Ustra: o sádico abominável

 
Chico Alencar
 
Lembro bem do dia em que o atual presidente, então deputado federal, durante a votação do impeachment de Dilma Rousseff, bradou em pleno Congresso Nacional a sua homenagem ao condenado por tortura na Ditadura Militar, coronel-Em-Nada-Brilhante-Ustra. Ali estava sendo gestado o ovo da serpente. 
 
A longa “gestação” passou incólume pelo Conselho de Ética e Decoro Parlamentar (quando Bolsonaro de novo exaltou o torturador como “herói”) e hoje irrompe no viés autoritário deste (des)governo. Serpenteia no discurso cínico, perverso, daqueles que tentam fazer a Fake História. 
 
O que está em curso, e fica claro na entrevista do vice-presidente Hamilton Mourão ao jornal alemão Deutsche Welle, é uma tentativa de reescrita da História.
 
Diante do jornalista que não “calou a boca” e nem temeu “porrada” (vale lembrar do tratamento do presidente-Capitão à nossa imprensa), o vice Mourão não se constrange ao justificar tamanha admiração do alto escalão brasileiro ao torturador-mor. 
 
Embora diga que não está “alinhado” à tortura, Mourão observa que “muitas pessoas daquela época ainda estão vivas, e todas querem colocar as coisas da maneira que viram” (como se fosse uma questão de mero ponto de vista). Completa ser necessário esperar “que todos esses atores desapareçam para que a História faça sua parte”. 
 
Muitos da minha geração desapareceram sob sequestro, tortura, morte e sumiço dos corpos. Ustra foi o sinistro coordenador da montagem do terrorismo de estado no Brasil. “Amigos presos, sumidos assim pra nunca mais”…
 
Tentativas de negar episódios nefastos de autoritarismo também fazem parte da nossa História. Servem de alerta para repudiarmos esse cinismo criminoso. Trata-se de uma questão de princípios, de valores humanos básicos. 
 
Como historiador e professor, manifesto meu repúdio e pesar. O intento de reescrita (e apagamento) da História se materializa, nos planos Federal, Estadual, Municipal, em políticas para sufocamento da pluralidade, da diversidade de gênero, credo, raça, no anunciado financiamento público de escolas religiosas “alinhadas” ao discurso oficial.
 
A serpente se revela no alijamento de qualquer discurso, ideia ou crítica que conteste esta forma perversa de (des)governar. Esperar não é saber: façamos “a hora”, agora, tecendo em soluções coletivas as articulações possíveis e construindo uma frente de resistência democrática. Não passarão!
 

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