O texto cria consenso internacional pela proteção dos direitos das mulheres e por avanços em ações de igualdade de gênero
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10Fechado com governos liderados por líderes ultraconservadores, como Polônia e Hungria, o governo de Jair Bolsonaro não aderiu a uma declaração do Conselho de Direitos Humanos da ONU, lançada nesta segunda-feira (8) e assinada por mais de 60 países. O jornalista Jamil Chade, do portal Uol, conta em sua coluna que o ato alusivo ao Dia Internacional das Mulheres visou pactuar compromissos relacionados à saúde da mulher.
O jornalista relata que “o ato foi organizado por praticamente todas as principais democracias do mundo, incluindo Estados Unidos, Reino Unido, Canadá, França, Alemanha, Austrália, Israel ou Japão, além dos países escandinavos”. Diante da negativa do governo brasileiro, muitos observadores da pauta de gênero questionam a existência de um Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos na estrutura governamental.
“Na América Latina, aderiram à declaração conjunta os governos da Argentina, Chile, Colômbia, Costa Rica, Equador, México, Peru, Panamá e Uruguai. Ficaram de fora governos liderados por líderes ultraconservadores, como Polônia e Hungria, além de países com um histórico de denúncias de violações de direitos humanos, como Arábia Saudita, Egito, Rússia ou China”, acrescenta o colunista.
Tutela dos direitos sexuais das mulheres
Questionado pelo colunista, o Itamaraty alegou que a não adesão à declaração conjunta ocorreu por conta de referências aos direitos sexuais. “Acerca da intervenção conjunta, de iniciativa de Finlândia e México, proferida hoje, 8/3, durante a 46ª sessão do Conselho de Direitos Humanos (CDH) das Nações Unidas, em comemoração ao Dia Internacional da Mulher, o governo brasileiro, não obstante a elevada importância que atribui à promoção dos direitos humanos das mulheres – especialmente no atual quadro de agravamento das situações de vulnerabilidade -, encontrou elementos ambíguos no texto
proposto”, explicou o governo.
“O governo brasileiro salienta a importância do reconhecimento, na declaração, de pautas salutares em defesa da mulher, em especial por ocasião da referida data, como o reconhecimento do trabalho não remunerado e a necessidade de
se combater a violência contra a mulher, em especial no período pandêmico. Entretanto, não apoia referências a termos e expressões ambíguas, tais como direitos sexuais e reprodutivos”, sinalizou o órgão de relações internacionais.
Saúde reprodutiva e movimento feminista
E, não chega a ser novidade que o tema ‘direitos reprodutivos’ é um dos pontos mais delicados para a agenda conservadora do governo Bolsonaro, que dificulta o acesso das mulheres a determinados direitos, questionados por Damares Alves, ministra da Mulher, da Família, e Direitos Humanos.
“As mulheres e meninas têm enfrentado um retrocesso nos direitos humanos em geral e na saúde sexual e reprodutiva e direitos em particular”, aponta a declaração conjunta dos governos. “Em meio à crise, os serviços de saúde sexual e reprodutiva continuam sendo essenciais e devem fazer parte dos planos nacionais que lidam com a pandemia”, defendem.
O documento ainda reitera a importância de “movimentos e organizações feministas” e sua luta para “permanecerem ativos e vocais, online e offline, desmantelando sistemas patriarcais e suas manifestações, tais como a violência e a discriminação baseada no gênero”.
O governo do México lembrou, em nome do grupo de democracias, que “um dos maiores desafios em matéria de direitos humanos é alcançar a igualdade substantiva de gênero”. “Mulheres e meninas frequentemente enfrentam múltiplas e intersetoriais formas de discriminação e têm sido desproporcionalmente afetadas pela pandemia”, alertou o grupo.
Um dos pontos principais se referia ao papel das mulheres durante a crise sanitária global. “As mulheres desempenham um papel fundamental na resposta à pandemia, fornecendo cuidados médicos essenciais e outros serviços, e mantendo as comunidades em movimento enquanto os bloqueios são aplicados”, disseram.
