Sociedade enojada do judiciário machista e abusador. Caso do “estupro culposo”

JULGAMENTO DE INFLUENCER MARIANA FERRER TERMINA COM SENTENÇA INÉDITA DE ‘ESTUPRO CULPOSO’ E ADVOGADO HUMILHANDO JOVEM

Imagens inéditas da audiência mostram defesa do réu usando fotos sensuais da jovem para questionar acusação de estupro.

   

Gilmar Mendes @gilmarmendes – Twitter

As cenas da audiência de Mariana Ferrer são estarrecedoras. O sistema de Justiça deve ser instrumento de acolhimento, jamais de tortura e humilhação. Os órgãos de correição devem apurar a responsabilidade dos agentes envolvidos, inclusive daqueles que se omitiram.

https://www.youtube.com/watch?v=X–JAQShBBw&feature=youtu.be

 

NA SEGUNDA SEMANA de setembro, a hashtag #justiçapormariferrer alcançou aos trend topics do Twitter. O motivo: chegava ao fim o julgamento do empresário André de Camargo Aranha, acusado de estuprar a jovem promoter catarinense Mariana Ferrer, de 23 anos, durante uma festa em 2018. Ele foi considerado inocente.

Segundo o promotor responsável pelo caso, não havia como o empresário saber, durante o ato sexual, que a jovem não estava em condições de consentir a relação, não existindo portanto “intenção” de estuprar. Por isso, o juiz aceitou a argumentação de que ele cometeu “estupro culposo”, um “crime” não previsto por lei. Como ninguém pode ser condenado por um crime que não existe, Aranha foi absolvido.

A excrescência jurídica, até então inédita, foi a cereja do bolo de um processo marcado por troca de delegados e promotores, sumiço de imagens e mudança de versão do acusado. Imagens da audiência as quais o Intercept teve acesso mostram Mariana sendo humilhada pelo advogado de defesa de Aranha. 

A defesa do empresário mostrou cópias de fotos sensuais produzidas pela jovem enquanto modelo profissional antes do crime como reforço ao argumento de que a relação foi consensual. O advogado Cláudio Gastão da Rosa Filho analisou as imagens, que definiu como “ginecológicas”, sem ser questionado sobre a relação delas com o caso, e afirma que “jamais teria uma filha” do “nível” de Mariana. Ele também repreende o choro de Mariana: “não adianta vir com esse teu choro dissimulado, falso e essa lábia de crocodilo”.

A jovem reclamou do interrogatório para o juiz. “Excelentíssimo, eu tô implorando por respeito, nem os acusados são tratados do jeito que estou sendo tratada, pelo amor de Deus, gente. O que é isso?”, diz. As poucas interferências do juiz, Rudson Marcos, da 3ª Vara Criminal de Florianópolis, ocorrem após as falas de Gastão. Em uma das situações, o juiz avisa Mariana que vai parar a gravação para que ela possa se recompor e tomar água e pede para o advogado manter um “bom nível”.

Apesar do processo correr em segredo de justiça, foi a própria Mariana que tornou seu caso público pelas redes sociais, em maio de 2019. Segundo ela, foi uma forma de pressionar a investigação que considerava parada devido à influência de Aranha. Filho do advogado Luiz de Camargo Aranha Neto, que já representou a rede Globo em processos judiciais, Aranha é empresário de jogadores e é visto com frequência ao lado de figuras como o ex-jogador de futebol Ronaldo Nazário e Gabriel Jesus. Na festa em que Mariana afirma ter sido estuprada, por exemplo, ele estava acompanhado de Roberto Marinho Neto, um dos herdeiros da Globo.

O perfil de Mariana no Instagram, em que ela compartilhava detalhes do caso, foi removido pela rede social em agosto deste ano. Na ocasião, a página contava com mais de 850 mil seguidores. Pelo Twitter, ela compartilhou um print em que a plataforma justifica que a conta foi removida “devido a um processo judicial”. Segundo Mariana, Aranha teria solicitado a remoção do conteúdo na justiça.

Aranha é defendido no processo por Cláudio Gastão da Rosa Filho, um dos advogados mais caros de Santa Catarina. Ele já representou Olavo de Carvalho em uma ação movida contra o historiador Marco Antonio Villa e chegou a defender a ativista antiaborto Sara Winter quando ela foi presa pela Polícia Federal por manifestações contra o STF.

