Dom Zanoni Demettino Castro, arcebispo de Feira de Santana (BA)
Triste lembrança! Neste ano de 2021 somos chamados a fazer a memória das nossas alegrias e esperanças, das nossas tristezas e dores.
Neste momento, lembramos, sobretudo, os 57 anos da Ditadura, um dos mais dolorosos episódios da história do Brasil, que com o ato de força de 1º de abril, significou um golpe profundo para as instituições democráticas e durou longos 21 anos, jogando o País numa noite de terror, prisões, torturas, mortes e desaparecimento de pessoas.
Nasci e cresci num ambiente de forte resistência a essa situação. Aprendi, desde pequeno, que nem tudo que aparecia nos jornais e televisão correspondia à verdade.
Conheci homens e mulheres honrados, muitos, imbuídos pela fé, que se engajaram seriamente contra este sistema, e, por esta razão, foram tratados como “subversivos”.
Milhares de pessoas foram presas, torturadas e exiladas. Muitas foram mortas. Políticos tiveram seus mandatos revogados; cidadãos, funcionários públicos e militares foram demitidos; estudantes expulsos das escolas e Universidades.
Imperava a Lei de Segurança Nacional.
Lembro-me muito bem do meu pároco, cuidadoso e prudente com as palavras, quando nos ensinava o Evangelho, falando-nos do amor, da justiça, da democracia e da liberdade.
Tocava no fundo do nosso coração as palavras do grande pastor e profeta, Dom Helder Câmara, Arcebispo de Olinda e Recife, silenciado pela ditadura: “quando dou pão aos pobres me chamam de santo, quando pergunto pela causa de sua pobreza me chamam de comunista.”
Esta data de forma alguma poderá ser esquecida.
É, sem dúvida, uma oportunidade rica de refletirmos e debatermos a respeito da construção social e política do nosso país. Tempo propício de levantar questões sérias: Por que o Brasil acolheu esse Regime ditatorial e autoritário em 1964? Como a ditadura civil militar redesenhou esse País Continente e quais são hoje as suas marcas mais profundas? Como foi possível passar do autoritarismo para a Democracia?
Nossos jovens precisam saber o que de fato aconteceu. Por que tantos meninos e meninas daquela época entraram nesta luta? Quais eram os seus sonhos e a razão de tamanha coragem?
Lembro-me, como se fosse hoje, da paródia da música “Tristeza”, que cantávamos no Colégio em que eu estudava em Brasilia, no final dos anos 70, com muito receio, mas com segura nitidez e grande orgulho.
Pedíamos o fim da ditadura:
“Figuerêdo, por favor vai embora, é o povo que implora, esperando seu fim. O meu salário diminui a cada dia, já é demais o meu penar. Quero de volta a Democracia. Quero de novo votar”.
Havia um desejo de mudança, um sonho de justiça e liberdade.
Vejo com bons olhos o grandioso esforço da Comissão da Verdade. Por outro lado, percebo que muitos querem minimizar esse período de exceção. Chegam a afirmar que a Ditadura não foi tão dura assim e até defendem o seu retorno como remédio à violência e corrupção. São os mesmos que apoiam mortes, criminalizam os movimentos sociais e demonizam a política.
Graças a Deus a Ditadura foi vencida.
Foi uma vitória da população brasileira, o sonho das Comunidades Eclesiais de Base que, desde os meados dos anos 70, com outras forças da sociedade, indo às ruas, denunciando torturas e mortes, articulando-se e mobilizando-se em favor da anistia, participaram de uma das mais espetaculares campanhas que este pais já assistiu, a Diretas já!
A luta pela consolidação da Democracia continua. Ditadura nunca mais. #DitaduraNuncaMais
Arcebispo de Feira lembra ditadura militar: “doloroso episódio da história”
Em um curto e direto tuíte publicado nesta manhã em sua página, o arcebispo de Feira de Santana, dom Zanoni Demettino, lembrou que hoje é a data da “triste lembrança dos 57 anos da Ditadura, um dos mais dolorosos episódios da história”.
Essa é a primeira vez que um chefe da Igreja Católica em Feira de Santana se pronuncia diretamente contrário à Ditadura Militar implantada como o golpe que aconteceu no dia 31 de março de 1964.
Em Feira de Santana o golpe destituiu o prefeito eleito em 1962, Chico Pinto e no seu lugar foi colocado como interventor um vereador, Joselito Amorim.
No documentário audio-visual “Chuvas de Março”, os cineastas Johny Guimarães e Volney Menezes mostram os desdobramentos do golpe de 1964 e as consequências do AI-5 em Feira de Santana, com depoimentos de várias pessoas que se opuseram ou apoiaram o movimento dos militares. Entre os opositores, há depoimentos do então prefeito Chico Pinto, deposto da prefeitura logo após o golpe, do professor Luciano Ribeiro, da ex-reitora da Uefs, Iara Cunha, do economista Hosannah Leite, e do sapateiro Torquato de Brito, militante do Partido Comunista Brasileiro, todos presos pelo regime militar. Entre os apoiadores, há depoimentos do advogado Hugo Navarro e do ex-prefeito Joselito Amorim, que sucedeu Chico Pinto no governo municipal.
Os depoimentos mais marcantes, entretanto, são do advogado Celso Pereira e do economista Sinval Galeão. Os dois contam como foram torturados pela Ditadura, em Feira de Santana.