Marcelo Queiroga, o novo ministro bolsonarista da Saúde, admite apenas em tese lockdowns para situações extremas, mas descarta seu uso como “política de governo”. O quarto ministro da pasta no governo de extrema direita de Jair Bolsonaro deixa aberto o caminho para o chamado “tratamento precoce”
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247 – O novo ministro da Saúde do governo de extrema direita de Jair Bolsonaro, embora médico, procura se adaptar ao negacionismo científico do chefe, ao descartar o lockdown como política para combater o contágio em massa pelo coronavírus e deixou aberta a porta para o que os bolsonaristas chamam de “tratamento precoce”.
Esta visão contraria o consenso da comunidade científica, cada vez mais alinhada à adoção de uma política de restrição de circulação, quando o país vive uma situação de emergência com quase 280 mil mortos pela covid-19, e contrária à prescrição de medicamentos contraindicados para o tratamento da covid, como a cloroquina da qual Bolsonaro faz propaganda.
Na entrevista, Marcelo Queiroga diz que não há terapia contra coronavírus, mas fala em autonomia médica para prescrição, informa a Folha de S.Paulo.
“Existem determinadas medicações que são usadas, cuja evidência científica não está comprovada, mas, mesmo assim, médicos têm autonomia para prescrever”, afirmou.
Em Queiroga, Bolsonaro tem ministro pra chamar de seu
Novo titular da Saúde apoiou capitão nas eleições, foi indicado por seu filho Flávio e se propõe a manter “política” que já matou quase 300 mil. E mais: governo Trump persuadiu Brasília a rejeitar vacina russa, que agora terá fábricas na Europa
Publicado 16/03/2021 às 07:19 – Atualizado 16/03/2021 às 09:31
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FLÁVIO INDICOU O MINISTRO
O cardiologista Marcelo Queiroga será o quarto ministro da saúde do Brasil na pandemia. Jair Bolsonaro anunciou sua escolha ontem, pouco depois da reunião que teve com o médico no Palácio do Planalto. A notícia foi dada após assessores do presidente espalharem para a imprensa que mais postulantes ao cargo seriam recebidos ao longo da semana, o que sempre tem o condão de fazer os jornalistas parecerem pouco confiáveis.
Também foi de forma fiel ao seu estilo que Bolsonaro divulgou a decisão: em conversa com apoiadores plantados no Palácio da Alvorada, transmitida pelo canal bolsonarista no YouTube Foco do Brasil. Afirmou que Marcelo Queiroga “tem tudo para fazer um bom trabalho”. De que forma? “Dando prosseguimento em tudo o que o Pazuello fez até hoje.” Pois é.
No figurino de ministro, Queiroga foi bem menos contundente do que havia sido na véspera, quando concedeu entrevista à Folha. No domingo, ele disse que não era favorável ao uso da cloroquina para o tratamento da covid-19 – e destacou que a Sociedade Brasileira de Cardiologia, entidade que até então presidia, não recomendava a prescrição. Depois da conversa com Bolsonaro, saiu-se com essa, em entrevista à CNN Brasil: “Existem determinadas medicações que são usadas, cuja evidência científica não está comprovada, mas, mesmo assim, médicos têm autonomia para prescrever”, afirmou, emendando que se deve chegar a “um ponto comum”.
Sobre lockdowns, Queiroga disse que não podem ser “política de governo” e há “outros aspectos da economia para serem olhados”. Segundo o colunista Beto Bombig, alguns secretários estaduais de saúde e governadores estão esperando o apoio do novo ministro às quarentenas. Já a colunista Camila Mattoso ouviu de secretários a avaliação de que Queiroga é “um gente boa”.
Marcelo Queiroga fez campanha para Jair Bolsonaro em 2018. Depois do resultado do primeiro turno, elogiou o então candidato nas redes sociais: “patriota, homem simples, espirituoso e acessível”. Meses antes, havia tomado café da manhã com ele e seu filho mais velho, Flávio Bolsonaro, ocasião na qual colheu essas impressões. “Sobre a classe médica e suas demandas, o Jair diz que sempre votou a favor da categoria e que frearia a abertura indiscriminada de escolas médicas e a importação ilegítima de ‘médicos’ cubanos“, escreveu. O entusiasmo lhe rende um lugar na equipe de transição do governo e, mais tarde, uma indicação para a diretoria da ANS, que não foi concretizada por conta da pandemia.
O senador pelo Republicanos teve uma boa dose de influência na escolha do sucessor de Pazuello. Segundo o Estadão, tanto Queiroga quanto a concorrente, Ludhmila Hajjar, dividem a diretoria da Sociedade Brasileira de Cardiologia com o sogro de Flávio: Hélio Roque Figueira.
Sobre a sucessão em si, restam muitas dúvidas sobre as bases em que vai ocorrer. Queiroga é bolsonarista, disso não há dúvida. Mas será que estará disposto a se queimar para cumprir o script negacionista do presidente? Será que será tutelado, como foi Nelson Teich? Por enquanto, ele encontrará um ministério sob ocupação militar.
Na entrevista coletiva na qual admitiu que estava de saída do cargo, Eduardo Pazuello abusou das imagens de guerra para vender a ideia de que uma substituição completa terá consequências. “A manobra mais difícil que temos de planejamento militar é substituição em posição, que é quando você está com sua tropa posicionada ou no ataque ou na defesa e você precisa substituir aquela tropa sem perder a impulsão ou sem perder a capacidade de defender”.
