Eleições 2020: o cansaço da polarização e o crescimento da fragmentação. Algumas análises

Por: Patricia Fachin e João Vitor Santos | 01 Dezembro 2020

eleição de mais candidatos de centro, tanto à direita quanto à esquerda, no pleito deste ano, demonstra o “cansaço do eleitor com a radicalização política e a polarização entre bolsonarismo e lulismo“, diz o jornalista Altamir Tojal à IHU On-Line. Além de indicarem que os eleitores votam de olho nas agendas locais, o voto deste ano sugere que “a vitória de partidos de centro pode revelar a aposta na habilidade de negociação, no equilíbrio e na redução de conflitos, ou seja, a expectativa de que o eleito seja capaz de somar forças para enfrentar desafios cada vez maiores, não só a pandemia como a crise econômica e social, além da precariedade de serviços públicos comum à maioria das cidades do país”, comenta. 

Para o sociólogo Benedito Tadeu César, o resultado do segundo turno das eleições municipais não surpreendeu. No entanto, diferentemente daqueles que acentuam a derrota das esquerdasCésar, ao contrário, avalia que elas tiveram “um bom desempenho” depois de terem “passado por um tsunami” nos pleitos de 2016 e 2018, e “estancaram a sangria e conseguiram reconquistar posições”. O segundo turno, assim como o primeiro, demonstrou igualmente o enfraquecimento do bolsonarismo. “Ficou patente, no primeiro e no segundo turnos, a incapacidade de Bolsonaro de construir um partido que congregue os seus aliados. Eles estão pulverizados, não tem nada que os unifique e eles ficam à mercê da direita de negócios – me recuso a dizer que eles são centro-direita porque essa é uma direita de negócios. A direita de negócios não tem nem vai ter um candidato para 2022, porque ela é muito ruim em termos de propostas e projetos nacionais”, assegura na entrevista a seguir, concedida por WhatsApp.

O sociólogo Fábio Lacerda, também em entrevista concedida por WhatsApp à IHU On-Line, destaca o baixo protagonismo do MDB e do PSDB, o crescimento do PSDDemocratasProgressistas e Republicanos e o enfraquecimento da esquerda. Todos esses fenômenos, explica, contribuem para a fragmentação da política brasileira. “É importante ressaltar um processo de pulverização da política, que fica mais marcado em 2020, porque os partidos maiores diminuem e há um conjunto de partidos pequenos e médios disputando espaço, que também se relaciona com a ideia de uma fragmentação partidária que não diminuiu”, constata.

De outro lado, o sociólogo Sergio Simoni explica a vitória de partidos de centro-direita. “Os partidos de centro-direita continuaram fortes porque são partidos mais enraizados nos municípios, com estruturas mais antigas”, observa. Segundo ele, um dos aspectos determinantes do segundo turno foi a “avaliação que os eleitores fizeram dos atuais prefeitos e prefeitas e de ex-prefeitos que concorreram”. Esse ponto, frisa, também poderá ser central nas eleições de 2022. “A marca que vai determinar a eleição de 2022 será a avaliação das pessoas sobre o que os governos estão fazendo e o que eles deveriam fazer e, dessa forma, vão decidir o seu voto. Esse componente estava muito prejudicado na eleição de 2018, dada a grande crise dos partidos depois da Lava Jato e a situação pós-impeachment. Mas essas questões vão se assentando e as pessoas vão avaliar o que o governo está fazendo e, a partir disso, vão decidir premiá-lo ou puni-lo. Portanto a avaliação das ações do que o governo está entregando é o que vai ser importante para 2022“, afirma.

 

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Altamir Tojal é jornalista, graduado pela Universidade Federal Fluminense – UFF e especialista em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – PUC-Rio. Participa da Rede Universidade Nômade – Uninômade. 

Benedito Tadeu César é graduado em Ciências Sociais pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Rio Claro, mestre em Antropologia Social e doutor em Ciências Sociais com ênfase em Estrutura Social Brasileira, ambos pela Universidade Estadual de Campinas – Unicamp. É professor aposentado da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. 

Fábio Lacerda é graduado em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP, mestre e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo – USP. É pesquisador de pós-doutorado do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento – CEBRAP e professor do IBMEC-SP e do Centro Universitário FEI, em São Paulo.  

Sergio Simoni é graduado em Ciências Sociais, mestre e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo – USP. É professor do Departamento de Ciência Política e do Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. 

 

Confira as entrevistas.

 

IHU On-Line – Qual sua avaliação geral sobre o segundo turno das eleições nas principais capitais brasileiras? O que foi determinante na eleição dos candidatos no segundo turno?

Altamir Tojal – Parece ter ocorrido uma demonstração de cansaço do eleitor com a radicalização política e a polarização entre bolsonarismo e lulismo. A vitória de partidos de centro pode revelar a aposta na habilidade de negociação, no equilíbrio e na redução de conflitos, ou seja, a expectativa de que o eleito seja capaz de somar forças para enfrentar desafios cada vez maiores, não só a pandemia como a crise econômica e social, além da precariedade de serviços públicos comum à maioria das cidades do país. O voto desta vez pode ter mostrado suspeita e desencanto com relação a rupturas, a propostas radicais e a líderes e partidos que desonram seus programas e promessas. No mais, como é normal nas escolhas municipais, o eleitor votou de olho em agendas locais, procurando gestores mais capazes ou menos incompetentes, conforme as opções que se apresentaram em cada lugar.

