinônimo de retrocesso social
- Além do covid, mulheres e meninas enfrentam a violência de gênero “em casa”
- Registros de estupros caem 10%, mas Brasil ainda tem 5 casos por hora
- Aos 11 anos da Lei Maria da Penha, uma mulher é agredida a cada dois segundos
- “Dizer que nós mulheres indígenas não enfrentamos violência de gênero é mentira”
- Um vírus e duas guerras: uma mulher é morta a cada nove horas durante a pandemia no Brasil
- Justiça do Amazonas não julga feminicídios na pandemia
- Pelo fim da violência contra a mulher indígena
- ONU Brasil lança documentário ‘Mulheres Indígenas: Vozes por Direitos e Justiça’