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Caravana Latino-americana para Ecologia Integral está na Europa. Comunidades latino-americanas martirizadas pela mineração denunciam violações e debatem sobre o cuidado com a Casa comum.
Silvonei José – Vatican News
As vozes das vítimas do extrativismo mineiro e as experiências das comunidades em defesa da Casa Comum – A Caravana Latino-americana para Ecologia Integral em Tempos Extrativistas parte do Brasil- estão na Europa para denunciar as violações dos direitos humanos que estão sendo vivenciadas como resultado da imposição de uma agenda neoextrativista na América Latina. “Há milhares de nós que estamos em resistência organizada, exigindo justiça, exigindo que as imposições colonialistas parem, exigindo que nosso direito de decidir e de viver em paz seja respeitado”, gritam os testemunhos.
A Caravana partiu do Brasil, Colômbia, Honduras e Equador com líderes comunitários, agentes pastorais, ativistas e pesquisadores. A Caravana chegou à Alemanha no dia 20 de março e depois veio para a Itália passando pela Bélgica. Terminará na Espanha no dia 6 de abril. A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), através da Comissão Especial de Ecologia Integral e Mineração (CEEM), e as comunidades acompanhadas pela Rede de Igrejas e Mineração (IyM), através da Campanha de Desinvestimento em Mineração, amplificam suas vozes para que “o grito da terra dos pobres” seja ouvido (LS 49). O grito ecoando das comunidades martirizadas pelas economias extrativas e a violação histórica da Casa Comum pelas atividades de mineração exige uma conversão ecológica urgente, como expressa pelo Papa na Encíclica Laudato si.
A Caravana expressa sua solidariedade com a região e com as vítimas da guerra que eclodiu na Ucrânia. Uma situação que é um reflexo do permanente estado de guerra em países latino-americanos.
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Dom Vicente
Dom Vicente de Paula Ferreira, C.Ss.R, bispo auxiliar da arquidiocese de Belo Horizonte e membro da Comissão Episcopal Especial de Ecologia Integral e Mineração da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil visitou a Rádio Vaticano – Vatican News e conversou com Silvonei José. Ouça a entrevista na íntegra.
Na introdução de suas palavras expressou a alegria em “falar de um tema tão importante que essa Caravana está trazendo, exatamente fazendo eco do que Papa Francisco tem insistido muito na Laudato si, Querida Amazónia, que nós atravessamos agora com a pandemia, com a guerra.
“A gente vê cada vez mais a humanidade global atravessando uma crise que o Papa denomina como crise socioambiental”, destacou dom Vicente. “E por isso nós estamos nesse trabalho de incidência internacional falando com várias Organizações eclesiais e civis sobre a necessidade, como você já disse, de escutarmos o grito dos pobres e da terra”.
“Tantos cenários de destruição, de crimes, como por exemplo acontecem muito nosso Brasil e no continente latino-americano”.
A voz aqui é latino-americana não é brasileira?
Aqui está uma caravana latino-americana, nós estamos inclusive falando os dois idiomas português e espanhol e trazendo essas experiências que são comuns a nós que lutamos, que somos lutadores dos direitos humanos e da terra, como a gente diz, trazendo a voz dos nossos pobres, das nossas comunidades afetadas sobretudo pelo extrativismo. Por exemplo nosso caso de Minas Gerais, a questão da mineração; esses grandes crimes de Mariana e Brumadinho, mas não para aí. Tem muitas outras realidades e sofrimento do nosso povo.
A Caravana, entrou na Europa pela Alemanha…
Iniciamos por Frankfurt na Alemanha, passamos já pela Bélgica onde nós conversamos com várias Organizações e também parlamentares. Falamos com agentes de bancos e chegamos aqui à Itália, e em Roma falamos com os religiosos. Hoje estivemos no Dicastério para o Desenvolvimento Humano Integral. É assim, nós estamos nesse diálogo. É claro que a gente traz uma denúncia no sentido das violações que nos apresentam, mas também estamos conversando sobre os anúncios; é possível mudar a partir das feridas dos mais pobres, é possível mudar. Assusta muito as pessoas que estão na condução desses megas projetos econômicos quando a gente diz: queremos dignidade para o nosso povo trabalhar a terra, a agroecologia. A gente quer valorizar o turismo, a religiosidade, a espiritualidade. Tudo isso sendo bem integrado e escutado nas comunidades. Tudo isso faz parte de uma vida sustentável, enquanto esse nosso sistema que está aí, o que que ele faz com a gente? Vai, busca as nossas riquezas e muitas vezes deixa esse lastro de destruição. A gente vê isso nos territórios na América Latina.