 

Benedito Tadeu César – As eleições do segundo turno não surpreenderam. Havia uma expectativa de parte da esquerda de conseguir vitórias expressivas, mas se analisarmos os resultados históricos, o desempenho das esquerdas no segundo turno, em termos de vitórias, não foi muito diferente do que o da tradição histórica: dificilmente as esquerdas avançam muito no segundo turno, a menos que elas consigam avançar sobre o centro progressista, pelo menos. Como isso está difícil, elas conseguiram ampliar a sua capilaridade e a sua base eleitoral nessas eleições. Foi um bom desempenho para as esquerdas, que tinham passado por um tsunami nas duas últimas eleições, de 2016 e 2018. Elas estancaram a sangria e conseguiram reconquistar posições.

 

Fábio Lacerda – É importante observar a dificuldade de separar o primeiro turno das eleições do segundo, porque o segundo turno não é uma nova eleição, mas a continuação do primeiro. Não há muito espaço para mudança no segundo turno em relação ao primeiro. Há casos de viradas, mas são exceções, como aconteceu em São Paulo, em 2012, quando Haddad acabou em segundo lugar no primeiro turno, mas o candidato do PSDB, José Serra, virou no segundo turno. Esse tipo de coisa pode acontecer, mas, em geral, não acontece. A tendência é os primeiros colocados ganharem.

 

Também temos que levar em conta que essas foram eleições atípicas por estarmos vivendo uma pandemia; portanto, foram mais curtas e houve menos possibilidade de os candidatos se tornarem conhecidos para o eleitorado. De modo geral foram eleições que favoreceram os incumbentes, ou seja, aqueles candidatos que já eram prefeitos, sobretudo aqueles que tiveram uma atuação diante da pandemia minimamente aprovada pelo eleitorado de sua cidade.

O segundo ponto que destacaria é o uso das redes sociais. É bastante claro como os candidatos que têm mais familiaridade com essas ferramentas tiveram desempenhos notáveis. Destacaria, no caso da cidade de São Paulo, tanto o candidato Guilherme Boulos, do PSOL, quanto Arthur do Val, do Patriota, um YouTuber, que é ligado ao Movimento Brasil Livre – MBL e conhecido como Mamãe Falei. Eles utilizaram as redes de uma forma bastante inteligente e conseguiram muitos votos entre os eleitores mais novos. Parece que o caso da Manuela D’Ávila, em Porto Alegre, é semelhante, porque ela tem uma presença forte nas redes sociais.

 

IHU On-Line – No primeiro turno das eleições municipais, os analistas chegaram a dois consensos: os candidatos de centro-direita e os ligados a pautas identitárias e sociais tiveram mais sucesso. Qual foi a marca do segundo turno?

Altamir Tojal – Embora cerca de 60% dos prefeitos eleitos sejam de partidos de centro e uma parte mais identificada com a centro-direita, a expectativa crescente do eleitor parece ser de uma agenda de atenção aos mais vulneráveis na sociedade e de apoio às causas identitárias. A maioria dos que foram eleitos teve de se comprometer com isso e serão cobrados. Se o vírus da pandemia pode ter reforçado o valor da solidariedade, o resultado destas eleições mostraria que o vírus autoritário do bolsonarismo vai produzindo seus anticorpos, ou seja, a rejeição da antipolítica, do racismo, dos preconceitos em geral e da indiferença pelos marginalizados. Houve também um recado à política das agendas ocultas da esquerda tradicional e da extrema direita. As pesquisas que apontaram rejeição aos velhos e novos padrinhos políticos foram confirmadas na maioria das cidades.

 

 

Benedito Tadeu César – O determinante nas eleições do segundo turno foram basicamente as questões locais. Em Recife houve uma disputa entre os clãs locais e em Fortaleza foi um clã local que venceu, e os dois lugares impuseram derrotas ao presidente da República e ao bolsonarismo. Em Vitória, o bolsonarismo ganhou, mas ganhou se descolando de Bolsonaro, porque o delegado [Pazolini, do Republicanos] jurou de pé junto durante toda a campanha – apesar de ter invadido hospitais e de ter se aliado à Damares no caso daquela menina estuprada e engravidada pelo padrasto – que não era bolsonarista.

A marca do segundo turno não mudou muito em relação ao primeiro turno, mas discordo da análise de que foram os candidatos de centro-direita que mais cresceram. Quem cresceu mais no campo que a grande mídia chama de centro-direita foi o DEM, o PP e o PSD, que não são centro-direita, são direita. Esses três viraram partidos de negócios, são herdeiros da ditadura, assim como os outros que cresceram. Então, os grandes vencedores das eleições são os partidos de negócio. Tenho dito o seguinte: voltamos ao normal, à situação anterior ao lulopetismo, anterior ao crescimento eleitoral de Lula e do PT. Agora, cabe às esquerdas refazer esse trajeto.