“Precisamos ver qual é a equipe que vai montar e se o governo lhe dará espaço e apoio”, resumiu uma figurinha conhecida nos meios empresariais da saúde, Francisco Balestrin, ao Valor. Outros médicos ouvidos pela Folha acreditam que Queiroga vai seguir as ordens de Bolsonaro – e colocam em dúvida inclusive sua afirmação de que não é favorável ao uso de cloroquina. “O dr. Marcelo sempre foi bolsonarista, defensor da hidroxicloroquina e vai fazer tudo o que Bolsonaro mandar”, disse um cardiologista de São Paulo. “Nada muda. Assim como Pazuello, Queiroga não tem preparo para a função e vai seguir a cartilha de Bolsonaro“, afirmou outro especialista.
ARMAS, ABORTO E ELEIÇÕES
Ontem, surgiram mais detalhes sobre a interlocução de Jair Bolsonaro com a outra candidata ao Ministério da Saúde, Ludhmila Hajjar. A reunião realizada no domingo parece ter sido um daqueles lances em que a falta de institucionalidade brilhou. O relato é do Poder 360:
“A médica foi sabatinada pelo presidente e seu filho. Eduardo Bolsonaro quis saber o que ela achava de dois temas: aborto e armas. (…) Num determinado momento, Bolsonaro quis saber o que a médica achava da cloroquina. Ludhmila disse que não iria desdizer o presidente eventualmente no Ministério da Saúde, mas que essa fase já havia passado. Que era necessário olhar para a frente. O presidente insistiu. Disse que ninguém sabe ainda o que funciona ou não para tratar a covid-19. E que os médicos têm o direito de prescrever o que quiserem. (…) O presidente perguntou também sobre medidas que restringem a circulação da população para frear os contágios pelo coronavírus. Disse ser contra o fechamento de negócios e a adoção de toque de recolher, casos de São Paulo e Brasília, por exemplo. ‘Você não vai fazer lockdown no Nordeste para me foder e eu depois perder a eleição, né?’”. Essa última afirmação foi negada pelo Planalto.
ao total, foram mais de três horas disso. Detalhe: com a presença de Eduardo Pazuello, que defendeu sua gestão o tempo inteiro e, a certa altura, teria insinuado que os governadores manipulam os números de ocupação dos leitos de UTI.
Ontem, Hajjar deu entrevistas à CNN Brasil e a GloboNews que irritaram bastante o Planalto e, para alguns analistas, apressaram ainda mais a substituição do general. Na primeira, ela afirmou que “não é o momento para assumir o Ministério da Saúde, principalmente por motivos técnicos”, as divergências de sempre com o script presidencial contra o isolamento social e inventor do “tratamento precoce” da covid-19. Para a GloboNews, ela pesou mais a mão: “Acho que o cenário é bastante sombrio. O Brasil vai chegar rapidamente em 500 mil, 600 mil mortes e não só isso, mas todo o impacto que esta doença terá em longo prazo, sequelas e consequências que não estão sendo pensadas.
Parte da irritação também ficou por conta da narrativa de Hajjar, que disse que não aceitou o convite para comandar a pasta. O governo nega que o convite tenha sido efetivamente feito. Nessa disputa de versões, auxiliares do presidente também fizeram chegar à imprensa o relato de que a médica teria adotado um discurso sob medida para o presidente em relação ao lockdown, ao contrário do que disse na TV.
A médica foi alvo de ataques de bolsonaristas nas redes sociais com direito a dossiê e, segundo ela, seu número de celular foi divulgado em grupos de WhatsApp. “Recebi ataques, ameaças de morte que duraram a noite, tentativas de invasão em hotel que eu estava, fui agredida, [enviaram] áudio e vídeo falsos com perfis, mas estou firme aqui e vou voltar para São Paulo para continuar minha missão, que é ser médica.” A informação sobre a tentativa de invasão foi desmentida pelo B Hotel, onde ela estava hospedada.
E O CENTRÃO?
A troca no Ministério da Saúde não saiu de acordo com os planos do Progressistas. O presidente da Câmara, Arthur Lira, acabou sendo desprestigiado publicamente depois de oferecer seu apoio à indicação de Ludhmila Hajjar – e ver os três nomes do seu partido, Doutor Luizinho (RJ), Hiran Gonçalves (RR) e Ricardo Barros (PR), serem preteridos sem direito a convite para sabatina no Planalto.
A situação acendeu no Centrão, ou em pelo menos parte dele, a velha chama da chantagem. “Um influente político do Centrão resume: Bolsonaro quis escolher um nome sozinho. Não tem problema. Mas terá que acertar na seleção do seu quarto ministro da Saúde porque, caso seja necessário fazer uma nova troca, o país não vai parar para discutir quem será o quinto, mas sim o próximo presidente da República. Na versão de um deputado, ninguém mais ficará brincando de escolher ministro”, apurou o Estadão.
NADA É COM ELE
Eduardo Pazuello credita unicamente ao Centrão sua queda. De acordo com relatos colhidos de gente que conversou com o general ainda no domingo, ele estava indignado com a iminente defenestração da pasta. “O ministro afirma que é honesto, conhece os números e está fazendo uma boa gestão na Saúde, que vive uma crise sem precedentes por causa da epidemia do novo coronavírus. E reforçou: está sendo ‘fritado’ porque não abriu a porteira para políticos”. Ontem, em público, o general também minimizou as sucessivas alterações no cronograma da vacinação, fator que teria servido de gota d´água para a pressão por sua saída: “É para ser alterado“, disse. Na mesma entrevista, ele ainda questionou sua responsabilização na crise de Manaus. “O que o Ministério da Saúde tem a ver com produção, o transporte e a logística de oxigênio?”
