Biden e Francisco … e os bispos dos EUA. Artigo de Marcello Neri

“Na batalha que coloca grande parte do corpo episcopal e do catolicismo estadunidense contra o Papa FranciscoBiden corre o risco de resultar uma vítima colateral. O papel de “grande reconciliador”, de que a nação necessitaria desesperadamente, deveria ser assumido pela Igreja local, que não pode fazer isso porque há décadas decidiu desempenhar o papel de grande divisor. Caberá ao novo presidente assumi-lo, o que faz parte do seu mandato a nível político e social, mas certamente não no plano da Igreja a que pertence. A Conferência Episcopal não parece estar interessada em uma reconciliação do catolicismo estadunidense com o Papa Francisco e, portanto, com o próprio Biden – mas Biden certamente está”, escreve o teólogo e padre italiano Marcello Neri, professor da Universidade de Flensburg, na Alemanha, em artigo publicado por Settimana News, 21-01-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.

Eis o artigo.

Joe Biden assumiu o cargo como o 46º presidente dos Estados Unidos e, com ele, sua administração no comando de uma nação em desesperada necessidade de reduzir o nível de conflito de múltiplas divisões que o dilaceram em tantas ‘sub’ e ‘para’ Américas. O discurso inaugural mostrou plena consciência disso e não quis exacerbar ainda mais nenhuma delas. Ao aspecto retórico que caracteriza toda boa liturgia juntou-se a lucidez da percepção do estado de coisas.

Mas foi também o dia em que o catolicismo, com seu presidente, se viu convocado ao cerne da vida institucional dos Estados Unidos, talvez como nunca antes. Da missa da manhã na Catedral de São Mateus em Washington, com a presença da Vice-Presidente K. Harris e dos representantes dos dois partidos na Câmara e no Senado que aceitaram o convite de Biden para participar da Eucaristia, até a oração de invocação durante a cerimônia de posse, que foi preparada e lida pelo jesuíta Leo O’Donovan, ex-presidente da Universidade de Georgetown de Washington.

No final da tarde (hora europeia), após Biden ter prestado juramento como 46º presidente dos Estados Unidos, o Papa Francisco enviou-lhe uma calorosa mensagem de bons votos para o novo compromisso institucional, breve mas não convencional: “Rezo para que as suas decisões sejam orientadas pelo preocupação pela construção de uma sociedade caracterizada por uma autêntica justiça e liberdade, junto com um respeito inabalável pelos direitos e pela dignidade de cada pessoa, especialmente os pobres, os vulneráveis e aqueles que não têm voz. Da mesma forma, peço a Deus, fonte de toda sabedoria e verdade, que oriente seu empenho de apoiar compreensão, reconciliação e paz nos Estados Unidos e entre as nações do mundo para levar avante o bem comum universal”.

O presidente da Conferência Episcopal dos Estados UnidosJ. Gomez, em uma manobra inusual, também enviou uma carta ao novo presidente – publicada logo após seu juramento. Comparado com o texto do Papa, aquele dos bispos estadunidenses mais que votos parece ser o programa declarado de uma oposição total em matéria de aborto, contracepção, casamento e gênero.

Como alguns comentaristas notaram, além da oportunidade de enviar (ao que parece pela primeira vez a um presidente que acaba de tomar posse) tal carta, o que é surpreendente é o pressuposto de que sobre essas questões entre os bispos católicos e o católico Biden não possa haver nenhum diálogo, nenhum confronto argumentativo, mas apenas a constatação de duas posições conflitantes – e que, portanto, o conflito só pode ser a única forma de relação institucional sobre o assunto. “O que eu não entendo – disse o card. Tobin, bispo de Newark – são as pessoas que usam tons extremamente duros e querem cortar todas as linhas de comunicação com o presidente por causa disso”.

carta de Gomez pegou seus colegas bispos de surpresa, que a receberam apenas algumas horas antes de ser publicada, sem antes ter sido discutida coletivamente nos fóruns apropriados. O card. B. Cupich, arcebispo de Chicago, imediatamente tomou distâncias dela, julgando-a um texto mal concebido, que afirma a pretensão de ser uma palavra dos bispos sem que os bispos tenham podido expressar uma palavra em sua redação. R. McElroy, bispo de San Diego, em seu comunicado simplesmente ignorou a carta da Conferência Episcopal e se referiu à mensagem enviada pelo Papa Francisco com a qual ele se alinhava totalmente.

