Com cerca de 16 mil focos de incêndio registrados pelo INPE (Instituto de Pesquisas Espaciais) até o último dia 17 de setembro, o Pantanal vive a maior queimada de sua história, que começou em 21 de julho e já destruiu quase 2 milhões de hectares – equivalente a 20 mil quilômetros quadrados, cerca de 15% da área total do bioma. As imagens de animais e planícies inteiras queimando rodaram o mundo.
A entrevista é de Raphael Sanz, publicada por Correio da Cidadania, 24-09-2020.
Sobre esta tragédia entrevistamos Neiva Guedes, especialista em conservação ambiental, presidente do Instituto Arara Azul e professora da Uniderp (Universidade para o Desenvolvimento do Estado e da Região do Pantanal).
“Entre 2 e 22 de agosto a fazenda onde está o santuário das araras azuis foi tomada pelo fogo. Entretanto, na propriedade não foram muitos os animais queimados porque isso ocorreu no começo dos incêndios, naquele momento ainda tinha bastante lugar para os animais correrem e procurarem abrigo. Hoje é diferente. Já queimaram uma área tão grande que os bichos não têm mais para onde correr”, relata a Neiva sobre quando os incêndios alcançaram a fazenda onde funciona um santuário de araras azuis em que trabalha.
A insatisfação com o poder público, em especial o ministro Ricardo Salles, do Meio Ambiente, é declarada, ao mesmo tempo em que aponta a solidariedade popular como algo que possa ser lembrado como positivo em meio à tragédia.
“Vemos numa tragédia dessa que os brasileiros têm muita solidariedade. É a solidariedade das pessoas que permite que seja feito, ainda que pouco, o que é possível para resgatar áreas, combater incêndios, diminuir os danos etc. Por conta da mobilização da sociedade, de brigadistas, fazendeiros, peões, guias e até de pessoas que nem moram, mas estão no Pantanal porque se voluntariaram para vir ajudar. Infelizmente, da parte no governo atual não temos visto uma atuação nesse sentido, na escala que seria necessário nessa área e que se esperava que atuasse”.
Neiva Guedes. (Foto: Divulgação/Instituto Arara Azul)
Eis a entrevista.
A senhora trabalha em um santuário de araras azuis no sul do Mato Grosso, num local atingido ainda no começo dos incêndios. Pode contar um pouco a respeito deste trabalho e sobre esse momento em que o fogo os atingiu?
Eu monitoro essa área há mais de 15 anos junto com outro colega, até publicamos um artigo em dezembro de 2019 demonstrando a chegada das araras nesta fazenda [onde funciona o santuário] para dormir. Chamamos o local de ‘dormitório’.
Há mais de 60 anos, o antigo proprietário – que hoje é falecido, as atuais donas da terra são as filhas dele – observou que araras, papagaios, periquitos, entre outros pássaros, chegavam na fazenda para dormir. Assim, quando comecei o projeto de preservação de espécies 30 anos atrás, ele me mandou uma mensagem dizendo para eu ir conhecer a propriedade porque havia essa grande congregação de araras. Levei um tempo para ir conhecer, mas quando o fiz fiquei realmente embasbacada. Era uma quantidade muito grande de araras, que eu nunca tinha visto em outro lugar.
Ali começamos a monitorar as araras em 2001 e seus ninhos em 2005. Viemos todo o tempo acompanhando as araras da região, para ver também o crescimento da população da área, que fica em uma fazenda tradicional, onde o gado é manejado ao longo do ano. Ela é dividida em vários pastos: o gado um dia está em um pasto, no outro dia vai para outro, e assim por diante. As araras têm uma relação boa com esse gado. Elas vão seguir o gado que come a polpa dos frutos de palmeiras dos quais elas também se alimentam. O gado facilita a vida e a alimentação delas. A fazenda faz divisa com a reserva indígena Perigara, da etnia Bororó, e também com a reserva do Sesc Pantanal, que é a maior reserva privada do país. Os outros vizinhos são fazendeiros tradicionais do Mato Grosso (MT).
No final de julho recebemos notícias com mapas do INPE dos focos de incêndio que davam conta de que o fogo estava avançando na região e tinha a possibilidade de chegar na fazenda. Entramos em desespero porque conhecemos a importância dessa área para as araras e de fato esse fogo chegou lá no dia 2 de agosto. Entre 2 e 22 de agosto a fazenda foi tomada pelo fogo.
