“A Instrução Normativa, na essência, pretende oferecer legitimidade e permitir a emissão de títulos de propriedade para invasores das terras indígenas que se encontram, inclusive, em fase avançada do procedimento administrativo de demarcação, regulado pelo Decreto 1775/96. Esta iniciativa administrativa do governo Bolsonaro, por meio do Presidente da Funai, produz uma profunda instabilidade jurídica nos negócios fundiários no Brasil e poderá causar graves prejuízos, inclusive financeiros, às pessoas físicas e jurídicas de boa-fé, que poderão ser levadas ao erro ao confiarem nas informações disponibilizadas pela Instrução Normativa em questão”, afirma a nota publicada pelo Conselho Indigenista Missionário – CIMI, 29-04-2020.
Eis a nota.
O Conselho Indigenista Missionário – Cimi vem a público externar profunda contrariedade à expedição da Instrução Normativa n° 09 de 16 de abril de 2020, publicada no Diário Oficial da União no dia 22 de abril de 2020. A Instrução Normativa, no uso das atribuições do presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), dispõe sobre o requerimento, disciplina e análise para emissão da declaração de reconhecimento de limites em relação a imóveis privados em terras indígenas.
É extremamente temerário e inaceitável que, na atual situação de pandemia pela qual o mundo e o Brasil passam, em que a população está submetida ao isolamento e os povos indígenas tomam a iniciativa de fechar e de proteger seus territórios, o presidente da Funai adote uma Instrução Normativa que vai no sentido oposto ao seu dever institucional de proteger os direitos e territórios dos povos indígenas.
A Instrução Normativa n° 09 traz elementos com raízes ditatoriais que visam submeter os povos indígenas à assimilação, em sentido contrário ao que concebe a Constituição Federal de 1988. A medida desconsidera todo o arcabouço legal da política indigenista do próprio Estado em consonância com tratados internacionais de proteção aos direitos dos povos indígenas, colocando-os sob tutela de uma única pessoa, o presidente da Funai, que passa a reconhecer como terras indígenas apenas as terras já regularizadas, cujo procedimento administrativo de demarcação está concluído. Esta norma favorece a propriedade privada incrustada dentro das terras indígenas, que são bens do Estado Brasileiro, conforme o que determina o Artigo 20 da Constituição Federal de 1988.
Consideramos que a Instrução Normativa em questão é um flagrante desrespeito à Constituição Federal, que reconhece aos índios sua organização social, costumes, línguas e tradições e o direito originário sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcar, proteger e fazer respeitar os seus bens (art. 231).
A Instrução Normativa, na essência, pretende oferecer legitimidade e permitir a emissão de títulos de propriedade para invasores das terras indígenas que se encontram, inclusive, em fase avançada do procedimento administrativo de demarcação, regulado pelo Decreto 1775/96. Esta iniciativa administrativa do governo Bolsonaro, por meio do Presidente da Funai, produz uma profunda instabilidade jurídica nos negócios fundiários no Brasil e poderá causar graves prejuízos, inclusive financeiros, às pessoas físicas e jurídicas de boa-fé, que poderão ser levadas ao erro ao confiarem nas informações disponibilizadas pela Instrução Normativa em questão.
Reafirmamos que a Constituição Brasileira reconhece os territórios indígenas e a forma tradicional dos povos viverem em seus territórios e considera que todos os títulos de propriedade incidentes nas terras tradicionalmente ocupadas são nulos e não produzem efeitos jurídicos (Artigo 231, § 6º da CF/88).
No atual contexto de pandemia, existe preocupação e solidariedade de toda a sociedade nacional e internacional com a saúde e bem estar dos povos indígenas. Várias campanhas solidárias têm se multiplicado para arrecadar alimentos, materiais de limpeza e higiene, equipamentos para saneamentos básico e de proteção. Têm se somado a essas iniciativas igrejas, sindicatos, organizações não–governamentais, escolas, governos e várias outras instituições nacionais e internacionais. O que se espera da Fundação Nacional do Índio é que cumpra o seu papel institucional e venha se somar à defesa dos indígenas que estão vulneráveis e em risco. Ao contrário, com mais esta iniciativa, a presidência da Funai se coloca contra os indígenas, incentivando a invasão dos territórios e submetendo as comunidades à insegurança, ao medo e à violência. Com a Instrução Normativa, é alarmante a possibilidade de invasores obterem certificação de títulos imobiliários em territórios de povos indígenas isolados, levando-os a um processo de extinção consumada.
Diante do exposto, nos solidarizamos com a resistência de todos os povos indígenas no Brasil e exigimos a imediata revogação da Instrução Normativa nº 09/2020 da Presidência da Funai. Que os inimigos dos povos indígenas no comando do governo brasileiro sejam temporários e as lutas e vitórias dos povos sejam permanentes!
Brasília, 29 de abril de 2020
Conselho Indigenista Missionário
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Demarcação já! Sangue Indígena, Nenhuma Gota a Mais!!
Mesmo diante da pandemia do coronavírus, a luta dos povos indígenas não para. Ainda que de longe, todos estão unidos. “Não estamos em Brasília, mas estamos ocupando as telas por meio das redes sociais”, declara Sônia Guajajara, líder indígena brasileira e coordenadora executiva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB).
A reportagem é de Nicole Matos, publicada por Amazônia.org, 28-04-2020.
A 16º edição do Acampamento Terra Livre (ATL) que reúne a coordenação da APIB, lideranças de base e apoiadores, começou nesta segunda-feira (27) e irá até o dia 30 de abril. Por conta da atual pandemia, o ATL está sendo apresentado ao vivo pelas redes sociais, ao invés de ser presencialmente em Brasília, como era antes.
Esse ATL continua reafirmando a posição dos povos indígenas contra o plano de governo de Bolsonaro. Para o cacique Kretã Kaingang desde o início da campanha o atual presidente se declarou inimigo dos povos indígenas, antes da pandemia, Bolsonaro já era uma ameaça com planos genocidas e sem preocupação alguma com os povos indígenas.
Dando abertura a primeira mesa de debate Sônia falou sobre como o coronavírus está atingindo os povos indígenas e em como é difícil lidar com isso e com os demais problemas que enfrentam.
“O tempo é de novas e velhas ameaças, estamos lutando contra o novo coronavírus que já matou mais de 10 indígenas, mas também contra todas as outras ameaças e ataques, nossos territórios continuam sendo invadidos por garimpeiros e madeireiros de forma ilegal, tudo isso exige de nós um alerta duplicado”.
No momento atual de retirada de direitos, onde a Funai edita uma medida onde mais de 237 terras indígenas pendentes de homologação, poderão ser vendidas, loteadas, desmembradas e invadidas, e onde os invasores poderão obter o certificado expedido pela Funai que constará que a área invadida não é Terra Indígena, a luta pelos direitos dos povos indígenas precisa de força e visibilidade.
“O presidente da Funai precisa ser responsabilizado pela ausência de grupo de trabalho nas TI, de políticas efetivas que de fato protejam os povos indígenas, ele não segue o texto institucional, ele não cumpre com suas obrigações institucionais”, ressalta Dinamam Tuxá, liderança da APIB. Ele continua: “Nós estamos pedindo o mínimo e o que está previsto na lei, é obrigação do estado promover a saúde, a demarcação dos territórios indígenas e combater a violência contra os povos indígenas, essas ações não estão sendo cumpridas de formas eficazes”.
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fonte: http://www.ihu.unisinos.br/598500-demarcacao-ja-sangue-indigena-nenhuma-gota-a-mais