tom e o estilo dizem mais do que palavras, como a capacidade de discernir ou não o uso destas últimas caso se opte por quebrar um protocolo estabelecido. Grande parte do corpo episcopal estadunidense tem tentado ficar no meio termo entre a mensagem papal e a carta de Gomez, equilibrando-se para não tornar a primeira obviamente irrelevante, encontrando-se representados na segunda. Nesse ponto, o católico Joe Biden pode legitimamente começar a se perguntar se realmente é ele o verdadeiro objeto da disputa, que continua a dividir a Igreja dos EUA, ou se não se trata de Francisco (alcançado via Biden pela Conferência Episcopal com sua carta).

Na batalha que coloca grande parte do corpo episcopal e do catolicismo estadunidense contra o Papa FranciscoBiden corre o risco de resultar uma vítima colateral. O papel de “grande reconciliador”, de que a nação necessitaria desesperadamente, deveria ser assumido pela Igreja local, que não pode fazer isso porque há décadas decidiu desempenhar o papel de grande divisor. Caberá ao novo presidente assumi-lo, o que faz parte do seu mandato a nível político e social, mas certamente não no plano da Igreja a que pertence. A Conferência Episcopal não parece estar interessada em uma reconciliação do catolicismo estadunidense com o Papa Francisco e, portanto, com o próprio Biden – mas Biden certamente está.

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fonte: http://www.ihu.unisinos.br/606355-biden-e-francisco-e-os-bispos-dos-eua-artigo-de-marcello-neri


EUA: bispos jogam balde de água fria na posse mais católica da história

Esta quarta-feira, 20 de janeiro, foi um dia muito católico. Tudo começou com o presidente eleito levando as lideranças políticas da nação para a missa. Joe Biden entrou em minha antiga paróquia, a Catedral de São Mateus Apóstolo, em Washington, seguido pela vice-presidente eleita, a presidente da Câmara e os líderes das maiorias e das minorias de ambas as câmaras do Congresso.

O comentário é de Michael Sean Winters, publicado em National Catholic Reporter, 21-01-2021. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Depois de quatro anos de um presidente incapaz de não dar tapinhas nas próprias costas em todos os momentos públicos, foi uma mudança muito bem-vinda ver um presidente que não tem medo de ir à missa, na qual começamos pedindo perdão e terminamos recebendo o dom da graça eucarística.

Na noite anterior, o Sr. Biden liderou o país em um curto, mas pungente rito de rememoração dos mortos pelo vírus da Covid-19. O cardeal Wilton Gregory, de Washington, novo pastor de Biden, ofereceu uma bela oração para iniciar a cerimônia. Ele rezou, em parte: “Com um só coração, encomendemos aqueles que morreram por causa desse vírus e todos os seus entes queridos ao cuidado providencial d’Aquele que é a fonte última da paz, da unidade e da concórdia”.

Depois daquilo que o país testemunhou nas últimas semanas, como é revigorante ser lembrado de que Deus oferece “paz, unidade e concórdia”.

A cerimônia oficial de posse começou com uma oração do padre jesuíta Leo Donovan. Ele não começou, como o cardeal Richard Cushing fez há 60 anos e como os católicos normalmente começam suas orações, com o sinal da cruz e as palavras: “Em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo”. Mas, por cima do ombro direito de Donovan, você podia ver Biden fazendo o sinal da cruz de qualquer maneira. Mais tarde, quando Biden concluiu um momento de silêncio por aqueles que morreram de Covid-19, foi possível ver um membro da Guarda Nacional fazer o sinal da cruz.

Depois de fazer o juramento de posse, o novo presidente fez um discurso repleto de temas encontrados em todas as páginas do ensino social católico: a dignidade da pessoa humana, a comissão de servir ao bem comum como primeira justificativa de governo, o valor da democracia na proteção da dignidade humana e, ao mesmo tempo, em exigir e evidenciar a igualdade, a virtude da solidariedade.