“As mulheres representam 70% da força de trabalho do setor social e de saúde em todo o mundo. Embora elas tenham recebido principalmente reconhecimento simbólico, este reconhecimento também deve se refletir na redução da diferença salarial entre os sexos”, defendem.
“Temos que garantir que os encargos adicionais que as mulheres e meninas carregam durante esta pandemia não resultem em maior exposição à violência e discriminação na vida pública e privada, e no aumento desproporcional dos cuidados não remunerados e da escolaridade domiciliar”, apelaram os governos.
“No meio dessa crise, os serviços de saúde sexual e reprodutiva continuam sendo essenciais e devem fazer parte dos planos nacionais para lidar com a pandemia da Covid-19”, diz o documento.
fonte: https://pt.org.br/brasil-esta-fora-da-declaracao-de-60-paises-em-defesa-da-mulher/
Por que pandemia pesa mais sobre ombros femininos
10 Março 2021
Estudo mostra efeitos do isolamento social sobre o trabalho e a reprodução doméstica. Metade das mulheres passou a cuidar de alguém; violência aumentou. Mais afetadas pelo desemprego, 40% viu a sustentação da casa em risco
Publicado 09/03/2021 às 16:02
Estudo em parceria da Sempreviva Organização Feminista e Gênero e Número
A pandemia causada pelo novo coronavírus alterou as dinâmicas de vida, trabalho e cuidado na sociedade. Entre tantas dimensões de desigualdades evidenciadas neste período, a sobrecarga de trabalho doméstico e de cuidado foi uma das questões que as mulheres sentiram logo que as medidas de isolamento social foram iniciadas nos municípios brasileiros. Contraditoriamente, essa questão aparece com mais destaque justamente em um momento em que o cuidado passou a se reconcentrar nos domicílios, dada a necessidade de interromper o funcionamento presencial de instituições fundamentais para o cuidado, como creches e as escolas.
Essa pesquisa, realizada por Gênero e Número e SOF Sempreviva Organização Feminista, teve o objetivo de conhecer as dimensões do trabalho e da vida das mulheres durante a pandemia.
Os eixos da pesquisa tratam dos efeitos da crise da saúde e do isolamento social sobre o trabalho, a renda das mulheres e a sustentação financeira, contemplando o trabalho doméstico e de cuidado realizado de forma não remunerada no interior dos domicílios.
Os resultados da pesquisa apresentados neste relatório demonstram que as dinâmicas de vida e trabalho das mulheres se contrapõem ao discurso de que “a economia não pode parar”, mobilizado para se opor às recomendações de isolamento social. Os trabalhos necessários para a sustentabilidade da vida não pararam – não podem parar. Pelo contrário, foram intensificados na pandemia. A pesquisa indica como as desigualdades raciais e de renda marcam a vida e o trabalho das mulheres na pandemia, assim como a diversidade de experiências de mulheres rurais e urbanas.
50% das mulheres brasileiras passaram a cuidar de alguém na pandemia
No caso das mulheres rurais esse percentual alcança 62% das entrevistadas. O cuidado está no centro da sustentabilidade da vida. Não há a possibilidade de discutir o mundo pós-pandemia sem levar em consideração o quanto isso se tornou evidente nesse momento de crise global, que nos fala sobre uma “crise do cuidado”. Não se trata de um problema a ser resolvido, nem de uma demanda a ser absorvida pelo mercado. Trata-se de uma dimensão da vida que não pode ser regida pelas dinâmicas sociais pautadas no acúmulo de renda e de privilégios. Não deu certo até aqui sendo assim. A organização do cuidado ancorada principalmente na exploração do trabalho de mulheres negras e no trabalho não remunerado das mulheres é um fracasso retumbante para a busca de redução das desigualdades antes e durante a pandemia do coronavírus.
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72% afirmaram que aumentou a necessidade de monitoramento e companhia
Entre as mulheres responsáveis pelo cuidado de crianças, idosos ou pessoas com deficiência, quase ¾ fizeram essa afirmação. Essa é uma dimensão do cuidado muitas vezes invisibilizada, pois não se trata de uma atividade específica como é o auxílio na alimentação, por exemplo. Em casa, os tempos do cuidado e os tempos do trabalho remunerado se sobrepõem no cotidiano das mulheres: mesmo enquanto realizam outras atividades cotidianas, seguem atentas.