Então é a nossa esperança de que a gente seja escutado, até porque nós estamos atravessando uma grande interrogação sobre a nossa sobrevivência nesse planeta. Nós temos hoje aquecimento global, alto número de refugiados, são tantos dramas que nos colocam na necessidade cristã de buscar uma nova forma de relação com essa nossa casa comum como diz o Papa. Irmãos e irmãs moradores e cuidadores de uma Casa comum que é a Terra.
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Mineiros
As realidades presentes:
– Piquiá de Baxio – Brasil: mineração de ferro, trabalho escravo, contaminação das fontes de água, índices de saúde da população. A resistência e a organização da população conquistaram o reassentamento, mas ainda não garantiu a mudança para o novo lugar chamado “Piquiá daConquista”.
– Brumadinho – Brasil: derramamento de lodo tóxico que deixou 272 mortos, em outro crime ambiental da empresa Vale que ainda não encontrou justiça. Famílias que perderam tudo, agricultores sem-terra e sem teto, população deslocada.
– Putumayo, Mocoa – Colômbia: concessões de mineração para extração de cobre, na Amazônia colombiana, afetando fontes de água, nascentes de rios, territórios indígenas, em um território já afetado e deslocado pelo conflito armado.
– Sudoeste de Antioquia – Colômbia: cerca de 90% do território é destinado à extração de cobre, ouro e prata. Ela destruiu atividades produtivas locais baseadas na agricultura, exacerbou a violência entre habitantes e forasteiros e ocupou territórios ancestrais. Organização e resistência conseguiram parar parte da concessão mineira no município de Jericó.
Um dos objetivos fundamentais da delegação é avançar na consolidação de redes e alianças de solidariedade entre a Igreja do Norte e o Sul Global, comprometendo-se a defender, a partir da voz e da perspectiva das vítimas, suas propostas, acompanhando suas alternativas de resistência e de defesa da vida. Além de acompanhar os processos pastorais das igrejas locais na América Latina, que com coragem e profecia permanecem ao lado dos afetados, buscando a Ecologia Integral.
A Rede de Igrejas e Mineração e a Campanha de Desinvestimento:
A Rede de Igrejas e Mineração é um espaço ecumênico, formado por comunidades cristãs, equipes pastorais, congregações religiosas, grupos de reflexão teológica, leigos, bispos e pastores que procuram responder aos desafios dos impactos e violações dos direitos socioambientais causados pelas atividades mineradoras nos territórios onde vivemos e trabalhamos.
A Campanha de Desinvestimento em Mineração é promovida pela Rede de Igrejas e Mineração e conta com dezenas de organizações afiliadas. O desinvestimento é uma ferramenta concreta para enfrentar um modelo econômico extrativista que gera devastação e desigualdade. A Campanha acompanha organizações baseadas na fé em seu compromisso de apenas financiar a fim de alcançar uma transformação dentro das Igrejas. Ela também procura defender e tornar visíveis as violações de direitos e os danos ambientais causados pela mineração.
fonte: https://www.vaticannews.va/pt/igreja/news/2022-03/dom-vicente-de-paula-ferreira-escutar-o-grito-pobres-terra.html
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As jovens Larissa Pereira Santos e Kelly da Silva fazem parte da Caravana Latino-americana para Ecologia Integral que está viajando pela Europa para denunciar as violações dos direitos humanos e os efeitos negativos da mineração sobre as comunidades quilombolas, ribeirinhas, indígenas e centros urbanos.
Silvonei José/Mariangela Jaguraba – Vatican News
A Caravana Latino-americana para Ecologia Integral está na Europa. Comunidades latino-americanas martirizadas pela mineração denunciam violações dos direitos humanos e debatem sobre o cuidado da Casa comum.
A Caravana partiu do Brasil, Colômbia, Honduras e Equador com líderes comunitários, agentes pastorais, ativistas e pesquisadores. Chegou à Alemanha no dia 20 de março e depois veio para a Itália passando pela Bélgica. Terminará na Espanha no dia 6 de abril.
A jornalista e coordenadora política da “Organização Justiça nos Trilhos”, Larissa Pereira Santos, que faz que faz parte da caravana, visitou a Rádio Vaticano – Vatican News e conversou com Silvonei José. Larissa trabalha na defesa dos direitos humanos e da natureza na Amazônia Brasileira.