O estupro, segundo Mariana, teria ocorrido na noite de 15 de dezembro de 2018, na festa de abertura do verão Music Sunset do beach club Café de la Musique, em Jurerê Internacional, em Florianópolis, praia conhecida por ser point de ricos e famosos. Os ingressos para os eventos no local variam entre R$ 100 e R$ 1,5 mil, dependendo da festa. O passaporte de acesso aos camarotes pode custar muito mais.

Mariana, na ocasião com 21 anos, trabalhava como promotora do evento, responsável por divulgar a festa nas redes sociais. Um vídeo, que mostra Mariana grogue subindo uma escada com a ajuda de Aranha em direção a um camarim restrito da casa, foi vazado na internet. Eles sobem os degraus às 22h25. Seis minutos depois, ela desce, seguida de Aranha. A polícia só solicitou o material de forma oficial ao beach club meses depois do início das investigações, e a boate alegou que o dispositivo de armazenamento exclui as imagens após quatro dias. Por isso, apesar de a boate ter 37 câmeras de segurança, não foi possível recuperar imagens do resto da noite. Mesmo assim, o vídeo vazado na internet foi incluído no processo.

Em seu depoimento à polícia, Mariana afirmou que teve um lapso de memória entre o momento em que uma amiga a puxou pelo braço e a levou para um dos camarotes do Café em que o empresário Aranha estava e a hora em que “desce uma escada escura”. Ela acredita ter sido dopada. A única bebida alcoólica anotada na comanda do bar em seu nome foi uma dose de gim. Mariana era virgem até então, o que foi constatado pelo exame pericial.

Tanto a virgindade dela quanto a sua manifestação nas redes sociais foram usadas pelo advogado do empresário, que alega que ela manipulou os fatos. “Tu vive disso? Esse é teu criadouro, né, Mariana, a verdade é essa, né? É teu ganha pão a desgraça dos outros? Manipular essa história de virgem?”, disse Cláudio Gastão durante a audiência de instrução e julgamento.

Como ‘estupro de vulnerável’ virou ‘estupro culposo’

Em julho de 2019, o primeiro promotor a assumir o caso, Alexandre Piazza, denunciou André de Camargo Aranha por estupro de vulnerável, quando a vítima está sob efeito de álcool ou de algum entorpecente e não é capaz de demonstrar consentimento ou de se defender. Ele também pediu a prisão preventiva de Aranha, aceita pela justiça e depois derrubada em liminar na segunda instância pela defesa do empresário. Aranha cumpriu apenas medidas cautelares como a apreensão do passaporte.

Na denúncia a que tivemos acesso, Piazza considerou como prova o material genético colhido na roupa de Mariana e um copo no qual Aranha bebeu água durante interrogatório na delegacia. O promotor também levou em conta “as mensagens desconexas encaminhadas pela vítima aos seus colegas” após descer as escadas do camarim onde o crime ocorreu, além dos depoimentos de Mariana, de sua mãe e do motorista de Uber que a levou até em casa.

Luciane Aparecida Borges, a mãe de Mariana, contou ter sentido um cheiro forte de esperma quando a filha chegou em casa após a festa. Segundo ela, Mariana não costumava beber e nunca havia chegado em casa naquele estado. O motorista citado pelo promotor na denúncia disse que a jovem passou a viagem chorando e falando com a mãe ao telefone. Para ele, ela parecia estar sob o efeito de drogas.

Também foram anexados ao processo áudios enviados por Mariana a pelo menos três amigos após descer as escadas do camarim. Em um deles, ela diz: “amiga, pelo amor de Deus, me atende, eu tô indo sozinha, não aguento mais esse cara do meu lado, pelo amor de Deus”. O promotor pediu ainda que fosse averiguada a conduta do primeiro delegado que atendeu a ocorrência e não solicitou as imagens das 37 câmeras de segurança do clube.

O entendimento do Ministério Público sobre o que aconteceu naquela noite, porém, mudou completamente na apresentação das alegações finais. O promotor Piazza deixou o caso para, segundo o MP, assumir outra promotoria, e quem pegou o processo foi Thiago Carriço de Oliveira. É nas alegações finais de Oliveira que aparece a tese do estupro “sem intenção”.

Para o novo promotor, não foi possível comprovar que Mariana não tinha capacidade para consentir com o ato sexual, desqualificando assim o crime de estupro de vulnerável descrito na denúncia pelo seu colega. Ele se baseia principalmente nos exames toxicológicos que não reconheceram nem álcool nem drogas no sangue de Mariana naquela noite e na aparente sobriedade indicada pela postura de Mariana ao sair do Café de la Musique e se deslocar até outro beach club em busca das amigas captada pelas câmeras da rua, da Polícia Militar.