Temos uma análise da IVC, uma ONG do Mato Grosso, sobre esses focos de incêndio que diz que 92% da fazenda foi atingida pelo fogo. Isso no final de agosto. Pensando no caso das araras, sabemos que elas voam e, por isso, alguns podem dizer que dificilmente seriam queimadas. Entretanto, o incêndio ocorreu no início da estação reprodutiva, em um momento em que produzem ninhos e gestam filhotes, e nesse momento elas não têm o costume de abandonar os ninhos. Podem até voar quando o fogo se aproxima, mas não deixam a área.
Ainda não sei dizer o real impacto do incêndio sobre as araras do santuário, mas em outro santuário, no Mato Grosso do Sul, houve um incêndio no ano passado na mesma época de reprodução. Perdeu-se ali cerca de 40% de ninhos que as araras estavam utilizando para reprodução. Muitos já com filhotes acabaram sendo tomados pelo incêndio. Sabemos que algo dessa dimensão possa ter acontecido também agora.
Ainda não analisamos, vou pra lá esta madrugada (21/9) junto com a minha equipe, para poder analisar os impactos do fogo nas populações de espécies que acompanhamos. Já sabemos que extensas áreas de alimentação foram queimadas. Entretanto, na propriedade não foram muitos animais queimados ou chamuscados, porque foi no começo do grande incêndio, que, começou em 2 de agosto. Ou seja, naquele momento ainda tinha bastante lugar para os animais correrem e procurarem abrigo. Hoje é diferente. Já queimaram uma área tão grande que os bichos não têm mais para onde correr.
Infelizmente, o incêndio não foi contido e chegamos a setembro com essas imagens terríveis de animais queimados e carbonizados, para não falar das dimensões por si só das áreas afetadas.
Como avalia a amplitude dos incêndios que se aproximam de destruir 20% de todo o pantanal brasileiro?
É uma tragédia, muito triste, como se fosse um tsunami sobre uma cidade costeira. O Pantanal é um dos menores biomas brasileiros, mas é um dos mais conservados. E é um bioma em que temos uma grande riqueza de biodiversidade porque funciona como um berçário para vário exemplares da fauna. Como ele tem essa sazonalidade entre inundação e períodos secos, fornece uma quantidade de nutrientes muito grande para os animais que habitam aquele local. Assim, além de você ter uma grande diversidade, as espécies também se apresentam em quantidades. Inclusive espécies emblemáticas da nossa fauna, como as onças-pintadas, as araras, as antas, os tamanduás, os tatus, entre outros, são encontradas hoje em dia com mais frequência no Pantanal.
Quando temos diante de nós tamanha tragédia, um incêndio florestal de tais dimensões, que pode colocar em risco perto de 20% do bioma, é muito triste. Porque estamos perdendo vidas de muitos espécimes nesse momento – répteis, anfíbios, insetos, etc. – e podemos até estar dizimando muitas dessas espécies.
Certamente, os animais que sobreviverem devem sofrer com a perda de habitat, além de entrarem numa espécie de luta pela vida, em busca de água, alimento e abrigo. Quando o bioma se recuperará pra que haja alimento pra esses animais? Vai demorar, de modo que entram nessa roda de sobrevivência onde aumenta a predação e a competição.
A vegetação vai demorar para se recuperar. Pode até ficar mais verdinha depois da primeira chuva, aparentemente a paisagem vista de longe poderá estar razoavelmente recuperada, mas sobre as relações entre espécies que havia até julho de 2020 é improvável que voltem tão cedo a esse mesmo estágio. Só consigo comparar com um tsunami, que em poucos minutos varre uma cidade inteira no litoral.
O que podemos destacar a respeito do papel que a sociedade têm cumprido e da reação dos governos locais e federal?
Vemos numa tragédia dessa que os brasileiros têm muita solidariedade. É a solidariedade das pessoas que permite que algo seja feito, ainda que pouco, o que é possível para resgatar áreas, combater incêndios, diminuir os danos etc.. Por conta da mobilização da sociedade, de brigadistas, fazendeiros, peões, guias e até de pessoas que nem moram, mas estão no Pantanal porque se voluntariaram para vir ajudar. Essa é a parte boa, a mobilização e a solidariedade das pessoas, unindo esforços para ajudar a resgatar animais, diminuir focos.