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41% das mulheres que seguiram trabalhando durante a pandemia com manutenção de salários afirmaram trabalhar mais na quarentena
A maior parcela delas é branca, urbana, concluiu o nível superior e está na faixa dos 30 anos. Uma camada privilegiada, sem dúvida. Mas a crise sanitária sacudiu as estruturas em todas as casas de mulheres trabalhadoras. Entre as que responderam que estavam trabalhando mais do que antes da quarentena, 55% delas são brancas e 44% são negras. Transformadas em atividades remotas, as jornadas de trabalho se estendem. Além disso, as relações entre trabalho e atividades domésticas se imbricaram ainda mais, e se antes pagar por serviços era a solução possível para algumas, a pandemia mostrou a intensificação do trabalho das mulheres. Elas trabalham mais porque as tarefas ainda não são distribuídas igualmente no ambiente doméstico.
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40% das mulheres afirmaram que a pandemia e a situação de isolamento social colocaram a sustentação da casa em risco
A maior parte das que têm essa percepção são mulheres negras (55%), que no momento em que responderam à pesquisa tinham como dificuldades principais o pagamento de contas básicas ou do aluguel. Como a pesquisa tem recorte por escolaridade também, ficou evidente que para as respondentes que têm até o Ensino Médio, a dificuldade no acesso a alimentos também foi uma preocupação
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58% das mulheres desempregadas são negras
Não é à toa que a sensação de estar em risco é maior entre as mulheres negras. No Brasil, historicamente, a taxa de ocupação de pessoas brancas é maior em relação às pessoas negras. É preciso humanizar a leitura dos dados e destacar que “a taxa” representa milhares de pessoas que estão sempre em condição de vulnerabilidade. O que a pesquisa agora revela é o quanto maior é essa taxa, entre as mulheres (por raça) no momento da pandemia.
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61% das mulheres que estão na economia solidária são negras
Se estão na base da pirâmide social pressionadas pelas estruturas que as desafiam na conquista do direito à renda, as mulheres negras que trabalham por conta própria têm estratégias de cooperação mais presentes no seu dia a dia. Elas são a maioria em relação às brancas entre as que veem a produção e a distribuição como processos a serem compartilhados. A pesquisa não aborda quais tipos de atividades predominam entre as mulheres que estão na economia solidária, mas evidencia diferenças nos arranjos econômicos entre raças.
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8,4% das mulheres afirmaram ter sofrido alguma forma de violência no período de isolamento
Sobre a percepção de violência, 91% das mulheres acreditam que a violência doméstica aumentou ou se intensificou durante o período de isolamento social. Quando perguntadas sobre suas experiências pessoais, no entanto, somente 8,4% das mulheres afirmaram ter sofrido alguma forma de violência no período de isolamento. Esse percentual aumenta entre as mulheres nas faixas de renda mais baixa. Entre as mulheres com renda familiar de até 1 salário mínimo, 12% afirmam ter sofrido violência; e, entre as mulheres rurais com a mesma renda, 11,7% relataram a violência. Compreender a disparidade entre percepções gerais das mulheres e seus relatos sobre suas experiências exige compreender e dar visibilidade a uma dinâmica complexa de formas de violências que se reproduzem nas relações cotidianas e íntimas e cujo reconhecimento é ainda um desafio que se impõe às ações de enfrentamento à violência contra a mulher.
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Perfil das entrevistadas
Enquanto o questionário online esteve aberto, somou 2.676 respondentes, e 2.641 foram validadas para as análises. O perfil das mulheres participantes da pesquisa indica uma maioria urbana – 85% diante de 15% que vivem no campo -, trabalhadora e responsável por pelo menos 50% da renda familiar. As que ganham mais de 5 salários mínimos não representam nem 10% do total, e 80% delas recebem até 2 salários mínimos. São predominantes os grupos de mulheres que dividem a casa com companheiro(a), 30,7%, e com familiares adultos, 25%. Do total, 14% afirmam dividir com filhos, enteados, sobrinhos ou netos. Há uma parcela de 11% que declarou morar sozinha.