Quão diferente do discurso inaugural distópico que ouvimos quatro anos atrás, para não falar do discurso que incitou a turba a invadir o Capitólio dos Estados Unidos há duas semanas.

Biden citou Santo Agostinho!

O dia todo foi muito católico, carregado de simbolismo e de ritual. Grande parte dele foi diferente das normas inaugurais habituais por causa da Covid-19 e porque o presidente cessante decidiu dar um chilique e pular a cerimônia. E tudo isso falava de valores mais pronunciados no pensamento católico do que no liberalismo clássico dos pais fundadores.

No entanto, isso também me fez lembrar de como Biden é diferente de muitos liberais, católicos ou não, que não fazem nada a não ser ridicularizar os Estados Unidos e denunciar os pecados do país. Biden reconhece esses pecados, com certeza, mas ele sabe que os Estados Unidos é mais do que isso.

“Nossa história tem sido uma luta constante entre o ideal estadunidense de que todos fomos criados iguais e a dura e horrível realidade de que o racismo, o nativismo, o medo e a demonização há muito tempo nos separaram”, disse o novo presidente.

“A batalha é perene. A vitória nunca está garantida. Durante a Guerra Civil, a Grande Depressão, a Guerra Mundial, o 11 de setembro, através de lutas, sacrifícios e reveses, nossos melhores anjos sempre prevaleceram.”

Então, em uma frase que parecia algo que o Papa Francisco diria, Biden acrescentou: “Em cada um desses momentos, muitos de nós, muitos de nós nos unimos para carregar todos nós para a frente”.

Aparentemente, a liderança da Conferência dos Bispos dos Estados Unidos, antes mesmo de ouvir o discurso, optou por se colocar entre aqueles que não querem “se unir para carregar todos nós para a frente”.

O arcebispo de Los Angeles, José Gomez, presidente da Conferência, emitiu uma declaração grosseira . Ele reconheceu que haveria áreas onde os bispos poderiam trabalhar com o novo governo, mas também advertiu que Biden havia “prometido seguir certas políticas que promoveriam males morais e ameaçariam a vida e a dignidade humanas, mais seriamente nas áreas do aborto, da contracepção, do casamento e do gênero”.

Gomez acrescentou: “Uma preocupação profunda é a liberdade da Igreja e a liberdade dos fiéis de viverem de acordo com as suas consciências”.

Os dias de posse não são um momento para declarações adversativas.

A declaração continha duas grandes mentiras em seu cerne. Gomez declarou: “Estou ansioso para trabalhar com o presidente Biden e o seu governo e com o novo Congresso”. Desculpe-me , mas essa declaração não foi elaborada para construir uma relação com o novo governo. Foi elaborada para sabotá-la.

A esse respeito, como um bispo me explicou, a declaração foi um ataque a Francisco, que deixou claro que ele realmente deseja trabalhar com o novo governo.

A pior mentira veio quando Gomez disse: “Os bispos católicos não são atores partidários na política da nossa nação. Somos pastores responsáveis pelas almas de milhões de estadunidenses e defendemos as necessidades de todos os nossos vizinhos”.

Para ser claro, a declaração foi política, e não pastoral, e, além disso, Biden tem um pastor, e o seu nome é cardeal Wilton Gregory. Seu outro pastor é o bispo Francis Malooly, de WilmingtonDelaware. A Conferência não tem autoridade pastoral canônica em relação a Biden. O fato de Gomez se esconder atrás dessa fachada é uma tentativa de parecer apolítico, mas não foi convincente.

É impossível não detectar a influência do arcebispo Charles Chaput, o Viganò estadunidense, na declaração de Gomez. Em novembro, Chaput atacou Gregory sobre a questão de negar a Comunhão a Biden. Ele também tenta esconder seus ataques partidários por trás de uma cortina de solicitude pastoral. Ele também ignorou as grosseiras depredações de Donald Trump e cerca de 90% do ensino social da Igreja, só porque o ex-presidente concordava com os bispos sobre o aborto.