 

 

Fábio Lacerda – A marca do segundo turno é, sobretudo, a vitória de partidos de centro e de centro-direita. Nem todos saíram vitoriosos, mas se houve vitoriosos, eles estão nesse campo. O PSDB e o MDB saíram menores dessas eleições e, por outro lado, o PSD, o DEM, o Progressistas e o Republicanos saíram maiores. Esse é um ponto com o qual precisamos ter cuidado porque existem métricas diferentes para considerarmos; ou seja, uma análise meramente quantitativa acerca dos municípios conquistados poderia levar a uma conclusão falsa ou enganosa porque não levaria em conta a importância dessas prefeituras. Existem diferentes métricas de análise: alguns preferem analisar esses dados em termos do tamanho da população das cidades onde cada um dos partidos que ganhou vai governar.

Portanto, pelo que vi até o momento, em termos de dados, considerando a maior parte das métricas, dá para dizer que o MDB e o PSDB perderam prefeituras importantes, mas continuam sendo partidos muito relevantes na dinâmica política. PSDDemocratasProgressistas e Republicanos saem maiores; os três primeiros, sobretudo.

 

 

esquerda de modo geral sai enfraquecida e isso é bastante claro, especialmente no caso do PT, depois de anos de declínio. É importante ressaltar um processo de pulverização da política, que ficou mais marcado em 2020, porque os partidos maiores diminuíram e há um conjunto de partidos pequenos e médios disputando espaço, ou seja, a fragmentação partidária não diminuiu.

Na ciência política se discute bastante a alta fragmentação partidária dos legislativos brasileiros. Nos últimos anos houve vários esforços para tentar diminuir a fragmentação e um dos exemplos disso é o fim das coligações para eleições legislativas, que não parece ter tido o fim desejado. O fim das coligações foi um incentivo para que partidos lançassem candidatos próprios para puxar votos para suas bancadas. O fim das coligações para o legislativo pode ter aumentado a fragmentação no sentido de aumentar o número de candidatos para o executivo. De modo geral, a meu ver, temos um cenário de maior pulverização e fragmentação nos municípios maiores. É um cenário bastante incerto, com o crescimento moderado da centro-direita e do centro, mas não de todo o centro, já que PSDB e MDB saem menores.

 

Sergio Simoni – O determinante e a marca do segundo turno foram as avaliações que os eleitores fizeram dos atuais prefeitos e prefeitas e de ex-prefeitos que concorreram nessas eleições. As avaliações que as pessoas fizeram dos prefeitos acerca de suas ações e políticas foram determinantes para o voto, ainda mais num contexto de pandemia, em que o poder público ganhou mais importância e centralidade. Assim, no caso de capitais ou cidades onde houve segundo turno, os prefeitos que foram bem avaliados tiveram grande chance de reeleição ou de eleger seus sucessores; já aquelas cidades que tinham mandatários mal avaliados, tiveram mais dificuldades. Da mesma forma, ex-prefeitos que concorreram novamente e que haviam sido bem avaliados no passado, conseguiram ter boa votação e performance. 

Como você menciona na pergunta acerca do consenso dos analistas em relação à eleição de candidatos de centro-direita e aos ligados a pautas identitárias, acredito que os ligados a pautas identitárias e sociais foram eleitos para o legislativo, que é o locus onde se expressa a diversidade. Dado que no segundo turno só tivemos eleições para o executivo, os partidos de centro-direita continuaram fortes porque são partidos mais enraizados nos municípios, com estruturas mais antigas.

 

 

IHU On-Line – A partir do resultado das eleições deste ano, o que é possível vislumbrar para o pleito de 2022?

Altamir Tojal – Olhadas no horizonte de 2022estas eleições alimentam projeções, mas sempre com grande dose de incerteza. Mas vistas na perspectiva do que vem ocorrendo neste ano, elas podem apontar uma tendência mais segura com relação ao maior desafio político do país que é o futuro do projeto autoritário e destruidor do bolsonarismo. A atitude da sociedade, das instituições e da própria máquina do estado contrariou a posição negacionista de Bolsonaro na pandemia. A blitz contra o CongressoSTF e imprensa foi contida graças à mobilização da sociedade e à reação das instituições. Também houve recuo nos atos antidemocráticos e campanhas de fake news, que viraram caso de polícia. 

O presidente perdeu os seus ministros mais populares, Moro e Mandetta, e auxiliares militares, alguns dos quais passaram a criticá-lo. É verdade que avançou no controle da Polícia Federal e no aparelhamento de outros setores. Mas, há algumas semanas, o próprio comandante do Exército se manifestou contra a politização dos quartéis. Além disso, a derrota de Trump deixa Bolsonaro mais isolado no mundo e mostra o quanto é potente o voto democrático sustentado na mobilização da sociedade. Desde meados do ano, o presidente passou a se socorrer no velho Centrão, que foi um dos vencedores destas eleições e certamente vai vender cada vez mais caro o apoio ao governo e provavelmente não apostará numa investida autoritária de Bolsonaro. Além de ter recuado em várias frentes, o presidente continuará sob pressão das instituições pelas ações antidemocráticas, pela destruição ambiental, pelos desastres administrativos e também pelas acusações a seus filhos. Além disso, não parece ter respostas convincentes para a saída da crise social e econômica provocada pela pandemia.