Infelizmente, no governo atual não temos visto uma atuação nesse sentido na escala que seria necessário, e que se esperava que atuasse. Está deixando muito a desejar, uma vez que daria para termos previsto isso bem antes com investimento, pessoal, equipamento, treinamento, pesquisa, entre outros esforços necessários para nos prevenir de uma tragédia como essa. Não é possível que nada não seja feito e que tragédias como essa aconteçam outra e outra vez.
Como avalia a postura e a política ambiental do ministro Salles e o que comenta da ampliação das fronteiras agrícolas, tema tão caro à origem desses incêndios como vem sendo apurado por diversos meios de comunicação?
A postura desse ministro é ruim porque coloca a produção em oposição à preservação, como se fossem totalmente inconciliáveis, e eu não vejo assim. Se somos uma potência em produção agrícola, como dizem, isso é ótimo. Porém, também temos que ser protetores da biodiversidade. Precisamos buscar a conciliação. Vejo que é possível desenvolver, produzir e conservar, a questão é de que forma vamos fazer isso.
Há muitas áreas no Brasil que podem ser cultivadas, áreas que já estão desmatadas, abandonadas e que podem ser recuperadas para a produção. Precisa de incentivo, de investimento, planejamento e, principalmente, parar com a dualidade que diz que produzir e preservar são inconciliáveis.
Quais seriam as ações corretas de mitigação e o que poderia ser feito no longo prazo para a preservação do Pantanal? Como a sociedade deveria encarar a importância de preservar o bioma?
A sociedade precisa, em geral, começar a refletir sobre seu estilo de vida, suas escolhas, seu consumo. Cada um precisa pensar também nisso, não basta só a academia ou o jornalismo especializado debatendo tais questões. No longo prazo precisamos de ciência, de educação, de bom senso, para encontrarmos as saídas. Precisamos da ciência para descobrir quais os melhores métodos e formas de fazer as coisas.
Se temos hoje uma pecuária e uma agricultura de ponta no país, que produz muito com muita tecnologia envolvida, é porque teve incentivo, teve todo um financiamento. A mesma coisa com a ciência que estuda a conservação dos biomas, precisa de financiamento para planejar, educar e construir junto com a sociedade esse projeto. Preservar o meio ambiente e garantir um lugar saudável para a fauna e a flora significa um ambiente mais saudável também para nós.
Quais as consequências no clima do pais como um todo após esses recentes episódios de devastação no pantanal, na amazônia, entre outros?
Já estamos sentido as consequências na pele. Primeiro a perda imediata de vidas, de todas as formas de vida, fauna, flora e vida humana.
Segundo, quem sobra, quem não morre, quem fica, sente as consequências. Todos nós já estamos sentindo as mudanças climáticas, quando chove e alaga a cidade de uma vez, por exemplo, entre outros exemplos abundantes. No caso das áreas onde há vida selvagem, a perda de habitat é o principal problema.
As consequências são grandes, temos muita biodiversidade e não podemos deixá-la queimar. Perdemos muito sem levar a conservação do meio ambiente a sério, e para termos proteção ambiental séria e eficiente, precisamos investir em ciência.
Nota:
A entrevista foi gravada um dia antes do presidente Jair Bolsonaro dar suas declarações mentirosas e eleitoreiras na Assembleia Geral da ONU a respeito dos incêndios no Pantanal.
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Um estudo do Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG) aponta que as florestas tropicais, responsáveis por dois terços da biodiversidade mundial, correm o risco de terem suas espécies de plantas reduzidas e extintas por causa do aumento da temperatura e da ausência de chuvas. Intitulado de Esecaflor (Seca da Floresta), o experimento está sendo realizado ao longo de duas décadas na Floresta Nacional de Caxiuanã, no Pará. O seu principal objetivo é entender como o aumento de temperatura causado por fenômenos como o El-Niño – caracterizado por mudanças nas temperaturas das águas do Oceano Pacífico – e mudanças climáticas podem afetar a floresta.
A reportagem é de Marcos Furtado, publicada por ((o))eco, 22-09-2020.
Originado no Programa de Pesquisas Ecológicas de Longa Duração (PELD), o Eseclafor se concentra em duas faixas da floresta, de um hectare cada (equivalente a um campo de futebol). Em uma delas, os especialistas instalaram 6 mil painéis de plásticos transparentes a uma altura média que fica entre 1,5 e 3,5 metros acima da superfície. Essas telas ajudam a simular as altas temperaturas e condições semelhantes às projetadas para a região amazônica por estudos climáticos, pois impedem que a água penetre o solo.