Na melhor das hipóteses, a declaração foi surda.

Acontece que alguns dos bispos também acharam a declaração destoante. Em um raro afastamento de uma frente episcopal unida, o cardeal Blase Cupich, de Chicago, emitiu a sua própria declaração:

“Hoje, a Conferência dos Bispos dos Estados Unidos emitiu uma declaração imprudente sobre o dia da posse do presidente Biden. Além do fato de que aparentemente não há precedentes nesse sentido, a declaração crítica ao presidente Biden veio como uma surpresa para muitos bispos, que a receberam poucas horas antes de ela ser divulgada”.

Palavras de combate. Cupich também disse que a declaração não havia sido discutida pela comissão administrativa da Conferência, que seria “a via normal para declarações que representem e tenham o devido endosso dos bispos estadunidenses”.

Eu tinha certeza de que a liderança da Conferência Episcopal trataria qualquer democrata de forma mesquinha. Mas eu acho que o que os deixa realmente loucos é o fato de perceberem, em algum nível inconsciente profundo, que Biden fez mais em 24 horas para lembrar ao povo estadunidense que a Igreja Católica pode ser uma força para o bem do nosso país do que a Conferência Episcopal em 10 anos.

Seu serviço memorial pelas vítimas da Covid-19 foi mais pastoral do que a repugnante declaração deles. O discurso inaugural de Biden foi uma articulação melhor das ideias católicas sobre governança do que qualquer documento recente da Conferência. Ele citou Agostinho para ajudar a unir o nosso país brutalmente dividido. Eles recorrem a citações que exacerbam a divisão. Biden se deixou enriquecer pela fé de outros, católicos e não católicos. Gomez parece preso em seu manual do Opus Dei.

Desejo encerrar minhas reflexões sobre a posse com um ovação a três coadjuvantes do drama do dia: um deles, uma católica; a outra, uma nova estrela; e o outro, um novo herói estadunidense. Se os bispos tivessem esperado para fazer a sua declaração ofensiva, eles poderiam ter moderado a sua indecência com o exemplo destes três estadunidenses.

Lady Gaga, que é católica, cantou o hino nacional e alcançou lugares bem distantes do parque. Quando ela chegou às palavras “nossa bandeira ainda estava lá”, ela se virou e olhou para a bandeira no topo do Capitólio dos Estados Unidos. Duas semanas antes, os insurrecionistas haviam invadido exatamente o local onde Lady Gaga estava cantando. Uma das batalhas mais acirradas entre a turba e a Polícia do Capitólio dos Estados Unidos aconteceu na porta arcada por onde os convidados da posse caminharam até os seus assentos. A turba queria destruir a democracia quando invadiram o Capitólio. Ele havia sido atacado pela última vez por tropas britânicas cujo ataque a Baltimore inspirou a redação do nosso hino nacional. No entanto, a bandeira ainda estava lá. Foi um momento poderoso, um momento redentor.

Amanda Gorman, a Poeta Juvenil Laureada Nacional, declamou um poema impressionante em sua energia e beleza. A postura de alguém tão jovem não poderia ter contrastado mais nitidamente com as imagens dos rudes e grosseiros apoiadores de Trump que contaminaram o Capitólio durante a insurreição. As palavras dela falavam de cura e, como um sacramento, realizavam aquilo que significavam. Gorman é uma estrela, e a sua performance na posse será lembrada por muitos anos, quando seus futuros esforços artísticos capturarem os nossos corações novamente. Ela pode não ser católica, mas agora penso nela como uma católica honorária.

No início da cerimônia, a vice-presidente, Harris, foi escoltada por Eugene Goodman, o oficial da Polícia do Capitólio cujo raciocínio rápido levou a multidão para longe da câmara do Senado no dia 6 de janeiro. Agora sabemos que a turba estava apenas a alguns metros e a alguns segundos do vice-presidente, Mike Pence, e sua família. Eles gritavam a sua intenção de enforcá-lo. A presença deste novo herói na posse também tinha uma qualidade redentora.