 

Benedito Tadeu César – Um enfraquecimento do bolsonarismo. Ficou patente, no primeiro e no segundo turnos, a incapacidade de Bolsonaro de construir um partido que congregue os seus aliados. Eles estão pulverizados, não tem nada que os unifique e eles ficam à mercê da direita de negócios – me recuso a dizer que eles são centro-direita porque essa é uma direita de negócios. A direita de negócios não tem nem vai ter um candidato para 2022, porque ela é muito ruim em termos de propostas e projetos nacionais. Portanto, a direita vai se aliar àquele que, no âmbito da direita ou da centro-direita – estou pensando basicamente no PSDB e agregados –, conseguir aparecer como o mais viável na próxima eleição.

Ciro Gomes, que está tentando conquistar espaço nessa seara, poderá até vir a ser o escolhido por uma parte desses. Se Ciro se mostrar eleitoralmente viável, eles não terão problema em apoiá-lo, assim como fizeram com Lula em 2012. Eles são partidos de negócios e vão continuar fazendo negócios.

 

 

Fábio Lacerda – A meu ver, Bolsonaro continua sendo o principal competidor. Estou dizendo isso tentando ser o mais frio e objetivo possível. Se ele mantiver uma postura pragmática ou tentar ser mais pragmático, hoje, dado o que temos em termos de evidências e do que está posto, ele pode se reeleger em 2022. É claro que os índices de aprovação dele não são muito altos: ele tem uma rejeição razoável e poderia, em tese, em 2022, ser derrotado por uma coalização ampla anti-bolsonarista. Mas isso é na teoria, porque é muito difícil coordenar uma possível coalizão nesse sentido; há muitos problemas aí. Assim como em 2018 não houve coordenação, não é certo que ela ocorrerá em 2022. Só para dar um exemplo do que quero dizer: é difícil colocar a esquerda e o lavajatismo em uma mesma coalizão política contra Bolsonaro. Seria improvável esses atores concordarem a ponto de ficarem juntos.

 

 

Mas, ao menos na teoria, também sabemos que os prefeitos costumam atuar como cabos eleitorais dos candidatos e, então, tivemos um crescimento da centro-direita. Se ela se aproximar do governo e estiver com o governo em 2022, isso poderia ser uma vantagem para Bolsonaro. Mas aí teríamos que entender até que ponto um partido como o Democratas ou mesmo o PSD teriam interesse em apoiar Bolsonaro em 2022. Esses partidos, e o que a mídia por vezes chama de Centrão, têm se aproximado do Bolsonaro, mas nem todos. É uma situação incerta.

 

Sergio Simoni – As relações entre as eleições municipaisestaduais e nacionais são muito indiretas e têm muitas mediações. De todo modo, acredito que a marca que vai determinar a eleição de 2022 será a avaliação das pessoas sobre o que os governos estão fazendo e o que eles deveriam fazer e, dessa forma, vão decidir o seu voto. Esse componente estava muito prejudicado na eleição de 2018, dada a grande crise dos partidos depois da Lava Jato e a situação pós-impeachment. Mas essas questões vão se assentando e as pessoas vão avaliar o que o governo está fazendo e, a partir disso, vão decidir premiá-lo ou puni-lo. Portanto a avaliação das ações do que o governo está entregando é o que vai ser importante para 2022.

 

IHU On-Line – Quais são as saídas para as mazelas sociais que temos no Brasil, para além da política como a conhecemos? Como vê a proposta de teóricos, como o francês Gaël Giraud, que sugerem uma conversão espiritual e política para realmente transformar as instituições sociais que precisam ser modificadas?

Altamir Tojal – A pandemia é um acontecimento de escala planetária que nos acerca mais da morte e do medo. Talvez não seja lembrada por ter trazido novas mazelas sociais, mas por ter agravado as que já existiam, provocadas pela desigualdade, injustiça e egoísmo. Embora lideranças e a parte da sociedade que as acompanham sigam entrincheiradas na defesa de privilégios, no negacionismo e no obscurantismo, é possível que o vírus tenha levado mais pessoas a enxergarem a insustentabilidade de padrões de consumo, da nossa relação com a natureza e dos rumos da tecnologia e da riqueza que ela produz. O vírus também está mostrando a interdependência e complementaridade do público e privado, o lugar do comum e a importância das redes de solidariedade. Devemos torcer para que isso corresponda a uma sincera e duradoura conversão espiritual e leve a ações políticas transformadoras que passem pela defesa da democracialiberdade à circulação das pessoasdefesa do meio ambiente e garantia de renda básica.

 

 

Benedito Tadeu César – Não conheço a bibliografia de Giraud, mas no mundo todo está crescendo o que se chama de economia verde, não consumista e também a proposta de uma desindustrialização para as regiões mais desenvolvidas. Se não houver uma revisão na obsessão de consumo, na concentração de renda, na desregulamentação do trabalho, no desmonte do Estado e na especulação financeira, estaremos construindo o caos. Então, vai precisar, sim, de uma mudança profunda na organização econômica e isso será produto – e essa é uma relação dialética – da nova postura das pessoas. Quanto tempo isso demorará para acontecer, qual será a profundidade disso? É difícil de imaginar e de ter receitas.