Houve respondentes em todas as faixas etárias entre 15 e 89 anos, sendo a média de idade 41 anos. A presença de brancas e negras é bem equilibrada entre as participantes da pesquisa, enquanto amarelas e indígenas têm representação baixa (1%). Metade das mulheres, inclusive com equilíbrio entre brancas e negras, acessa algum tipo de benefício social ou programa de transferência de renda, o que não está necessariamente relacionado a auxílios emergenciais da pandemia.
A maior parte das mulheres, ¾ delas, afirma ter pelo menos Ensino Superior Completo, enquanto 14% possuem até o Ensino Médio. Na dinâmica da moradia, predominam contratos de aluguel e a casa própria, mas ainda há mulheres sem residência ou compartilhando cômodos, o que torna qualquer leitura sobre a condição de vida na pandemia ainda mais crítica.
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Autoras do estudo
Sempreviva Organização Feminista*: Helena Zelic, Thandara Santos e Renata Moreno
Gênero e Número*N: Giulliana Bianconi, Natália Leão e Marília Ferrari
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fonte: https://outraspalavras.net/outrasmidias/por-que-pandemia-pesa-mais-sobre-ombros-femininos/
Mulheres na luta sempre, na Bíblia e hoje
Ao longo da história da humanidade, o patriarcalismo foi hegemônico em muitos períodos e lugares, proibindo a mulher de participar da vida pública. Entretanto, desde os primórdios até hoje, as mulheres chegam para ficar

Gilvander Moreira
Todo dia é dia de mulher, mas o mês de março é especialmente o Mês das Mulheres, porque dia 8 de março se tornou Dia Internacional de Luta das Mulheres. Na União Soviética, ainda antes da Revolução Soviética de 1917, mulheres camponesas fizeram muitas lutas por terra, pão e liberdade, o que fez eclodir a Revolução Socialista de 1917, e nas repúblicas socialistas soviéticas, todo ano, o dia 8 de março passou a ser celebrado como o Dia das Mulheres.
Os Estados Unidos tentaram apagar essa história e inventaram uma falsa história que diz ser o dia 8 de março como tendo sido iniciado por mulheres trabalhadoras estadunidenses, o que não é verdade. A maior homenagem que uma mulher pode receber é respeito, admiração e amor. “Não só flores, mas respeito”, exigem as mulheres. “Não apenas nos deseje ‘feliz dia’. Levante-se e lute conosco!”, bradam as mulheres lutadoras.
Lamentavelmente, durante a pandemia do novo coronavírus, houve um aumento da violência contra as mulheres, que ceifa a vida de 5 mulheres por dia, no Brasil, e, assim sendo, verificamos que o feminicídio também está crescendo. Em 2018, por exemplo, 4.519 mulheres foram assassinadas, o que equivale a dizer que a cada duas horas uma mulher foi assassinada no Brasil.
Ao longo da história da humanidade, o patriarcalismo foi hegemônico em muitos períodos e lugares, proibindo a mulher de participar da vida pública. Entretanto, desde os primórdios até hoje, as mulheres chegam para ficar. Mesmo sem serem notadas, sem serem contadas, muitas vezes silenciadas, as mulheres seguem atuantes nas comunidades. É preciso vasculhar os textos da história, perceber sua presença e descobri-las atuantes, ontem e hoje.
O protagonismo do Movimento das Mulheres atualmente é crescente e tem sido imprescindível para que elas se unam, se organizem e sigam nas lutas. Isso nos faz recordar o protagonismo de inúmeras mulheres na Bíblia como aconteceu com o Movimento de Mulheres liderado pelas filhas de Salfaad – Maala, Noa, Hegla, Melca e Tersa – que lutou pela superação do patriarcalismo. Que bom que o escritor bíblico conservou o nome delas. Elas viram a injustiça patriarcal que estava na lei segundo a qual a herança passava de pai para filho (não para filha – Cf. Num 27,1-11). Elas se rebelaram, pois estavam sendo excluídas do direito de ter terra, porque não tinham irmãos. E em uma manifestação deram o grito: “Queremos ter direito à propriedade da terra” (Nm 27,4). Depois de um discernimento em assembleia entenderam que esta seria a vontade de Deus e assim o movimento das mulheres da Bíblia conquistou mais um direito que lhes era negado. As mulheres passaram a receber a herança do pai, do mesmo modo que outros parentes próximos. Travava-se assim a luta pela igualdade e dignidade entre homem e mulher.
