A proibição de matar é o mínimo da dignidade humana

“Se qualquer outro país fizesse um décimo do que Israel faz, iriam bombardeá-lo. A cumplicidade da política e da mídia italiana diante do massacre de palestinos, em apoio a círculos pró-israelenses que tomaram as ruas ontem, é simplesmente vergonhosa. Ao lado do povo palestino na luta contra a ocupação”. (Do Facebook, um vídeo dos jovens comunistas).

O comentário é de Enrico Peyretti, teólogo, ativista italiano, padre casado e ex-presidente da Federação Universitária Católica Italiana (Fuci), em artigo publicado por Fine Settimana, 16-05-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.

É verdade. Dever-se-ia acrescentar que se, entre os palestinos, não prevalecesse o Hamas, com seus métodos de guerra, mas a população opusesse, como em outros momentos, a uma forte resistência compacta, sem o uso da violência, então as razões humanas e civis dos palestinos pareceriam mais claras e evidentes diante do mundo. O direito de se defender é um direito inalienável, aliás, é um dever humano.

Quando um povo – como já aconteceu tantas vezes na história, caso se queira vê-la como um todo – sabe inventar e opor uma resistência mais justa e humana, que não seja imitação e reprodução da guerra, da agressão violenta, então a sua defesa é mais justa, mais clara aos olhos do mundo, menos custosa em vidas humanas inocentes e, em última análise, mais eficaz. Antes das bombas, Israel usou contra os palestinos ocupação territorial, apartheid, abusos de poder, incursões noturnas nas casas aterrorizando as crianças, despejo das moradias e destruição das casas, prisões administrativas até de menores, sem processo.

O mundo inteiro deveria ver melhor essas questões graves e injustiças contínuas, e reconhecer os direitos ofendidos dos palestinos, reduzindo seu desespero histórico que faz prevalecer respostas desesperadas. As vítimas inocentes dos últimos dias, em ambos os povos, em enorme maioria entre os palestinos, muitas crianças inocentes mortas, são uma dor amarga para todos nós, o que nos empenha moral e politicamente a buscar por todos os meios a abolição da matança de seres humanos, matança usada como um instrumento de poder. Esta é a medida, antes de qualquer outro critério, da civilização e da evolução humana em relação às outras espécies animais.

Não matar vidas, não destruir as condições necessárias para uma vida digna, este é o primeiro e obrigatório caráter da política, da civilização, da honestidade, da legitimidade de um Estado, da humanidade de um povo e da dignidade de cada um de nós. Onde há guerra, há derrota da civilização, da política, de toda moral e religião, da própria humanidade. Aqueles que fazem a guerra renunciam à humanidade. Isso não é um máximo inatingível: é o mínimo para não sermos todos derrotados e indignos.

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fonte: http://www.ihu.unisinos.br/609311-a-proibicao-de-matar-e-o-minimo-da-dignidade-humana


Israel tenta silenciar e confundir a imprensa estrangeira no conflito de Gaza

Bombardeio de edifícios que abrigavam sucursais no território palestino se soma a um balão de ensaio sobre uma “operação terrestre” que nunca existiu

 

Jerusalém – 17 MAI 2021 – 10:31 BRT – EL PAÍS

A comunicação da mídia internacional com as autoridades civis e militares de Israel nunca foi simples. Mas, quando um conflito como o de Gazacom dezenas de vítimas civis, ameaça abalar a imagem do Estado judaico, essa relação se torna ainda mais árdua. Ao bombardeio e destruição de um edifício na cidade de Gaza que até sábado abrigava as sucursais de veículos de imprensa de alcance global, como a agência norte-americana Associated Press e a emissora árabe Al Jazeera, soma-se o balão de ensaio lançado por um porta-voz militar israelense que, na madrugada de quinta para sexta-feira, tentou confundir correspondentes estrangeiros sobre uma inexistente “operação terrestre” dentro do território palestino. 

A Federação da Imprensa Estrangeira (FPA, na sigla em inglês) em Jerusalém advertiu em nota que a “destruição de escritórios dos meios de informação suscita questionamentos sobre se Israel trata de interferir na liberdade de imprensa”. “Israel não apresentou provas de que o edifício [atacado] estava sendo utilizado pelo Hamas”, observa a FPA, ao tempo em que exige uma investigação oficial, em alusão ao argumento dos porta-vozes militares para justificar a destruição do edifício Al Jala, em Gaza. Assim como ocorreu na chamada Operação Chumbo Fundido (2008-2009), as autoridades israelenses não permitem atualmente o acesso de jornalistas estrangeiros ao enclave litorâneo. Os repórteres palestinos que colaboram com a mídia internacional são os únicos olhos com os quais o planeta conta hoje para conhecer a versão de quem está no terreno na Faixa de Gaza.