A ciência é muito ruim para fazer previsão. A ciência trabalha com evidências, mas a realidade social é muito mais rica do que a nossa capacidade de apreendê-la. Portanto, temos muito mais capacidade de entender aquilo que aconteceu do que prever o que vai acontecer. Por isso é bom estudarmos história, porque ela nos dá condições de evitar os erros passados e a não prever o futuro. Se formos pensar historicamente, existem momentos de caos no mundo e isso é perceptível em todas as vezes em que nos séculos XIX e XX ocorreram grandes concentrações de riqueza como estamos vivendo hoje, com aumento da miséria, agravada pela crise ambiental. Alguma coisa vai ter que acontecer e será muito bom se isso que acontecer implicar também numa conversão espiritual e política.

 

Fábio Lacerda – Temos que lembrar qual é a estrutura e a gênese do Brasil. A formação do país é marcada pela desigualdade e pela violência, ou seja, pela escravidão. Não dá para esperarmos que o Brasil seja hoje uma Noruega ou vá se tornar uma Noruega nos próximos anos. Se alguém espera isso, é uma expectativa irreal. Mas dada essa gênese, dá para avançarmos e melhorarmos de forma gradual. A Nova República foi marcada por um considerável avanço e melhora – não podemos perder isso de vista. O período que vai da Constituição de 1988 até 2018 foi um período de avanço considerável. Pode ser menos do que todos nós gostaríamos, mas foi um avanço.

Brasil é um país muito desigual. É trivial e óbvio dizer isso, mas, ao mesmo tempo, parece necessário lembrar essa questão. Em países tão desiguais, sempre haverá muitos indivíduos interessados em votar em partidos com propostas redistributivas mais fortes, como os de esquerda. Vivemos numa situação tal, que se pensarmos em termos econômicos, a mediana dos rendimentos da população está muito à esquerda da média dos rendimentos, ou seja, existem muitas pessoas para quem a redistribuição da renda será benéfica e, enquanto uma situação como essa perdurar, partidos de esquerda vão ter votos porque defendem uma proposta redistributiva mais forte. Claro que não é só isso que conta, mas conta bastante.

O avanço da Nova República pós-88 acabou e estamos passando por um processo de erosão democrática notada por vários pesquisadores e institutos que medem a democracia no mundo. Certamente algumas das variáveis que explicam esse fenômeno são exógenas ou externas e não dizem respeito somente ao Brasil. É claro que devem estar impactando outros países, mas há aspectos da realidade brasileira para os quais temos que atentar. Nesse sentido, temos que voltar ao processo de expansão democrática, de redução das desigualdades e isso exige mudança institucional.

 

 

Existem muitas pesquisas em ciência política e em economia política que sugerem o que podemos e precisamos fazer, além de um debate teórico que precisa ser feito. Entre algumas das mudanças institucionais que parecerem relevantes, menciono a necessidade de diminuir o custo das campanhas eleitorais. Esse é um problema que assolou os grandes partidos brasileiros porque o financiamento de campanha acabou sendo um dos aspectos que atingiu duramente PT e PSDB, que eram os partidos que encabeçavam a dinâmica política no Brasil e que estruturavam a política, sobretudo o PT. Um dos baques que o PT sofreu foi o do financiamento das campanhas.

Também é importante estabelecer tetos maiores para o autofinanciamento dos candidatos. Em 2018, com a proibição do financiamento empresarial de campanhas, vimos candidatos com muitos recursos se autofinanciando de formas desiguais. Então, fornecer tetos maiores para o autofinanciamento e incentivar o financiamento feito por pessoa física, com um teto rigoroso, mas que seja pulverizado para que muitos cidadãos possam financiar candidatos e partidos, parece algo desejável. Democratizar os partidos brasileiros também é fundamental, porque eles ainda são pouco transparentes e democráticos. Além disso, é importante avançar em políticas redistributivas.

Com relação à segunda parte da questão, conheço, mas não tanto, a produção de Gaël Giraud. O que posso dizer é que sou católico praticante e acredito profundamente na necessidade de uma conversão espiritual, mas, para efeitos práticos, se é para ela ter efeitos políticos e sociais, é preciso passar, necessariamente, por mudanças institucionais. Temos que alterar os incentivos dos atores, criar uma estrutura de incentivos que contribua na linha das coisas que mencionei: tornar campanhas mais baratas, entre outras coisas, e democratizar os partidos. A dimensão espiritual tem que ser transformada, de alguma forma, em mudanças institucionais de longo prazo e que perdurem.

 

Sergio Simoni – Não conheço a obra desse teórico, mas acredito que a política é uma expressão bastante genuína do ser humano e ela expressa nossas virtudes e defeitos. A política consegue avançar muito, mas, de fato, ela não consegue tudo, porque uma  parte importante da solução para as mazelas sociais que existem não só no Brasil, mas em qualquer país, exige conversões e mudanças de pensamento que não têm relação direta com a política.