Para milhões de estadunidenses, a quarta-feira teve a sensação de uma grande libertação, o encerramento de um feio capítulo da história estadunidense, o feliz virar de uma página. GagaGorman e Goodman ajudaram a recuperar o prédio que, há duas semanas, foi a cena de um crime. Mas Biden é o homem do momento, e a sua fé católica ficou evidente na forma como ele se levantou para enfrentar o momento. Os bispos podem não ter percebido isso. Eles podem ir procurar alguma coisa para fazer. A maioria de nós está profundamente grata porque esse homem bom e decente é agora o nosso presidente.

fonte: http://www.ihu.unisinos.br/606352-eua-bispos-jogam-balde-de-agua-fria-na-posse-mais-catolica-da-historia


 

EUA: cardeal condena declaração dos bispos sobre Biden

Um importante cardeal católico se pronunciou contra uma declaração emitida pelos bispos dos Estados Unidos criticando o presidente Joe Biden. Também há preocupações vaticanas sobre o tom da declaração dos bispos.

A reportagem é de Ruth Gledhill, publicada em The Tablet, 21-01-2021. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

A intervenção do arcebispo de Chicago, cardeal Blase Cupich, criticando seus próprios bispos é altamente incomum e ilustra as crescentes tensões entre os bispos católicos dos Estados Unidos sobre a nova presidência.

O cardeal Cupich deixou claro que considera a divulgação da declaração dos bispos como um resultado de “falhas institucionais” e prometeu enfrentá-las.

O Papa Francisco refletiu as opiniões de muitos católicos com suas calorosas saudações ao presidente Biden, quando falou sobre reconciliação, bem comum e cuidado pelos pobres. O presidente Biden participou da missa na Igreja de São Mateus Apóstolo, conhecida como Catedral de São Mateus, em Washington, antes da posse. Ele fez seu juramento sobre uma Bíblia que está em sua família desde 1893.

Conhecido e respeitado amplamente como um católico profundamente devoto, o presidente Biden tem uma foto do Papa Francisco em sua escrivaninha. Ele deixou claro ao longo de sua longa carreira que é guiado pelo ensino social católico sobre o bem comum.

No entanto, no comunicado divulgado nessa quarta-feira, 20, o arcebispo de Los AngelesJosé Gomez, presidente da Conferência dos Bispos dos Estados Unidos, disse: “Devo salientar que nosso novo presidente se comprometeu a perseguir certas políticas que promoveriam os males morais e ameaçariam a vida e a dignidade humanas, mais seriamente nas áreas do aborto, da contracepção, do casamento e do gênero”.

Uma autoridade vaticana disse a Gerard O’Connell, da America Magazine: “Isso é muito lamentável e provavelmente criará divisões ainda maiores dentro da Igreja dos Estados Unidos”.

E o cardeal Cupich criticou severamente a resposta dos bispos ao novo presidente dos Estados Unidos, apenas o segundo católico a ser eleito presidente. 

Ele disse em uma série de mensagens no Twitter: “Hoje, a Conferência dos Bispos dos Estados Unidos emitiu uma declaração imprudente no dia da posse do presidente Biden. A declaração foi elaborada sem o envolvimento da Comissão Administrativa, uma consulta colegiada que é a via normal para declarações que representem e tenham o devido endosso dos bispos estadunidenses.

“As falhas institucionais internas envolvidas devem ser enfrentadas, e eu espero contribuir com todos os esforços para esse fim, para que, inspirados pelo Evangelho, possamos construir a unidade da Igreja e, juntos, assumir o trabalho de cura da nossa nação neste momento de crise.”

Entre os que responderam estava Mark Dowd, um jornalista britânico premiado e autor de “Queer and Catholic”.

Ele disse que “a obsessão com o aborto continua afastando milhões de católicos em todo o mundo. Onde estão esses bispos naquilo que se refere a justiça climática, valores LGBT, mulheres e racismo???”.