No seu primeiro depoimento, em maio de 2019, ainda na delegacia, André de Camargo Aranha negou que tivesse tido contato com Mariana. No ano seguinte, quando prestou depoimento em juízo, mudou sua versão e afirmou ter feito apenas sexo oral nela.

Segundo o empresário, Mariana teria se aproximado dele no momento em que ele foi pagar a conta no bar e teria feito um carinho em seu cabelo. Em seguida, segundo Aranha, ela teria pedido para ir ao banheiro – momento em que subiram as escadas para usar o banheiro do camarim restrito. Ele teria então feito sexo oral e logo deixado o local por decisão de Aranha.

Ao aceitar o pedido de absolvição, o juiz Rudson Marcos concordou com a tese do promotor e afirmou que é “melhor absolver 100 culpados do que condenar um inocente”. A defesa de Mariana recorreu da decisão.

Filho do advogado Luiz de Camargo Aranha Neto, que já representou a rede Globo em processos judiciais, Aranha é empresário de jogadores e é visto com frequência ao lado de figuras como o ex-jogador de futebol Ronaldo Nazário e Gabriel Jesus.

 

Foto: Reprodução

Para a promotora Valéria Scarance, coordenadora do Núcleo de Gênero do Ministério Público de São Paulo, a tese jurídica da condição “culposa” para casos de estupro abre precedente para dificultar a demonstração desses crimes. Ela destaca que os tribunais costumam ter posicionamento firme pela consideração da palavra da vítima como prova de estupro e que os laudos periciais desses casos costumam ser negativos porque os vestígios desaparecem em poucas horas. Ela avalia que o rompimento do hímen e a presença de esperma, detectados pelo exame de corpo de delito, porém, são provas contundentes. “Denunciei centenas de processos de estupro, mas em nenhum dos meus casos me deparei com uma alegação como essa, é bastante diferente do que acontece nos processos de estupro”.

A delegada Bárbara Camargo Alves, da Casa da Mulher Brasileira de Campo Grande, considera a tese de estupro culposo perigosa, uma vez que esses crimes costumam ocorrer entre quatro paredes e a única prova acaba sendo a palavra da vítima. “[A tese] está dando para o homem o ensinamento diverso daquele que a gente está tentando mostrar, de que não é não. Se a pessoa não está completamente capacitada para consentir, ele não deve manter a relação sexual. E não importa se ela está bêbada porque quis se embriagar ou porque foi dopada. Não é esse o tipo de resposta que a gente espera do poder Judiciário. Se não tem como provar que ele sabia ou não que ela estava bêbada, vai absolver?”, disse.

Conversei com a OAB de Santa Catarina, que confirmou que teve acesso à cópia do processo judicial e informou que oficiou o advogado Cláudio Gastão da Rosa Filho para que preste esclarecimentos sobre sua conduta na audiência do caso. A instituição não deu mais detalhes porque o processo ético disciplinar corre em sigilo e qualquer divulgação de informação pode anular o procedimento. Ao ser questionado sobre suas ações durante o interrogatório, o advogado informou que não iria comentar um processo sob segredo de justiça, “principalmente em face de indagações descontextualizadas que revelam má fé e parcialidade”.

O Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos também disse que remeteu ofícios às corregedorias do Tribunal de Justiça de Santa Catarina e do Ministério Público de Santa Catarina, à Ordem dos Advogados do Brasil, Conselho Nacional de Justiça e Conselho Nacional do Ministério Público para que esses órgãos investigassem as condutas dos profissionais que estavam presentes na audiência. O Conselho Nacional do MP, o Conselho Nacional de Justiça e o Tribunal de Justiça catarinense, porém, afirmam não ter recebido nenhuma notificação ou denúncia sobre o caso.

 

ENTRE EM CONTATO:

Schirlei Alves

Schirlei Alvesschirleialves@​gmail.com@schirlei_alves

 

fonte: https://theintercept.com/2020/11/03/influencer-mariana-ferrer-estupro-culposo/

 

CASO MARI FERRER

Juízo sobre estupro repete fórmula de humilhar vítima para desqualificá-la, e juiz pode ter sentença anulada

CNJ e CNMP irão investigar atuação de magistrado e promotor que permitiram ataques grosseiros e misóginos de advogado em audiência sobre caso Mariana Ferrer

A procuradora federal aposentada Deborah Duprat.
A procuradora federal aposentada Deborah Duprat.LUIZ SILVEIRA/AGÊNCIA CNJ.
 
