28 anos do Massacre do Carandiru: é urgente uma atuação antirracista e em prol do desencarceramento no país

Justiça Global

O ser humano é descartável no Brasil.
Como modess usado ou bombril.
Cadeia? Guarda o que o sistema não quis.
Esconde o que a novela não diz.
(Racionais MC’s)

carandiru_28_jgForam precisos apenas 20 minutos para a polícia militar paulista inscrever na história do Brasil um dos episódios mais violentos e repugnante: o Massacre do Carandiru. Cerca de trezentos e vinte policiais armados com metralhadoras, fuzis e pistolas – sem insígnias e crachás de identificação – invadiram o pavilhão 9 da Casa de Detenção de São Paulo e executaram sumariamente 111 pessoas. A perícia concluiu que 70% dos tiros foram dirigidos à cabeça e ao tórax. Os exames de balística indicaram a intenção premeditada de matar. Os laudos periciais concluíram que vários detentos estavam ajoelhados, ou mesmo deitados, quando foram mortos. As fotos do Carandiru de 2 de Outubro de 1992 remontam aos maiores crimes e mais cruéis contra a humanidade. As condições desumanas que os presos eram submetidos culminaram no Massacre. Na época, o presídio abrigava 7257 homens, sendo que sua capacidade era de 3300.

O presidente da Comissão Internacional de Inquérito sobre a Síria das Nações Unidas e ex-Secretário de Estado de Direitos Humanos Paulo Sérgio Pinheiro esteve no Carandiru após o Massacre, na época ele integrava a Comissão Teotônio Vilela de Direitos Humanos:

“A Comissão Teotônio Vilela foi a primeira a entrar no Carandiru depois do massacre de 111 presos. Os funcionários lavavam o chão mas o sangue ainda escorria das paredes das celas que visitamos. Depois a verdade inscrita nos corpos das vítimas confirmou o que vimos como resultado de execuções. Logo os poderes vendiam a versão de que o massacre foi resultado de uma rebelião que só existia nas mentes das autoridades na sina de esconder os fatos. A ação da Comissão e defensores de direitos humanos foi essencial para que essa fantasia se dissolvesse. O massacre para as famílias dos detentos assassinados assume ares de um crime continuado porque até hoje, sob a proteção da justiça, pois perdura depois 28 anos a total impunidade para os PMs que cometeram aqueles crimes e para as autoridades mandatárias dos massacres, assim como a ausência de reparações para as famílias das vítimas. No Brasil depois de 30 anos de democracia constitucional e muito mais no presente, as vítimas, desde que miseráveis, pobres e negros como os massacrados do Carandiru as vítimas são sempre culpadas.”

Paulo Sérgio aponta para a falta de responsabilização dos envolvidos no Massacre. É fácil identificar no caso do Carandiru indícios da política estatal de extermínio da juventude negra. O Pavilhão 9, onde ocorreu a matança, ficavam os réus primários. Dos 111 detentos assassinados, 86 tinham idade entre 18 e 30 anos. Um levantamento das vítimas mostrou que 80% ainda esperavam por uma sentença definitiva da Justiça, ou seja, eram presos provisórios, não haviam sido condenados.

Sandra Carvalho, fundadora e coordenadora da Justiça Global, também esteve no Carandiru após o Massacre e descreve como a pronta atuação da sociedade civil foi fundamental para que os crimes cometidos pelo estado não fossem encobertos:

“Na época do Massacre do Carandiru, eu era aluna do Prof. Paulo Sérgio Pinheiro, meu querido mestre, na faculdade de Ciências Sociais da USP e integrava a equipe da Comissão Teotônio Vilela (CTV), nos anos iniciais de minha militância em direitos humanos. A pronta atuação da Comissão Teotônio Vilela, e da Pastoral Carcerária, na figura de Francisco Reardon, inesquecível Padre Chico, foi fundamental para descortinar para o mundo que o que estava em curso na Casa de Detenção, conhecida como Carandiru, era um grande massacre de pessoas privadas de liberdade. Era véspera de eleição, e o foco da imprensa era o pleito eleitoral. A entrada da CTV e da Pastoral amplificou as vozes dos familiares em desespero e deu visibilidade à carnificina promovida pela Polícia Militar de São Paulo”.

Hoje, passados 28 anos do Massacre, o Brasil possui mais de 700 mil pessoas presas. Episódios como o ocorrido no Carandiru tornaram-se constantes. A sistemática de mortes violentas em unidades de privação no Brasil já produziu entre 2 de outubro de 1992 e 02 de outubro de 2020 muitos “Carandirus”.

O mote da política de justiça criminal brasileira tem sido a construção de mais presídios, a privatização das unidades, a formação de novos efetivos policiais e o endurecimento penal, associado aos interesses do grande capital e tendo o racismo como estruturador da política. O resultado é o índice de aprisionamento no país, que já alcança o posto de 3º lugar entre as maiores populações prisionais do mundo. É urgente que todos os setores comprometidos com a superação do racismo e da criminalização de pobreza se mobilizem em torno de uma agenda positiva de promoção dos direitos humanos e do desencarceramento.

 

animação pelo desencarceramento

Das mais de 700 mil pessoas presas no Brasil, majoritariamente negras, cerca de 40% não foram sequer condenadas em primeira instância. O direito constitucional à presunção de inocência, para a população negra, é sistematicamente violado pelas próprias instituições que deveriam garanti-lo. A exposição a condições insalubres e indignas no cárcere, a prática sistemática de tortura, a negação de direitos fundamentais, como água, alimentação adequada, educação e saúde, põe em xeque a democracia brasileira, devendo ser combatidos por todos os setores comprometidos coma superação de racismo e das desigualdades sociais.

Aqueles/as que creem no encarceramento em massa como fórmula para a redução da violência no país estão enganados. O Brasil dobrou a população prisional em apenas 11 anos (de 361,4 mil presos em 2005 para 726,7 mil em 2016 – Infopen), no mesmo período os índices de homicídios aumentaram.

Diante de tudo isso, a Justiça Global defende que iniciativas como a Agenda Nacional pelo Desencarceramento precisam ser ampliadas e difundidas no conjunto da sociedade brasileira, de modo a reverter as taxas de encarceramento e diminuir, de forma efetiva e ampla, o número de pessoas presas no país e, consequentemente, as violências e violações decorrentes do cárcere.

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“Pros moleque da quebrada um futuro mais ameno, essa é a meta”.

(Racionais MC’s)

 

Justiça Global

 

Foto de capa: José Luiz da Conceição / Arquivo O Globo

 

fonte: http://www.global.org.br/blog/desencarceramento/

 

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