Becky O’Donnell, do Kansas, escreveu: “Então nós temos um presidente católico que é muito público sobre a sua fé, participa da missa semanal, no primeiro dia atravessa o corredor e convida os republicanos a se unirem a ele na missa, faz referência frequente aos ensinamentos católicos, apela para a cura, e a Conferência dos Bispos dos EUA o ataca no primeiro dia. Argh”.

fonte: http://www.ihu.unisinos.br/606350-eua-cardeal-condena-declaracao-dos-bispos-sobre-biden


Nós acreditamos nessas verdades. O pensamento de John Courtney Murray. Artigo de Stefano Ceccanti

Em 1960, acompanhando a ascensão à presidência do primeiro católico, John Kennedy, suspeito em grandes setores da opinião pública protestante porque a Igreja Católica parecia limitar sua autonomia, o padre jesuíta John Courtney Murray publicou We Hold These Truths – Catholic Reflections on the American Proposition, uma coleção de seus próprios escritos.

Noi crediamo in queste verità
(Brescia, Morcelliana 2021, p. 324, euro 28)

Nele, a partir do direito constitucional estadunidense, propunha assumir plenamente a liberdade religiosa como princípio a ser valorizado e não como um mal a ser tolerado. Kennedy também se inspirou em Murray para um famoso discurso em Houston naquele mesmo ano, que teve particular ressonância política e eclesial, mesmo anos depois. A primeira publicação italiana do texto (Morcelliana, 1965) pretendia acompanhar os trabalhos do Concílio Vaticano II e, de fato, teve uma influência decisiva na Declaração conciliar Dignitatis humanae, também graças às relações de longa data do autor com Paulo VI.

Hoje, em conjunto com a ascensão à presidência de Joe Biden, o segundo católico depois de Kennedy, uma nova edição está sendo publicada (Brescia, Morcelliana 2021, p. 324, euro 28), com uma premissa e uma nota biográfica e bibliográfica de Stefano Ceccanti, na certeza de que algumas intuições básicas do texto e da Declaração ainda possam ter um significado. Na primeira parte da introdução, Ceccanti analisa o desenvolvimento do pensamento jesuíta, sempre ancorado em sólidas raízes teológicas. Em seguida, na segunda parte, da qual publicamos um excerto aqui, ele ilustra as influências do direito constitucional dos Estados Unidos sobre a Dignitatis humanae.

O texto de Stefano Ceccanti, deputado do Partido Democrata e constitucionalista, é publicado por L’Osservatore Romano, 20-01-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.

Eis o texto.

O prefácio de Dignitatis humanae, embora com linguagem eclesial, tematiza em chave constitucionalista o tema da imunidade à coerção, o papel limitado do Estado e a extensão do livre exercício da liberdade religiosa com um léxico evidentemente emprestado da Primeira Emenda da Constituição dos EUA e admite explicitamente de maneira não usual um certo grau de descontinuidade em relação à doutrina anterior, “da qual tira novos elementos em constante harmonia com os já possuídos”. Essas afirmações na relação com o Estado equilibram-se no plano da relação entre a pessoa, a verdade e a Igreja “com o dever moral dos indivíduos e das sociedades para com a verdadeira religião e com a única Igreja de Cristo”.

A questão dos limites que os poderes públicos podem impor ao exercício da liberdade religiosa também é definida no ponto 7 de uma forma que está em sintonia com a orientação estadunidense: o Estado não tem o monopólio do bem comum, os limites que ele pode estabelecer baseiam-se apenas na ‘ordem pública ‘, uma noção muito mais restritiva, de acordo com cânones de necessidade e de proporcionalidade. Além disso, nem a política nem o Estado são vistos pelo documento específico sobre as relações Igreja-mundo, a Constituição pastoral Gaudium et spes, especificamente nos capítulos finais da Primeira Parte e, portanto, nos parágrafos 74 e 75, como detentores de um monopólio do bem comum. No entanto, é o número 6 que consegue pontualmente a reviravolta da tese leoniana.

Enquanto o citado trecho da Immortale Dei rezava: “Se a Igreja julga não ser lícito conceder aos diversos cultos religiosos a mesma condição jurídica que compete à verdadeira religião, também não condena aqueles governos que, por alguma situação grave, visando obter um bem ou prevenir um mal, possam de fato tolerar vários cultos em seu Estado”, ora n. 6 de Dignitatis humanae afirma: “Se, em razão das circunstâncias particulares dos diferentes povos, se atribui a determinado grupo religioso um reconhecimento civil especial na ordem jurídica, é necessário que, ao mesmo tempo, se reconheça e assegure a todos os cidadãos e comunidades religiosas o direito à liberdade em matéria religiosa”.