 

 

Se pensarmos a política num sentido amplo, aí sim, podemos abarcar essas conversões, mas pensando a política num sentido restrito, que diz respeito aos partidos, aos políticos profissionais e ao Estado, ainda que tenham muita influência, eles têm um limite para enfrentar essas mazelas. Nesse sentido, outras instituições e dimensões que abarcam as pessoas, particularmente as dimensões espirituais e educacionais, são importantes para fazer essas transformações, mas elas exigem tanto ou até mais esforço e cuidado para fazer a coisa certa, porque também nesse âmbito é possível ter muitos problemas.

Em síntese, diria que a política pensada num sentido restrito, como governo, tem um impacto muito grande nas mazelas sociais, mas é limitada. Esse impacto pode ser reforçado tanto para o bem quanto para o mal, tendo em vista as outras dimensões que conformam as mentes e o comportamento das pessoas, e isso tem a ver com essa dimensão espiritual que você menciona.

 

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fonte: http://www.ihu.unisinos.br/605149-eleicoes-2020-o-cansaco-da-polarizacao-e-o-crescimento-da-fragmentacao-algumas-analises


Católicos decidem no Rio e evangélicos em São Paulo e Recife. Artigo de José Eustáquio Diniz Alves

José Eustáquio Diniz Alves

segundo turno das eleições municipais de 2020 terminou neste domingo, dia 29 de novembro. Ainda é cedo para se fazer uma análise mais completa, mas os números abaixo objetivam fazer uma breve análise preliminar da intenção de voto, por religião, em 3 capitais. A pauta religiosa teve bastante destaque em 2020, indicando um certo enfraquecimento do Estado laico.

O comentário é de José Eustáquio Diniz Alves, doutor em demografia e pesquisador titular da Escola Nacional de Ciências Estatísticas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – ENCE/IBGE, em artigo publicado por EcoDebate, 30-11-2020.

Na cidade do Rio de Janeiro, o Instituto Datafolha indicou uma intenção de voto de 55% para Eduardo Paes (DEM), 23% para Marcelo Crivella (Republicanos) e 23% de votos nulo, branco e não sabe (pesquisa realizada nos dias 24 e 25 de novembro). O Datafolha não indicou o percentual de votos de outras religiões e de sem religião. Mas o quadro é claro, pois Eduardo Paes ganha em todos os grupos religiosos, menos evangélicos, tendo uma grande diferença de intenção de votos entre os católicos. Já Crivella tinha a preferência dos votos evangélicos.

Neste quadro, pode-se dizer que os evangélicos perderam as eleições e os católicos ganharam (junto com outros grupos religiosos e sem religião). O bispo Crivella, totalmente identificado com a Igreja Universal, jogou todas as suas fichas no discurso do fundamentalismo religioso e foi derrotado, embora o candidato vencedor também tenha feito um discurso contra a “ideologia de gênero”, contra a “legalização do aborto”, etc. Desta forma, tanto o presidente Bolsonaro, quanto a esquerda perderam na “Cidade Maravilhosa”.

Rio de Janeiro tem uma população 6,75 milhões de habitantes em 2020 e o eleitorado total de 4,85 milhões de pessoas, representando 71,9% da população total. O resultado divulgado pelo TSE registrou a vitória de Eduardo Paes, com 64,1% dos votos válidos e Marcelo Crivella com 35,9%. Mas, considerando o total de 4,85 milhões de eleitores potenciais, Paes foi eleito com 33,6% e considerando toda a população teve 24,1%. O que chama a atenção no Rio é que as abstenções chegaram ao número de 1,7 milhão (mais que os votos de Eduardo Paes) e representando 35,5% do eleitorado e 25,5% da população. Os votos não válidos chegaram a 47,6% do eleitorado e a 34,2% da população.

Em São Paulo, o Instituto Datafolha indicou uma intenção de voto de 47% para Bruno Covas (PSDB), 40% para Guilherme Boulos (PSOL) e 13% de votos nulo, branco e não sabe (pesquisa realizada nos dias 24 e 25 de novembro). Bruno Covas ganha em todos os grupos religiosos, tendo a maior diferença de intenção de votos entre os evangélicos. Assim, o voto religioso, no geral, foi importante para o resultado final, em especial o voto evangélico.

Mais uma vez o presidente Bolsonaro foi o grande derrotado e Guilherme Boulos saiu fortalecido, particularmente, no campo da esquerda.

São Paulo tem uma população 12,3 milhões de habitantes em 2020 e o eleitorado total de 8,99 milhões de pessoas, representando 72,9% da população total da cidade. O resultado divulgado pelo TSE registrou a vitória de Bruno Covas, com 59,4% dos votos válidos e Guilherme Boulos com 40,6%. Mas, considerando o total de 8,99 milhões de eleitores potenciais, Covas foi eleito com 35,3% e considerando toda a população teve 25,7%. Em São Paulo as abstenções ficaram em 2,77 milhões, representando 30,8% do eleitorado e 22,5% da população. Os votos não válidos chegaram a 40,6% do eleitorado e a 29,6% da população.

Em Recife o Instituto Datafolha indicou uma intenção de voto de 43% para Marília Arraes (PT), 40% para João Campos (PSB) e 17% de votos nulo, branco e não sabe (pesquisa realizada nos dias 24 e 25 de novembro). Marília Arraes ganhava entre os católicos e espíritas e João Campos entre os evangélicos. Mas tudo indica que João Campos deve ter virado entre os católicos e ampliado a vantagem entre os evangélicos.