CONTRA OS “EXTREMOS”
Os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG) disseram ontem que não defendem um lockdown nacional porque essa é uma medida muito “extrema”. “Não me parece racional lockdown absoluto no país nesse momento”, disse Pacheco. Já Lira afirmou que “todos os extremos, nesse momento, são muito complicados”, e que esse tipo de possibilidade deve ser pensado caso a caso, para cidades ou regiões que estejam em um “momento de mais dificuldade”. As declarações foram dadas durante uma videoconferência para os jornais Valor e O Globo.
Pois é… O problema é o seguinte: segundo o último boletim da Fiocruz, 19 estados mais o Distrito Federal têm mais de 80% das vagas de UTI para covid-19 ocupadas, e em 13 dessas unidades a taxa é maior que 90%. Das 27 capitais brasileiras, 25 estão com mais de 80% de ocupação, e 16 já ultrapassaram os 90%. Ontem foram registradas mas 1.223 mortes e, pelo 17º dia consecutivo, um recorde na média móvel de óbitos: 1.855.
Se esse não é um “momento de mais dificuldade” generalizado, então o que seria?
Pernambuco, onde a taxa de ocupação das UTIs superou os 95%, decretou lockdown por 15 dias – tentou-se um toque de recolher desde o fim de fevereiro, mas, aparentemente, não adiantou. A região metropolitana de Belém fez o mesmo, com hospitais públicos e privados completamente cheios. Em Santa Catarina, mais de 100 pacientes morreram na fila entre fevereiro e março. O Mato Grosso está com as UTIs lotadas há uma semana.
Já no Rio, o número de pedidos de internação é o maior em toda a pandemia.
Em São Paulo, um em cada dez municípios está com as UTIs 100% cheias e o estado deve abrir um novo hospital de campanha até o fim do mês. Mas, apesar da tentativa de João Doria (PSDB) de se contrapor à imagem anti-ciência de Jair Bolsonaro, o governador ainda não partiu para o lockdown. O que entrou em vigor ontem foi a chamada fase emergencial.
NADA DE CPI
Na mesma videoconferência, Lira e Pacheco falaram também sobre Jair Bolsonaro e sobre possíveis investigações sobre o governo no Congresso. Pacheco, que tem nas mãos a possibilidade de aceitar um pedido de CPI assinado por dezenas de senadores, descartou terminantemente essa hipótese. De acordo com ele, a “solução não virá de uma CPI”, que só deve acontecer depois que (ou se) tudo for resolvido…: “A CPI, se precisar ser instalada, será instalada para apurar fatos pretéritos. Agora, a solução não virá de uma CPI”.
O presidente do Senado ainda criticou a postura de se “achar que nada funciona e que nada anda” e sugeriu deixar todo esse “negativismo” de lado: “Nesse momento o que nós do Congresso Nacional (…) estamos buscando promover é um ambiente de positivismo, de positividade, para que nós possamos valorizar aquilo de bom que nós temos no Brasil”…
“INFLUÊNCIAS MALIGNAS”
Os Estados Unidos, ainda sob o comando de Donald Trump, pressionaram o Brasil a rejeitar a vacina Sputnik V. A informação consta de um relatório do Departamento de Saúde dos EUA, e quem primeiro chamou a atenção para o texto foi a conta da própria Sputnik V no Twitter.
Segundo o documento, tratava-se de “combater influências malignas nas Américas”. Pois é. O relatório afirma que o escritório de assuntos globais da pasta (OGA) “usou suas relações diplomáticas nas Américas para mitigar os esforços de países, incluindo Cuba, Venezuela e Rússia, que estão trabalhando para aumentar sua influência na região em detrimento da segurança e proteção dos Estados Unidos”. A OGA ainda trabalhou para “fortalecer os laços diplomáticos e oferecer serviços técnicos e assistência humanitária para dissuadir os países da região de aceitar ajuda desses Estados mal-intencionados”.
O Brasil é citado nominalmente: “Os exemplos incluem o uso do gabinete do adido de saúde para persuadir o Brasil a rejeitar a vacina russa”. O texto só não explica como isso foi feito… Mas, convenhamos, não era preciso muita coisa para persuadir o governo Bolsonaro a seguir os desejos de Trump.
A propósito: o Fundo Russo de Investimento Direto (que financiou o desenvolvimento da vacina) anunciou ontem acordos de produção da Sputnik V com fábricas da Itália, Espanha, França e Alemanha, ainda sem muitos detalhes. A agência reguladora europeia ainda não autorizou o uso do imunizante.
DISTRIBUIÇÃO INJUSTA
Quem se infecta mais e morre mais por covid-19 no Brasil são as pessoas negras – mas elas estão ficando para trás nas filas da vacinação. A Agência Pública e a Repórter Brasil fizeram um levantamento a partir de dados das primeiras 8,5 milhões de pessoas vacinadas. Viram que 3,2 milhões se declaram brancas, contra 1,7 milhões de negras. A informação só não é mais completa porque um alto percentual dos formulários preenchidos durante a vacinação não informa o quesito cor/raça – o que já é, em si, muito ruim.
Há algumas explicações para o problema, segundo os especialistas ouvidos pela reportagem. Uma delas é que, por conta de determinantes sociais, há menos negros do que brancos com mais de 90 anos – a primeira faixa etária de idosos a ser imunizada. A diferença continua mesmo para idosos mais jovens: a partir dos 60 anos, havia cerca de 30% a mais de pessoas brancas que negras no último censo do IBGE. Outro problema é a dificuldade de locomoção, que representa uma adversidade extra, ao menos onde as equipes da atenção básica não conseguem fazer a busca ativa de pessoas para vacinar.