A segunda parte da Declaração passa então a um perfil mais puramente teológico, utilizando também o já citado argumento das ervas daninhas, tanto tomado como citação bíblica quanto em relação à Alocução de Pio XII de 1953.

O tema constitucional reaparece na Conclusão, elogiando genericamente alguns textos constitucionais e referindo-se à Declaração da ONU de 1948 por meio de uma citação da Pacem in terris de João XXIII de 1963 (parágrafo 75). No mais, aquela encíclica já havia marcado várias aberturas na direção que depois foi percorrida pela Dignitatis humanae. Não só pelo tom mais aberto sobre o tema específico da liberdade religiosa, mas porque, de forma mais geral, como é bem sabido, entre os princípios da doutrina social cristã coloca não só os clássicos verdade, justiça e amor, mas também liberdade (ver em particular o parágrafo 18).

Obviamente, há uma ligação lógica entre as duas partes do documento: qual visão eclesiológica permite mover-se de forma tão aberta sobre o plano jurídico, dando relevância de forma indutiva a uma experiência histórica, aquela estadunidense, na qual os católicos eram minoria? Por que é possível tirar de uma experiência daquele tipo, de diálogo entre várias minorias religiosas, “novos elementos”, como diz a introdução, capazes de enriquecer a doutrina? Não é por acaso que o próprio proêmio aqui repropõe a fórmula já presente na Constituição dogmática sobre a Igreja Lumen gentium (n. 8), a saber, que “a verdadeira religião … subsiste na Igreja católica e apostólica”. Consideráveis debates ocorreram sobre a utilização do termo “subsiste” no lugar de outros mais imediatos sobre a coincidência da verdade com aquela proposta pela Igreja Católica, ora acentuando ora reduzindo o impacto da novidade da fórmula. Afora essas diversidades interpretativas, permanece o fato de que o verbo subsistir pretende expressar uma visão não exclusivista da verdade. É possível, portanto, discutir se as fórmulas da primeira parte da Declaração, mais deslocada para o conceito constitucional de imunidade à coerção, se combinem mais ou menos acertadamente com aquelas teológicas da segunda, mas o proêmio nos convida a ler juntos a valorização da liberdade no Estado com uma certa valorização do pluralismo religioso e civil.

A possível tensão entre as duas partes existe porque objetivamente era mais fácil construir um amplo consenso sobre a ideia constitucional de imunidade à coerção do que sobre uma abordagem teológica relativa à positividade da liberdade religiosa em si, visto que, para além da liberdade, a Igreja Católica tem a convicção de ser portadora da verdade, de ter, em todo o caso, a percepção mais adequada da verdade em comparação com outras experiências religiosas.

Como se sabe, o consenso sobre a primeira parte, superando a tese do Estado católico, foi relativamente simples porque a abordagem constitucional estadunidense de Murray e Maritain, que permitia reportar-se também à primeira experiência de um presidente estadunidense católico, era acompanhada pela experiência histórica das democracias cristãs dos principais países europeus, que haviam demonstrado a fecundidade concreta do encontro entre o cristianismo e a democracia, e aquela dos pais da Europa de Leste, a começar pela Polônia, para quem era vital defender a força social da Igreja da invasão dos estados socialistas.

Por outro lado, era mais difícil encontrar fórmulas claras e compartilhadas sobre a segunda parte, porque a recusa do exclusivismo na posse da verdade devia ser conciliada com a afirmação de um papel significativo da Igreja. Isso é demonstrado precisamente pelas tensões conhecidas no debate interpretativo subsequente sobre o verbo “subsistir” em comparação com a aceitação pacífica da imunidade à coerção. Ninguém, a não ser pequenas franjas tradicionalistas, voltou a repropor modalidades confessionalistas na relação entre Estado e igrejas, mas, no entanto, em nome do livre exercício da liberdade religiosa pela Igreja Católica, a retórica anti-relativista muitas vezes foi proposta em nome de abstratos princípios não negociáveis, aos quais conformar a legislação civil, retórica que mais do que anti-relativista era, na realidade, anti-pluralista. De fato, são raras as posições relativistas no debate público, aquelas pelas quais as posições na substância se equivalem e o ordenamento deve, portanto, assumir a mais clara e mais específica neutralidade. A maioria dos conflitos está ligada ao pluralismo, à presença de várias linhas de fratura a respeito das quais os decisores políticos podem e devem encontrar formas de síntese.