 

Fotos sensuais em posições ”ginecológicas.” “Choro e lábia de crocodilo.” “Peço a Deus que meu filho não encontre uma mulher como você.” “É seu ganha pão a desgraça dos outros. Manipular essa história de virgem.” As frases grosseiras e humilhantes saíram da boca do advogado Cláudio Gastão da Rosa Filho dirigindo-se a Mariana Borges Ferreira, conhecida como Mari Ferrer, em pleno julgamento online sobre a acusação feita pela jovem de 23 anos contra o empresário André de Camargo Aranha. Mariana foi à delegacia denunciar Aranha por estupro. O caso teria ocorrido dentro de uma boate em que ela trabalhava como promotora de eventos em Florianópolis, em 15 de dezembro de 2018. Mariana era virgem até então.

O caso foi para o tribunal. É durante essa audiência que Rosa Filho destilou o rosário corrosivo para descaracterizar a jovem, seguindo a inércia conhecida por todas as mulheres. A cena do tribunal, divulgada pelo The Intercept Brasilfica ainda mais grotesca ao se perceber que Mariana estava só diante de dois outros representantes do Judiciário que podiam, ao menos, ter protestado para que o advogado se ativesse aos autos. Palavras amenas do promotor de Justiça Thiago Carriço de Oliveira e o juiz Rudson Marcos, da 3ª Vara Criminal do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, completaram o quadro do julgamento cujo desfecho ficou previsível: Aranha foi considerado inocente.

O caso de Mari Ferrer ganhou repercussão após o site The Intercept Brasil publicar o trecho da audiência em que ela era humilhada pelo defensor de Aranha. Na audiência em que ela é a única pessoa do gênero feminino, seu pedido de ajuda não é atendido pelos demais homens que a assistem. “Estou implorando por respeito, no mínimo. Nem os acusados, nem os assassinos são tratados da forma que eu estou sendo tratada, pelo amor de Deus, gente.” O juiz do caso, só lhe oferece um tempo para tomar um copo de água.

A cena trazida a público nesta terça levou o Conselho Nacional de Justiça a abrir uma apuração que pode, em último caso, resultar na anulação da sentença que absolveu o empresário. Em tese, ao não impedir que Mariana fosse tratada com dignidade, o juiz do processo Rudson Marcos infringiu a resolução 253 do CNJ. Em seu artigo primeiro, essa regra prevê: “O Poder Judiciário deverá, no exercício de suas competências, adotar as providências necessárias para garantir que as vítimas de crimes e de atos infracionais sejam tratadas com equidade, dignidade e respeito pelos órgãos judiciários e de seus serviços auxiliares”. Essa anulação, caso ocorra, se daria no âmbito da Justiça estadual de Santa Catarina.

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Inicialmente, o empresário André Aranha era acusado de estupro de vulnerável. Essa tipificação criminal ocorre quando a vítima tem menos de 14 anos de idade, tem alguma doença mental ou estava sob efeito de álcool ou drogas ao ponto de não ter condições de se apresentar qualquer reação. A investigação da Polícia Civil e a denúncia apresentada pelo Ministério Público de Santa Catarina eram de que, em 15 de dezembro de 2018, ele teria mantido relação sexual com Mariana, sem o consentimento dela e que ela estaria sob efeito de drogas. O laudo do Instituto Médico Legal constatou que ela tinha consumido álcool, mas não encontrou sinal de qualquer outro entorpecente, embora tenha reconhecido que houve ato sexual, e rompimento recente do hímen. A vítima afirmou que tinha sido dopada e não se recorda de alguns momentos daquele dia. Só teria notado que fora estuprada quando, em casa, sua mãe notou que havia sangue, decorrente do rompimento de seu hímen, e esperma em sua calcinha.

Em setembro deste ano, André Aranha foi absolvido do crime de estupro de vulnerável. O juiz Rudson Marcos atendeu ao pedido de absolvição formulado pelo promotor Oliveira, que substituiu o primeiro colega, Alexandre Piazza, e entendeu que não havia provas de que a jovem não teria o discernimento necessário para deixar de apresentar resistência. Recorreu à lógica “in dubio, pro reo”. Diz a sentença que para se configurar a acusação contra Aranha “é necessário que a vítima, por qualquer motivo, não tenha condições físicas ou psicológicas de oferecer resistência à investida do agente criminoso, bem como haja dolo na conduta do agressor e ciência da vulnerabilidade que acomete a vítima.” Os defensores de Mariana recorreram da decisão pois sustentam que ela foi, sim, estuprada. Foi Piazza quem apresentou a denúncia contra o empresário inicialmente, mas depois se saiu do caso.