Tem mais: uma parte da população negra que poderia estar enquadrada nos grupos prioritários, por estar na linha de frente contra a covid-19, não necessariamente recebeu a vacina. Isso porque, em algumas regiões, trabalhadores da limpeza e segurança dos hospitais não entraram na primeira etapa. “Até estudante de Medicina que não estava na linha de frente acabou passando na frente dos profissionais da limpeza – o que é um absurdo, se a gente for analisar estrategicamente quem vacinar primeiro, quem são as pessoas que precisam estar trabalhando para o serviço de saúde continuar oferecendo tratamento”, aponta a médica Rita Borret, da Sociedade Brasileira de Medicina da Família e Comunidade.
POBREZA E SAÚDE
Agora pela manhã, o Outra Saúde participa do Kongress Armut und Gesundheit (Congresso Pobreza e Saúde) para falar de informação, fake news e pandemia no Brasil. O painel começa às 7h15 e pode ser acompanhado por este link.
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Quem é Marcelo Queiroga, quarto ministro da Saúde de Bolsonaro e anunciado com promessa de ‘400 milhões’ de doses de vacinas
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SOCIEDADE BRASILEIRA DE CARDIOLOGIA O médico Marcelo Antônio Cartaxo Queiroga Lopes é o quarto ministro da Saúde no governo Bolsonaro
O médico Marcelo Antônio Cartaxo Queiroga Lopes foi anunciado pelo presidente Jair Bolsonaro nesta segunda-feira (15/3) como o novo ministro da Saúde após a saída do general Eduardo Pazuello. Queiroga é o quarto ministro a assumir a pasta durante a gestão de Bolsonaro.
Queiroga é médico há mais de 30 anos, graduado pela Universidade Federal da Paraíba.
“A conversa foi excelente, já o conhecia há alguns anos. Não é uma pessoa que tomei conhecimento há poucos dias. E tem tudo no meu entender para fazer um bom trabalho, dando prosseguimento em tudo que o Pazuello fez até hoje”, disse o presidente ao anunciar a mudança em um canal oficialista do YouTube.
Presidente da Sociedade Brasileira de Cardiologia, Marcelo Queiroga chega ao cargo com o desafio de chefiar a pasta no pior momento da pandemia no país e com uma forte pressão pela vacinação em massa da população.
Bolsonaro também prometeu, sem explicar detalhes, que o novo ministro será responsável por um amplo programa de vacinações. “No tocante a vacinas, um programa bastante ousado, mais de 400 milhões de doses contratadas até o final do ano. Este mês vamos receber mais de 4 milhões de vacinas, e essa política de vacinação em massa continuará cada vez mais presente em nosso governo.
Marcelo Queiroga já tinha demonstrado ter um bom trânsito no governo mesmo antes de ser anunciado como ministro. Ele agrada não só Bolsonaro como também a militância do presidente nas redes sociais, mesmo defendendo o isolamento social.
“Queremos reforçar como é fundamental a população em geral seguir o isolamento social, para evitar o contágio, e tomar todas as precauções indicadas”, disse Marcelo Queiroga em um texto publicado no site da Sociedade Brasileira de Cardiologia.
Com perfil técnico, Queiroga fez parte da equipe de transição do governo na área da saúde e foi indicado por Bolsonaro para assumir um cargo na direção da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).
Ele, porém, deixou claro em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo neste domingo (14/3) que não é um defensor de bandeiras bolsonaristas, como o uso da cloroquina.
“A própria Sociedade Brasileira de Cardiologia não recomendou o uso dela nos pacientes (…) Nem eu sou favorável porque não há consenso na comunidade científica”, afirmou Queiroga em entrevista ao jornal.
Queiroga foi anunciado como ministro depois de se reunir com Bolsonaro em Brasília nesta segunda. O presidente já havia recebido a médica Ludhmila Hajjar, que disse não ter aceitado o cargo.
Hoje, o Brasil é líder global em número de mortes diárias em números absolutos e diversas capitais do país estão com a maioria dos hospitais completamente lotados. Se for considerado o tamanho da população, o país ocupa o 12º lugar entre os mais atingidos, com 132 mortes a cada 100 mil habitantes, segundo levantamento da Universidade Johns Hopkins (EUA).
Formado em medicina pela Universidade Federal da Paraíba, Queiroga tem mais de 30 anos de experiência como médico. Hoje, ele cursa doutorado em Bioética na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, em Portugal. Ele também é diretor do Departamento de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista (Cardiocenter) do Hospital Alberto Urquiza Wanderley, em João Pessoa, na Paraíba.
fonte: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-56409705
Covid-19: novo mapa global de riscos deve ter Brasil em ‘zona vermelha’, dizem cientistas
- Nathalia Passarinho – @npassarinho
- Da BBC News Brasil em Londres
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CRÉDITO,REUTERS/RICARDO MORAES
Para pesquisadores britânicos, Europa, Oceania e partes da Ásia devem retomar turismo e viagens entre esses territórios a partir de julho, enquanto países que não vacinarem ficarão isolados
Conforme os programas de vacinação contra covid-19 avançam em partes do mundo, principalmente nos países ricos, o mundo deve se dividir até o final do ano em zonas de risco — e o Brasil tende a ficar na vermelha, dizem cientistas britânicos ouvidos pela BBC News Brasil.
Segundo o virologista Julian Tang, da Universidade de Leicester, no Reino Unido, a expectativa é de que nações europeias, da Oceania, Israel e partes da Ásia, como Cingapura e Coreia do Sul, restabeleçam comércio, turismo e viagens entre esses territórios a partir do meio do ano, possibilitando que suas economias voltem a girar.