Assim como no Rio de Janeiro e em São Paulo, o presidente Bolsonaro foi o grande derrotado em Recife. O racha entre o PT e o PSB em Pernambuco pode prejudicar a possibilidade de uma frente de esquerda em 2022.

Recife tem uma população 1,65 milhão de habitantes em 2020 e um eleitorado total de 1,16 milhão de pessoas, representando 70% da população total da cidade. O resultado divulgado pelo TSE registrou a vitória de João Campos, com 56,3% dos votos válidos e Marília Arraes com 43,7%. Mas, considerando o total de 1,16 milhão de eleitores potenciais, João Campos foi eleito com 38,7% e considerando toda a população teve 27,1%. Em Recife as abstenções ficaram em 246 mil, representando 21,3% do eleitorado e 14,9% da população. Os votos não válidos chegaram a 31,2% do eleitorado e a 21,9% da população.

As 3 capitais analisadas possuem uma composição bastante diversa nas forças políticas que disputaram as eleições 2020. O voto religioso foi importante nas 3 cidades, mas de forma diferenciada. No Rio de Janeiro, o voto evangélico foi fundamental para colocar Marcelo Crivella no segundo turno, mas ficou isolado para a votação de 29/11 e o voto católico foi direcionado em peso para Eduardo Paes.

Em São PauloBruno Covas ganhou entre católicosespíritas e principalmente entre os evangélicos, o que explica a margem maior de votos do que o indicado nas pesquisas. Em Recife, o resultado das urnas foi diferente do que indicado nas pesquisas e tudo indica que o voto evangélico foi muito importante no resultado final na capital de Pernambuco.

Brasil está passando por uma transição religiosa, com redução do percentual dos católicos, aumento do percentual de evangélicos, mas também aumento das pessoas que se autodeclaram sem religião. Ao mesmo tempo, o Estado Laico está sendo ameaçado pelas forças teocráticas.

Porém, artigo de Damian Ruck et al. (18 julho de 2018), “Religious change preceded economic change in the 20th century”, mostra que o enfraquecimento do Estado laico só compromete a perspectiva de desenvolvimento socioeconômico e o avanço do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH).

De fato, não há exemplos de nações que se enriqueceram e avançaram em termos científicos e tecnológicos com base na imposição de dogmas religiosos rígidos, qualquer que seja a religião. A separação entre Estado e Religião é essencial para o futuro do país.

Referências:

ALVES, J.E.D, CAVENAGHI, S, BARROS, LFW, CARVALHO, A.A. Distribuição espacial da transição religiosa no Brasil, Tempo Social, revista de sociologia da USP, v. 29, n. 2, 2017, pp: 215-242. Disponível aqui.

ALVES, J.E.D. A menor influência da religião é essencial para o desenvolvimento econômico, Ecodebate, 21/12/2018. Disponível aqui.

Damian Ruck et al. Religious change preceded economic change in the 20th century, Science Advances, Vol. 4, no. 7, 18 Jul 2018. Disponível aqui.

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Um primeiro balanço das eleições 2020. Artigo de Rudá Ricci

 

É possível afirmar que o eixo da política nacional se alterou nesta eleição que acaba de terminar. Do extremismo de direita para o centro-direita, do lulismo para a pluralidade do campo de centro-esquerda, do eterno comando masculino para as novidades femininas, escreve Rudá Ricci, presidente do Instituto Cultiva

Eis o artigo.

No Brasil, país latino, o esporte é a aposta. Um movimento infantil, de autoafirmação, em que se pretende vender a imagem de adivinho. Algo intrigante, dado que se o apostador perde, mergulha na penumbra do esquecimento. Se vence, gera uma ou outra surpresa até fazer a aposta errada. Algo muito similar com as apostas feitas em casas lotéricas. De tempos em tempos, aparece um vitorioso que leva milhões e que, meses depois, mergulha no anonimato e a vida segue adiante.

Nessas eleições de 2020, tivemos muitos apostadores. Alguns conseguiram lograr êxito. Muitas vezes, acertaram por vias absolutamente tortas. A palavra que define essas eleições não é derrota, nem mesmo vitória, mas transição. Uma transição de uma decisão que tinha se formado entre 2016 e 2018 e que, agora, parece se dirigir ao lado oposto. Aliás, a decisão de 2016 já tinha cravado uma mudança importante em relação ao que o eleitor médio havia decidido desde 2002. Se há algo, então, a apostar é que não há o que apostar. O eleitor caminhou do lulismo – refutando os candidatos de centro-direita – para o bolsonarismo, os outsiders de extrema-direita e os candidatos-empresários apolíticos para, agora, cravar no centro-direita, no tradicional, no conhecido.

Este eleitor impôs efetivamente uma derrota à centroesquerda ou à extremadireita? Ou, ainda, o eleitor definiu efetivamente o rumo da política nacional ou ainda toma fôlego e analisa o caminho mais adequado?