Embora a própria sentença reconheça que houve uma relação sexual, ela teria acontecido sem “dolo”, ou seja, sem violar a lei. Seria o tal do “estupro culposo”, expressão que descreve um ato sem intenção de que ele aconteça, quase sem querer. A expressão foi usada no texto da reportagem do Intercept e viralizou nas redes em protesto contras as cenas misóginas do tribunal.

Desestímulo à denúncia

Da esfera das redes sociais, onde figurou como um dos assuntos mais comentados ao longo da terça-feira, o caso chegou ao Conselho Nacional de Justiça. O caso já estava no Conselho Nacional do Ministério Público, que determinou no mês passado a abertura de investigações contra o magistrado e o promotor a pedido do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. “Alguns se manifestaram hoje sobre o julgamento da acusação de estupro em SC, após verem o vídeo, mas nós já pedíamos apuração das condutas quando saiu a sentença”, escreveu a ministra Damares Alves no Twitter nesta terça. Não há uma data para que o CNJ ou o TJ de Santa Catarina analisem o caso.

O assunto também percorreu o Senado Federal, que aprovou um voto de repúdio contra todos os envolvidos nesta audiência. Indiretamente, também circulou entre representantes do Supremo Tribunal Federal. Em sua conta no Twitter, o ministro do STF e ex-presidente do CNJ Gilmar Mendes disse que as imagens eram estarrecedoras. “O sistema de Justiça deve ser instrumento de acolhimento, jamais de tortura e humilhação. Os órgãos de correição devem apurar a responsabilidade dos agentes envolvidos, inclusive daqueles que se omitiram”, disse.

Para três especialistas ouvidas pela reportagem, a forma que a vítima foi tratada na audiência desestimula a denúncia de crimes. “É o clássico caso de ‘revitimização’, em que a mulher é vítima de um crime, tem de revivê-lo ao relatá-lo para a polícia ou para o juiz e ainda acaba humilhada”, disse a procuradora da República aposentada Deborah Duprat, que até maio deste ano era procuradora federal dos Direitos do Cidadão, um cargo-chave na estrutura do Ministério Público para monitorar o respeito aos direitos humanos pelo próprio Estado. Para ela, todos os atores em questão falharam. “Casos como esse revelam a incapacidade do nosso sistema de proteger as pessoas”, afirmou.

Para a advogada criminalista Geórgia Laranja, especialista em ciências criminais, o Poder Público tem falhado no atendimento e na proteção de mulheres vítimas de crimes e o caso de Mariana Ferrer é um exemplo dessa inércia. “Muitas vítimas nem sequer denunciam o crime, por esse medo de ser julgada e tratada de forma humilhante. A vítima é atendida muitas vezes por homens que não são preparados para atendê-las”.

É um discurso semelhante ao da Associação dos Juízes Federais. Em nota, a instituição afirmou que o que pode estar em jogo é todo o trabalho do Poder Judiciário. “A invocação, em juízo, de estereótipos sexistas e que buscam estigmatizar a pessoa, traduz discriminação com graves repercussões institucionais, capaz de atingir a credibilidade de todo o sistema de Justiça”.

A advogada criminalista Ana Carolina Bettini entende que tanto o juiz quanto o promotor do caso poderiam ter freado os ímpetos do advogado do acusado. “Poderiam ter pedido para ele baixar o tom, manter as boas maneiras.” No entanto, ela diz que a sentença de absolvição parece ter sido bem fundamentada. “Diante das provas apresentadas, ela foi proporcional.” Na sua avaliação, não ficou comprovado que a jovem estaria embriagada ou sob efeito de drogas, tampouco de que ela teria sido forçada a se relacionar com o empresário.

A sentença, porém, mostra pontos contraditórios no depoimento do empresário. Segundo ele, não houve penetração no ato, nem teria chegado ao clímax, muito embora o laudo do IML “confirmou a prática de conjunção carnal e ruptura himenal [do hímen, uma vez que era virgem]”. Aranha, que depois da noite em que esteve com Mariana voltou a São Paulo, relata em seu depoimento que escutou uma história “estranha” sobre algo que teria acontecido na boate e que enviara um advogado no dia 18 de dezembro, ou seja, apenas três dias depois do ocorrido, para entender o que estava acontecendo. “Seu advogado veio para Florianópolis 3 dias depois dos fatos, deixou o telefone para um Delegado”, diz. A rigidez da Justiça para com Mariana não valeu para ele.

fonte: https://brasil.elpais.com/brasil/2020-11-04/juizo-sobre-estupro-repete-formula-de-humilhar-vitima-para-desqualifica-la-e-juiz-pode-ter-sentenca-anulada.html

 

 

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