A versão oficial das Forças Armadas de Israel é transmitida pelo Gabinete do Porta-Voz do Exército, uma azeitada máquina com dezenas de profissionais da informação e centenas de soldados a seu serviço. A imprensa estrangeira também ficou indignada com a suspeita de que esse órgão militar manipulou os correspondentes para tentar armar uma arapuca contra o braço armado do Hamas.

Pouco depois de 0h de sexta-feira (18h de quinta em Brasília), o Exército informou aos correspondentes estrangeiros sobre o início de uma “uma operação aérea e terrestre” em grande escala contra Gaza. Questionado sobre o alcance dessa ofensiva, o tenente-coronel Jonathan Conricus, porta-voz para a imprensa internacional, declarou em inglês que as forças israelenses haviam “penetrado no território de Gaza”. Os jornalistas estrangeiros se apressaram em modificar suas reportagens para noticiar a que seria a quarta invasão israelense na Faixa de Gaza em 12 anos.

Já a imprensa israelense, que recebe em hebraico a informação das Forças Armadas, não teve conhecimento da suposta incursão terrestre. Quando esses veículos tentaram confirmar uma notícia que já circulava nas redes sociais, os porta-vozes em idioma hebraico negaram que a fronteira tivesse sido ultrapassada e esclareceram que a ofensiva terrestre consistia em disparos de artilharia e de carros de combate.

Duas horas depois da primeira informação, o Exército se corrigiu e negou aos jornalistas estrangeiros que tropas e tanques tivessem penetrado em Gaza, o que obrigou a alterar as edições impressas e digitais.

Em uma entrevista coletiva telemática, às 8h (hora local), o tenente-coronel Conricus se desculpou pelo “mal-entendido” e assumiu toda a responsabilidade. Àquela altura, os canais 12 e 13, principais emissoras privadas de TV, já tinham obtido relatórios confidenciais mostrando que o Exército tramou uma estratégia para tirar os combatentes do Hamas dos seus esconderijos, ao acreditarem que as tropas israelenses estavam invadindo seu território – um boato que seria espalhado com a ajuda involuntária da mídia internacional. Entre a primeira informação militar e a retificação, ocorreram mais de 550 episódios de disparos da artilharia e de carros de combate junto à fronteira, além de bombardeios maciços com 160 aviões militares contra mais de 150 posições das forças palestinas em Gaza.

Tanques do Exército de Israel neste domingo perto de Sderot.
Tanques do Exército de Israel neste domingo perto de Sderot. DPA VÍA EUROPA PRESS / EUROPA PRESS

Em sua resposta ao pedido de explicações da FPA, as Forças Armadas qualificaram de “conspiratórias” as informações que apontam uma manipulação da imprensa “para obter uma vitória tática”, segundo uma carta do chefe do Gabinete do Porta-Voz Militar, general Hidai Zilberman. O texto qualifica de “deslize” a informação sobre uma ofensiva terrestre que nunca existiu.

Enquanto isso, em nota divulgada em Nova York, a agência de notícias Associated Press (AP) mostrou no sábado sua consternação pela demolição do edifício que abrigava sua sede na cidade de Gaza, onde se encontravam 12 jornalistas contratados e colaboradores que receberam a ordem de deixar o prédio de 12 andares. “O mundo saberá menos sobre o que acontece em Gaza a partir de hoje”, lamentou o presidente da AP, Gary Pruitt, informa María Antonia Sánchez-Vallejo. Os jornalistas e colaboradores da agência “felizmente puderam deixar [o prédio] a tempo”, mas “o fato é especialmente inquietante”, acrescentou Pruitt.

Só um elevador funcionava no edifício Al Jala, com 60 apartamentos residenciais e vários escritórios. A jornalista palestina Juma al Sayed, que colabora com rede catariana Al Jazeera, contou no ar como se organizou a desocupação, em apenas 10 ou 15 minutos. “Deixamos o elevador para as crianças e os idosos e saímos correndo escada abaixo”, recordou a repórter. “Quem pôde levou uma criança para ser retirada, e eu mesma ajudei duas”, relatou. “Deem-nos 15 minutos, temos que salvar o equipamento, as câmeras”, havia suplicado outro jornalista ao oficial de inteligência israelense que alertava por telefone para que todos saíssem imediatamente, relata o site do canal. “Vocês não têm nem 10 minutos, saiam já”, ordenou laconicamente o militar israelense.

O canal, que definiu o ataque como um “claro ato para impedir a sagrada tarefa de informar ao mundo” sobre o que acontece na Faixa de Gaza, disse esperar que o Governo israelense “seja responsabilizado por suas ações”.

 

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