Já países que não conseguirem concluir a vacinação da população e controlar o surgimento de variantes podem acabar isolados do resto do mundo, sendo classificados oficialmente ou informalmente como zonas de risco “amarelo” ou “vermelho”.
“Podemos ter uma divisão por zonas de risco. Por exemplo, o sudeste da Ásia e a Europa serão verdes. Laranja é Índia e parte da África. E vermelho pode ser África do Sul, Brasil e Estados Unidos, onde vemos altas taxas de transmissão e vacinação insuficiente”, exemplifica Tang.
“Isso pode existir oficialmente, em sites de viagem ou mesmo na cabeça das pessoas.”
As nações que tendem a sofrer maior isolamento são as que não adotaram de maneira sistemática medidas de controle da covid-19 nem negociaram vacinas antecipadamente, como é o caso do Brasil, que totalizou na quarta (10) o recorde de 2.286 mortes em 24 horas e é visto por pesquisadores como potencial celeiro de variantes.
Até o momento, cerca de 9 milhões de pessoas receberam ao menos uma dose de vacina no país. O número pode parecer alto, mas ele representa só 4,26% da população brasileira.
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REUTERS/RICARDO MORAES – Brasil vacinou 9 milhões de pessoas, o que impressiona em números absolutos. Mas isso representa só pouco mais de 4% da população e faltam doses para o restante
Hoje o Brasil só tem doses das vacinas Oxford-AstraZeneca, adquiridas pela Fiocruz, e de Coronavac, do Instituto Butantan, que seriam insuficientes para imunizar toda população com mais de 18 anos ainda em 2020. Na segunda-feira (15/03), o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, prometeu a compra de mais de 100 milhões de doses de vacinas da Pfizer e da Janssen.
Países pobres, que não têm recursos para adquirir imunizantes, também devem sofrer com o isolamento, que deve aprofundar a desigualdade social entre os hemisférios norte e sul, avalia o professor Peter Baker, vice-diretor do departamento de Saúde Global e Desenvolvimento da universidade Imperial College London, no Reino Unido.
“Vamos terminar o ano com um sistema de divisão em zonas, com partes do mundo vacinadas e partes não”, disse à BBC News Brasil.
“E se decidirmos adotar políticas baseadas na imunidade adquirida pelos países por meio da vacinação, veremos limitações a direitos, viagens e à economia de países pobres que já estão tendo dificuldades de acesso a vacinas.”
Retomada do turismo nas zonas verdes
Atualmente, os países de onde surgiram variantes preocupantes do coronavírus — Brasil, África do Sul e Reino Unido — são os que somam mais restrições de entrada em outras nações, segundo levantamento feito pelo jornal Folha de S.Paulo.
Mas Reino Unido pode sair dessa “zona vermelha”, já que depois do lockdown em vigor desde o início de janeiro a taxa de infecção caiu em dois terços. A previsão é que toda a população com mais de 18 anos receba pelo menos uma dose de vacina até 31 de julho.
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REUTERS/JOHN SIBLEY – Lockdown em vigor desde janeiro no Reino Unido reduziu em dois terços as infecções por coronavírus. Previsão do governo é vacinar todos os maiores de 18 anos até o final de julho
Nesse período, outras nações europeias e asiáticas já deverão ter, também, alcançado o patamar de 60% a 70% da população vacinada, percentual necessário para que a circulação do vírus comece a desacelerar mesmo na ausência de medidas de confinamento.
Para o professor Julian Tang, é provável que essas nações na “zona verde” mantenham ao longo de todo o ano e parte de 2022 restrições de voos para regiões do mundo que não conseguiram vacinar suas populações.
Mas, mesmo que isso não ocorra, diz ele, a procura por viagens para países na zona vermelha deve se reduzir naturalmente diante dos riscos. Ou seja, países não-vacinados e com taxas ainda altas de infecção podem acabar sendo isolados pelo resto do mundo, principalmente para conter o risco de que novas variantes do coronavírus saiam desses territórios e se espalhem em grandes quantidades.
“O que acho que vai acontecer é que as pessoas vão se sentir confortáveis em viajar entre países que vacinaram suas populações, como entre Reino Unido e Europa, ou Reino Unido e sul da Ásia, Austrália, Nova Zelândia”, avalia o professor da Universidade de Leicester.
“Mas é possível que essas pessoas não se disponham a viajar para regiões como Brasil, por exemplo, porque o vírus não está sendo controlado com a vacinação e, por causa, disso pode surgir uma variante resistente às vacinas.”
‘Passaporte verde’
A realidade de Israel, país com melhor ritmo de vacinação até o momento, dá pistas de como a divisão a nível global deve ocorrer. Segundo dados da plataforma Our World in Data, da Universidade de Oxford (Reino Unido), o país tem hoje a maior taxa de vacinação do mundo, com 98,85 doses administradas por cada 100 habitantes.
A título de comparação, a taxa brasileira é de 4,58 doses administradas por cada 100 habitantes.
Em Israel, não é obrigatório vacinar, mas, na prática, as pessoas que não se imunizarem acabarão isoladas do restante da população, sem poder frequentar a maioria dos espaços públicos. Isso porque as pessoas vacinadas lá recebem o chamado “passaporte verde” — um documento eletrônico que permite acesso a restaurantes, academias de ginástica, teatros, cinemas e outros estabelecimentos.
O país iniciou a abertura gradual da economia depois de três lockdowns com medidas duras de confinamento. De certa maneira, essa divisão entre vacinados e não-vacinados, com o segundo grupo sendo isolado, deve se repetir em escala global.