O livro de Números termina com esperança, pois em Nm 36,1-12 aparecem os líderes da tribo de José alertando para o perigo de as mulheres casarem com homens de “fora da tribo”, pois elas levavam consigo a terra da herança dos pais e, assim, passo-a-passo, a terra, herança dos pais, poderia ser perdida. O líder Moisés convoca uma assembleia e após discussão aprofundada chega-se à seguinte conclusão: “Mulheres, vocês podem casar-se com quem quiser, mas sempre dentro de algum clã da tribo do seu pai” (Nm 36,6). Assim se conquistava mais uma Lei para assegurar que a terra pertence a Deus e não deve ser vendida (Lev 25,23). Deus se irrita profundamente com quem sequestra a terra em suas mãos. Além das parteiras do Egito – Séfora e Fuá –, de Mirian, Débora, Judite, Rute, Jael e tantas outras do Primeiro Testamento, as mulheres referidas no livro de Números integram o grande Movimento de Mulheres de luta na Bíblia.
E as mulheres no Movimento de Jesus? No século 1º da Era Cristã, a função delas restringia-se à vida familiar, onde desde a infância se exercitavam na organização interna da casa (oikia). Como funcionava no interior das casas as assembleias, a mulher tinha um papel eclesial ativo. A criação de “Igrejas domésticas” possibilitou maior influência e participação da mulher.
Muitas interpretações acabaram por esconder a presença e o protagonismo das mulheres no Movimento de Jesus, antes e depois da Ressurreição de Cristo. Urge relativizarmos certas compreensões que foram colocadas na nossa cabeça e que não resistem a perguntas simples, mas profundamente eloquentes, como aquelas feitas por crianças.
Diante do quadro da Santa Ceia, uma mãe, desejosa de fazer sua filha crescer em sensibilidade religiosa, diz: “Veja como é bonito Jesus reunido com os doze apóstolos ao redor da mesa, partilhando o pão!”. A filha, de apenas seis anos de idade, retrucou subitamente: “Mamãe, por que só tem homens nesta mesa? Cadê as mulheres? Por que não está aí Maria, a mãe de Jesus? E Maria Madalena, que tanto amava Jesus, por que não está aí? E as crianças que Jesus tanto amava, cadê? Não acredito que Jesus fosse um homem machista capaz de excluir as mulheres e as crianças desse momento tão importante que é a ceia”.
As questões colocadas por essa menina me fez contemplar com olhar mais penetrante o tradicional quadro da Santa Ceia e acabei constatando que o artista quis, de fato, provavelmente, indicar a presença de duas mulheres participando da Ceia de Jesus. Duas pessoas que participam da ceia não têm barba e nem bigode, traços característicos de todos os outros apóstolos. A ternura da fisionomia indica tratar-se de dois rostos femininos. Uma está à esquerda e outra, à direita de Jesus. Seriam a Mãe de Jesus e Maria Madalena? Ou seria a apóstola Júnia, a quem o apóstolo Paulo envia uma saudação no final da carta à comunidade cristã de Roma (cf. Rm 16,7)? Ou seriam mulheres atuantes que, desde a Galileia, seguiram Jesus (Lc 8,1-3), como discípulas, não arredando o pé de acompanha-lo até à Cruz?
As mulheres foram as primeiras a fazer a experiência que as levaram à conclusão: Jesus ressuscitou e vive em nós. Sabemos os nomes de algumas delas: Maria (chamada Madalena), Joana (mulher de Cuza), Suzana, Maria (a mãe de Tiago o menor) e Salomé (cf. Mc 15,40-41).