Então, em poucas palavras, quais foram as consequências práticas dessa abordagem no plano da evolução constitucional comparada nas democracias consolidadas e naquelas que se afirmaram após 1989?

Realizou-se uma abertura dupla e recíproca.

Por um lado, o impulso direto da Declaração levou ao desmantelamento das normativas inspiradas em resíduos confessionalistas (Concordata italiana de 1929 e espanhola de 1953 in primis); por outro lado, o efeito indireto foi o de minar, a partir da Conferência de Helsinque de 1975, as normativas então socialistas inspiradas na lógica de uma separação hostil.

Por outro lado, uma lógica confessionalista substancial persiste no mundo islâmico, onde continua a ser concebível no máximo apenas uma limitada tolerância religiosa.

Além dessa persistência, algumas abordagens internas da Igreja Católica têm tentado neutralizar o significado inovador da Declaração, considerando-a substancialmente datada porque teria servido sim, no momento, a limitar as reivindicações antirreligiosas dos países socialistas e para liquidar antigos confessionalismos, mas mais tarde teria se revelado fraca em comparação com as novas formas de liberalismo e relativismo nos países ocidentais, a respeito das quais agora seria uma questão de contrapor a objetividade da verdade de acordo com o entendimento de Igreja Católica, conforme proposto por exemplo por Bruno Dufour em um importante ensaio na conceituada revista “Communio” de novembro-dezembro de 1995, relendo o pontificado de João Paulo II em tal chave.

Ora, cada documento é também filho do seu tempo e é óbvio que uma Declaração desse tipo, se fosse reescrita hoje, poderia provavelmente ter solicitações diferentes e maiores em alguns pontos e também é evidente que a Igreja Católica não pode aceitar passivamente qualquer evolução cultural. No entanto, cabe se questionar: a valorização do pluralismo que levou Murray a intitular seu livro usando a palavra verdade no plural, na esteira da Declaração da Independência e do otimismo teológico que permeia o início de Dignitatis humanae têm um valor historicamente contingente ou, em vez disso, mantêm firme seu valor de estrela fixa para a sociedade e para a Igreja? A releitura de Murray ajuda a se convencer dessa segunda opção.

Sem Murray teria sido impossível superar o duplo padrão a que conduzia a tese do Estado cristão (confessionalismo onde havia maioria e pedido de liberdade onde havia minoria), explicitamente reivindicado pelo cardeal Ottaviani no discurso de 1953 acima mencionado (“Ouvimos a objeção: vocês sustentam dois critérios ou normas de ação diferentes, de acordo com o que lhes convêm … Pois bem, justamente dois pesos e duas medidas devem ser usados: um para a verdade, o outro para o erro”) e que expôs Kennedy à acusação de querer uma hegemonia católica em caso de vitória e, portanto, teria sido impossível escrever com clareza na encíclica do Papa Francisco Fratelli Tutti: “Como cristãos pedimos que, nos países onde somos minoria, nos seja garantida a liberdade, assim como nós a favorecemos para aqueles que não são cristãos onde são minoria” (n. 279).

Quem sabe se as ideias de Murray, no momento em que o católico Joe Biden assume a presidência da mais importante democracia consolidada do mundo, não sejam mais uma vez inspiração para acompanhar a evolução da Igreja Católica, da sociedade e da política, nos EUA e em outros lugares, depois de tantos mal-entendidos e enrijecimentos do período anterior.

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fonte: http://www.ihu.unisinos.br/606357-nos-acreditamos-nessas-verdades-o-pensamento-de-john-courtney-murray-artigo-de-stefano-ceccanti

 

 

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