“Podemos esperar que a maioria dos países ricos vacinem suas populações esse ano. Mas a expectativa é que a maior parte do mundo não consiga fazer isso. E essas duas coisas estão, infelizmente, interligadas”, diz o professor Peter Baker, da Imperial College London.

REUTERS/SIPHIWE SIBEKO – Países ricos compraram grande parte das doses de vacinas disponíveis em 2020, deixando nações pobres sem acesso, alertam pesquisadores ouvidos pela BBC News Brasil
“Os países ricos estão comprando doses de vacinas além do necessário para suas populações e isso está limitando o acesso de outros países. E, em nações como Tanzânia e Brasil, a mensagem política está afetando a procura por vacinas, o que é um problema”, completa o professor britânico.
Segundo os pesquisadores ouvidos pela BBC News Brasil, o maior problema em haver partes do mundo sem imunização em massa contra covid-19 é o surgimento de variantes que resistam ao efeito das vacinas.
Descontrole do vírus num país é ameaça global
O pesquisador Charlie Whittaker, da Imperial College London, alerta que, ainda que restrições de viagem entre países sejam impostas, o mundo só estará totalmente protegido da covid-19 se todas as nações imunizarem suas populações.
Ele liderou uma pesquisa sobre a variante de Manaus que revelou que ela é entre 1,4 e 2,2 vezes mais transmissível que o vírus original. O estudo mostrou ainda que essa variante, apelidada de P.1, é capaz de evadir o sistema imune de infecções prévias em 25% a 61% dos casos. Isso significa que pode reinfectar facilmente quem já teve covid-19.
Embora muitos países tenham impedido voos vindos do Brasil e imposto quarentenas e testes de covid-19 a quem desembarcar vindo de lá, a P.1 já foi detectada em 25 países. Já a variante do Reino Unido se espalhou nos EUA e a da África do Sul chegou à Europa.
“Ninguém está seguro enquanto todos não estivermos seguros. E garantir que estamos seguros significa limitar a chance de variantes surgirem. Medidas de controle são úteis para alcançar isso, mas talvez mais importante ainda seja garantir uma estratégia global equitativa de vacinação. Isso significa que nenhum país deve ser deixado para trás”, disse à Whittaker à BBC News Brasil.
E para que o hemisfério sul não seja deixado para trás, a Organização Mundial da Saúde (OMS) vem defendendo que países ricos doem seus excedentes de vacinas a países pobres e contribuam financeiramente com a compra de imunizantes para regiões mais afetadas pela covid-19.
O diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, chegou a declarar que o “mundo está à beira de um fracasso moral catastrófico”, ao criticar o fato de jovens já estarem recebendo vacina contra covid-19 em países ricos, enquanto idosos de países pobres poderão passar 2021 e até 2022 sem acesso à primeira dose.
Deixar países para trás vai custar caro para todos
O professor de Saúde Global Peter Baker, da Imperial College London, alerta que deixar o vírus descontrolado em países emergentes e pobres pode gerar custos humanos e financeiros para todas as nações, já que novas variantes, totalmente resistentes às vacinas, podem surgir.
Se isso ocorrer, terceiras e quartas doses das vacinas existentes hoje terão que ser desenvolvidas e administradas em todas as populações.
“Em locais de descontrole da infecção e baixas taxas de vacinação, provavelmente uma variante fortemente resistente às vacinas vai aparecer. Aí teremos que reajustar as nossas vacinas, refazer pesquisas e refazer os processos de regulação”, diz.
“É preocupante ver que vários países do sul global foram deixados para trás porque países desenvolvidos compraram a grande maioria das vacinas e o acesso é desafiador. As experiências no Brasil, Reino Unido e África do Sul com variantes mostram que o vírus não respeita barreiras internacionais. Para solucionar esse problema, precisamos de uma iniciativa global”, completa o pesquisador Charlie Whittaker.
fonte: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-56360689
Bolsonaro mira em Pazuello para queima de arquivo
Desgastado, presidente quer atribuir a ministro responsabilidade pelo negacionismo — e ampliar espaço do Centrão. Mas está difícil: bolsonaristas rechaçam médica que criticou a cloroquina… E mais: caem internações entre os vacinados
Publicado 15/03/2021 às 07:16 – Atualizado 15/03/2021 às 10:00
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Por Maíra Mathiase Raquel Torres | Imagem: Aroeira
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O DESCARTE DO GENERAL
Quando o general da ativa Eduardo Pazuello assumiu interinamente o Ministério da Saúde, no dia 15 de maio, o Brasil registrava pouco menos de 15 mil mortes na pandemia. Dez meses depois, estamos chegando à marca das 280 mil vidas perdidas para o coronavírus. O pano de fundo da saída de Nelson Teich e da demissão de Luiz Henrique Mandetta foi basicamente o mesmo: a pressão de Jair Bolsonaro em prol da defesa de uma panaceia, a cloroquina, e da livre circulação de vírus e pessoas. O general assumiu o cargo para cumprir essas ordens. Ao longo da gestão, cumpriu outras mais, sendo o episódio da volta atrás na aquisição da CoronaVac o mais humilhante. Justamente porque obedeceu aos desmandos do presidente, Pazuello agora será descartado por um Bolsonaro em busca de um novo figurino político que o dissocie do caos sanitário que ele ativamente promoveu.
E neste novo figurino as vacinas ganharam centralidade. A postura vacilante de Pazuello nunca foi segredo, mas a mudança de cronograma cinco vezes em uma semana – e, principalmente, o ofício entregue ao Congresso onde ainda constava um número desatualizado de doses de vacina para março e sua afirmativa de que não havia alteração na previsão – foi a brecha que faltava para que o Planalto fosse convencido a fazer a substituição.