Quando comparada a outra faixa da floresta, que estava sem os painéis, especialistas observaram que a área coberta com plástico apresentou uma taxa duas vezes maior de mortalidade de árvores. Houve redução de espécies de árvores, arbustos, epífitas e palmeiras.
“Há também uma nítida modificação da composição de espécies, sendo a parcela experimental representada por indivíduos mais tolerantes à redução da umidade do solo. A única forma de vida beneficiada com a redução da umidade do solo na parcela experimental foram os cipós, que aumentaram em número de espécies, indivíduos e biomassa”, conta Leandro Valle Ferreira, ecólogo e coordenador do projeto.
A Amazônia foi o local e o principal foco do experimento. Leandro Valle Ferreira revela preocupação com a floresta sul-americana. “A Amazônia se tornará mais seca e pobre em espécies, confirmando as previsões pessimistas dos cientistas”, afirma.
De acordo com o pesquisador, os impactos sobre a Amazônia podem se estender a outros biomas. “Reduzindo a quantidade de chuvas na região amazônica, outros biomas ficarão mais secos também. Eles são interligados e têm uma dinâmica climatológica entre eles. Portanto, qualquer alteração vai consequentemente prejudicar os outros biomas, como o próprio Cerrado, Caatinga e Mata Atlântica”, explica.
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A Amazônia está mais perto de um ponto de inflexão ecológica catastrófica do que em qualquer outro momento nos últimos 100.000 anos, e a atividade humana é a causa.
A reportagem é de Adam Lowenstein, publicada por Florida Institute of Technology e reproduzida por EcoDebate, 24-09-2020. A tradução e edição são de Henrique Cortez.
Em um novo artigo publicado nos Annals of the Missouri Botanical Garden, o professor de biologia da Florida Tech, Mark Bush, descreve como a vasta floresta amazônica poderia ser substituída por savana, que é uma pastagem com poucas árvores, durante nossa vida.
As florestas tropicais dependem de alta umidade e não têm adaptação para resistir ao fogo. Bush usa pólen fóssil e carvão recuperado de sedimentos de lagos que datam de milhares de anos para rastrear mudanças na vegetação e na frequência de incêndios ao longo do tempo. Ele descobriu que os incêndios eram quase desconhecidos na Amazônia antes da chegada dos humanos.
Perturbações relativamente de pequena escala causadas pelos primeiros habitantes da Amazônia nos últimos 10.000 anos não trouxeram o sistema a um ponto de inflexão porque ele poderia se recuperar desses eventos menores. Mas os efeitos modernos do aquecimento do clima e elevado risco de seca – ambos produtos da mudança climática antropogênica – estão se combinando com o desmatamento em escala muito maior e as queimadas na Amazônia para criar as condições em que vastas áreas de floresta tropical podem fazer a transição para savana em questão de décadas.
“A imensa biodiversidade da floresta tropical está em risco de incêndio”, disse Bush.
Um dos pontos-chave do artigo, “Novos e recorrentes pontos de inflexão: a interação do fogo, mudança climática e desmatamento nos ecossistemas neotropicais”, é que embora nenhum governo individual possa controlar a mudança climática, o fogo pode ser regulado por meio de políticas. Quase todos os incêndios na Amazônia são provocados deliberadamente por pessoas e tornaram-se muito mais frequentes nos últimos dois anos, devido a alterações na política, do que na década anterior.
Os dados de Bush mostram que o ponto de inflexão provavelmente será alcançado se as temperaturas subirem mais 2 a 3 graus Fahrenheit. O aquecimento antropogênico traria essas temperaturas até o final deste século, mas o aumento das queimadas cria paisagens mais quentes, mais secas e menos sombreadas que poderiam acelerar essa transição.
“O aquecimento por si só pode induzir o ponto de inflexão em meados do século, mas se as políticas atuais que fecham os olhos para a destruição da floresta não forem interrompidas, podemos chegar ao ponto de inflexão muito mais cedo”, disse Bush.
Ele acrescentou: “Além da perda da vida selvagem, os efeitos em cascata da perda da floresta tropical amazônica alterariam as chuvas em todo o hemisfério. Este não é um problema remoto, mas de importância global e significado crítico para a segurança alimentar que deve preocupar a todos nós”.
Nota:
O artigo está disponível aqui.
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