Na Galeria Nacional de Arte de Dublin, na Irlanda, dois quadros sobre o jantar dos(as) discípulos(as) de Emaús (cf. Lc 24,13-35) me chamaram muito à atenção. Um quadro destaca que o jantar foi feito por uma mulher escravizada. Um facho de luz solar destaca a escrava preparando o jantar, enquanto os(as) discípulos(as) conversavam com Jesus na sala. Outro quadro mostra um jantar com muita fartura com a participação de quatro homens, duas mulheres, cão, gato, papagaio, etc..
Segundo o livro de Atos dos Apóstolos, quem estava reunido no momento em que acontece o primeiro Pentecostes sobre a primeira comunidade cristã? Por dezenas de séculos foi colocado na cabeça do povo que o Espírito Santo tinha descido apenas sobre os doze apóstolos e Maria, a mãe de Jesus. Infelizmente, essa é uma interpretação reducionista e apologética que visa enfatizar a presença do Espírito Santo “quase” que somente nos líderes da Igreja Instituição. Rastreando o primeiro capítulo de Atos dos Apóstolos, concluímos que estavam reunidos: “Os onze e Maria Madalena, Joana e Maria, mãe de Tiago, e as outras que estavam com elas” (Lc 24,10); “algumas mulheres, Maria, a mãe de Jesus, e seus irmãos” (At 1,14); “galileus” (At 1,11); Cléofas e sua esposa (“os discípulos” de Emaús – Lc 24,13.18). Em Lc 24,13 se diz que dois discípulos fugiram de Jerusalém após a condenação de Jesus à pena de morte. Um deles se chamava Cléofas (Lc 24,18). Em Jo 19,25-26 temos notícia de que Maria, mulher de Cléofas, estava ao pé da cruz, juntamente com outras mulheres.
Um princípio de interpretação bíblica diz que a Bíblia se auto explica, ou seja, uma passagem pode ser iluminada por outras passagens bíblicas. É difícil pensar que Cléofas iria fugir do centro de perseguição, deixando sua esposa sob risco de ser crucificada também, pois a presença dela ao lado de Jesus poderia atiçar a ira dos seus executores. Se Cléofas está acompanhado da sua esposa Maria, temos aqui mais uma vez as mulheres ajudando os homens a experimentar a Ressurreição de Jesus.
É, provavelmente, esse grupo, citado acima, especificado como “cerca de 120” (cf. At 1,15-26), que faz a experiência do primeiro Pentecostes cristão, que escolhe Matias para ser apóstolo, em substituição de Judas Iscariotes, que também participa da Ascensão, do primeiro Pentecostes da comunidade crista. É muito provável que tenham existido muito mais mulheres no Movimento de Jesus e, sendo bem mais próximas de Jesus, do que muitas tradições religiosas insistem em negar.
Enfim, no passado e no presente, mulheres guerreiras fizeram e fazem a diferença em lutas pela construção de “um mundo onde sejamos socialmente iguais, humanamente diferentes e totalmente livres”, como aponta Rosa Luxemburgo. Pela vida das mulheres, vacina para todos(as), já! E Impeachment, já!
1 – Presença e atuação das Mulheres na Bíblia. Emancipação ou opressão? Diferentes leituras – 05/03/2021
2 – Mulheres Protagonistas na História do Povo de Deus, na Bíblia, na Monarquia. Mercedes Lopes/Vídeo 2
3 – Mulheres Discípulas de Jesus desde a Galileia, por Irmã Mercedes Lopes. Vídeo 3 – 14/05/2020
4 – Mulheres Protagonistas na Visão Geral da Bíblia (1ª Parte) – Irmã Mercedes Lopes, do CEBI. 9/5/2020
5 – Mulheres guerreiras do MLB no V Congresso Nacional do MLB em Recife. Vídeo 6 – 13/9/2019 https://www.youtube.com/watch?v=5C8-thPi2aE
6 – Mulheres denunciam violações de direitos humanos em Belo Horizonte: Cadê moradia? 22/04/13
7 – Ocupação Eliana Silva, em Belo Horizonte: mulheres guerreiras lutam pela casa própria. 30/09/2012
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