A movimentação partiu do Centrão e ganhou corpo ainda na sexta-feira. No sábado, o assunto foi tratado entre Bolsonaro e o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), no Palácio do Alvorada. A partir da reunião, Lira fez chegar à imprensa sua avaliação: Pazuello teria ‘perdido o rumo’ – e também a “confiança mínima” da sociedade para liderar a pasta. Bolsonaro, é claro, não tinha nada com isso.
Naquela noite, Bolsonaro se reuniu com o próprio Pazuello no hotel de Trânsito do Exército, onde o general mora. Acompanharam a conversa outros militares do primeiro escalão: Walter Braga Netto (Casa Civil), Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo) e Fernando Azevedo (Defesa). Eles deixaram o local sem dar declarações à imprensa.
No domingo, porém, começaram a pipocar as reportagens com “fontes próximas ao Planalto” que tentavam emplacar uma mentira descarada. Segunda essa história ouvida por O Globo, o próprio Pazuello teria pedido para deixar o cargo para tratar da saúde – de modo que sua substituição não tinha nada a ver com a pressão do Centrão ou com o grau de deterioração na condução da pandemia. Ao Valor, um militar com mais respeito à inteligência alheia afirmou que a saída do general se daria “em prol da unidade com o Legislativo”.
O zum-zum-zum provocou uma resposta engraçada do Ministério da Saúde. Em nota divulgada à imprensa na tarde de domingo, a pasta afirmou que “até o presente momento” Pazuello seguia no comando do ministério. Partiu de Markinho Show, o marqueteiro de Pazuello, uma declaração menos vaga. “Não estou doente, não entreguei o meu cargo e o presidente não o pediu, mas o entregarei assim que o presidente solicitar. Sigo como ministro da saúde no combate ao coronavírus e salvando mais vidas”, escreveu o assessor no Twitter, atribuindo as aspas ao general.
A aliados, Jair Bolsonaro informou que pretende escolher o substituto de Pazuello na manhã de hoje.
QUEM SERÁ?
No domingo, o presidente recebeu uma candidata à ministra: a cardiologista Ludhmila Abrahão Hajjar. Atendendo na rede de hospitais Vila Nova Star, ela tratou das infecções de covid-19 de uma longa lista de autoridades: o procurador-geral da República, Augusto Aras, o ministro Fábio Faria, das Comunicações, o ministro Tarcísio de Freitas, da Infraestrutura, o ministro Dias Toffoli quando presidia o Supremo, e também os ex-presidentes da Câmara, Rodrigo Maia, e do Senado, Davi Alcolumbre. Além disso, ela foi médica do próprio Eduardo Pazuello e… atendeu o atual presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira.
Segundo diversos veículos, o líder do Centrão teria apontado nomes do seu próprio partido, o PP, mas estaria fazendo campanha em favor de Ludhmila, tendo sido responsável por essa sugestão ainda na manhã de sábado.
“O enfrentamento da pandemia exige competência técnica, sem dúvida nenhuma. Mas exige ainda mais uma ampla e experiente capacidade de diálogo político, pois envolve todos os entes federativos, o Congresso, o Judiciário, além do complexo e multifacetado Sistema Único de Saúde”, escreveu Lira no Twitter, dando a entender que preferia a indicação de Ricardo Barros (PP-PR), Hiran Gonçalves (PP-RR) ou de seu amigo pessoal Dr. Luizinho (PP-RJ) – os políticos cotados. Depois, ele usou seu perfil para elogiar a médica e dizer que “torce” para que, “caso nomeada ministra, consiga desempenhar bem as novas funções”.
Não dá para saber se a aposta de Lira no nome da médica faz parte de uma estratégia para não parecer que o partido está indo com muita sede ao pote. O fato é que depois de conversar por três horas com Bolsonaro, Ludhmila Abrahão passou a ser atacada pelos apoiadores do presidente nas redes sociais.
Isso porque a médica criticou a condução do governo federal da pandemia em entrevista ao jornal Opção, de Goiás, afirmando que o país fez tudo errado, que a cloroquina não funciona, que deveríamos ter comprado uma variedade maior de vacinas e que faltou coordenação para a adoção de medidas que pudessem frear as transmissões. Além disso, desenterraram um vídeo em que ela elogia Dilma Rousseff e a chama de “presidenta”. Por fim, Bolsonaro teria recebido um áudio atribuído a Ludhmila no qual ela o teria chamado de “psicopata”.
Diante de toda essa campanha, Lira manteve a sinalização em apoio à indicação da cardiologista, dizendo que ela “vai ser ponte de todos os Poderes e setores” e “contará 100 %” com ele. Segundo a coluna Painel, outros líderes partidários também estavam incidindo no Planalto para defendê-la dos ataques.
Outro médico aparece cotado para o Ministério da Saúde: Marcelo Queiroga, presidente da Sociedade Brasileira de Cardiologia que foi indicado por Jair Bolsonaro para assumir um cargo de diretor na Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Queiroga participou da transição do governo. Em entrevista à Folha, ele disse que o presidente conhece seu trabalho.
COMO FICA?
Com a saída do Ministério da Saúde, Pazuello vai perder o foro privilegiado. Com isso, o inquérito que apura sua responsabilidade na crise da falta de oxigênio em Manaus deixará o Supremo. Segundo a Folha, a tendência é que seja remetido à Justiça Federal do DF.