Trabalho de sensibilização
“Justiça os Trilhos, hoje, é uma organização de direitos humanos que apoia as comunidades que estão situadas ao longo de uma região que nós denominamos ‘Corredor Carajás’, por ser uma região afetada pela extração mineral na Amazônia Brasileira. Nós trabalhamos dando aporte às comunidades que estão situadas ao longo da logística de escoamento de transporte de minério de ferro extraído da Serra de Carajás no Estado do Pará. Estamos no Maranhão, Estado vizinho, onde essa logística perpassa e atravessa vinte e três municípios e dentro desses vinte e três municípios há centenas de comunidades, dentre elas quilombolas, ribeirinhas, centros urbanos, indígenas e todas elas sentem os impactos negativos da mineração que vão desde o escoamento do minério dentro dos trens em galpões abertos, à poluição do ar com minério em pó deixado nesses caminhos. O trem hoje é o maior trem do mundo que nós temos, com 330 vagões perpassando por comunidades pequenas, trechos isolados, comunidades rurais do Maranhão. Passa diariamente todas as horas. Temos um intervalo de cerca de 20 minutos entre um trem e outro perpassando por uma comunidade”, disse Larissa.
A nossa entrevistada disse ainda que a passagem do trem “dura de 5 a 7 minutos em cada comunidade com mais de 300 vagões cheios de minério de ferro. Ele sai do Pará e vai até a capital do Maranhão onde chega aos portos e é exportado especialmente para China e na China este minério é transformado em carros, em materiais para a construção civil e chega até os países da Europa que são os países que estamos visitando nesta incidência internacional. Essas comunidades localizadas no interior do Maranhão sofrem com a poluição do ar, sofrem com a trepidação da terra provocada pela passagem do trem diariamente, sofrem com as rachaduras nas casas. A trepidação ocorrendo há quarenta anos, vai causando rachaduras nas casas e destruindo as moradias das comunidades. Então, a gente faz um trabalho de formação popular, de assessoria jurídica popular e de denúncia nacional e internacional desses impactos negativos sofridos por essas comunidades na Amazônia, no Maranhão, e no Estado do Pará”.
Segundo Larissa, “as comunidades sentem o impacto na pele, a poluição no ar, o impacto no meio ambiente, o rio assoreado por conta da Estrada de Ferro Carajás”, “mas a gente não consegue relacionar a dimensão global da ligação entre a empresa que está lá no território até o consumidor que compra o minério de ferro e está muito distante desses territórios”, disse ela. “Então a gente está num trabalho de sensibilização para que todas as empresas, situadas ao longo dessa cadeia de valor, desde a mineradora que extrai na Serra de Carajás até o comprador que é beneficiado, os países da Europa a fora, possam se sentir corresponsáveis neste processo. A gente quer dizer que eles são corresponsáveis de todas as violações dos direitos humanos que essas comunidades sofrem ao longo desse caminho”.
Beneficiamento do ferro para a produção de aviões e armas
Silvonei conversou também com Kelly da Silva, educadora popular e ativista social, formada pela “Organização Justiça nos Trilhos” que “faz formações políticas para que a comunidade impactada ela tenha consciência de ser fruto de direito que possa entender sobre seus direitos e assim se movimentar para que vá em busca. Piquiá de Baixo é impactada diretamente pelas indústrias de minério. Lá temos o impacto da linha de ferro, em relação ao pó, poluição que é lançada na atmosfera, fábricas de cimento, temos também o impedimento do acesso de ir e vir. Entre Piquiá de Baixo e Piquiá de Cima tem a BR onde passam os carros pesados carregando os minérios, onde as crianças precisam ir e vir, por causa da escola, e neste momento elas estão sujeitas a atropelamentos, como já aconteceu, não apenas por meios pesados, mas também quando atravessam a linha do trem. Somos vítimas de violações de direitos humanas, saúde, educação, direito de moradia digna. Além da trepidação por causa do trem, os nossos imóveis são desvalorizados. Quem quer viver numa comunidade poluída? Ninguém. Estamos literalmente abandonados pelo poder público”.
Segundo Kelly, “a mineração impõe divisões (…), existe somente a extração, o beneficiamento do ferro por conta da produção, da produção de aviões, da produção de armas, do consumo desregrado. Porque consumir é uma coisa, agora consumir em excesso, só vai nos lavar à morte, e pelo que vemos não é uma morte lenta”.
fonte: https://www.vaticannews.va/pt/igreja/news/2022-03/larissa-pereira-santos-kelly-silva-comunidades-impacto-mineracao.html