O eleitor médio, sabemos, é desconfiado. Amarga uma vida difícil no sétimo país deste planeta em desigualdade social. Uma desigualdade histórica, que marca a pele de sua família como o ferro ardente marcava a pele de escravos. Ele trabalha, se esforça, engole seco, mas um ou outro consegue superar a barreira da pobreza e da marginalidade. Este eleitor médio se projeta em uma ou outra celebridade – já que não vê muitas possibilidades de superar seu carma social por suas próprias forças e iniciativas -, algumas vezes procura um pai que o valorize e dê guarida, mas, não tem muita fé que pela política se saia do jogo das elites, o jogo da perpetuação da desigualdades social que mais parece um estamento, uma sociedade organizada em castas. Então, a primeira palavra é transição.

Uma transição que foi do lulismo à extremadireita. O eleitor parece esgotado e fincou o voto no já conhecido. E, convenhamos, conhecido na política brasileira é o centro-direita, a ARENA. Práticas clientelistas, um certo toque de populismo, muito fisiologismo e certa caridade. Estes são os ingredientes do já conhecido. Não deve animar muito o eleitor. Mas, ao menos não ingressa em aventuras que o leva à esperança para, logo adiante, se frustrar. Prefere tentar a sorte naquela velha sequência de números que joga há décadas na casa lotérica da esquina. Não dá em nada, mas, talvez dê.

A transição fez a roleta parar no centro-direita. Isso é certo. O PSDB governará para 16% da população brasileira e o MDB, para 12%. Em seguida, aparecem DEM (governará para 11,5% dos brasileiros) e PSD (10,3%), PP (7,7%), PDT (5,1%), PL (4,2%), PSB (3,8%), Republicanos (3,5%), Podemos (2,8%), PT (2,6%) e Cidadania (2%), lista que totaliza pouco mais de 80% da população nacional.

A lista revela que os partidos de centro-direita se saíram bem. Os candidatos bolsonaristas e o centroesquerda não colheram frutos em abundância. Mas, isso não garante vida fácil para o centro-direita daqui por diante. Afinal, estamos falando de uma foto de momento. O eleitor está se movendo, mudando de posição desde 2002, quando rompeu com a “opinião pública”, este conceito anglo-saxão e liberal em que se acreditava que o eleitor médio votaria com a classe média, os verdadeiros formadores de opinião. O eleitor médio brasileiro, em 2002, apostou em algo diferente. O problema é que o vencedor insistiu em trazer o centrodireita para o centro do governo, no caso, o governo lulista. O lulismo deu vida e viço ao centro-direita que, agora, está novamente no centro do poder: pelas mãos dos militares bolsonaristas que os convidaram a governar com Jair, mas, também, pelo voto das eleições municipais.

Enfim, o centro-direita se valeu de mais uma mudança de posição do eleitor

Mas, o que aconteceu com o centroesquerda? Sugiro que vive uma transição própria. Mais uma.

Primeira transição do centro-esquerda: o PT perde a hegemonia neste campo político-ideológico. Agora, está mais plural. PSOLPSB e PDT se fortaleceram. PT e PCdoB diminuíram de tamanho, o que nos levaria à uma segunda hipótese: no centro-esquerda, quem perdeu foi o lulismo, os partidos deste campo ideológico que mais se identificaram com o lulismo.

Contudo, houve uma segunda transição: as estrelas foram as mulheresBoulos saiu destas eleições como a nova estrela do centro-esquerda nacional. Mas, esteve ao lado de Erundina. Em Porto Alegre, brilhou a estrela de Manuela. Em Recife, de Marília. Em Minas, duas vereadoras eleitas pelo PT e duas prefeitas neste segundo turno (de um total de 4 que o PT conseguiu eleger neste segundo turno). Em Minas Gerais, o sinal parece ter sido mais claro: as duas prefeitas eleitas não são da corrente majoritária do PT, não são da corrente de Lula.

Houve, ainda, uma inovação no campo de centro-esquerda para as eleições parlamentares. E esta inovação já começa a render uma articulação nacional multipartidária: a covereança. Também denominadas de candidaturas coletivas, trata-se do registro de uma candidatura que, na verdade, se apoia em vários covereadores que fazem campanha em seu nome – ou no nome da covereança -, em territórios próprios, a partir das pautas que cada covereador defende ao longo de sua militância: direitos LGBT, direitos da mulher, transporte público, educação, SUS, antirracismo, a agenda se multiplica em mosaico e os eleitores elegem um colegiado que tem a sua cara. Quem liderou as dezenas de candidaturas deste tipo novo? Mulheres.

A transição que se apresentou em 2020, portanto, tem camadas.

Não se trata de aposta num futuro incerto. Também é cedo para se falar em tendência. Mas, é possível afirmar que o eixo da política nacional se alterou nesta eleição que acaba de terminar. Do extremismo de direita para o centro-direita, do lulismo para a pluralidade do campo de centro-esquerda, do eterno comando masculino para as novidades femininas.

Olhando rapidamente, a paisagem parece cinza, a cor do centro-direita. Mas, se ajustarmos o foco, veremos mais cores do que a grande imprensa se esforça para encobrir.

fonte: http://www.ihu.unisinos.br/605155-um-primeiro-balanco-das-eleicoes-2020-artigo-de-ruda-ricci

 

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