DÉJÀ VU
Há exatos dois meses, a crise do oxigênio levava o sistema de saúde de Manaus ao seu segundo colapso na pandemia. O problema foi muito pior do que em abril e maio. Na primeira onda, o dia 15 de maio foi o que teve maior número de óbitos, com 79 registros. É verdade que cerca de 200 mortes ocorridas ao longo desses dois meses foram não-especificadas inicialmente e depois reclassificadas para covid-19 – mas, mesmo assim, o total não chega nem perto do pico de 183 óbitos registrados apenas no dia 30 de janeiro.
Agora, a chance de o mesmo acontecer em outras partes do Brasil é cada vez mais palpável. Na sexta-feira, representantes da indústria química se reuniram com a Anvisa e definiram como “preocupante” a oferta de oxigênio em todo o país. A Anvisa determinou que os fabricantes de oxigênio medicinal devem mantê-la informada sobre estoques, enviando semanalmente informações sobre capacidade de produção, envase e distribuição.
A região mais complicada continua sendo a Norte: Acre e Rondônia são os estados com maior risco de desabastecimento. Mas, no Sul, o Paraná já está enfrentando problemas. Segundo a secretaria de saúde do estado, o problema não está na produção, mas na disponibilidade de cilindros para que a reposição seja feita no tempo necessário.
AGORA MESMO
Uma falta generalizada de oxigênio agravaria a crise, mas de todo modo ela segue recrudescendo sem alívio no país. A Folha analisou municípios com mais de cem mil habitantes e comparou a semana com mais mortes em dois períodos: entre março e outubro; e entre novembro e agora. Em 190 das cidades (mais de metade delas), a segunda onda está mais letal do que a primeira. E, em 50 (ou 15% do total), o pico agora é pelo menos 80% maior que o anterior. Tem mais: quase 70% dessas grandes cidades estão em estágio acelerado (com rápido crescimento nos casos) ou estável (com crescimento estagnado, mas em um patamar alto).
Ontem houve registro de 1.111 novas mortes e uma média móvel que, pelo 16º dia consecutivo, bateu recorde: está em 1.832. O número representa um crescimento de 50% em relação a duas semanas atrás, e os três estados com pior aumento são Goiás (197%), Rio Grande do Sul (132%) e Tocantins (104%). Goiás e Rio Grande do Sul estão com todas as UTIs ocupadas e com filas de espera – no RS, aliás, isso já dura mais de dez dias. Goiás está quase lá, com 93% de ocupação.
Ainda segundo a Folha, nove em cada dez grandes cidades da região Sul bateram recorde de óbitos em uma única semana, e a diferença entre os picos é brutal. Em Chapecó (SC), exemplo extremo, o recorde anterior da média móvel era de um óbito por dia em setembro. Na última semana de fevereiro, a média diária passou para 13.
O Hospital de Clínicas de Porto Alegre informou ontem o fechamento de sua emergência para covid-19, com 132% de ocupação. Neste fim de semana a cidade teve fila até em um cartório, com pessoas em busca de certidões de óbito.
Mas, ontem, apoiadores de Jair Bolsonaro se reuniram em várias capitais para protestar contra medidas restritivas em várias capitais, inclusive na região Sul. Em Curitiba, houve ameaças de invasão e de “fogo na prefeitura”, e as manifestações em espaços públicos acabaram sendo proibidas pela Justiça. Mesmo assim, teve carreata. Em São Paulo, os gritos eram contra as restrições, contra o governador João Doria (PSDB), contra o ex-presidente Lula e, claro, pela intervenção militar. “São Paulo está sendo governado por um psicopata”, dizia uma faixa carregada pela Avenida Paulista… Também houve manifestações em Brasília, Rio, Niterói, Belo Horizonte, Campinas e Teresina.
Em tempo: desde o começo da pandemia, pelo menos 72 mil pessoas morreram por covid-19 antes de conseguirem transferência para um leito de UTI, segundo a Folha. Isso é mais de um quarto de todos os mortos pela doença.
JOVENS E IDOSOS
Embora as hospitalizações tenham crescido 10% no país desde o fim de janeiro, elas caíram 20% para os idosos acima de 90 anos. Os números, calculados pelo Estadão, vêm acompanhados de uma pergunta: poderíamos estar diante do primeiro impacto da campanha de imunização? É cedo para dizer – na reportagem, especialistas lembram que são necessárias de três a seis semanas para conferir a proteção total demonstrada pelos ensaios clínicos. Porém, antes desse prazo, é possível que alguma proteção seja alcançada.
“Esse dado, ainda que preliminar, confirma estudos de efetividade feitos em países com vacinação mais acelerada e que viram quedas nas mortes e hospitalizações. São resultados da vida real que mostram que a vacina funciona”, diz Juarez Cunha, presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações.
Seja como for, os números confirmam que os mais jovens estão puxando as novas internações para cima. Considerando idosos de todas as idades (isto é, acima de 60 anos), houve queda de 2,7% no período. Enquanto isso, as hospitalizações de pessoas entre 30 e 39 anos subiram 50%.
Algumas reportagens têm citado médicos que, de maneira informal, sugerem uma possível relação entre esse fenômeno e o espalhamento de novas variantes, como a P.1: elas poderiam oferecer maior risco para crianças, adolescentes e jovens adultos. Mas é preciso lembrar que não há, ainda, evidências que apontem para isso, porque não parece ter havido mutações que interfiram na atuação do vírus no organismo. Assim, se houver maior agressividade, ela deverá se manifestar globalmente, e não apenas em determinadas faixas etárias. A alta nas internações de jovens pode ser apenas efeito da enorme circulação dessas pessoas, muitas vezes sem proteção. Mesmo que eles sejam menos afetados pela doença, quando o número de contaminados é muito alto, consequentemente os casos graves e as mortes crescem também.
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